INTRODUÇÃO
A recomendação nº 156 (Organização Internacional do Trabalho -OIT, 1977) sobre ambiente de trabalho (poluição do ar, ruído e vibrações) estabelece uma ligação explícita entre a proteção do ambiente de trabalho e a proteção do ambiente geral e, em janeiro de 2019, foi reforçada com o apelo à Garantia Laboral Universal a locais de trabalho seguros e saudáveis. Fala ainda do reconhecimento da segurança e saúde no trabalho como um princípio e direito fundamental no mesmo. As estimativas globais da OIT em 2018 a respeito dos migrantes para o período de 2013-2017 indicam que 164 milhões (dos cerca de 277 milhões de migrantes internacionais) são trabalhadores. Mesmo nos casos em que o emprego não é o principal motivo da migração, fará parte do processo de migração mais cedo ou mais tarde, já que 86,5 por cento dos migrantes têm entre 20 e 64 anos de idade, é dizer, estão em idade ativa (1).
Neste estudo de caso a idade, a nacionalidade estrangeira (Marrocos, África) e a suspeita de tuberculose respiratória (2), foram os alertas que em 2008 levaram à deslocação dos profissionais de saúde pública à comunidade para rastreio de operários, numa indústria metalomecânica com apenas um relatório de atividades de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, registado eletronicamente em 2005 no Ministério de Saúde (modelo de relatório único - figura 1) e na Autoridade para as Condições do Trabalho, com parâmetros dentro da normalidade.
O Ministério de Saúde identifica os distritos de Porto e Lisboa como aqueles com mais alta taxa de notificação e os únicos do país que se mantêm acima dos 20 casos por 100 mil habitantes (25,3 e 23,7, respetivamente) - figura 2.
Em 2018 a demora média entre o início de sintomas e o diagnóstico foi de 80 dias. Este valor tem vindo a aumentar na última década e poderá relacionar-se com o baixo índice de suspeita de tuberculose por parte dos profissionais de saúde no centro de saúde ou na urgência, e da própria população, na medida em que estão a diminuir o número de casos de tuberculose na comunidade. Em 2014 o sistema de informação mudou para um sistema electrónico nacional (SINAVE, DGS) que facilita as notificações electrónicas de todas as doenças de declaração obrigatórias. Num perfil social definido em 2016 para as áreas NUTS 3 (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) de Grande Lisboa, Grande Porto e a península de Setúbal, com alta incidência de tuberculose, e baseado em fatores demográficos e socioeconómicos, com dados entre 2002 e 2012, foi concluído que as medidas de controlo da tuberculose deveriam ser dirigidas especialmente à população migrante no caso de Lisboa e Setúbal, à diferença do Grande Porto, onde a estratégia de intervenção deveria ter o foco na população em desemprego (3).
Associada a esta doença, pode existir outra patologia, a fibrose pulmonar por inalação de poeira de sílica livre ou combinada, radiograficamente diagnosticada, reconhecida em Portugal como doença profissional. O circuito de notificação, diagnóstico, reconhecimento, prevenção e reparação de doença profissional segue as orientações da informação técnica 09/2014, que foi divulgada internamente na maioria dos agrupamentos de centros de saúde através das unidades de apoio a gestão, que especifica claramente a intervenção das estruturas de saúde pública nos mesmos. A Segurança Social idealizou sensibilizara todos os médicos inscritos na Ordem dos Médicos, com envio de carta às moradas particulares, explicando qual era o formulário de notificação a ser enviado ao Centro de Proteção de Riscos Profissionais.
Segundo o Observatório Regional de Saúde Pública são três os setores de atividade económica com maior número de casos de doenças profissionais, com uma frequência relativa de 53,8% para as indústrias transformadoras (tabela 1) e com uma faixa etária de mais de 50 anos de idade (gráfico 1).
Setor de atividade (CAE-Ver.3) | Frequência absoluta | Frequência relativa |
---|---|---|
Indústrias transformadoras (secção C) | 41,40 | 53,8 |
Construção (secção F) | 772 | 10,0 |
Indústrias extrativas (Secção B) | 679 | 8,8 |
Para a “sílica” (4) em específico o risco relativo é de 15,79 com Intervalo de Confiança entre 13,9 e 18,47, no caso de operadores de instalações e máquinas e trabalhadores de montagem em Portugal.
O objetivo nesta investigação epidemiológica de campo, por alerta de notificação suspeita de doença por agente biológico (5) em indústria de risco, foi consciencializar sobre a problemática da abordagem abrangente e integral precoce em microempresas e empresas de média dimensão, com atividade produtiva de risco.
A taxa de mortalidade padronizada para este ACeS dentro do conjunto de grandes grupos de causas de morte para a população de menos de 75 anos de idade, é superior com significância estatística nos triênios 2010-2012; 2011-2013 e 2012-2014 em ambos os sexos, com destaque para a tuberculose (tabela 2). Não estão disponíveis dados de mortalidade específicos para a sílica.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de caso que, junto com a observação direta do local de trabalho em 2008 e em 2013, realiza uma análise retrospectiva das seguintes fontes documentais:
- Notificações clínicas em 2008de suspeitas de doença respiratória bacteriana sem confirmar (SVG-TB eletrónico formulário 1);
- Modelo oficial de relatório anual de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho n.º 1714, exclusivo da ICM e versões sucessivas (figura 1) com estudo da alínea IV - atividade dos serviços de Segurança e Saúde no Trabalho (ponto 1, 2 e 3 relativos a programa de prevenção de riscos profissionais, programa de promoção da saúde e programa de vigilância de saúde);
- Inquéritos epidemiológicos de doença profissional confirmada em 2008 e em 2013 (informação técnica 4/2012/DSAOP/DGS);
- Processo clínico eletrónico dos Cuidados de Saúde Primários dos trabalhadores inscritos nas unidades funcionais deste agrupamento de centros de saúde (Manual S Clinico do ACSS);
- Relatórios de risco profissional existentes na sede social no ano 2008;
- Fichas de aptidão de adultos saudáveis fornecidas pela empresa de Medicina de Trabalho (modelo D.R., 1ª série, n.º 48 de 10 de março de 2015);
Em 2008 e em 2013 foi elaborado o relatório de vigilância de saúde ocupacional, conforme o modelo de guião de visita às empresas (modelo que, depois duma pequena alteração, foi publicado no anexo1 da informação técnica 4/2012/DSAO/DGS); foram analisadas as informações sobre as condições de segurança do local de trabalho registadas no manual de prevenção (6) da unidade industrial e os dados foram enviados às entidades competentes. Toda esta informação fica arquivada no observatório local de saúde.
RESULTADOS
A unidade industrial está localizada fora dos parques empresariais tipificados na carta de riscos das unidades industriais disponível na Unidade de Saúde Pública (tipos 1, 2 e 3, Diagnóstico de Situação de Saúde ACeS Cávado 3 Barcelos/ Esposende). No ano 2008, foi objetivada a primeira “cabina de decapagem” que melhorou a qualidade do ar interior (6) (7) (8) (9), com melhoria de sistema de aspiração, higiene do local de trabalho e substituição de pistolas de gás por eléctricas, mas foi apenas em 2018, com a mudança de gerência, que surgiram melhorais significativas na unidade fabril.
Na primeira visita, as salas com atividade de escritório, instalações sanitárias e vestiários estavam anexas à unidade produtiva, sem a sinalética normalizada. O acesso à unidade fabril não possuía também a sinalética adequada. A caixa de primeiros socorros estava no espaço destinado a vestiário, sem instruções de utilização em língua portuguesa.
No decorrer da investigação epidemiológica, realizada na comunidade, foram identificados os seguintes problemas de saúde, por agente biológico:
- Caso n.º 1: sem registo de antecedentes de atividades profissionais na medicina de trabalho, dificuldade da compreensão da língua portuguesa, sexo masculino, 45 anos de idade, sem dados sobre hábito tabágico, sem patologias identificadas antes da tuberculose. Apresentava cargo laboral com tarefas que implicavam movimentos repetitivos da mão e do braço e postura de pé mantida. Contudo, sem inclusão nos grupos de risco (ponto 6 do formulário 1- SVIG-TB), ainda que com tuberculose respiratória confirmada.
- Caso n.º 2: similar ao anterior.
- Caso n.º 3: sexo masculino, 54 anos, não fumador e com antecedentes ocupacionais de gestor de indústria metalomecânica desde 1982. Ficha de aptidão de medicina de trabalho, com riscos ocupacionais relacionados com a sua atividade administrativa, em contexto de sócio gerente da unidade industrial. Foi diagnosticado com tuberculose pulmonar em 2004; foi prescrito um esquema terapêutico de 9 meses. Posteriormente foi diagnosticada tuberculose ganglionar em 2012 com terapêutica prescrita de 12 meses. Em 2007 a Segurança Social certificou a doença profissional com uma incapacidade permanente parcial de 45% que aumentou para 95% no ano 2013, data em que foi emitido o primeiro atestado médico multiusos com benefícios fiscais pela autoridade de saúde local. Foram analisadas as variáveis dos dois inquéritos epidemiológicos realizados para esta doença profissional, o primeiro no ano 2008 e o segundo no ano 2013 (10). Foi candidato a transplante pulmonar desde 2014, sendo transferido pelo Centro de Referência para uma unidade hospitalar da zona norte de Espanha.
Os três casos foram monitorizados pelo Centro de Diagnóstico Pneumológico Local (SVG-TB eletrónico - formulário 2 - 2019), sendo a responsabilidade deste observatório local de saúde apenas o rastreio alargado dos contatos dos casos confirmados de tuberculose respiratória (PNT: manual de tuberculose e microbactérias não tuberculosas e orientação n.º 014/2019 de 07-08-2019, Ministério de Saúde) e a investigação das doenças profissionais certificadas e confirmadas pelo departamento acreditado da Segurança Social (11).
Durante a primeira visita estavam a laborar seis operários na empresa. Em 29-12-2005 foram entregues as fichas de aptidão dos oito trabalhadores assinadas pelo Médico de Trabalho e o estudo de avaliação de ruído ocupacional. Em 2006 foi entregue a primeira carta de avaliação de riscos da empresa com atividades de decapagem por jacto com metalização por projeção a fogo, galvanização, enchimentos e pinturas anticorrosivas, assim como os resultados analíticos da fonte de abastecimento de água, classificada como bacteriologicamente potável. Em agosto de 2008 foi entregue a atualização da carta de riscos com layout da mesma e o relatório SHST- 2007 certificado, junto com o relatório de avaliação de ruído ocupacional.
DISCUSSÃO
O diagnóstico de um problema de saúde ocupacional baseia-se num ponto fundamental: uma historia clínica e profissional exaustiva, contemplando a anamnese cronológica das exposições no ambiente de trabalho (concentrações dos agentes etiológicos), uma análise do posto de trabalho e do processo produtivo (análise dos postos de trabalho), junto com uma listagem dos produtos finais e intermediários, para identificar riscos acessórios (12). Em setembro de 2016 foi publicado pelo CESIS um relatório sobre os fatores de risco físico, segundo o setor de atividade com maior incidência, que desagrega os fatores de risco físico em três categorias: riscos de postura, riscos biológicos ou químicos e riscos ambientais (13)
Este tipo de informação não pode ser de uso exclusivo do Técnico de Segurança no Trabalho e deve estar sempre registado no inquérito epidemiológico de doença profissional. Deve-se também caracterizar a existência ou não de relação de queixas do trabalhador com as atividades profissionais, bem como o tempo decorrido entre o início da atividade e o inicio da semiologia.
No caso concreto deste sócio-gerente o grau de incapacidade não foi reavaliado pelo Centro Nacional de Proteção de Riscos Profissionais e foi a Estrutura de Saúde Pública, com a emissão do atestado médico multiusos, quem redefiniu tal. De realçar ainda que as autoridades de saúde têm competências no âmbito da Saúde Ocupacional, de acordo com Decreto-Lei n.º 82/2009, de 2 de abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 135/2013, de 4 de outubro.
O médico de Medicina Geral e Familiar e o Médico de Saúde Pública poderão acompanhar o utente ao longo da vida, pelo que são dois dos profissionais de saúde que podem contribuir para tratar e orientar as doenças da população ativa, respetivamente e promover a saúde no seu contexto geral e laboral. No entanto, o preenchimento da ficha de aptidão é competência atribuída aos Médicos do Trabalho, de acordo com a normativa vigente, que refletirá o diagnóstico de eventuais doenças profissionais ou de quaisquer outras patologias que possam interferir com a capacidade de trabalho e/ ou evoluir negativamente com as tarefas laborais atuais, podendo propor reajustes nas mesmas, se necessário e clarificando algumas questões legais para todos os envolvidos no processo.
O Certificado de Incapacidade Temporária poderá ser emitido por qualquer médico a exercer dentro do Sistema Nacional de Saúde, ainda que, na maioria dos casos, tal ocorra através dos Médicos da Especialidade de Medicina Geral e Familiar.
A declaração de suspeita de Doença Profissional, por sua vez, é obrigação do primeiro médico que contate com um diagnóstico para o qual possa existir suspeita de etiologia laboral; contudo, na prática, a generalidade dos profissionais não está familiarizado com o procedimento burocrático, pelo que geralmente acaba por ser o Médico da Especialidade de Medicina do Trabalho a fazer tal.
CONCLUSÕES
As condições de segurança da unidade produtiva melhoraram depois da intervenção de todas as entidades competentes impulsada pela visita realizada pela unidade de saúde pública em 2008, e a mudança de gerência da microempresa no ano 2018 (figura 3).
Neste momento, pela Lei de Proteção de Dados não existe qualquer troca de informações, por parte da Segurança Social para os observatórios de saúde dos agrupamentos de centros de saúde sobre as comunicações obrigatórias de doenças profissionais: todos os casos clínicos em que se suspeite a doença profissional devem ser notificados como “diagnóstico presuntivo”, uma vez que o “diagnóstico definitivo” é de responsabilidade exclusiva de apenas um departamento da Segurança Social. Este ponto discorda totalmente com as diretrizes europeias para a estratégia de segurança e saúde no trabalho definidas legalmente até o ano 2020, que calendarizam datas concretas para que seja realizada esta troca de informações entre as diferentes entidades competentes na área de saúde ocupacional.
Salientamos que o sistema de informação do Ministério da Saúde, não regista no SIARS (sistema de informação de dados de saúde, ACSS, 2019) as doenças profissionais com um código de problema de saúde e aparentemente passam despercebidas aos profissionais das unidades de apoio à gestão dos Agrupamentos de Centros de Saúde e dos profissionais que trabalham nas Estruturas de Saúde Pública, com sistema de informação de base populacional ainda a ser adaptados à nova realidade organizativa dos Cuidados de Saúde Primários.
Nas unidades funcionais de qualquer Agrupamento de Centros de Saúde não existe um código de problema de saúde que identifique uma doença como profissional. Na ficha de identificação dos utentes do Sistema Nacional de Saúde, apenas há um código, o de insuficiência económica, que abrange, entre outras, as doenças profissionais quando das mesmas se deriva qualquer benefício económico para o utente.