Introdução1
No atual estágio civilizatório, a educação inclusiva é uma luta não exclusivamente por políticas públicas, que garantam o acesso de estudantes com necessidades educacionais especiais à escola pública; mas também pela transformação da sociedade, marcada pela luta entre capital e trabalho, hierarquização social e competitividade, marcas da sociedade administrada. Nesse sentido, os indivíduos considerados mais fortes e, consequentemente, mais aptos a competir na sociedade de classes são postos hierarquicamente acima dos indivíduos das denominadas minorias sociais, tais como as pessoas com deficiência e demais indivíduos com características físicas, sensoriais e físicas consideradas desviantes do padrão imposto pela sociedade administrada.
O referencial teórico-metodológico deste estudo é a teoria crítica da sociedade, com ênfase no pensamento de Adorno (1970/2010), considerando que “a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica” (p. 121) e “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la” (p. 119). Por isso, fez-se necessário problematizar: a educação escolar contempla as demandas humanas e a necessidade de enfrentar a violência social manifestada na escola? A teoria crítica da sociedade contribui nessa discussão, sobretudo na elaboração do passado para que não se repita o que nele há de pior - a barbárie:
o que é o mesmo que dizer que a memória, o tempo e a lembrança são liquidados pela própria sociedade burguesa em seu desenvolvimento, como se fossem uma espécie de resto irracional, do mesmo modo como a racionalização progressiva dos procedimentos da produção industrial elimina junto aos outros restos da atividade artesanal também categorias como a da aprendizagem, ou seja, do tempo de aquisição da experiência no ofício. Quando a humanidade se aliena da memória, esgotando-se sem fôlego na adaptação ao existente, nisto reflete-se uma lei objetiva de desenvolvimento. (Adorno, 1970/2010, p. 33)
Para se admitir as possibilidades da educação contra a violência, face às condições objetivas vigentes, seria ideológico atribuir tal responsabilidade exclusivamente aos profissionais da escola, desconsiderando-se a estrutura social vigente:
a ideologia dominante hoje em dia define que, quanto mais as pessoas estiverem submetidas a contextos objetivos em relação aos quais são impotentes, ou acreditam ser impotentes, tanto mais elas tornarão subjetiva esta impotência. Conforme o ditado de que tudo depende unicamente das pessoas, atribuem às pessoas tudo o que depende das condições objetivas, de tal modo que as condições existentes permanecem intocadas. Na linguagem da filosofia poderíamos dizer que na estranheza do povo em relação à democracia se reflete a alienação da sociedade em relação a si mesma. (Adorno, 1970/2010, p. 36)
Nesse contexto, este artigo teve por objetivo analisar as ações políticas e práxis educacionais inclusivas na organização pedagógica da Escola Municipal Adelino Magalhães e as políticas de educação inclusiva no município de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, con siderando que os documentos oficiais brasileiros e as declarações internacionais preconizam o direito à educação. Participaram deste estudo: dois estudantes com deficiência visual, uma professora da sala de aula inclusiva (SAI), uma professora da sala de recur sos multifuncionais (SRM), espaço de apoio à inclusão escolar que, segundo Alves et al. (2006), conta com material específico face às diferenças e necessidades específicas de aprendizagem dos estudantes, tendo como centralidade o “desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos pelos estudantes, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da vida escolar” (p. 13). E, mais ainda, faz-se necessário considerar a participação de uma professora de apoio pedagógico (AP) à inclusão escolar na escola2.
A Escola Municipal Adelino Magalhães está localizada no município de Niterói, estado do Rio de Janeiro e oferece as seguintes adaptações arquitetônicas: portas largas e carteiras escolares específicas para estudantes destros e canhotos. Identificamos também alguns recursos tecnológicos de acessibilidade comunicacional e comunicação alternativa para estudantes com paralisia cerebral, tais como: pranchas de comunicação, plataformas digitais de jogos e músicas, intérprete de língua brasileira de sinais (Libras), material pedagógico para escrita e leitura por intermédio do sistema Braille e programas de voz para computadores.
No que se refere ao ensino fundamental, 25 estudantes, com laudo comprovando o tipo de deficiência para participar do atendimento educacional especializado3, são beneficiados pela SRM, tendo na escola um total de 14 classes inclusivas, contando os turnos da manhã e da tarde; com atuação de 14 professores. A escola conta também com professores de AP às necessidades educacionais especiais dos estudantes considerados em situação de inclusão. Além dos dois estudantes com deficiência visual considerados em situação de inclusão, há também estudantes com deficiência auditiva/surdez, deficiência física/paralisia cerebral, deficiência mental/síndrome de Down, síndrome do espectro autista, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, hidrocefalia, transtorno de oposição e desafio, esclerose tuberosa e hemiparesia.
Quanto aos estudantes com deficiência visual, apresentam baixa visão, são gêmeos e frequentam o turno da tarde. A escola é organizada para que haja, no máximo, dois estudantes considerados em situação de inclusão por turma. Pois, dentre as 14 turmas com estudantes considerados em situação de inclusão, duas contam com três estudantes com deficiência, em consonância com o grupo de referência4 recomendado para o ensino fundamental de acordo com o Artigo 10.º da Portaria FME nº 878/2009 (2009). Vale ressaltar que o estabelecimento do grupo de referência refere-se à implementação de estratégias pedagógicas de organização para dar sustentabilidade ao processo de inclusão escolar de estudantes com deficiência. Portanto, tensionando a esco la que historicamente tem se mantido segregadora, como afirmado por Costa (2007): “pois, não atende à diversidade humana; educa para a homogeneização; a adaptação; e a reprodução social; desconsidera as diferenças humanas e de aprendizagem; reproduz a lógica da produção capitalista dominante; hierarquiza os estudantes pela avaliação e reprovação, dentre outras” (p. 7).
Posto isto, faz-se urgente problematizar a escola como instância social reprodutora da lógica capitalista, ao impor barreiras ao acesso e à permanência de estudantes com deficiência na escola, ao promover uma hierarquização dos indivíduos no que concerne aos aptos ou inaptos à aprendizagem, obstando a possibilidade da formação acolhedora da diferença humana e, por conseguinte, uma educação democrática e fundamentada nos direitos humanos. Assim, a educação inclusiva pode ser afirmada quando a escola se torna partícipe do processo de democratização da educação ao elaborar e implementar um projeto pedagógico que contemple os fundamentos filosóficos e políticos da educação humana e democrática e, assim, se contraponha às atitudes docentes e práticas pedagógicas discriminatórias. Nessa perspectiva, Leme e Costa (2016) afirmam o fazer pedagógico cotidiano e as inter-relações entre estudantes na escola como os epicentros do processo de inclusão:
tendo em vista que o processo de inclusão se materializa na escola, no que tange à educação, defendemos a articulação entre políticas e práxis, uma vez que a afirmação das políticas públicas de inclusão em educação está atrelada às experiências cotidianas dos estudantes nas escolas. Portanto, é no cotidiano escolar que se define a participação e a gama total de experiências de aprendizagem vividas pelos estudantes, as quais podem contribuir à formação humana emancipadora e inclusiva. (p. 669)
Em suma, é na escola e nas experiências vividas cotidianamente pelos estudantes com deficiência junto com os demais estudantes sem deficiência, os professores, as equipes pedagógicas e de gestão da escola, que a educação inclusiva pode se tornar uma possibilidade de enfrentamento e superação da violência, sobretudo a manifestada pelo preconceito contra estudantes considerados em situação de inclusão. Por isso, a demanda por estudos que analisam as experiências de estudantes com deficiência visual na escola.
Experiências de Estudantes com Deficiência Visual no Cotidiano Pedagógico da Escola Municipal Adelino Magalhães
Este estudo optou pela adoção de pseudônimos (Paulo e Pedro) para preservação da privacidade dos estudantes com deficiência visual. Esses estudantes frequentam a mesma turma do quinto ano do ensino fundamental, na qual também estuda um estudante com síndrome do espectro autista, que é acompanhado por uma professora de AP à inclusão escolar. Paulo e Pedro completaram 14 anos em 2014 e ingressaram na escola em 2012, sendo oriundos de escola privada.
Na organização em sala de aula, tanto Pedro quanto Paulo ocupam a primeira fileira. Pois, quando foram avaliados pela equipe de educação especial do município de Niterói, algumas recomendações se fizeram necessárias, tais como, utilizar o plano inclinado e o caderno com pautas alargadas, lápis 6B, que garante uma escrita mais reforçada, objetivando apoiar a leitura e a escrita, além da colaboração da professora atuante na SAI nos aspectos gerais que dizem respeito às aulas. Por exemplo, a professora solicita à direção da escola que sejam ampliadas as páginas utilizadas do livro didático quando há necessidade de estudar uma página específica.
De acordo com os relatos da professora da SRM, Pedro e Paulo, no início do ano letivo, apresentaram resistência em participar das atividades pedagógicas propostas, afirmando que “eles interagiam bem, quando estavam nessa sala, mas solicitavam que a porta fosse mantida fechada, alegando não gostar de serem vistos em uma sala para AP à inclusão escolar aos estudantes com deficiência” (professora Nilza5, SRM). Inclusive, esses estudantes questionavam sobre o motivo de participarem do atendimento educacional especializado na SRM.
Na SAI6, a professora relatou que Pedro e Paulo apresentavam dificuldade na utilização do plano inclinado, demonstrando não gostar de utilizá-lo, reclamando quando a professora solicitava ampliação das páginas do livro didático. Pedro e Paulo relatavam, a todo o momento, o desejo de realizar as tarefas no próprio livro como os demais colegas da sala. A professora também tinha o cuidado de ampliar as provas e atividades e, ao escrever no quadro de giz, sempre adota letra ampliada.
Assim, atitudes docentes inclusivas em atendimento à demanda de aprendizagem dos estudantes considerados em situação de inclusão são necessárias no apoio à sua aprendizagem, como também para desenvolver nos demais estudantes a solidariedade, o que é afirmado por Crochick et al. (2011): “dessa maneira, as relações dos estudantes entre si, com maior ou menor grau de discriminação, também dependem de como atuam os professores para com todos os seus estudantes” (p. 197).
Em relação às salas de recursos multifuncionais, no município de Niterói, vale destacar que o atendimento aos estudantes considerados em situação de inclusão ocorre no mesmo período das atividades pedagógicas da SAI, contrariando o Decreto nº 7.611 (2011), ao prescrever que o atendimento educacional especializado ocorra no contratur no das aulas na SAI. Alguns motivos para justificar o referido atendimento no mesmo turno das aulas na SAI, narrados pelos participantes da pesquisa, foram “falta de recursos financeiros para alimentação, transporte escolar, profissionais na escola e a dinâmica de funcionamento da escola”.
Nesse sentido, os estudantes considerados em situação de inclusão, que recebem atendimento educacional especializado na SRM, são retirados da SAI em um horário combinado entre as professoras. Segundo a professora Nilza (SRM), Pedro e Paulo, que no início do período letivo não ficavam à vontade, com o passar dos dias mudaram de comportamento, passando a participar de maneira ativa das atividades pedagógicas. Isso provocou interesse dos demais estudantes de também participarem dessas atividades pedagógicas, tendo que a professora da SAI justificar não ser possível a participação de todos os estudantes. Por isso, é possível admitir o motivo de Pedro e Paulo em participar das atividades pedagógicas na SRM sem se sentirem discriminados. Isso expressa a importância da universalização de acesso aos apoios pedagógicos na escola, tornando-a inclusiva para totalidade dos estudantes.
Por isso, afirmamos que, mesmo Pedro e Paulo tendo modificado sua atitude de resistência ao atendimento educacional especializado na SRM no mesmo horário das aulas na sala inclusiva, não é pedagogicamente adequado, devido ao fato de deixarem de participar das atividades na SAI, interrompendo o desenvolvimento de seu processo de aprendizagem em ambiente coletivo e desafiador. Desse modo, para além de haver justificativa para a educação inclusiva (no que se refere ao atendimento educacional especializado) dos estudantes com deficiência considerados em situação de inclusão, não estar atendendo ao preconizado pelo Decreto nº 7.611 (2011), cabe questionar: de que maneira pode-se superar essa distorção do atendimento educacional especializado na SRM no contraturno? Resultados de estudos, considerados por Crochick et al. (2011), fornecem elementos que colaboram no entendimento do que ocorre nas escolas públicas de Niterói (Rio de Janeiro):
pela análise de 20 pesquisas que estudaram as atitudes de estudantes de classes regulares, que incluíam estudantes considerados em situação de inclusão, Klingner e Vaughn (1999) concluíram que os estudantes com ou sem dificuldades querem tratamento igual dos professores e da escola, isto é, querem que todos sejam submetidos às mesmas atividades, aos mesmos livros e tenham as mesmas atividades de grupo. Eles não se importam que o professor adapte métodos ou despenda mais tempo para explicar algo para os estudantes que não conseguiram entender determinado assunto, mesmo porque, segundo eles, assim têm chances de aprender mais e melhor. Gostam de auxiliar os colegas que têm mais dificuldades e, com exceções, preferem o trabalho em grupo que contenha estudantes com e sem dificuldades. Assim, a educação inclusiva não deveria se preocupar somente com a questão da socialização, pois, além do que informa o trabalho de Klinger e Vaughn, se o indivíduo se forma por meio da incorporação da cultura (ver Adorno, 1959/1972), ela deve ser transmitida para que todos possam se diferenciar por meio dela. (p. 200)
Nesse contexto, entende-se que a participação dos estudantes, considerados em situação de inclusão, na SAI não deveria ser interrompida para o atendimento educacional especializado na SRM e, sim, ocorrer no contraturno como previsto no Decreto nº 7.611 (2011). Ressalte-se, ainda:
segundo Monteiro e Castro (1997), pesquisas mostram que os estudantes sem deficiência tendem a se tornar mais solidários. Esses dados indicam um ponto central do debate sobre a educação inclusiva, que não pode deixar de ser explicitado. Por outro lado, a divisão das opiniões encontradas pode indicar a pouca discussão acerca da educação inclusiva em nosso meio. (Crochick et al., 2011, p. 207)
Posto isso, é possível afirmar que a educação inclusiva pode contribuir no ensino e aprendizagem da totalidade dos estudantes ao promover experiências formativas de maneira coletiva, colaborativa e solidária. Assim, no cotidiano da SRM são desenvolvidas diversas atividades lúdicas, das quais destacamos algumas. Na primeira, apresentamos o material utilizado: quatro cartelas grandes com figuras coladas, material confeccionado pela própria professora e letras em tamanho ampliado. A atividade proposta foi a escolha de uma das cartelas contendo de três a quatro figuras com o objetivo de montar o nome de cada uma das figuras.
A professora Nilza (SRM) relatou que a maior dificuldade, tanto de Pedro quanto de Paulo, é a leitura e a escrita, por isso, por mais curto que seja o tempo deles na referida sala, ela sempre planeja e desenvolve atividades de leitura e a escrita. No decorrer da atividade percebe-se que Pedro e Paulo realizam a atividade em parceria, mesmo que cada um esteja desenvolvendo sua própria cartela. Ambos demonstram dificuldades na escrita de palavras de uso corrente na língua portuguesa para estudantes de quinto ano. Quando escrevem alguma palavra com erro, a professora pergunta: “é dessa forma que se escreve?”. Assim, é possibilitado a Pedro e Paulo a oportunidade de pensar sobre a escrita da palavra e realizar a correção para ser redigida adequadamente.
Paulo é mais tímido e concentrado; enquanto que Pedro é mais falante, reclama da atividade e pede para terminar depois. Porém, consegue concluir a atividade antes de Paulo. Assim, ambos concluem a atividade no seu tempo e com as próprias questões e dúvidas. Por essas observações, há de propor momentos individualizados no atendimento educacional especializado para cada estudante, para realização de atividades centradas em suas necessidades educacionais. Vale destacar que mesmo sendo gêmeos, suas demandas educacionais são distintas. Ao final da primeira atividade, Pedro e Paulo solicitaram à professora uma atividade com o “jogo da memória”. Nessa atividade, eles saíram de um momento cooperativo para um momento competitivo. Nesse sentido, Becker (como citado em Adorno, 1970/2010) afirma:
evidentemente poder-se-ia defender a tese de que é preciso se preparar pela competição na escola para uma sociedade competitiva. Bem ao contrário, penso que o mais importante que a escola precisa fazer é dotar as pessoas de um modo de se relacionar com as coisas. E esta relação com as coisas é perturbada quando a competição é colocada no seu lugar. (p. 163)
Dessa maneira, a competitividade não contribui com a afirmação do processo inclusivo de ensino-aprendizagem, sobretudo, ao fortalecer a hegemonia do capital na sociedade de classes e assim, estabelecendo a priori quais são os indivíduos mais e/ ou menos aptos à autoconservação e reprodução do capital que não tem por objetivo a inclusão da totalidade dos indivíduos. A educação tem, como estatuto de centralidade, essa lógica excludente, o que segundo Adorno (1970/2010), não colabora com uma possível desbarbarização por intermédio da educação, visto que no processo competitivo, o ser humano experimenta diferentes formas de fracasso que geram culpa, podendo transformar-se em agressão. Assim, entende-se que a colaboração, por outro lado, expressa uma necessidade humana, a de se relacionar uns com os outros, independentemente de diferenças sensoriais, cognitivas e físicas.
Nesse sentido, a educação inclusiva pode contribuir para o combate à violência, ao integrar-se a um projeto de escola democrática. Para tal, é urgente considerar as diferenças humanas como necessárias à subjetivação dos estudantes, para que se formem como indivíduos livres pensantes e, nesses termos, a responsabilidade do professor encontra-se, sobretudo, na dimensão da inclusão dos estudantes, com ou sem deficiência, criando ambientes pedagógicos desafiadores e diversificados.
A Responsabilidade Docente Pela Educação Inclusiva no Cotidiano Escolar
Ao analisar o cotidiano escolar do estudante com deficiência visual na escola pública, ganha visibilidade a atuação docente do professor. Mesmo a escola contando com material pedagógico especializado e recursos tecnológicos necessários ao atendimento educacional especializado para atender à demanda educacional dos estudantes considerados em situação de inclusão, faz-se mister que o professor seja receptivo a viver experiências pedagógicas nunca antes vividas, como as desafiadoras referentes à educação inclusiva na escola pública, para que esses estudantes sintam-se partícipes e respeitados como indivíduos que apresentam diferenças físicas, sensoriais e cognitivas e, mais, que essas diferenças constituem sua subjetividade.
Consequentemente, as atitudes acolhedoras dos professores contribuem, sobremaneira, para que se permitam viver experiências pedagógicas inclusivas que exijam mais de sua sensibilidade do que uso de recursos didáticos e tecnológicos. Dessa maneira, a atuação docente pode ser considerada possível para além da transmissão de conteúdos curriculares e utilização de recursos materiais, buscando atender as deman das de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes, dentre esses os considerados em situação de inclusão. Pensamos ser isso possível, mesmo considerando os limites da educação sob a égide do capital na sociedade administrada. Quanto a isso, Crochick et al. (2011) contribuem nesse entendimento:
a implantação da educação inclusiva é importante na luta por uma sociedade mais justa, mas não devemos desconsiderar os limites da educação atual no que se refere à formação, devido às próprias condições objetivas. Isso implica a necessidade de mais do que somente a inclusão das minorias antes segregadas da escola regular, a necessidade de nos preocuparmos também com a qualidade da educação e com o quanto essa atualmente contribui para formar indivíduos efetivamente críticos. Se a crítica se relaciona com a possibilidade de uma sociedade mais justa, e, se possível, justa, o convívio com minorias discriminadas já se constitui em um elemento formador. O papel do professor para essa formação é fundamental, pois não se trata unicamente de transmitir conhecimentos, mas como o faz e de sua relação com o saber. A forma de transmissão aqui entendida não se refere somente a técnicas, por mais que estas sejam imprescindíveis, mas ao engajamento do professor, à sua cumplicidade com o aprendizado do estudante, isso é, refere-se a princípios políticos e éticos. (p. 196)
Consequentemente, a educação inclusiva demanda articulação com atitudes conscientes e democráticas por parte do professor. Sobretudo, no que se refere ao entendimento da urgência em acolher a diversidade na escola. Para tanto, a formação do professor não deve ser desconsiderada, nem o apoio às suas atividades pedagógicas em prol da inclusão escolar e dos estudantes com deficiência considerados aprioristicamente como inaptos à aprendizagem escolar.
Neste estudo foi realizada uma entrevista semiestruturada com as seguintes professoras: da SRM, de AP à inclusão escolar e da SAI. As narrativas das professoras participantes contribuíram, sobremaneira, para caracterizar a escola e o processo de inclusão escolar dos estudantes com deficiência visual, como também as atitudes docentes das professoras em relação à educação inclusiva.
Vale ressaltar que, de acordo com os dados coletados, por intermédio da entrevista semiestruturada, identificou-se que as professoras participantes haviam vivido experiências docentes anteriores com estudantes considerados em situação de inclusão com necessidades educacionais especiais. No entanto, nunca antes com estudantes com deficiências visuais.
A professora Nilza, atuante na SRM desde o ano de 2009 na Escola Municipal Adelino Magalhães, teve pela primeira vez a oportunidade de atuar com estudantes com deficência visual a partir do ano de 2012. Quanto à professora da SAI, Albertina recebeu os estudantes Pedro e Paulo em 2013, que continuaram estudando na mesma turma em 2014, tendo sido sua primeira experiência docente com estudantes com deficiência visual considerados em situação de inclusão.
Em relação à questão “o que você pensa sobre sua formação inicial (licenciatura na graduação) em relação aos estudantes com necessidades educacionais especiais? Contribuiu com subsídios à sua atuação docente inclusiva? Por quê?”, identificou-se que a professora Nilza (SRM) não estudou sobre a educação de estudantes com necessida- des educacionais especiais no curso de licenciatura na graduação. Pois, como concluiu sua formação acadêmica inicial em 1985, é notório que nessa época não havia discipli- nas nesses cursos sobre educação de estudantes com necessidades educacionais espe- ciais, como também sobre educação inclusiva.
A professora Albertina (SAI) narrou não ter estudado em seu curso de graduação conteúdos curriculares que abordassem temas como “educação especial”, “educação inclusiva”, “estudantes com necessidades educacionais especiais”, mesmo tendo cursado duas habilitações em pedagogia, administração escolar e magistério das séries iniciais. Bruna, professora de AP à inclusão escolar, narrou ter tido poucas oportunidades de acesso às informações sobre a temática de educação especial e/ou inclusiva, embora considere ter sido importante à sua formação. Portanto, as professoras participantes do estudo poucas oportunidades de aprendizagem tiveram em sua formação inicial no curso de pedagogia sobre os temas “educação especial” ou “educação inclusiva”, o que pode causar maiores desafios às professoras frente à educação inclusiva de estudantes com deficiência visual.
Quanto à questão “já participou de algum curso de especialização e/ou aperfeiçoamento que tenha considerado as questões relacionadas aos estudantes com deficiência visual?”, obtivemos as seguintes narrativas: “a minha especialização foi em psicopedagogia. Fiz vários cursos e participei de grupo de trabalhos, seminários e palestras sobre deficiência visual” (professora Nilza, SRM); “não, apenas na universidade trabalhamos alguns momentos discutindo sobre essas questões e tantas outras” (professora Bruna, AP).
Por achar que eu tinha pouco conhecimento sobre a inclusão escolar e vendo que a cada ano aumentava a quantidade de estudantes com necessidades educacionais na escola, procurei participar do curso de pós-graduação em educação inclusiva. Atualmente, estou realizando um curso à distância sobre este tema. Especificamente sobre deficiência visual, pois não tive oportunidade de realizar esse curso antes. (Professora Albertina, SAI)
Em conformidade com as narrativas das professoras participantes, verificou-se que a professora Nilza, atuante na SRM, participou de curso sobre deficiência visual e quanto à professora Bruna, que atua no AP à inclusão escolar, revelou não ter tido acesso a nenhum curso em seu exercício docente até agora. Mas, durante seu curso de licenciatura, teve oportunidade de se aproximar da temática sobre inclusão escolar. A professora Albertina (SAI) tem elaborado conhecimento sobre educação inclusiva no próprio exercício da atividade docente. Nesse sentido, é possível afirmar que as professoras participantes são favoráveis à educação inclusiva, o que tem contribuído para o acesso e permanência de Pedro e Paulo, estudantes com deficiência visual, na Escola Municipal Adelino Magalhães.
A próxima questão se referia à importância que as professoras atribuem aos estudos teóricos à sua formação. Por unanimidade, elas afirmaram que os estudos teóricos são importantes. A professora Nilza (SRM) narrou que os estudos teóricos contribuem para ampliar seus conhecimentos e a professora Albertina (SAI) destacou que “os estudos teóricos são como um ponto de partida, um embasamento para a práxis pedagógica, concretizando a teoria”. A professora Bruna (AP) narrou: “os estudos teóricos sempre são importantes no nosso cotidiano pedagógico e deles podemos projetar nosso futuro pedagógico. Por isso, são sempre válidos”. O que observamos nessas narrativas é a referência ao “futuro pedagógico” intimamente articulado à teoria, como se a teoria respondesse às questões exclusivamente posteriores. É perceptível o desafio posto às professoras em perceber na teoria o que pode atender às questões pedagógicas presentes no cotidiano escolar. Essas narrativas revelam que a teoria se apresenta cindida da práxis. Adorno (1969/1995) se contrapõe a essa cisão afirmando, ao recorrer a Kant e Fichte, “pensar é um agir, teoria é uma forma de práxis” (p. 204).
Assim, vale ressaltar que o professor, como produto da sociedade, cindida entre capital e trabalho, considera a teoria distinta da práxis, na qual a educação historicamente tem se voltado ao atendimento dos indivíduos conforme sua posição no estrato social. Quanto a isso, Crochick et al. (2011) analisam a “produção do ensino de massa” que objetiva preparar os indivíduos para lidar com a tecnologia no mundo do trabalho capitalista:
a tecnologia não deixou de adentrar à educação, que, em seu ímpeto de formar para a competência, criou métodos e simplificou conhecimentos, de sorte a se poder prescindir dos professores, transformou-se em transmissora de informações e não mais propícia a formação que vai além do que existe. Isso está coerente com a descrição de Benjamin (1938/1989) sobre a transformação da experiência em vivência, ao longo do século XIX: a vivência não deixa marcas no indivíduo; e, segundo Adorno (1959/1972), as informações são logo substituídas por novas: tem-se que estar a todo o momento atualizado, mas, como o conhecimento necessário para lidar com as máquinas - quer materiais, quer humanas - é logo ultrapassado e a experiência que não pode prescindir do preceito kantiano: “um eu que acompanha todas as minhas representações” não tem lugar, surgem indi víduos fragilmente constituídos. (p. 194)
Consequentemente, promove uma formação que não visa a totalidade e o desenvolvimento das diversas dimensões dos estudantes, com o intuito de contemplar sua diferenciação como indivíduos livres pensantes, em vez de “cidadãos padronizados” e instrumentalizados para atender a produção na conservação e reprodução da sociedade, onde impera a lógica do capital, da competitividade e da exclusão dos indivíduos consi derados inaptos a atender aos ditames dessa sociedade.
Essa fragilidade na constituição do indivíduo tem impacto direto no fazer pedagógico do professor, conforme afirmado anteriormente. As experiências não se realizam, dando lugar a meras vivências que não deixam marcas formativas no indivíduo. Por conseguinte, não corrobora para a sua humanização. Ao questionarmos “narre sobre sua experiência com a educação inclusiva no que se refere aos estudantes com necessidades educacionais especiais considerados em situação de inclusão. Algo lhe instiga?”, as professoras narraram: “vejo que ainda falta um pouco para as coisas se arrumarem. Mas, é um bom começo. Logo, novos tempos estarão chegando e tudo pode ficar melhor ainda [ênfase adicionada]” (professora Bruna, AP).
As experiências que vivencio diariamente são bem ricas para o meu trabalho. Vários são os tipos de estudantes e suas deficiências que frequentam a sala de recursos multifuncionais. Tais como síndromes do espectro autista e de Down, baixa visão, deficiência auditiva, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e outras. A cada dia venho aprimorando os meus conhecimentos e aumentando os desafios que esse trabalho me leva. O que me instiga é essa luta diária pela conquista de espaços para esses estudantes (ênfase adicionada) em uma sociedade onde nem todos possuem o mesmo olhar para os portadores de necessidades educacionais especiais. (Professora Nilza, SRM)
Quando recebi um estudante com necessidades educacionais especiais pela primeira vez, percebi que não sabia nada sobre isso. Inicialmente tive dificuldades de compreensão e entendimento sobre a necessidades especiais de aprendizagem do estudante. Ele era extremamente agitado e os outros estudantes não conseguiam se concentrar nas atividades que precisavam realizar. Cometi vários erros e acertos. Mas, a quantidade de acertos foi aumentando a partir do momento em que comecei a conversar, quase que diariamente, com a mãe desse estudante (ênfase adicionada). Assim, comecei a entender suas reações, fui aprendendo a me relacionar melhor com ele, seguindo as orientações da mãe dele. Por isso, acho muito interessante e de extrema importância, a parceria da família com a escola em benefício do estudante. (Professora Albertina, SAI)
Nessas narrativas, é notório que há um envolvimento das professoras com a educação inclusiva. No entanto, ao grifar essas frases, há o intuito de chamar a atenção para alguns aspectos: a primeira narrativa evidencia uma insatisfação da professora com o estado atual da educação inclusiva. Mas a insatisfação não parece retirá-la da zona de conforto, o que revela algo desafiador no seu fazer pedagógico docente. Talvez seja o que Adorno (1970/2010) chamaria de “autoinculpável menoridade” ao recorrer, mais uma vez, a Kant: “afirmando que este estado de menoridade é autoinculpável quando sua causa não é a falta de entendimento, mas a falta de decisão e de coragem de servir-se do entendimento sem a orientação de outrem” (p. 169).
Na narrativa da professora Nilza (SRM), a experiência com os estudantes com necessidades educacionais especiais ganha visibilidade e, segundo a professora, enriquece o seu fazer pedagógico. Há de se problematizar: em que medida essa experiência pode estar contribuindo para sua própria humanização? Quando aprendemos a aceitar e respeitar as diferenças humanas é possível que nos aceitemos também e, possivelmente, o mundo poderá ser considerado como sendo acolhedor e humano.
Assim, concordamos que a luta diária se faz necessária pela nossa humanização e pelo respeito às diferenças humanas. A escola, considerando os limites da educação, continua sendo o espaço no qual é possível formar estudantes autônomos e emancipados, corroborando com o pensamento de Crochick et al. (2011):
o que se pode fazer é, segundo Adorno (1967/1995), insistir na escola para que a educação seja voltada para a resistência à opressão dos homens, para que seja uma educação que leve à percepção das contradições sociais, e não para negá-las. Claro, somente com a educação não é possível modificar a sociedade, não obstante, por meio dela, é possível fortalecer a consciência individual para que essa se oponha à violência. (p. 196)
A oposição a toda e qualquer forma de violência é o princípio para uma educação inclusiva. Na narrativa da professora Albertina (SAI) destaca-se, sobretudo, a expressão “conversar”. Inicialmente a professora sentiu insegurança para atender às necessidades educacionais dos estudantes com deficiência visual, tendo enfrentado os desafios do ensino e da aprendizagem na perspectiva inclusiva. A professora resolveu entender e atender as necessidades individuais de aprendizagem dos estudantes e, para tal, estabeleceu um diálogo permanente com seus familiares. Assim, se tornou possível avançar no processo de inclusão escolar dos estudantes e, ao mesmo tempo, refletir sobre sua prá- xis. Pois, é o que poderá propiciar a superação da educação excludente, hierarquizante e segregadora. A família, nesse caso, faz-se presente, o que beneficia o processo de inclusão escolar dos estudantes com deficiência visual e de adaptação da professora da SAI.
Quanto à questão sobre a experiência na atuação com os estudantes com deficiência visual na Escola Municipal Adelino Magalhães, alguns pontos se tornam relevantes. Primeiramente, em relação ao trabalho desenvolvido na SAI, a professora Albertina re lata que os estudantes com baixa visão “não aceitam essa deficiência e, muito menos, o fato dela ser progressiva”7 e, ainda, que a professora de AP, que está na SAI, também não é aceita por eles. Então, ela, por ter um bom relacionamento com esses estudantes, procura dar-lhes o AP que necessitam. Quanto aos desafios enfrentados no cotidiano pedagógico com os estudantes com deficiência visual, a professora Nilza (SRM) narrou:
é uma experiência desafiadora e muito encantadora. Pois, apesar de serem portadores de baixa visão e não cegueira profunda, os mesmos apresentam muitas dificuldades no ensino-aprendizagem. Faço atividades adaptadas, apesar de possuir material bem variado. Ponho em prática os conhecimentos que adquiri em cursos de aprimoramento, para que os estudantes possam superar as barreiras encontradas no dia-a-dia.
A professora Bruna (AP), por sua vez, afirmou: “tem sido uma grande experiência e bastante produtiva. Em alguns momentos até copiei para ele, mas somente para estimulá-lo”. Percebe-se nessas narrativas que há interação entre as professoras da SAI, da SRM e os estudantes com deficiência visual. No entanto, a narrativa da professora de AP à inclusão escolar é dissonante. Ela afirma que em alguns momentos desenvolveu a atividade de aprendizagem pelo estudante. Os estudantes não necessitam que a professora realize suas atividades de aprendizagem por eles. Porém, vale ressaltar que essa professora também pode estar necessitando de conhecimento para saber quais são suas atribuições pedagógicas na escola no que se refere ao AP à inclusão escolar.
A professora de AP à inclusão escolar, apesar de ser designada na turma para ficar com um estudante específico, não é professora exclusivamente desse estudante e, sim, da turma. Por isso, a referida professora necessita saber que apoiar um estudante não é realizar as atividades escolares por ele, dispensando-o do processo de aprendizagem. Tal atitude não contribuirá para o desenvolvimento de seu desenvolvimento educacio nal. Antes, estará contribuindo à sua heteronomia, à qual a educação inclusiva deve se contrapor. Quanto à interação entre a SAI e a SRM, a professora Nilza (SRM) afirma:
ocorre da melhor forma. Como atuo no turno em que os estudantes com baixa visão estudam, estou sempre em contato com a professora da sala de aula inclusiva. Trocamos ideias e informações que visam sanar as dificuldades que surgem. Acompanho, através da mesma, o conteúdo que está sendo trabalhado e faço minhas adaptações. Tudo é bem articulado sem nenhum problema.
Quanto a isso, Crochick et al. (2011):
Beyer (2005) e Pacheco et al. (2007) acentuam, em relação à discussão em educação inclusiva, que o trabalho conjunto entre professores é importante nessa área, o que também já preconizavam Booth e Ainscow (2002). Não se trata, no caso desses autores, da defesa da presença de um auxiliar em sala de aula, mas do trabalho conjunto entre os professores. (p. 212)
Consequentemente, o trabalho colaborativo entre as professoras da SAI, de AP à inclusão escolar e da SRM contribui no desenvolvimento das atividades pedagógicas ao se concentrarem no atendimento às necessidades educacionais específicas dos estudantes com e sem deficiência.
Ao solicitarmos às professoras depoimentos sobre os desafios pedagógicos enfrentados na atuação docente com estudantes com deficiência visual, tanto na SRM quanto na SAI, foi identificado o envolvimento pedagógico entre as professoras da SRM e da SAI. Por outro lado, a professora de AP à inclusão escolar expressou dificuldade na atuação com os estudantes: “não tenho experiências para relatar, pois o tempo que passo com Pedro e Paulo é muito pouco” (professora Bruna, AP).
Durante as observações na Escola Municipal Adelino Magalhães percebeu-se que a professora de AP à inclusão escolar na SAI não se incomoda com a situação e acaba por se tornar praticamente exclusiva do estudante com síndrome do espectro autista. Ao não tentar mudar esse quadro, acaba afirmando para os estudantes, de uma forma geral, que não é professora de AP da turma, o que é preconizado pelas orientações quanto à atuação do professor de AP à inclusão escolar em SAI. Quanto a isso, vale destacar a narrativa da professora Albertina (SAI),
meus estudantes com baixa visão realizam as mesmas atividades que o restante da turma. Porém, com uma dedicação diferenciada a fim de atendê-los de acordo com suas necessidades, ou seja, todo o material escrito fornecido para a turma deve ser ampliado para eles (provas, exercícios, páginas de livros didáticos e apostilas).
Destaque-se, na expressão: “meus estudantes”. É interessante observar o quanto a professora da SAI assume a responsabilidade com esses estudantes. Também foi identificado que os estudantes com deficiência visual interagem com os colegas sem deficiência, demonstrando serem partícipes da sala de aula, ou seja, não estão à mercê da dinâmica da sala de aula e, como a professora Albertina (SAI) afirmou, “dos estudantes com deficiência visual é exigido de maneira semelhante aos demais estudantes, com as devidas adaptações para atendimento às suas necessidades educacionais especiais”, o que está em consonância com os princípios da educação inclusiva, como destacam Crochick et al. (2011) em relação à importância da atitude positiva do professor em sala de aula na afirmação da educação inclusiva:
certamente, o professor é o principal agente em sala de aula, e depende de suas atitudes boa parte do que possa afetar as dos estudantes sem deficiência em relação àqueles que as têm. Assim, não basta a experiência do contato com estudantes com deficiência para que algum grau de inclusão ocorra; é necessária também a intervenção consequente do professor. (p. 198)
Assim, a intervenção do professor torna-se central no processo de inclusão escolar para que os estudantes com deficiência e sem deficiência sejam orientados no desenvolvimento de um processo educacional colaborativo. A professora Nilza (SRM) afirma que “é uma experiência enriquecedora. Porém, com muitos desafios. Os estudantes progridem, mesmo necessitando de mais tempo do que os demais estudantes”.
As professoras concordam que há apoio da gestão da escola em relação às necessidades educacionais especiais dos estudantes com baixa visão, representando um avanço no processo de inclusão escolar. Pois quando a gestão escolar participa e apoia os professores e os estudantes nesse processo, a inclusão escolar torna-se possível:
os meus estudantes com baixa visão não têm direito a uma professora de apoio à inclusão escolar. Por isso, preciso suprir essa carência dando atenção ao restante da turma e, ao mesmo tempo, dar uma atenção diferenciada aos estudantes com necessidades educacionais especiais. O caderno deles é diferente. Faço as linhas com hidrocor preto, com um espaço maior entre elas e a escola reproduz e encaderna essas folhas. A escola também compra o lápis 6B, para que a escrita fique mais escura. Quando preciso usar o livro didático com a turma, a escola amplia as páginas que serão utilizadas para os dois estudantes com deficiência visual. Eu os coloco sentados bem próximos ao quadro branco e uso o pilot sempre com as cores mais escuras (preto e azul) e faço a letra bem grande. Sempre leio tudo com eles ou para eles e o restante da turma. (Professora Albertina, SAI)
Com base na narrativa da professora Albertina, atuante na SAI, é possível afirmar que há engajamento da escola em tornar possível o processo de inclusão escolar. Também identificamos empenho da professora Albertina em apoiar os estudantes com baixa visão, não exclusivamente no processo de socialização, mas também no que se refere ao “desenvolvimento de habilidades e o aprendizado de conteúdos necessários para a participação na sociedade” (Crochick et al., 2011, p. 213).
No entanto, a narrativa da professora Albertina (SAI): “os meus estudantes com baixa visão não têm direito a uma professora de apoio à inclusão escolar”, expressa a ausência de entendimento quanto à atuação da professora de AP à inclusão escolar, por considerar ser necessário uma professora de AP para cada estudante com deficiência considerado em situação de inclusão. O que falta é entendimento das funções da professora de AP à inclusão escolar e otimização de sua participação na SAI, contribuindo no processo de aprendizagem dos estudantes considerados em situação de inclusão.
Em relação à questão “você pensa que há algum tipo de relação e articulação entre a democratização da educação e a educação inclusiva? Comente sobre isso”, destacamos as seguintes narrativas: “sim, se não houver democratização, relação e articulação da educação e da educação inclusiva, não existirá sucesso no processo de ensino-aprendizagem. Pois, um interage com o sucesso do outro” (professora Bruna, AP);
acredito sim que exista certa relação tanto quanto uma articulação entre democratização da educação e educação inclusiva. Acho que nos dias de hoje não se consegue pensar em educação sem relacionar à educação inclusiva. Ainda temos muitos obstáculos e barreiras para vencer e serem superados. Porém, já se avançou muito. Acredito que a cada dia essa relação e articulação, tendo em foco a educação inclusiva, ganhará mais força, visando maiores conquistas para os estudantes com necessidades educacionais especiais. (Professora Nilza, SRM)
Eu acredito que sim, pelo menos na Rede Pública de Niterói, que é a que eu conheço de perto. Vejo, a cada ano aumentar o atendimento aos estudantes com necessidades educacionais especiais. Na nossa escola, a maioria das turmas tem estudantes nessas condições e com uma professora de apoio à inclusão exclusivamente para acompanhá-los em sua socialização e desenvolvimento da aprendizagem de acordo com suas capacidades. (Professora Albertina, SAI).
Assim, conseguimos identificar que as professoras conseguem articulação entre democratização da educação e educação inclusiva, o que pode ser considerado um avanço nas políticas públicas de educação inclusiva no município de Niterói. Posto isso, afirmamos que a educação inclusiva propicia a participação da totalidade dos estudantes considerados em situação de inclusão.
Considerações Finais
Após a conclusão deste estudo, destacamos alguns resultados relevantes: a criação de espaços na Escola Municipal Adelino Magalhães para a reflexão de professores, gestores e o fortalecimento da educação inclusiva para a totalidade dos estudantes com deficiência matriculados, considerando Crochick et al. (2011), ao afirmarem que “a igualdade frente à possibilidade de aprender, apesar das diferenças, é um marco em uma sociedade democrática” (p. 214)
Com isso, a educação não deve ser considerada como um privilégio para alguns estudantes em detrimentos de muitos que estão à margem da escola pública. Mas sim como um direito social e humano, por intermédio do qual os estudantes se desenvolverão como indivíduos livres pensantes, tendo acesso à própria essência - singular e humana. Portanto, pode-se considerar como resultado central deste estudo que a Escola Municipal Adelino Magalhães está afirmando, de maneira significativa, a educação inclusiva, sobretudo em decorrência da implementação das políticas públicas de educação do município de Niterói, que estabeleceram como prioridade a inclusão escolar de estudantes com deficiência.
À escola inclusiva não cabe selecionar estudantes no acesso à educação, nem os diferenciar pelo critério de deficiência. Antes, cabe à escola ser um espaço educacional democrático e humano. Nesse sentido, a educação e, por conseguinte, o acesso ao conhecimento passa a ser direito da totalidade dos estudantes. Democratizar o acesso à escola e dar sustentabilidade à educação inclusiva é o mesmo que criar espaços de aprendizagem e experiência entre diversas subjetividades (estudantes, professores, gestores e familiares), sem hierarquização por diferenças físicas, sensoriais e/ou cognitivas, no combate à manifestação do preconceito, expressão máxima da violência contra estudantes com deficiência.
Assim, a defesa em prol da educação inclusiva contribui, sobremaneira, para que os estudantes considerados em situação de inclusão, em interação com os limites sociais e demais colegas, sem deficiência, no cotidiano escolar se reconheçam como seres humanos aptos à vida em sociedade, sem medo da violência do preconceito contra suas diferenças sensoriais, físicas e cognitivas por serem consideradas como desigualdade.
Por fim, a educação inclusiva demanda ser uma luta coletiva de professores, gestores e familiares em prol da escola pública, de seu fortalecimento e democratização do acesso e permanência de estudantes com deficiência para que, juntamente com colegas sem deficiência, possam viver experiências de ensino e aprendizagem que os humanizem e os tornem aptos à experiência com uma sociedade que não reconhece as diferenças como essência da humanidade e, mais, como propulsoras da formação que contemple a totalidade dos estudantes, tornando-os sensíveis e aptos a viver em sociedade sem terem suas diferenças negadas e/ou invisibilizadas pelo preconceito, expressão máxima da violência contra estudantes com deficiência. Tomara que este estudo contribua para enfrentamento e superação da segregação na escola pública no Brasil.