1. Introdução
A comunicação de ciência no âmbito da saúde, apesar de ser considerada uma disciplina recente, tem evoluído significativamente a nível mundial (Magalhães et al., 2021). A sua emergência relaciona-se com a crescente necessidade de assegurar que o conhecimento produzido pela academia atue como dinamizador de mudanças comportamentais na sociedade. Apesar de existir um compromisso com a comunicação de ciência, a articulação de tal comunicação segue geralmente abordagens tradicionais, pautadas pela transferência do conhecimento científico negligenciando a democratização e a equidade do saber (Jünger & Fähnrich, 2020).
Situações emergentes, como a crise de saúde pública provocada pela doença COVID-19, incitam ainda mais a reflexão sobre as características relacionadas com este processo de comunicação. Neste contexto, é de sobremaneira importante identificar as estratégias utilizadas e o nível de envolvimento do cidadão na comunicação de ciência. Existem questões sobre as quais os investigadores e a academia se devem debruçar e colocar à discussão, como por exemplo: qual a informação científica que o cidadão pretende receber; como é que a pretende receber; qual o formato mais adequado; e com que linguagem?
No sentido de ultrapassar o paradigma tradicional e unidirecional que durante muito tempo conduziu à conceção e disseminação dos saberes, a ciência cidadã (CC) constitui-se como um domínio crescente de investigação e prática. A CC implica envolver os cidadãos ao longo do ciclo da investigação e dessa forma conhecer o que é verdadeiramente importante para a sociedade (Roche et al., 2020; Wu et al., 2019).
Ao envolver os cidadãos no processo de investigação, a CC promove a aproximação entre os investigadores e a sociedade, permitindo que desta relação de proximidade e trabalho colaborativo sejam extraídos benefícios para ambas as partes (Bento et al., 2016; Roche et al., 2020). Para os investigadores objetiva-se o desenvolvimento de uma investigação de maior relevância, assente nas necessidades reais dos indivíduos e que mais facilmente responda aos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas (United Nations, s.d.), visto que este é um compromisso desejável da investigação que se realiza. Para os cidadãos, facilita-se a sua colaboração na coprodução do conhecimento, promovem-se trocas de experiências e o engagement. Tais processos possibilitam uma maior consciencialização, literacia e empoderamento para guiar a tomada de decisões no âmbito da saúde, bem como no contexto social e político (Goi & Tan, 2021; Roche et al., 2020).
No âmbito da saúde, especificadamente, apesar de a CC ainda constituir uma área a ser consolidada, instituições de renome como o National Institute for Health Research, o departamento Research Governance Framework for Health and Social Care, o Research and Development Directorate do Nacional Health Service e o National Institutes for Health defendem esta boa prática e acreditam que o envolvimento do cidadão, doente, família e cuidadores deve ser uma área prioritária de investigação que carece de ser melhor analisada e percecionada (Ahmed & Palermo, 2010; Hayes et al., 2012; Vale, 2012).
Reconhecendo que a comunicação e a disseminação do conhecimento científico representam uma importante etapa do ciclo de investigação, a sua realização deve seguir formatos e ocorrer em espaços mais próximos dos cidadãos. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo identificar as estratégias para promover a comunicação de ciência aos cidadãos comuns, implementadas por entidades de investigação internacionais que praticam a CC.
2. Método
Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, operacionalizado de acordo com a seguinte questão: quais as estratégias utilizadas por entidades científicas internacionais que praticam CC para promover a comunicação de ciência a cidadãos comuns?
Foram analisadas por intencionalidade, as páginas de internet de entidades científicas internacionais com idoneidade e trabalho relevante no âmbito da CC, que cumprissem os seguintes critérios de inclusão: apresentar ou indicar ações ou iniciativas de comunicação de ciência para o cidadão nos seus separadores específicos da página e/ ou divulgação de projetos de investigação já desenvolvidos ou em curso, de acordo com o paradigma da CC.
A pesquisa foi realizada no mês de dezembro de 2021 e os dados foram obtidos a partir dos conteúdos disponibilizados nas páginas de internet das referidas entidades.
Sabendo de antemão que neste tipo de estudo a amostragem ideal traduz as dimensões do fenómeno, tanto em quantidade, como em intensidade, identificou-se um corpus suficientemente abrangente, que se traduziu na saturação dos dados (Green & Thorogood, 2018).
O corpus textual, constituído pelo conteúdo extraído das respetivas páginas de internet foi traduzido para português pela autora Elaine Santana e validado pela autora Rosa Silva, organizado com o auxílio do programa Microsoft Excel e analisado a partir da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977/2016). De acordo com os princípios desta técnica, a análise de conteúdo, permite explorar por meio de procedimentos sistemáticos as informações contidas nas mensagens, isto é, os seus significados e significantes, revelando aquilo que está por trás das palavras analisadas. Ao alcançar tais indicadores, a análise de conteúdo permite a inferência de conhecimentos sobre as condições de produção e receção destas mensagens (Bardin, 1977/2016).
Organizada em três fases, a técnica de Bardin (1977/2016) para a análise temática de conteúdo estabelece três fases cronológicas: (a) a pré-análise, (b) a exploração do material e tratamento dos resultados, e (c) a inferência e interpretação. Na pré-análise, organizou-se o material a partir de uma leitura flutuante, que posteriormente resultou na formulação de objetivos e hipóteses que fundamentaram a interpretação. Já na segunda fase, explorou-se o material, organizando-o em dados codificados por unidade de registo. Por fim, a terceira e última etapa, representa a fase de tratamento dos dados, que se sustenta nas semelhanças e diferenças identificadas, resultando na categorização e no reagrupamento dos dados com base nas características que lhes são comuns (Bardin, 1977/2016).
Para auxiliar na análise e facilitar a visualização dos resultados, foram elaboradas nuvens de palavras em representação de cada categoria, geradas pelo programa virtual Tagul Cloud. Esse recurso possibilita a melhor visualização das categorias, além de representar um artifício que contribui para a análise de conteúdo, pois permite o levantamento das palavras de maior frequência, que culmina com a sua representação gráfica através da nuvem.
Considerando que esta investigação não envolve seres humanos, dado que não houve contacto de qualquer natureza com os responsáveis das páginas de internet ou indivíduos que integraram as estratégias analisadas, e acrescentando o facto que a recolha dos dados decorreu exclusivamente a partir das páginas de internet de acesso aberto e livre, não houve necessidade de revisão ética deste estudo.
3. Resultados
Foram analisados 23 sites de entidades científicas internacionais, sendo que 16 foram consideradas por cumprirem os critérios de inclusão, ou seja, apresentavam e indicavam nas suas páginas de internet ações ou iniciativas de comunicação de ciência para o cidadão. Consequentemente, o corpus textual elegível formou-se por 12 páginas de organizações/associações científicas, duas páginas de centros de investigação e duas de agências/instituições governamentais (Tabela 1).
Da análise concretizada, emergiram quatro categorias: “o envolvimento do cidadão”, “capacitação do cidadão”, “interações usuais e inovadoras” e “comunicar com recursos e formatos acessíveis”.
De seguida, são apresentadas as categorias analíticas elaboradas. A categoria “o envolvimento do cidadão” realça as estratégias de comunicação de ciência, que permitem que o cidadão comum esteja envolvido e participe ativamente no processo de investigação.
Conforme é possível identificar graficamente pela nuvem de palavras da Figura 1, a informação analisada denota que algumas entidades científicas envolvem o cidadão na comunicação de ciência a partir da formação de grupos, como por exemplo, grupo de doentes. Estas pessoas envolvidas, podem exercer o papel de representantes colaborando nas revisões de evidência, opinando sobre os materiais informativos que serão partilhados com a sociedade.
Tais estratégias podem ser verificadas nos excertos descritos:
“doentes fornecem comentários sobre os folhetos informativos que construímos e adaptam a linguagem científica para uma linguagem simples” (E1);
“Leitores Voluntários fornecem feedback aos materiais informativos que produzimos, garantindo ( … ) informações claras, relevantes e úteis para pessoas com doença de Crohn e colite” (E6);
“o papel do Research Champion é fazer parte dos projetos de investigação, participando em reuniões, compartilhando suas próprias visões e experiências” (E6);
“cidadãos (doentes) fornecem feedback às versões de rascunho dos nossos sets (conjuntos de materiais informativos)” (E15);
“cidadãos parceiros da investigação, equipas globais e advocate groups são coprodutores de folhetos informativos” (E15);
“cidadão (doentes com a doença de Cushing) e organizações de doentes anunciaram e divulgaram informações sobre os estudos conduzidos no âmbito da doença de Cushing” (E3)
A categoria “capacitação do cidadão” representa uma estratégia utilizada pelas entidades para capacitar o cidadão comum na comunicação de ciência, bem como para promover a literacia deste mesmo cidadão nas questões em que está envolvido, de modo a torná-lo disseminador e multiplicador desse conhecimento.
As estratégias identificadas nesta categoria revelam-se nos seguintes fragmentos:
“minicurso: tecnologia em saúde e segurança de medicamentos para fomentar o envolvimento do doente na co-construção e co-validação” (E3);
“workshop: que incentiva o cidadão a compartilhar as suas opiniões para ajudar a melhorar a aceitação dos exames no âmbito da saúde pulmonar” (E4);
“plataforma de treinamento: consciencializa o cidadão sobre a importância de proteger a biodiversidade por meio da organização de atividades científicas cidadãs” (E7);
“um recurso online gratuito que oferece uma introdução à evidência em saúde e como usá-la para fazer escolhas em saúde” (E16);
“cursos interativos em formato de storytelling, com leituras, vídeos e áudio, questionários, que integra processos de autoavaliação do conhecimento adquirido” (E16);
“treinamento: Através de coleções de recursos é oferecido oportunidade de desenvolvimento de aprendizagens online autodirigidas em formatos de cursos online, módulos de aprendizagem individual, vídeos, apresentações de diapositivos e webinars, workshops internacionais, conferências, guiões e manuais” (E16).
As estratégias identificadas para a capacitação organizam-se em diferentes formatos, e podem ser verificadas na nuvem de palavras da Figura 2, demonstrando ações de destaque como, por exemplo, a realização de workshops, fóruns, webinários, bem como módulos, cursos e minicursos disponíveis em formato digital. Estas estratégias funcionam como um recurso guiado para a consciencialização e capacitação do cidadão comum, para a comunicação de ciência, e são ilustradas pelos destaques na nuvem de palavras (Figura 2).
A categoria “interações usuais e inovadoras” realça as estratégias identificadas que envolvem tanto iniciativas convencionais, como palestras, reuniões e aulas abertas, como ações inovadoras, como conversas em ambientes não-académicos (e.g., cafés e praças), com o objetivo de tornar o diálogo mais simples e próximo do cidadão.
Estratégias de interação convencionais podem ser reconhecidas nos fragmentos seguintes:
“diálogo entre investigadores e o público ( … ) um projeto que conecta escolas suecas com cientistas” (E8);
“palestras e debates: painel de debate com investigadores, promovendo conversa e dinâmica” (E8);
“palestra conjunta (oradores são investigadores, peritos, mas também cidadãos, que neste caso pessoas com cancro) no Fórum do Cancro Raro” (E9)
Já a promoção de diálogos em espaços não-académicos, com o intuito de estabelecer uma interação descontraída e informal, é demonstrada nos excertos:
café com o investigador e cafés de ciência” (E8);
“exposições: exposições de pósteres, exposições ao ar livre, exposições no museu, exposições itinerantes, exibição de filmes, exibição de arte, exibição de fotos” (E8);
“compre com um investigador: investigadores ficam à disposição em loja para responder a perguntas sobre os produtos que se encontram em venda/exposição” (E8);
“visitas, tours e open-house: Viagens de autocarro com investigadores, caminhada pela cidade, excursões, visita de estudo; open-house ou visitas a várias instalações de pesquisa, como laboratórios, unidades de investigação, Centros de Ciência, jardins zoológico e museus” (E8);
“praça da Investigação: investigadores estão disponíveis para responder a perguntas e conversar com os visitantes. É uma maneira fácil de criar oportunidades de diálogo” (E8);
“pegar emprestado um investigador: investigadores visitam escolas ou locais de trabalho com base nos desejos dos participantes” (E8)
Ainda nesta categoria, destaca-se a utilização da linguagem artística por parte das entidades como um recurso inovador para comunicar ciência ao cidadão comum:
produção teatral sobre os desafios do envelhecimento” (E5);
“demonstrações e teatro: Teatro fórum, uma forma interativa de teatro onde o público tem a oportunidade de mudar e influenciar a performance” (E8);
“performance cómica e poética que gira em torno do belo e do fantástico mundo da física e do universo” (E8);
“stand-up: forma não convencional e atraente de comunicação da investigação realizada” (E8)
Na Figura 3, apresenta-se a nuvem de palavras que caracteriza as estratégias mencionadas. As entidades incluídas no estudo revelaram nas suas páginas de internet como promovem a comunicação de ciência, sendo clara a necessidade de aproximação dos investigadores aos cidadãos. Tal aproximação passa por atividades de interação, visitas a escolas, aulas abertas, reuniões e grupos de conversa. Inclui-se ainda a criação de momentos mais descontraídos e menos usuais, como exposições, espetáculos de teatro, visitas a museus e momentos de divulgação da ciência em cafés ou lojas.
A utilização de estratégias que têm como prioridade disponibilizar conhecimento científico num formato acessível é destacada pela categoria “comunicar com recursos e formatos acessíveis”.
As ações aqui apresentadas centram-se no objetivo de fornecer aos cidadãos acesso aos materiais informativos com conteúdo científico de qualidade, numa linguagem amigável e que possa ser encontrada à distância de um clique.
Esta preocupação pode ser verificada nos fragmentos seguintes:
“versões acessíveis ao público de publicações académicas” (E9);
“resumos leigos para serem publicados no site ( … ) sobre diabetes” (E9);
“versões de diretrizes para doentes em formato de brochuras que ‘traduzem’ as recomendações de diretrizes e seus fundamentos originalmente produzidos para profissionais de saúde num formato que seja mais facilmente compreendido e utilizado pelos doentes e pelo público em geral” (E11);
“publicação de textos, artigos de opinião e entrevistas com linguagem simples” (E13);
“resumos em linguagem simples: são criados usando conteúdo, estrutura e linguagem padrão para facilitar a compreensão e a tradução” (E16);
“materiais de Conjuntos de Medidas de Resultados Centradas no doente, incluindo todos os guias de referência, folhetos, ‘dicionários de dados’ e comunicados à imprensa estão disponíveis gratuitamente” (E15).
Com o intuito de promover a comunicação de ciência com maior abrangência, as unidades de investigação e associações/organizações a estas associadas reafirmam o dever de tornar o conhecimento científico disponível e acessível, comunicando através de uma linguagem simples. Além disso, é também valorizado o uso de plataformas digitais (sendo possibilitada nalguns casos a colaboração na conceção dos materiais informativos), redes sociais (e.g., Facebook, Twitter e Instagram) e outras ferramentas inovadoras com grande potencial para integrar as novas características do processo de comunicação de ciência, demonstrada nos fragmentos a seguir:
“plataforma digital projetada para promover a literacia em Saúde da sociedade” (E12);
“glossário Colaborativo COVID-19 em parceria com diversas instituições ( … ). Recurso terminológico para não especialistas. ‘Este glossário colaborativo reagrupa a terminologia utilizada pelas instituições de saúde, os profissionais da área, ( … ) permitindo o acesso a informação ( … ) organizada sobre a doença, numa linguagem clara e de fácil entendimento’” (E12);
“aplicativo educacional criado com o objetivo de educar os cidadãos sobre as formas como podemos gerenciar a água da chuva no tecido urbano” (E7);
“site interativo com apresentação de projetos desenvolvidos e iniciativas: Blog, Notícias, Vídeos, Biblioteca de documentos” (E9);
“vídeo dos resultados: compartilhar em formato de relatório e vídeo, as experiências das pessoas envolvidas no estudo, usando publicação em revista, site e média sociais” (E9);
“podcasts, vídeos, multimédia, recursos fotográficos e outras formas de contar histórias” (E10);
“plataforma digital para aumentar a consciencialização ambiental” (E14);
“blogs, emails direcionados, produtos de áudio/visual, capturas de blog (vídeo blogs), podcasts, infográficos, vídeos, redes sociais (Twitter, Facebook, Instagram) e Wikipédia” (E16)
Na Figura 4 podemos verificar a representação das principais estratégias, demonstrando que as entidades disponibilizam materiais informativos, com recursos digitais, através de vídeos, sites, blogs, podcasts e redes sociais. As entidades asseguraram ainda que estas informações e evidências, em formato de resumo, relatórios ou outros produtos informativos, cumprissem o critério de acessibilidade, utilizando uma linguagem simples e próxima do cidadão comum.
4. Discussão
De acordo com o paradigma da CC para fazer e comunicar ciência, defende-se que as práticas dos atores científicos e não-científicos sejam reajustadas, com o intuito de se co-construírem ecossistemas de investigação inovadores (Bento et al., 2016). No cenário internacional atual, uma panóplia de iniciativas tem considerado o potencial inovador de tornar o cidadão um elemento comunicador de ciência, através da construção de uma CC, centrada nas necessidades reais do cidadão e da sociedade onde está inserido (Silva et al., 2021).
Considerando a importância de construir uma comunicação de ciência sensível e próxima do cidadão, que cumpra com o objetivo de conduzir à melhor tomada de decisão, o envolvimento do cidadão permite o reconhecimento dos seus saberes e interesses, bem como as suas motivações enquanto membro que integra e representa a sociedade (Besley et al., 2015).
Em consonância com os resultados do presente estudo, o envolvimento do cidadão comum na comunicação de ciência tem sido incentivado e destacado através da criação de grupos de representantes (e.g., cidadãos parceiros na investigação, advocate groups (grupos de defensores), research champions (campeões de investigação), que visam a coprodução dos materiais com uma linguagem simples por meio de revisões (i.e., feedback; Campos et al., 2021; South et al., 2016; Ward et al., 2020).
As estratégias identificadas na categoria “o envolvimento do cidadão” demonstram que o envolvimento do cidadão comum nos processos de comunicação de ciência representa um método facilitador para o conhecimento científico alcançar a sociedade. Este envolvimento pode ser desenvolvido em diferentes níveis de proatividade, os quais são designados na literatura como tipologias de envolvimento do cidadão (Hayes et al., 2012). Relativamente aos diferentes níveis de envolvimento do cidadão identificados na literatura no âmbito da CC, um elevado número de investigadores, principalmente na área da saúde, reconhece que o envolvimento do cidadão pode ocorrer a partir de três tipos de abordagens: (a) consultiva, (b) colaborativa, e de (c) coprodução (Biddle et al., 2021; Hayes et al., 2012; Hickey, 2018).
A abordagem consultiva consiste na organização de reuniões ou grupos consultivos, que pretendem obter opiniões por parte dos cidadãos, sejam eles cidadãos doentes (especialistas), cuidadores ou stakeholders de forma interativa e sistemática.
Já a abordagem colaborativa pressupõe que sejam estabelecidas parcerias com os cidadãos, sendo então eleitos os research champions, advocate groups, ou cidadãos parceiros na investigação. Estes cidadãos irão participar na tomada de decisões de forma partilhada com os investigadores, envolvendo-se também em reuniões, workshops, grupos de trabalho, painéis ou comissões. Por fim, a abordagem de coprodução consiste na participação ativa do cidadão como um membro da equipa de investigação no controlo, direção e gestão da investigação. Especificamente no âmbito da comunicação, o cidadão coprodutor pode participar como tradutor, revisor e coautor dos conteúdos que serão partilhados (Biddle et al., 2021; Hayes et al., 2012; Hickey, 2018).
Importa clarificar que as estratégias de envolvimento que foram identificadas na análise do corpus documental se inserem nestes três tipos de abordagem. Neste caso, a contribuição destes cidadãos, através da revisão dos materiais informativos para uma linguagem simples e acessível, revela uma forma de abordagem consultiva; e estratégias como coautoria de conteúdos partilhados e identificação de representantes dos cidadãos para partilharem as suas experiências em workshops e reuniões configuram as abordagens de coprodução e colaborativa.
A premissa da comunicação de ciência no âmbito da CC é de aproximar o cidadão aos contextos de investigação e aos processos académicos, demonstrando que as opiniões, experiências e conhecimentos dos cidadãos têm uma grande relevância (Oliveira & Carvalho, 2015). Esta premissa parece ser uma prioridade das entidades analisadas.
Relativamente às estratégias evidenciadas na categoria “capacitação do cidadão”, denota-se que, para além de permitirem a capacitação dos cidadãos para uma participação de forma concertada na comunicação de ciência, possibilitam também a oportunidade de interação social com outros cidadãos e com os próprios investigadores, tal como também é mencionado por Campos et al. (2021).
Reafirmando o objetivo central da comunicação de ciência, especialmente na consciencialização no domínio da saúde, é primordial que tal comunicação, influencie e permita envolver e capacitar tanto os cidadãos, como a sociedade em que estão inseridos (Richter et al., 2019; Schiavo, 2014). Além disso, ao promover oportunidades para trocas de experiência e aquisição de saberes para o cidadão comum, encoraja-se a construção de relações de confiança e a valorização da ciência (Amaral et al., 2017).
O movimento de transição na produção científica, que tende a estar cada vez mais centrado na resolução de problemas, direciona o cidadão a assumir uma colaboração ativa, para que o conhecimento produzido e partilhado seja relevante e aplicável na prática (Bento et al., 2016). A resposta ao desafio de se contrariar a desinformação pode estar no restabelecimento do respeito e da confiança na ciência, por parte da sociedade. Tendo em vista os argumentos já apresentados, a aproximação do cidadão, por meio do paradigma da CC, será certamente um caminho que contribuirá para a aproximação da relação ciência-sociedade. Deste modo, considera-se que a interação e o diálogo entre investigadores e cidadãos se configura como uma estratégia com grande potencial, que vem sendo utilizada pelas entidades internacionais.
Contudo, conforme apresentado pela categoria “interações usuais e inovadoras”, observa-se que, apesar de existir um movimento crescente de abertura nos processos de conceção e disseminação do conhecimento científico, muitos investigadores e centros de investigação continuam a desenvolver ações com o foco central no informar, e não na comunicação, interação e relação de confiança com os cidadãos. Tal premissa confirma-se no estudo desenvolvido por Dudo e Besley (2016), com o intuito de explorar como os investigadores comunicadores de ciência avaliam os cinco objetivos específicos de comunicação. A principal prioridade na comunicação de ciência, realizada pelo grupo de investigadores analisados, consistiu na educação da população e no combate à desinformação, sendo por isso menos priorizada a comunicação para o estabelecimento de uma relação de confiança com a sociedade (Dudo & Besley, 2016). Neste sentido, reafirmando o desafio da ciência em desenvolver formas inovadoras de comunicação e de promover o interesse e a confiança da sociedade para temas científicos, as iniciativas a serem implementadas deverão integrar os vários atores, sejam eles investigadores das ciências naturais, sociais e da saúde, cidadãos ou agentes políticos, e diversificar os recursos e os espaços onde poderá ocorrer esta partilha de saberes (Bento et al., 2016).
A este propósito destacam-se que as estratégias inovadoras realçadas em algumas das ações das entidades analisadas neste estudo, demonstram que a valorização da comunicação em ambientes informais e descontraídos, ou familiares aos cidadãos, promovem o processo de aproximação e acrescentam valor. Tais situações tornam-se assim mais propensas a despertar interesse para a troca de experiências e aprendizagens (Amaral et al., 2017; Ward et al., 2020). Ainda neste âmbito, salienta-se que a utilização da linguagem artística, como o teatro ou humorística, são descritas na literatura como um recurso inovador para comunicar e envolver os cidadãos em temas relacionados com a ciência (Amaral et al., 2017; Pinto et al., 2015; Riesch, 2015).
Através destas formas criativas, os investigadores alcançam um maior envolvimento da sociedade e desenvolvem uma comunicação de ciência influente, favorecendo uma melhor compreensão e apreciação dos temas de ciência por parte do público em geral, sobretudo através de emoções e sensibilização que o teatro e o riso proporcionam (Amaral et al., 2017; Bultitude & Sardo, 2012; Richter et al., 2019; Riesch, 2015).
Relativamente ao propósito de disponibilizar conhecimento científico simples e claro, as estratégias apresentadas na categoria “comunicar com recursos e formatos acessíveis” estão em consonância com as iniciativas apresentadas na categoria “o envolvimento do cidadão”, demonstrando que a utilização de uma linguagem que aproxime o cidadão dos temas de ciência, por forma a promover a sua consciencialização e a literacia, e que esteja acessível em diferentes formatos, são uma preocupação comum.
Por conseguinte, com o intuito de disponibilizar conteúdo científico credível e de fácil acesso, as entidades analisadas reconhecem a importância da introdução de ferramentas digitais nos seus processos de comunicação, pois é incontestável, atualmente, o grande alcance da internet e o seu contributo para a consciencialização e promoção da saúde (Magalhães et al., 2021; Mheidly & Fares, 2020). Contudo, com o crescimento e desenvolvimento dos recursos digitais verifica-se também o aumento da preocupação com a qualidade do que é disponibilizado e consumido nas redes sociais. Por esta razão, torna-se ainda mais importante incentivar que a comunicação de ciência alcance os mais variados espaços, nomeadamente os ambientes digitais, como foi possível perceber nas estratégias apresentadas neste estudo.
Na era da hiperconectividade, as ferramentas digitais são cruciais para o combate à desinformação e à influência negativa que os mecanismos deturpadores provocam na formação da opinião pública, e na diminuição da confiança na ciência (Haklay, 2018).
No estudo de Pulido et al. (2020) procurou-se analisar as publicações dos dias 6 e 7 de fevereiro de 2020, na rede social Twitter, sendo possível constatar que as informações falsas foram mais “tweetadas” que as informações baseadas em evidências científicas, o que leva a uma reflexão importante sobre a responsabilidade de comunicar ciência no domínio da saúde pública.
Desta forma, de acordo com os princípios da CC, compreende-se que a comunicação de ciência proposta a partir deste novo paradigma representa um grande potencial para a melhoria da qualidade no acesso ao conhecimento e amplitude do envolvimento por parte dos cidadãos comuns, os quais passarão a integrar diretamente o processo de construção e disseminação do conhecimento científico (Edwards et al., 2018).
Portanto, acreditamos que os resultados deste estudo têm utilidade prática para os cientistas e comunicadores de ciência, visto que promovem o reconhecimento do trabalho daqueles que já desenvolvem tal prática e, ao mesmo tempo, incentivam à adoção de ações semelhantes por parte daqueles investigadores e unidades de investigação que ainda não possuem iniciativas desta natureza em seus planos de trabalho. Em termos de limitações, dado o número limitado de entidades que compuseram a amostra e a estratégia de seleção das entidades internacionais desenvolvida, destaca-se que se poderá ter excluído alguma entidade com trabalho representativo neste âmbito e com isso terem-se perdido dados interessantes.
5. Conclusão
Em termos de implicações para a prática, conclui-se que as estratégias de envolvimento do cidadão nos processos de comunicação de ciência obtiveram maior frequência entre as entidades analisadas, sendo que o grande objetivo consiste em fazer com que o conhecimento científico esteja mais próximo do cidadão, num formato acessível e atrativo. Neste contexto, recomenda-se o uso de iniciativas com intuito de tornar o cidadão comum num membro da equipa, promovendo o seu envolvimento a partir das tipologias consultivas, colaborativas e de coprodução.
Contudo, cabe destacar que as informações disponibilizadas nos sites e recolhidas para composição da amostra não nos permite comparar entre as entidades se as estratégias adotadas são suficientes, relevantes ou ainda incipientes, nem o significado atribuído pelos cidadãos ou investigadores em relação às mesmas. Isto leva-nos a confirmar a relevância de explorarmos esta temática, inclusive elencando as lacunas a serem respondidas por investigações futuras, até porque o impacto destas estratégias deve ser avaliado.
As entidades reconhecem a importância de fazer com que a ciência alcance a população em diferentes formatos, recorrendo tanto a estratégias usuais, como as ferramentas inovadoras que, além de ampliarem o alcance da comunicação pretendida, promovem maior interesse, compreensão e apreciação dos temas.
Entre as estratégias implementadas observou-se ainda uma vertente de capacitação do cidadão por meio de workshops, cursos e encontros práticos no sentido de comunicar a ciência, não somente pela tradução de termos científicos para uma linguagem acessível, mas também através da partilha de experiências e da promoção da literacia para a saúde. Destacaram-se formas inovadoras de comunicar ciência, através de estratégias de interação dos investigadores com os cidadãos em espaços não convencionais, como nos cafés/pubs, teatros, lojas e praças, e em formatos mais leves que promoveram a aproximação em conversação. Porém, estas iniciativas emergiram, em grande parte, de uma única entidade, o que demonstra que por mais que se tenha avançado na desconstrução do modelo de comunicação de ciência padronizado e distante do cidadão, este ainda necessita de maior análise.
No que se refere às implicações para a investigação, compreende-se que explorar as questões em torno da CC, bem como o impacto desta estratégia nos processos de fazer e comunicar ciência, constitui uma necessidade urgente para que sejam avaliados e medidos os impactos destas iniciativas, visionando-se a construção de conhecimento nesta área e as implicações de tais iniciativas com mais qualidade e efetividade.