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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versão impressa ISSN 2184-0458versão On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.9 no.2 Braga dez. 2022  Epub 01-Maio-2023

https://doi.org/10.21814/rlec.3973 

Artigos Temáticos

Participação, Cidadania e Ciência: A Experiência do Pergunte aos Cientistas da Agência Escola Universidade Federal do Paraná

Claudia Irene Quadros1  , Conceituação, metodologia, investigação, supervisão, validação, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-1322-8971

Regiane Regina Ribeiro1  , Conceituação, investigação, administração do projeto, validação, redação do rascunho original
http://orcid.org/0000-0003-1110-2902

Chirlei Diana Kohls1  , Curadoria dos dados, análise formal, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-8785-8776

Patricia Goedert Melo1  , Conceituação, investigação, redação do rascunho original
http://orcid.org/0000-0002-8708-0589

1Departamento de Comunicação, Setor de Artes, Comunicação e Design, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil


Resumo

A comunicação pública da ciência na universidade tem o propósito de incentivar o diálogo entre a sociedade e seus cientistas. Ao envolver o cidadão nos debates sobre suas ações de ensino, pesquisa e extensão, a universidade possibilita a troca de conhecimentos com a comunidade. Aqui discutimos como essa relação é estabelecida por meio do projeto Pergunte aos Cientistas, no qual a população pôde esclarecer dúvidas sobre a COVID-19 com pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Nós, autoras deste artigo, fazemos parte da Agência Escola de Comunicação Pública e Divulgação Científica da Universidade Federal do Paraná, que se apresenta como a instituição de ensino mais antiga do Brasil. Por meio da análise descritiva, identificamos os públicos que participaram nessa ação e refletimos sobre a aproximação entre a so ciedade e os cientistas. Para tanto, acionamos os conceitos de ciência aberta (Recomendação da UNESCO Sobre Ciência Aberta, 2021), divulgação científica (Caldas, 2010; Granado & Malheiro, 2015) e comunicação pública da ciência (Bucchi, 2008; Manso, 2015). Os estudos de formação de públicos (Dewey, 1946; Henriques, 2018) foram fundamentais para compreender como se dá a participação dos públicos no Pergunte aos Cientistas. A iniciativa tem demonstrado a importância de um cidadão ativo e ciente do seu entorno. Nesta troca de comunicação entre cientistas e a sociedade, ambos são beneficiados. Os cientistas conseguem mapear dúvidas e necessidades da população, possibilitando o desenvolvimento de pesquisas a partir das demandas sociais. Por sua vez, a sociedade descobre que também tem espaço para mostrar os seus saberes e adquirir mais conhecimento com uma universidade que abre as portas para a sua comunidade.

Palavras-chave: divulgação científica; ciência aberta; públicos

Abstract

Public scientific communication in universities aims to encourage dialogue between scientists and society. By involving citizens in debates about its teaching, research, and extension actions, the university facilitates the exchange of knowledge with the community. In this paper, we discuss how this relationship is established through the project Pergunte aos Cientistas (Ask the Scientists), in which the population could clarify doubts about COVID-19 with researchers from different fields of knowledge. We, the authors of this article, are part of the Agência Escola (School Agency), an initiative for public communication and scientific dissemination of the Federal University of Paraná, the oldest educational institution in Brazil. Through descriptive analysis, we identify the public participating in this project and reflect on the relationships between society and scientists. To do so, we employ the concepts of open science (Recomendação da UNESCO Sobre Ciência Aberta, 2021), scientific dissemination (Caldas, 2010; Granado & Malheiro, 2015), and public communication of science (Bucchi, 2008; Manso, 2015). The studies on public formation (Dewey, 1946; Henriques, 2018) were essential to understanding how the participation of the publics in Pergunte aos Cientistas develops. The initiative has demonstrated the importance of citizens being active and aware of their surroundings. The exchange between scientists and society is beneficial for both parties: the former can map the population’s doubts and needs, enabling the development of research based on social demands, while the latter discovers that it also has a space to show and expand its knowledge along with an academic community that has its doors open to society.

Keywords: science popularization; open science; public

1. O Cenário Enfrentado Pela Ciência

A negação da ciência persiste no século XXI, uma vez que em seu processo evolutivo (Rosa, 2012) sempre encontrou muitas barreiras e várias mobilizações para o seu descrédito, sobretudo porque as suas descobertas podem questionar poderes estabelecidos. Por isso, o contexto político, econômico, social e cultural não pode ser dissociado do pensamento científico. Nesse sentido, procuramos compreender o processo comunicacional da ciência na contemporaneidade, observando tomadas de decisões feitas para e com o público.

Estudos anteriores (Caldas, 2010; Costa et al., 2010) sobre divulgação científica nos inspiraram a refletir sobre esse tema, trazendo à tona o cenário atual das plataformas de redes sociais digitais, onde uma informação falsa pode ser compartilhada de forma muito mais rápida que um vírus. O cidadão, desde que conectado à internet, também tem voz e pode comentar uma notícia e/ou produzir um conteúdo. As apropriações de conteúdos noticiosos nas redes sociais digitais mostram que a produção de sentido de grupos, como a dos antivacinas no Facebook, por exemplo, está sempre associada a sua causa. Dito de outro modo, eles compartilham, criticam e até mesmo distorcem uma informação para tentar provar que as vacinas fazem mal (Almeida, 2019).

Se por um lado a negação da ciência pode ser mais intensa em determinado período por causa do contexto vivenciado, por outro aumenta o interesse de cientistas em tornar público os resultados encontrados para debatê-los com seus pares e a sociedade. Ao tomar essa decisão, os cientistas tentam discutir com diferentes públicos suas descobertas, sabendo que essa aproximação ao pluralismo de ideias pode levá-los a enfrentar muitos desafios, mas que são importantes para o avanço da ciência e o desenvolvimento da cidadania. Compreendemos que na ciência, tal como destaca Cássio Hissa (2013), “os modos de fazer não estão apenas articulados ao modo de pensar, mas, sobretudo, aos modos de ser - e de estar no mundo - do sujeito que pesquisa” (p. 128). Nesse processo, pesquisar também é compartilhar e dialogar para que o pensamento científico também tente se nutrir, como aponta Rosa (2012), da sabedoria universal.

Neste artigo, a partir da questão problema (de que modo a comunicação pública da ciência pode contribuir na divulgação científica de uma universidade mais próxima da sociedade?), discutimos conceitos de ciência aberta, ciência cidadã e divulgação científica para refletir, em seguida, sobre a comunicação pública da ciência. Estudos sobre formação de públicos também são explorados para olhar este projeto.

O nosso objetivo é verificar, a partir de uma ação concreta, como a comunicação pública pode contribuir para a democratização da ciência ao compreender a formação de públicos. A partir da análise descritiva, o conteúdo do projeto Pergunte aos Cientistas, que faz parte das ações da Agência Escola de comunicação pública e divulgação científica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi analisado para verificar como se dá essa relação entre cientistas e a população que participa, questiona e critica. Conforme Gil (2008), a análise descritiva permite a “utilização de técnicas padronizadas de coletas de dados” (p. 28). Por meio dela, foi possível apontar as características do público, como sexo, idade, nível de escolaridade e cidade que participa da ação. Além da identificação, procuramos estudar como se dá a participação de seus públicos (cientistas, jornalistas e sociedade). Eles possibilitaram conhecer ansiedades, dificuldades e preocupações deste universo pesquisado. No total, foram 153 questões feitas pelo público e respondidas pelos cientistas no ano de 2020. Os bolsistas e uma das jornalistas da Agência Escola foram os mediadores nesse processo que aproximou os públicos. A partir desse levantamento, que reúne informações sobre o perfil do público, cruzamos os dados com as experiências vivenciadas nesta ação e lançamos um olhar à luz dos estudos da comunicação pública para a ciência e da formação de públicos.

2. Ciência Aberta e Divulgação Científica

As discussões contemporâneas sobre a produção de conhecimento estão diretamente associadas com a preocupação da comunidade científica com o livre acesso à informação. A partir da expansão das redes sociais digitais, essa preocupação ganha força para expandir o acesso aos dados e às informações resultantes de pesquisas acadêmicas e, consequentemente, divulgá-las aos pares e ao público em geral. Nesse contex to, o projeto FOSTER (Facilitate Open Science Training for European Research; Facilitar a Formação Científica Aberta Para a Investigação Europeia) - consórcio formado por pesquisadores de diversas instituições europeias - define a ciência aberta como transparente e colaborativa (Bezjak et al., 2018). Esse modelo, ainda muito questionado, vai ao encontro de reflexões trazidas pela socióloga da ciência Karin Knorr-Cetina (1999). A ciência deve envolver a vida social não apenas por meio de seus produtos, mas também através de suas estruturas e procedimentos (Knorr-Cetina, 1999, pp. 377-378).

O Manual de Formação em Ciência Aberta (Bezjak et al., 2018), iniciado no ano de 2018 na Biblioteca Nacional Alemã de Ciência e Tecnologia, em Hannover, destaca que a “defesa e a promoção da Ciência Aberta em todas as suas áreas procura assegurar que as pessoas, particularmente as mais vulneráveis, sejam capazes de ser ouvidas em assuntos que são importantes para elas” (Capítulo 2.11). Os autores ainda afirmam que a ciência aberta procura dar voz ao público e considera seus pontos de vista no momento de tomar alguma decisão sobre suas vidas.

Entre as dimensões do processo de fazer ciência de forma aberta apresentadas pelo projeto FOSTER, algumas vantagens estão diretamente associadas à divulgação científica e à popularização da ciência, a saber: (a) o aumento da visibilidade e reconhecimento dos investigadores e das instituições; (b) a promoção da responsabilidade social científica e a apropriação social do conhecimento; (c) a transparência e o conhecimento do processo científico; e (d) a democratização do acesso ao conhecimento científico (Bezjak et al., 2018).

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicou, em 2022, uma série de recomendações para o desenvolvimento da ciência aberta com o propósito de “fornecer um marco internacional para políticas e práticas de ciência aberta” (Recomendação da UNESCO Sobre Ciência Aberta, 2021, p. 6), considerando diversas questões, como as diferenças regionais e os desafios de todos os atores da ciência aberta em diferentes países. Neste mesmo documento, a ciência aberta é apresentada como um construto inclusivo com diversas práticas e movimentos para aumentar as colaborações científicas e o compartilhamento de informações para beneficiar a sociedade e a própria ciência. Sobre o envolvimento dos atores sociais, há uma recomendação para incentivar a participação voluntária no processo de construção de conhecimento científico por meio da ciência cidadã desenvolvida com métodos apropriados para garantir o benefício a todos.

Neste artigo, a relação proposta entre ciência aberta e comunicação está associada à sua dimensão social, na qual o processo está centralizado no cidadão como sujeito informacional ativo. Por isso, a necessidade de olhar para esse fenômeno desde a perspectiva da comunicação pública.

Tentamos somar nossos esforços aos dos pesquisadores que investigam essa temática, como Costa et al. (2010) e Manso (2015), e defendem a ciência aberta. Na tentativa de esclarecer os movimentos que ocorrem na ciência aberta, Fecher e Friesike (2014,p. 20) elencaram cinco escolas desse pensamento: (a) democrática, (b) pragmática,(c) infraestrutura, (d) pública e (e) métricas. Na primeira, a escola democrática, participam cidadãos, cientistas e políticos. Na segunda, a escola pragmática, os cientistas trabalham juntos para resultados mais eficientes. Na terceira, a escola infraestrutura, os cientistas se beneficiam com o desenvolvimento de plataformas tecnológicas que compartilham conhecimento. Na quarta, a escola pública, envolve cientistas e cidadãos. Na quinta, a escola das métricas, está relacionada aos cientistas e às políticas para o desenvolvimento de métricas que mensuram o impacto científico. Todas elas envolvem públicos diferenciados e exigem estratégias comunicacionais específicas, além de merecerem estudos aprofundados dessas relações.

Neste estudo, selecionamos as escolas que têm a participação dos cidadãos: (a) escola pública e (b) escola democrática. Na escola pública, cidadãos e cientistas participam do processo de pesquisa, o que remete a uma comunicação científica mais clara para ampliar o seu alcance e facilitar o diálogo. Na escola democrática, o acesso ao conhecimento é um direito humano fundamental, pois é por meio dele que há evolução humana, social, cultural e cognitiva. Essa inclusão social na ciência e na tecnologia também vem sendo incentivada há bastante tempo no Brasil. Ildeu de Castro Moreira (2006), que foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, defende a necessidade de todo brasileiro “adquirir conhecimento básico sobre ciência” (p. 11). Para o cientista, só dessa forma o cidadão pode entender o seu entorno e conquistar mais oportunidades de trabalho e de participar ativamente do processo e do entendimento da pesquisa. Desse modo, é preciso estudar as relações estabelecidas entre cidadãos e cientistas na tentativa de buscar uma maior aproximação desses públicos.

Antonio Granado e José Malheiros (2015) apresentam diversas definições de conceitos sobre a cultura científica. Aqui destacamos quatro: divulgação científica, comunicação de ciência, compreensão pública da ciência e envolvimento público em ciência e tecnologia. Esses conceitos são importantes para discutir a comunicação pública da ciência. Para os autores, “a divulgação, vulgarização ou popularização da ciência consiste na difusão (ênfase acrescentada) de conhecimentos da ciência ( ... ) e, nomeadamente, dos frutos da investigação produzida na actualidade, por toda a população” (Granado & Malheiros, 2015, p. 15). Como pontuam, um dos propósitos das atividades realizadas sob esta designação é aproximar a ciência da sociedade. A comunicação da ciência procura comunicar o saber científico, como os resultados de uma investigação, para públicos diversos. A compreensão pública da ciência (public understanding of science) pode ser associada ao modo como os públicos se apropriam da ciência a partir da divulgação. Granado e Malheiros (2015, p. 17) criticam o modelo de déficit da informação, pois o cientista é encarado como detentor do saber e consideram que o público tem dificuldade para compreender a ciência, por isso, a comunicação unidirecional é acionada. Já o envolvimento do público em ciência e tecnologia (public engagement in science and technology) surge no Reino Unido, em 2000, como uma forma para combater a crise de confiança que a ciência enfrentava no período. Neste conceito a tônica da comunicação está “numa relação entre cidadãos iguais, cujos saberes e vontades possuem dignidades iguais, cujas opiniões têm todas de ser respeitadas, e num verdadeiro diálogo entre especialistas e leigos” (Granado & Malheiros, 2015, p. 17). Os autores apontam que esse modelo “considera a necessidade de envolver toda a sociedade nas discussões nas decisões que afectam a sua vida” (Granado & Malheiros, 2015, p. 17). De modo democrático, os cidadãos são mobilizados a construir conhecimento com cientistas.

3. Comunicação Pública da Ciência e Participação Democrática

A comunicação pública da ciência tem sido muito defendida no Brasil por incentivar o debate democrático entre cientistas e a sociedade. Nesse sentido, o ato de comunicar é de fato compartilhar conhecimentos para o desenvolvimento da ciência e o bem-estar da população. E, para isso, a comunicação não pode ser unidirecional. No entanto, como bem destaca Brandão (2007), o conceito de comunicação pública é conflitante dependendo do país, do autor e do contexto. A autora observa pelo menos cinco formas de definir a comunicação pública: (a) comunicação pública identificada como comunicação organizacional, (b) comunicação pública identificada como comunicação científica, (c) comunicação pública identificada com comunicação do estado e/ou governamental, (d) comunicação pública identificada com comunicação política e (e) comunicação pública identificada como estratégias de comunicação da sociedade civil organizada.

Bucchi (2008) defende que a história da comunicação pública da ciência é relativamente nova quando comparada com a longa tradição de comunicar a ciência para o público. Durante muito tempo, argumenta o autor, a comunicação científica teve um tom paternalista, quando os meios difundiam uma notícia que julgavam de interesse público. Também critica o modelo de déficit, explicando que a descrença na ciência não pode ser reduzida e uma lacuna de informação entre especialistas e o público. No entanto, não o descarta no processo de comunicação da ciência que tem muitos estágios e não são excludentes. Para Bucchi (2008), o conhecimento leigo deve ser valorizado em um modelo de comunicação pública da ciência contínuo. A troca entre cientistas e a população afeta ambos. Embora os conhecimentos deles sejam diferentes, nenhum pode ser considerado mais importante. O autor ainda alerta que a comunicação pública da ciência “não pode ser vista apenas no contexto das interações especialista/cidadão, mas também no contexto mais amplo da ciência na sociedade” (Bucchi, 2008, p. 68).

Como já mencionado, o conceito de comunicação pública da ciência está diretamente associado ao processo de abertura científica e dialoga com a perspectiva de um cidadão ativo que assume a centralidade desse processo e se beneficia dele. Outro aspecto importante é adotar a premissa de que a ciência, tal como a linguagem, é pública (Knorr-Cetina, 1999). Assim, comunicar para seus pares é apenas um aspecto da circulação dos saberes e a comunicação para um público leigo um processo não só de divulgação, mas de popularização do saber científico. Nessa perspectiva, torna-se relevante desafiar uma tendência hierárquica na qual os cientistas são considerados aqueles que possuem o conhecimento, e o público, aqueles carentes de fatos científicos. A ideia é potencializar processos em que o público interaja com o conhecimento e o ressignifique de acordo com sua cultura, aspectos sociais e pessoais. Assim, se estabelecem relações dialógicas onde a experiência leiga, do senso comum e do cotidiano podem ser equivalentes ao conhecimento científico especializado proporcionando uma participação pública. Uma sociedade para ser independente precisa de indivíduos independentes, e esse processo se dá, em certa medida, na capacidade de entender como a ciência funciona e como ela está diretamente inserida no seu cotidiano. Segundo Bauman (2000/2001), o poder dos sujeitos de influenciar as condições da própria existência, dar significado para o “bem comum” faz as instituições sociais se adequarem a esse significado, ou seja, um processo de construção coletiva da cidadania.

Outro autor que apresenta uma perspectiva crítica do processo de comunicar ciência é Castelfranchi (2008). Para o autor, um modelo que valoriza o saber especializado tende a manter o domínio dos especialistas sobre os não especialistas, ignorando a capacidade cognitiva e participativa de um tipo de público que, na maioria das vezes, desconhece a ciência e a tecnologia pela ineficiência de um processo educativo.

Manso (2015) atribui a comunicação pública da ciência como o espaço de oportunidades para diálogos que traz “para o centro dos debates a figura do chamado cidadão (não especializado em ciência), estimulando a pluralidade de saberes e culturas” (p. 2). O posicionamento do cidadão assumindo protagonismo científico, como destaca Manso (2015), “é algo desafiador, inclusive no sentido epistemológico, do que venha a ser esse cidadão revestido de capacidade e responsabilidade científico-social (e política) na contemporaneidade” (p. 2). Esses apontamentos convergem com a preocupação da Heloiza Matos (2011) em ampliar o conhecimento científico às trocas comunicativas: “a comunicação pública deve ser pensada como um processo político de interação no qual prevalecem a expressão, a interpretação e o diálogo” (p. 45). O colombiano Jaramillo López (2011) entende como um processo que conta com a participação de sujeitos coletivos (atores da sociedade civil) que, ainda que se expressem de forma individual, buscam a construção do que é público de forma democrática.

Este artigo se apoia nos autores aqui mencionados para defender que a comunicação pública da ciência pressupõe participação, ou seja, um modelo democrático, igualitário entre os atores, com ênfase no diálogo e que reconheça os múltiplos tipos de conhecimento e os múltiplos tipos de recepção. Neste sentido, compreendemos a necessidade de conhecer com maior profundidade os nossos públicos. Burns et al. (2003) defendem a importância de considerar os públicos de acordo com as suas necessidades, interesses, atitudes e níveis de conhecimento. Para tanto, eles dividem os públicos envolvidos na comunicação da ciência da seguinte forma: cientistas, mediadores, tomadores de decisão, público em geral, público atento e público interessado. Neste artigo, nos concentramos nos seguintes públicos: cientistas, mediadores (jornalistas e bolsistas), público atento (parte da população que busca informação sobre ciência e tecnologia) e público interessado (composta por pessoas que estão interessadas, mas não estão necessariamente bem informadas sobre ciência e tecnologia). A tipologia de Burns et al. (2003) demonstra que muitas são as implicações dessas relações estabelecidas na comunicação da ciência.

Este artigo não esgota todas as possibilidades dessas relações, mas procura demonstrar como uma ação mediada por comunicadores tem impactado a divulgação científica ao aproximar cientistas e a sociedade.

4. Agência Escola de Comunicação Pública da Universidade Federal do Paraná

Na perspectiva da comunicação pública da ciência, a UFPR iniciou, em 2018, um projeto técnico-científico que visa a divulgação científica. A iniciativa recebe o nome de “Agência Escola de Comunicação Pública e Divulgação Científica UFPR” e tem como objetivo fomentar a visibilidade da produção da ciência desenvolvida, e estimulada, dentro/pela universidade. O projeto é composto por 21 bolsistas de graduação, seis bolsistas de pós-graduação, oito docentes bolsistas (sendo que uma das professoras responde pela coordenação) e 13 profissionais contratados em regime consolidação das leis do trabalho.

A agência atua com base em três eixos: formação, experimentação e inovação tecnológica. A integração deles estrutura o envolvimento de estudantes bolsistas de graduação dos cursos de artes visuais, design gráfico, música, publicidade e propaganda, jornalismo, relações públicas, comunicação institucional e gestão da informação, e de pós-graduação (mestrado e doutorado) em comunicação e design. Os estudantes, além de vivenciarem rotinas produtivas de diferentes frentes do campo da comunicação e de trabalharem em uma dinâmica interdisciplinar, ampliam a visão sobre o que é ciência e sua importância no cotidiano das pessoas, bem como as diversas especificidades da produção do conhecimento. Também desenvolvem a capacidade crítica em um ambiente favorável à expressão da criatividade e da inovação, servindo como um espaço de experimentação e de criação de novas linguagens e formatos.

O conjunto das ações de comunicação da Agência Escola propõe, principalmente, ampliar o acesso do conhecimento científico à sociedade, saindo dos muros da universidade e fortalecendo o diálogo entre cientistas, população e imprensa. Uma dessas ações é o Pergunte aos Cientistas, cujo objetivo é aproximar os cidadãos dos pesquisadores e da ciência produzida na UFPR, motivando o cidadão a enviar dúvidas sobre temas relacionados ao seu dia a dia e que possam ser esclarecidas pelo conhecimento científico.

Lançado em março de 2020 diante do cenário da pandemia causada pela COVID-19 e de notícias falsas que circulam nas redes sociais digitais, o Pergunte aos Cientistas serve como ponte entre o público, os cientistas e os jornalistas. A ação, que colabora para democratizar o acesso à produção de conhecimento e mostrar o impacto da ciência na vida das pessoas, é colocada em prática obedecendo os seguintes passos: (a) comunidade envia dúvidas para os meios de comunicação da Agência Escola (redes sociais digitais e email); (b) as perguntas são reunidas e encaminhadas a um grupo de cientistas da UFPR, (c) que responde todos os questionamentos e (d) encaminha à equipe de jornalismo da agência; (e) as respostas são organizadas e dão base para o texto da reportagem em linguagem acessível, (f) publicada no site da Agência Escola e no portal de notícias da universidade (além de servir como sugestão de pauta para a imprensa); (g) a reportagem circula nas redes sociais digitais da agência e da UFPR; e é (h) encaminhada diretamente para todas as pessoas que enviaram suas dúvidas.

A equipe multidisciplinar da Agência Escola UFPR faz a mediação entre os públicos (sociedade, cientistas e jornalistas da imprensa), buscando pelo núcleo de jornalismo apresentar as respostas de cientistas com conhecimento científico em linguagem acessível. O empacotamento do conteúdo em notícia também busca uma capilarização na imprensa de diferentes meios de comunicação para alcançar outras pessoas da sociedade que podem se interessar pelo tema com perguntas da própria comunidade respondidas por cientistas que estudam o assunto. Esse processo busca, assim, a democratização do conhecimento científico e a participação dos cidadãos na divulgação científica, proposta que se articula e dialoga com os conceitos e autores discutidos neste artigo.

4.1. A Participação dos Públicos no Pergunte aos Cientistas

Para responder à questão problema do artigo, trazendo para o eixo a comunicação pública, também é pertinente abordar a discussão acerca da formação e afetação de públicos a partir da base teórica de John Dewey (1946) e sua dinâmica com a organização. Para tanto, a análise se organiza na compreensão de como os públicos se afetam, se formam e se movimentam em uma iniciativa da “Agência Escola de Comunicação Pública e Divulgação Científica UFPR”: o projeto Pergunte aos Cientistas.

Neste contexto, o Pergunte aos Cientistas oferece diferentes potencialidades vistas pelas lentes da comunicação pública da ciência. Entre elas está o alcance da ação, com a participação de pessoas de várias cidades das cinco regiões brasileiras (norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul). A repercussão na imprensa amplifica esse alcance para um número ainda maior de indivíduos, conforme Tabela 1.

Tabela 1 Dados do público do projeto Pergunte aos Cientistas: Alcance em 2020 

Neste raciocínio, Dewey (1946) defende a visão de que o ser humano não é um espectador passivo, mas um participante ativo por meio da própria atividade de comunicação. E essa perspectiva, como destacamos anteriormente, é compartilhada na ciência aberta.

Esse movimento pode ser percebido a partir do Pergunte aos Cientistas. A população enfrenta inúmeras dificuldades, inseguranças e problemas causados pela pandemia. Afetada pelo mesmo acontecimento e, a partir dessa afetação, procura agir em prol do esclarecimento de suas dúvidas para que possa se sentir mais segura e/ou saber como enfrentar tal circunstância.

Na ação, públicos com diferentes faixas etárias, profissões e localizações geográficas, como mostra a Tabela 1, se movimentam e participam ativamente enviando perguntas para muitas vezes nortear decisões e atitudes na vida cotidiana. Dúvidas essas que podem interessar a outras pessoas com questionamentos similares, o que pode ser observado pelo número de visualizações das reportagens produzidas, quase 300.000, e veiculações na imprensa, com distintos alcances. Em conversas informais na mediação com a equipe de jornalismo da Agência Escola e em entrevista para imprensa, os cientistas que responderam perguntas da sociedade comentaram que algumas das dúvidas levaram a novas investigações e podem se tornar objeto de estudo.

Para compreender a formação de públicos da Agência Escola, revistamos diversos autores. Fábio França (2008) apresenta o conceito de público a partir da perspectiva de Dewey e Blumer, conforme a Tabela 2.

Tabela 2 Definição sobre formação de públicos 

Fonte. Adaptado de Fábio França, 2008

Há similaridades entre os autores e ambos contribuem muito para a compreensão da formação de públicos. Para Dewey (1946), do pragmatismo, as ideias têm importância quando servem de instrumento para a solução de problemas reais. O cientista também defendeu a relação entre a teoria e a prática, além de incentivar o compartilhamento de ideias para o desenvolvimento do conhecimento, como já destacado. Nesse sentido, a ciência aberta também busca a colaboração de todos os públicos envolvidos para solucionar um problema. O maior entrave, no entanto, é unir de forma igualitária esses públicos. Hebert Blumer (como citado em V. V. França, 2018), do interacionismo simbólico, observou que as pessoas agem no mundo a partir do significado que as coisas têm para elas e que esses significados vêm da interação social. Para ele, nessas interações os sentidos produzidos são agenciados pelo próprio indivíduo.

As dúvidas encaminhadas pelas pessoas à ação Pergunte aos Cientistas, associadas às respostas dadas pelos pesquisadores, são consumidas como informação de interesse público. O que demonstra que o processo de afetação não é individual, e sim uma construção coletiva. Isso pode ser visto no número total de visualizações das 10 reportagens produzidas em 2020 e publicadas no site da Agência Escola UFPR e portal UFPR, que chegaram a 292.055 visualizações naquele ano. As três matérias mais lidas trazem no título assuntos de interesse público para cuidados de prevenção durante a pandemia: “Cientistas Orientam Sobre Efeitos Colaterais e Uso Correto de Álcool em Respostas Para Dúvidas da Sociedade”, que traz como imagem destaque álcool gel sendo passado nas mãos, com 87.431 visualizações; “‘É Verdade que Todos Vão Pegar Coronavírus?’: Cientistas da UFPR Respondem Novas Perguntas da Sociedade”, com 76.122 visualizações; e “Ida ao Mercado, Caminhada e Imunidade: Cientistas da UFPR Respondem Novas Perguntas da Sociedade Sobre Coronavírus”, com 38.112 visualizações. Ainda que o alcance seja grande - o que comprova o interesse do público -, nos interessa, em estudos futuros, aprofundar na produção de sentidos desse público e incentivar a participação da sociedade em diversas ações da Agência Escola.

Henriques (2018) assinala que uma das formas possíveis para explicar o processo de afetação dos públicos é pela problematização de uma situação, pois ela depende da percepção e do reconhecimento das consequências indiretas que requerem atenção, da promoção de um sentido de afetação e da criação de uma visão generalizada das consequências. Quando as consequências de um problema afetam além do indivíduo diretamente envolvido, alcançamos a dimensão pública, “fazendo com que pessoas e grupos delas tenham que se ocupar, denunciando essas ações e conclamando a agir” (Henriques, 2018, p. 163). No Pergunte aos Cientistas, notamos esse movimento de conclamar as pessoas a agir a partir, por exemplo, de uma dúvida sobre vacina que foi enviada por uma jovem que queria convencer a mãe a se vacinar contra a COVID-19. Logo após a divulgação da sua questão respondida pelos cientistas, a jovem entrou em contato para contar que a sua mãe acabou tomando a vacina.

Os graves danos enfrentados pela sociedade geram uma ligação simbólica entre as pessoas, que buscam apoio na ciência, na universidade pública e nos cientistas para esclarecer suas dúvidas. “Os públicos são antes de mais - e acima de tudo - uma forma de sociabilidade. Ou seja, eles definem um padrão específico de relações sociais de interdependência entre indivíduos, pelo qual estes estabelecem entre si um certo tipo de ligações” (Esteves, 2018, p. 143). Henriques (2018) também afirma que os públicos são formas de sociabilidades constituídas em redes de relações sociais e fluxos de informação. Para o autor, as “condições de coesão não são apenas físicas, mas também (e principalmente) simbólicas” (Henriques, 2018, p. 162).

Isso ocorre porque a afetação se dá em caráter coletivo, pois se situa além do conjunto dos indivíduos. Entretanto, “a unidade coletiva que dá pelo nome de público não se sobrepõe nem apaga os sujeitos individuais que a constituem, bem pelo contrário, depende deles e necessita mesmo de estimular a sua afirmação” (Esteves, 2018, p. 150).

E a mesma pessoa pode fazer parte de públicos diferentes simultaneamente ou em momentos distintos, alternando de acordo com as mudanças de suas percepções daquilo que a afeta.

Em que pese possam certos grupos criar uma identificação um pouco mais estabilizada, não quer dizer, sob o ponto de vista da ação, que contarão todo o tempo com os mesmos membros e com o mesmo vínculo entre esses e deles com determinadas opiniões e posições. (Henriques, 2018, p. 166)

Na ciência aberta, por exemplo, podemos observar que os cientistas ocupam várias posições nesse diálogo com a sociedade, pois também precisam ouvir seus pares e os cidadãos para o desenvolvimento da sua pesquisa - em entrevistas para RPC TV, filiada Rede Globo no Paraná, um dos pesquisadores da UFPR que responde às dúvidas da população afirmou que as próprias perguntas da sociedade podem gerar questões de pesquisa. Para que o cidadão participe da ciência aberta, no entanto, é preciso mostrar que o seu envolvimento é muito importante para o desenvolvimento do conhecimento da sociedade.

A conceituação de Henriques (2018) é percebida na variedade de perfis de públicos que enviam suas perguntas para a ação, observada pela faixa etária dos participantes que é de 18 a 80 anos, com uma concentração similar de 20 a 30 pessoas na idade entre 21 a 30 anos, 31 a 40 anos, 41 a 50 anos e 51 a 60 anos. Além disso, os diferentes perfis podem ser vistos nas áreas de atuação da população participante, elencadas em 54 profissões a partir dos dados enviados junto às dúvidas. As atuações que apareceram mais vezes foram estudante, docente e aposentado, mas a variedade é evidenciada nas 54 citadas: doméstica, bombeiro civil, agente de saúde, motorista, auxiliar administrativo, técnico em mecânica, corretor de seguros, vendedor, médica, enfermeira, militar, advogado, bioquímica, psicóloga, analista de sistemas, empresário, engenheiro ambiental, entre outras.

As pessoas que enviam suas dúvidas ao Pergunte aos Cientistas também aparecem enquanto grupo nas reportagens publicadas com seus nomes e suas perguntas relacionadas com outras similares ou diversificadas dentro da temática da pandemia feitas por pessoas de diferentes localizações geográficas.

No que diz respeito à interação com as organizações, a discussão entre público e privado também é pertinente. “Essas interações tanto se dão numa dimensão das transações privadas quanto numa dimensão pública, e é nesta segunda que essas pessoas e grupos tomam para as organizações uma forma coletiva menos ou mais definida” (Henriques, 2018, p. 161). Por esse ângulo, o objeto de análise deste artigo pode ser observado a partir da ideia da dupla formação dos públicos. Henriques (2018) explica que essa lógica destaca a dinâmica comunicativa entre esses dois atores (organização e público) e que, por meio dela, se constrói os modos de relacionamento e a criação de condições de existência de vários agrupamentos como públicos.

A dinâmica da dupla via de formação entende que um público além de tomar forma para as organizações, também é formado por elas. Isto é, o “público simultaneamente se constitui e é constituído (ênfase adicionada) - o que equivale dizer que se forma na própria interação, em seu próprio movimento” (Henriques, 2018, p. 165). Percebemos a dupla via de formação com participantes que passaram a seguir, acompanhar e interagir ativamente com os canais de comunicação da organização (redes sociais digitais e email). É o caso da orientadora educacional Eliane Américo, 38 anos, de Valparaíso, Goiás, que também enviou dúvidas para mais de uma das reportagens produzidas, envolvendo diferentes temáticas, como uso de máscaras, higienização de frutas e verduras e cuidados para grupos de risco.

Dewey (1946), logo no início do século passado, compreendeu a importância da comunicação e seu constante movimento para a formação dos públicos, os quais, para ele, não são meros espectadores e sim sujeitos reflexivos que produzem e compartilham sentidos. Ou seja, nessa perspectiva, os públicos são formados por meio da dinâmica comunicacional.

Além disso, Dewey (1946) relaciona o potencial reflexivo da comunicação e dos públicos com o papel da educação. E é nessa relação que também se visualiza a competência de conexão com a ação concreta analisada no presente texto (o Pergunte aos Cientistas). O autor ressalva que a educação tem a capacidade de liberar novas potencialidades, “capazes de todos os tipos de permutações e combinações, que então modificariam fenômenos, enquanto essa modificação afetaria por sua vez a natureza humana e sua transformação educativa em uma procissão contínua e sem fim” (Dewey, 1946, p. 199).

Nesse sentido, a educação no objeto analisado se dá no ato de os públicos buscarem informações científicas, compartilharem entre seus grupos e com os próprios comportamentos diante da pandemia baseados nas respostas recebidas com conhecimento científico, como o uso de máscaras e álcool em gel, o distanciamento e isolamento, a higienização de produtos e alimentos, a ida ao mercado com cuidados de prevenção, entre outros. Um exemplo é do dirigente sindical Giancarlo Tozo, 43 anos, de Cascavel, Paraná, que perguntou sobre a forma segura de realizar a distribuição de alimentos para as pessoas mais afetadas com a pandemia.

Nas palavras de Dewey, “temos as ferramentas físicas de comunicação como nunca. ( ... ) Sem essa comunicação o público permanecerá sombrio e sem forma, procurando espasmodicamente por si mesmo, mas agarrando e segurando sua sombra ao invés de sua substância” (Dewey, 1927/2012, como citado em Calhoun, 2017, p. 39). Ainda na ótica do autor, “os signos e os símbolos, a linguagem, são os meios de comunicação pelos quais se inicia e mantém uma experiência fraternalmente partilhada” no seio dos públicos (Dewey, 1991/2012, como citado em Esteves, 2018, p. 148). A experiência fraternalmente partilhada por meio da comunicação conceituada pelos autores também é observada no Pergunte aos Cientistas desde o processo de recebimento das perguntas, de produção do conteúdo até a divulgação junto à imprensa. A Rede Massa SBT, por exemplo, divulgou a ação em seus canais entrevistando um dos cientistas da UFPR que responde às dúvidas, abrindo também o próprio espaço do meio de comunicação para que a comunidade enviasse suas perguntas sobre a pandemia.

A discussão aqui traçada demonstra que um público, diante de uma situação que o afeta, se coloca em movimento para agir em coletividade, gerando visibilidade e possibilidade de generalização do interesse. “É a condição de manifestar-se e de agir em público que de algum modo possibilitará que este público, embora já existente como potência, possa de fato apresentar-se como um público e começar a produzir, com isso, os seus efeitos” (Henriques, 2018, p. 170).

Compreendemos que mostrar o funcionamento dos processos comunicacionais de forma transparente é um passo importante para incentivar a participação do público. O público, como destaca Henriques (2018), “sempre tende a se mostrar como representante de alguma opinião ou de alguma vontade que o extrapolam” (pp. 166-167). Além disso, prossegue o autor, o público deseja “a maior expansão possível dessa representação, pois do contrário perde a sua própria razão de ser” (Henriques, 2018, pp. 166-167).

5. Considerações

Neste artigo procuramos mostrar como a comunicação pública pode contribuir no processo de democratização da ciência por meio de uma ação concreta da Agência Escola UFPR, que é constituída por estudantes, docentes e outros profissionais de diferentes áreas. Atrair o cidadão para discutir a ciência tem sido desafiador para a equipe desse projeto e de seus parceiros de vários campos do conhecimento.

A participação do público no projeto Pergunte aos Cientistas ainda é limitada quando refletimos sobre as potencialidades da ciência aberta e da comunicação pública da ciência, mas a ação contribui para conhecer as necessidades dos públicos da Agência Escola UFPR, bem como sua localização, contextos vivenciados, atitudes e interesses, tal como recomendam Burns et al. (2003). As questões enviadas aos cientistas foram catalogadas com o propósito de conhecer os públicos da Agência Escola. Embora não tenhamos analisado o conteúdo das perguntas e nem as respostas dos cientistas neste artigo, as temáticas abordadas sinalizam os interesses de uma população que não só buscou soluções para seus problemas, mas que também questionou decisões de saúde pública. A participação do público também possibilitou planejar outras edições do Pergunte aos Cientistas com outras temáticas para além da COVID-19, como saúde mental, desastres naturais e política e democracia. Neste sentido, consideramos que ao abrir espaço para ouvir as necessidades dos seguidores da Agência Escola também procuramos contribuir, por meio da comunicação pública da ciência, a despertar o interesse dos públicos ao tratar de temáticas do seu cotidiano na divulgação científica.

A aproximação com os públicos da Agência Escola também envolveu cientistas e mediadores de comunicação (orientadores, jornalistas e bolsistas). Para esses dois públicos, essa atividade também trouxe uma nova experiência que acarretou em mais conhecimento sobre a comunidade e a comunicação pública da ciência. Não descartamos o contato direto entre cientistas e a população, mas a dinâmica adotada no Pergunte aos Cientistas, que tem a mediação de comunicadores, possibilitou o envolvimento de pesquisadores com uma rotina de trabalho bastante extensa. A comunicação entre cientistas, mediadores e o público permitiu ainda a troca de conhecimentos. Os cientistas ofereceram mais subsídios para os mediadores ao responder às questões do público, mas também compreenderam melhor o papel dos comunicadores na divulgação científica e a importância da comunicação pública da ciência para conhecer as necessidades da população. A mediação de comunicadores possibilitou ainda o empacotamento do conteúdo em linguagem acessível em diferentes formatos e meios, nos quais os públicos diversos circulam e se movimentam para participar ativamente por meio da atividade de comunicação, conforme discutido neste artigo a partir de Dewey (1946).

Ao retomar a questão problema da nossa pesquisa (de que modo a comunicação pública da ciência pode contribuir na divulgação científica de uma universidade mais próxima da sociedade?), compreendemos que a mediação da equipe da Agência Escola UFPR não apenas contribui para a democratização do acesso ao conhecimento científico, mas tem um papel fundamental na promoção da comunicação pública da ciência. A equipe aproxima cientistas, sociedade e a imprensa. Nas trocas com os públicos, destacamos três mensagens enviadas para a equipe da Agência Escola UFPR. Eles contam que sentiram como se estivessem conversando com cientistas: “parecia que eu estava em uma consulta médica quando li a resposta”; “o importante é ajudar a tirar as dúvidas com as pessoas certas”; “admiro muito o trabalho de vocês (cientistas e jornalistas) são essenciais para levar informações à população. Gratidão”.

Para promover uma aproximação e um diálogo mais direto com a sociedade, a Agência Escola UFPR está experimentando o formato híbrido do Pergunte aos Cientistas. Além de todo o empacotamento de conteúdo e formato já estabelecido da ação, na edição de agosto de 2022, que teve como tema “Política e Democracia”, a equipe da agência visitou a Escola Municipal Julia Amaral Di Lenna, em Curitiba, Paraná, no Brasil, para coletar perguntas de estudantes adolescentes sobre o assunto. Posteriormente, cientistas políticos que responderam às dúvidas irão à escola com a equipe da Agência Escola para conversar com os estudantes. Assim, esse processo fortalece um diálogo e interação mais diretos e circulares entre cientistas e sociedade.

A dinâmica do Pergunte aos Cientistas também foi planejada considerando ações das plataformas das redes sociais digitais. Os estudos sobre a participação do público nas plataformas de redes sociais dos meios de comunicação (Macedo & Quadros, 2021; Quadros, 2005) nos mostram a necessidade de estabelecer regras para promover um debate profícuo no ambiente digital. O Pergunte aos Cientistas, embora traga em seu nome a centralidade nos cientistas, surge para abrir espaço para o público com a mediação de uma equipe de comunicação preparada e em formação para divulgar a ciência.

A experiência de outras ações da Agência Escola, que procuram debater temas de interesse dos cidadãos, mostrou que ainda é necessário estabelecer políticas editoriais de participação do público, tal como a dinâmica criada no Pergunte aos Cientistas. Na segunda edição do “Divulga Ciência AE” (evento promovido pela Agência Escola), por exemplo, no seu canal do YouTube, os cientistas debateram sobre o uso dos medicamentos no tratamento contra a COVID-19. O debate atraiu mais de 1.500 espectadores e as repercussões dele são discutidas nas redes sociais digitais da agência e, principalmente, no perfil oficial da UFPR que também divulga essas ações. Os cientistas recebem os mais variados tipos de mensagens, como críticas, elogiosas e ofensivas.

Na pandemia da COVID-19 evidenciamos na Agência Escola UFPR uma participação mais efetiva do cidadão. O projeto Pergunte aos Cientistas foi planejado para levar conhecimento ao público, procurando ouvir suas preocupações. Essa iniciativa da Agência Escola, somada a outras, tem aproximado o público da universidade. Sabemos que manter essa interação com o público exige um esforço que extrapola a dimensão da sua equipe de comunicação. No entanto, percebemos que aumenta o número de cientistas que sentem necessidade em adotar a ciência aberta em suas pesquisas, interagindo com o público. Sobre as regras dessa interação defendemos que devem ser construídas pelos públicos envolvidos para que os processos dessa aproximação de fato promovam a participação de todos.

A comunicação pública da ciência, que envolve a participação de diferentes atores sociais, exige um conhecimento aprofundado de seus públicos. Ao conhecer os interesses, necessidades e contextos é possível contribuir para uma divulgação científica mais próxima da sociedade e, assim, incentivar o debate que beneficia a todos os públicos e a própria ciência.

Agradecimentos

Agradecemos à Funpar - Fundação da Universidade Federal do Paraná por apoiar financeiramente a Agência Escola

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Recebido: 14 de Março de 2022; Aceito: 15 de Junho de 2022

Claudia Irene de Quadros é professora permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Brasil) e doutora em comunicação pela Universidade de La Laguna (La Laguna, Espanha), tendo feito pós-doutorado em comunicação digital na Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha). Email: clauquadros@gmail.com Morada: UFPR - Departamento de Comunicação, Rua Bom Jesus, 650, Cabral, Curitiba, Brasil, 80035-010

Regiane Ribeiro é professora permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Brasil), doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, Brasil). Email: regianeribeiro5@gmail.com Morada: UFPR - Departamento de Comunicação, Rua Bom Jesus, 650, Cabral, Curitiba, Brasil, 80035-010

Chirlei Diana Kohls é mestre e doutoranda em comunicação pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Brasil). Email: chirleidiana@gmail.com Morada: UFPR - Departamento de Comunicação, Rua Bom Jesus, 650, Cabral, Curitiba, Brasil, 80035-010

Patricia Goedert Melo é mestre e doutoranda em comunicação pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Brasil). Email: patigmelo@hotmail.com Morada: UFPR - Departamento de Comunicação, Rua Bom Jesus, 650, Cabral, Curitiba, Brasil, 80035-010

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