Introdução
A sarcoidose é uma doença granulomatosa multissistémica caracterizada pela acumulação de granulomas não caseosos nos órgãos afetados. Mais frequentemente, afeta os pulmões, os gânglios linfáticos e a pele, porém qualquer órgão pode ser afetado.1,2 A etiologia permanece desconhecida, no entanto, a presença de granulomas inflamatórios sugere que a doença resulte de uma resposta imune celular exagerada a um ou mais antigénios.1 Agentes ocupacionais, tais como o berílio e o alumínio, ou agentes infecciosos tais como o Mycobacterium tuberculosis são possíveis agentes etiológicos.1,3
Afeta sobretudo adultos jovens, com idades entre os 20 e os 60 anos, sendo mais comum em indivíduos de raça negra.4 As manifestações e a gravidade da própria doença variam também com a raça, as formas mais severas foram descritas em indivíduos de raça negra, enquanto que os caucasianos apresentam-se na sua maioria assintomáticos e com formas crónicas da doença.5
Dado a panóplia de manifestações possíveis desta doença é necessária uma investigação exaustiva destes doentes, bem como a exclusão de outras doenças granulomatosas.2
Caso clínico
Apresenta-se o caso clínico, de um indivíduo do sexo masculino, de 49 anos, de raça caucasiana, construtor civil com antecedentes pessoais de um episódio de lesões nodulares, dolorosas, de tonalidade lilás, no terço distal da face anterior de ambos os membros inferiores em 2015. Por suspeita de eritema nodoso e para estudo da situação clínica foi pedido uma radiografia do tórax póstero-anterior que revelou ingurgitamento hilar bilateral (Fig. 1).
Para melhor caracterização, o doente realizou uma tomografia computorizada do tórax que confirmou múltiplas adenopatias mediastínicas e justa-hilares bilaterais compatíveis com sarcoidose pulmonar em estadio I (Fig. 2).
De seguida, o doente realizou broncofibroscopia com lavado broncoalveolar negativo para células malignas e com uma relação CD4/CD8 9,98. O doente iniciou terapêutica com prednisolona 40 mg/dia com melhoria das queixas cutâneas e sem outra sintomatologia. O doente não manteve seguimento na consulta de Pneumologia e passados dois anos, recorre à consulta de Medicina Interna por queixas de perda ponderal e fadiga. Sem achados de relevo ao exame objetivo. Foi pedida nova tomografia computorizada torácica e abdominal (Fig. 3) que revelou um extenso padrão micronodular, destruição perilinfática predominantemente nos lobos superiores e adenopatias em todos os compartimentos mediastínicos. Apresentava também um baço micronodular, adenomegálias nas cadeias lombo-aórticas, pericelíacas e inguinais.
Iniciou novamente tratamento com prednisolona. O doente referia também uma diminuição da acuidade auditiva que se traduziu em hipoacusia neurossensorial direita, uma síndrome vertiginosa e uma hipostesia em banda ao nível de D10, sugestivo de mielopatia dorsal parcial sem tradução imagiológica. O estudo analítico do doente apresentava uma enzima conversora de angiotensina de 164 U/L (valor de referência 8-76 U/L) que normalizou com a corticoterapia e sem outras alterações.
As serologias e o estudo imunológico foram negativos. O eletrocardiograma, o Holter e o ecocardiograma não revelaram alterações sugestivas de envolvimento cardíaco. Dada a sintomatologia compatível com neurosarcoidose e a necessidade contínua de corticoterapia, o doente iniciou terapêutica com metotrexato. Verificou-se uma melhoria clínica e após 6 meses de terapêutica apresenta-se assintomático até à data.
Discussão
A sarcoidose é uma doença granulomatosa que pode afetar qualquer órgão. O início da doença pode ser agudo ou insidioso e caracteriza-se por um vasto leque de sintomatologia.4,5 Pode apresentar-se com sintomas constitucionais tais como fadiga, anorexia, perda de peso, artralgias e sintomas respiratórios como tosse, dispneia e toracalgia. A fadiga é um sintoma comum que ocorre em cerca de 80% dos doentes com sarcoidose e o nível de fadiga parece estar associado com a presença de manifestações extrapulmonares.6 A sarcoidose mais frequentemente envolve os pulmões, em cerca de 90% dos doentes, com achados imagiológicos que variam desde a presença de adenopatias hilares bilaterais, a opacidades reticulares sobretudo nos lobos superiores e em estadios mais avançados, a fibrose com distorção da arquitetura pulmonar. O envolvimento pulmonar pode ser classificado em estadios radiográficos: estadio I definido pela presença de adenopatias hilares bilaterais e pode ser o primeiro achado da doença, tal como verificado neste caso clínico. O estadio II consiste na presença de adenopatias hilares bilaterais e opacidades reticulares sobretudo nos lobos superiores. Estes doentes apresentam fadiga e perda de peso tal como sucedeu com este doente. O estadio III e IV corresponde a estadios mais avançados da doença com a formação de bronquiectasias e de cavitações.7 O envolvimento cutâneo ocorre em 25% dos doentes com sarcoidose e geralmente é um achado precoce. Tal como verificado neste caso, em que o eritema nodoso foi a manifestação inicial e a pista para o estudo e consequente diagnóstico. O eritema nodoso é uma paniculite, caracterizada por nódulos dolorosos que são mais comuns na face anterior dos membros inferiores. Está presente noutras entidades, não sendo específico da sarcoidose, mas constitui um indício para este diagnóstico.8
A linfadenopatia periférica está presente em 40% dos doentes, porém a linfadenopatia mediastínica paratraqueal e hilar é visível em cerca de 90% dos doentes com sarcoidose.9 Pode ocorrer também um envolvimento hepático e esplénico. Apesar deste doente não apresentar alterações analíticas e ao exame objetivo, a nível imagiológico já apresentava atingimento esplénico. Manifestações menos comuns são o atingimento cardíaco e neurológico que ocorre em apenas 5% dos doentes.10,11) É necessária uma avaliação inicial com eletrocardiograma, e se necessário uma monitorização com holter e um ecocardiograma que neste doente não mostraram atingimento cardíaco.10 A neurosarcoidose pode afetar qualquer porção do sistema nervoso central ou periférico, sendo a paralisia facial periférica e a neuropatia do VIII par craniano comum, condicionando perda auditiva e disfunção vestibular tal como verificado neste caso.11
A corticoterapia em baixas doses constitui a principal arma terapêutica. Sendo, na maioria dos casos suficiente para a resolução da sintomatologia. No entanto, 10% a 30% dos doentes apresentam formas crónicas e progressivas da doença e necessidade diária de corticoterapia, o que obriga à introdução de outros fármacos.4,5
Neste caso clínico verificou-se melhoria e estabilização da doença com o metotrexato.