Introdução
A pele é o maior órgão do corpo humano, ocupa em média 2 m2 e pesa aproximadamente 4 kg.
É um órgão essencial para a vida humana já que atua como barreira protetora contra agentes patogénicos do meio ambiente, nomeadamente bactérias ou vírus, sendo também responsável por funções essenciais como a função termorreguladora ou as funções sensoriais (taco, pressão, frio, calor, dor…). A pele tem ainda uma função excretora de substâncias que necessitam de ser eliminadas pelo organismo.
A psoríase é uma doença cutânea comum, crónica e não transmissível, sem etiologia identificada ou cura, de distribuição mundial, com um provável predomínio no sexo masculino.
Os estudos sobre a incidência são escassos, explicados em parte pela não obrigatoriedade de notificar os casos diagnosticados.
Desenvolvimento
Explora-se em seguida, dois estudos realizados em países diferentes, com metodologias diferentes e com resultados de incidência também diferentes.1-3
Um estudo que decorreu em Itália entre 2001 e 2005 e que contou com 511 532 indivíduos adultos relatou uma incidência da psoríase de 2,30 a 3,21 casos por 1000 pessoas-anos.1
Num estudo realizado em 2012, em três países em simultâneo (Argélia, Tunísia e Marrocos), durante 2 semanas revelou uma incidência estimada em 10,36, 13,26 e 15,04 por 1000, respetivamente.2
Nos dados até ao momento publicados, que incluem 68 artigos e relatórios integrais de 20 países, estimaram que a prevalência mundial da psoríase varia entre 0,09% e 11,4%, o equivalente a pelo menos 100 milhões de indivíduos afetados.3 Na maioria dos países desenvolvidos, a prevalência situa-se entre 1,5% e 5%, sendo a Noruega o país que apresenta maior prevalência.4 Existe alguma evidência que sugere que a prevalência pode estar progressivamente a aumentar.4
A prevalência estimada inclui um intervalo bastante grande, mostrando a dificuldade em comparar os dados entre si. Analisando estes estudos, observam-se diferentes metodologias, diferenças na definição de prevalência (prevalência pontual, prevalência cumulativa, prevalência do período), na própria definição de caso de psoríase (auto-relatada, diagnosticada pelo médico), nas idades das populações estudadas (apenas crianças, apenas adultos, qualquer faixa etária) e nas técnicas de amostragem (questionários, exame clínico, combinação de exame clínico e questionário, dados do registo clínico).1-3
Em Portugal, os dados epidemiológicos são escassos, estimando-se que esta doença afete 150 000 a 200 000 doentes.5
O primeiro estudo realizado no nosso país, foi publicado em 1994, com uma amostra de 1037 participantes de todas as idades e concluiu uma prevalência de psoríase em Portugal de 1,9%.6 Valor este, sobreponível aos dados de outros países desenvolvidos.
O quadro clínico caracteriza-se pela presença de placas eritematosas, descamativas, pruriginosas ou dolorosas. Estas lesões aparecem, com maior frequência, em zonas como o couro cabeludo, cotovelos e joelhos.
A apresentação desta doença é variada e muitas vezes inespecífica, não existindo meios complementares de diagnóstico que permitam o correto diagnóstico. É, portanto, uma doença de diagnóstico maioritariamente clínico.
O curso da doença alterna entre fases de agudização e de remissão parcial da sintomatologia, raramente espontânea. A evolução é muito variável, tal como a sua gravidade.
Existem diversos tipos de psoríase, classificados de acordo com as características clínicas, nomeadamente: a psoríase em placas, a psoríase inversa, a psoríase gutata, a psoríase palmo-plantar, a psoríase pustulosa e a psoríase eritrodérmica. A forma mais comum é a psoríase em placas que afeta 80%-90% dos doentes.5
Estima-se que aproximadamente 80% dos doentes apresentam formas ligeiras (< 3% da superfície cutânea afetada) e 20% a 30% formas moderadas a graves, com envolvimento de mais de 10% da superfície corporal.7
Existem mais de 40 ferramentas diferentes para avaliar e estratificar a gravidade da psoríase, uma das mais utilizadas mundialmente é o Índice de Área e Gravidade da Psoríase (PASI).7
A sua etiologia é multifatorial, coexistindo fatores endógenos e exógenos, de natureza ambiental ou comportamental. Entre os fatores endógenos salienta-se a predisposição genética ou familiar.
Antigamente era considerada uma doença de exclusivo envolvimento cutâneo, mas atualmente é considerada uma doença autoimune com eventual envolvimento das unhas e das articulações, denominada artrite psoriática. Os estudos apresentam valores muito divergentes em relação à evolução da doença, variando entre 1,3% e 47% a proporção de doentes que desenvolvem artrite psoriática.3) A artrite psoriática é uma doença caracterizada pela inflamação crónica das articulações, com dor, tumefação e limitação da mobilidade articular associada. A inflamação crónica destas articulações pode levar à destruição articular com deformação permanente e incapacidade.
Sabe-se também que apresenta diversas comorbilidades associadas. Destas destacam-se fatores de risco cardiovasculares, nomeadamente obesidade, diabetes tipo 2, gota, dislipidemia, hipertensão arterial, síndrome metabólica, que acresce o risco de doenças cardio-cerebro-vasculares graves, como o enfarte agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral.
As doenças da pele contribuem com 1,79% para a carga global da doença medida em anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) de 306 doenças e lesões em 2013, colocando-as na 18ª posição.8
A psoríase aparece no top 3 de doenças da pele com maior carga total, correspondendo a 0,19%, apenas superada pela carga total da dermatite (dermatite atópica, de contacto e seborreica) e do acne vulgar.8
Excluindo a mortalidade, ou seja, a carga não fatal das doenças da pele correspondeu à quarta principal causa de incapacidade em todo o mundo, no ano de 2010.9
A Organização Mundial da Saúde na 67ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2014, reconheceu a psoríase como uma doença não transmissível (NCD) e com elevado impacto, promulgando a resolução WHA 67.9.5. Os estados-membros comprometeram-se a aumentar a consciência sobre a doença e a combater o estigma. Nesta resolução é destacado que grande parte da carga da doença poderia ser anulada se em virtude do estigma social, o diagnóstico fosse precoce ou correto, se as opções de tratamento fossem eficazes e se o acesso aos cuidados fosse adequado.10
Entende-se, assim, que a psoríase tem um impacto na qualidade de vida, não só pelo impacto na saúde, pois associa-se a dor, prurido, escoriações, a diversas comorbilidades e ainda a influência negativa na saúde mental, mas também tem impacto no contexto social e laboral, onde existe discriminação e estigma associado.
A visibilidade e a cronicidade desta doença, afetam a autoimagem e a autoestima e contribuem para o estigma e a discriminação, interferindo nas atividades diárias, nas relações sociais e interpessoais, podendo conduzir a quadros de disfunção emocional, depressão e até suicídio.
Em 2016, a nível nacional, foi desenvolvido o estudo PeSsOa (amostra = 564 doentes) com o objetivo de caracterizar o impacto socioeconómico e na qualidade de vida e de obter dados que permitam estimar a carga da psoríase em Portugal através da aplicação de um questionário junto de uma amostra de doentes com psoríase.5 O diagnóstico foi avaliado através do auto-reporte do doente.5
Mais de metade dos doentes referiram sintomas diariamente (56,2%). Os resultados mostram maior impacto na dimensão “ansiedade/depressão”.5
Na avaliação da qualidade de vida através da escala específica para doenças dermatológicas, mais de um quarto dos doentes considera que a psoríase tem um impacto grave ou extremamente grave.5
Relativamente à acessibilidade, 25% dos inquiridos, considerou dificuldades no acesso às consultas, sendo a principal causa apresentada “Recursos limitados dos Serviços de Saúde/ Falta de especialistas/ Dificuldade de marcação da consulta.” Os resultados demonstraram um predomínio do seguimento destes doentes em contexto de cuidados de saúde privados.5
Do ponto de vista do impacto económico, o estudo evidenciou encargos mensais individuais significativos (superiores a 30€) para aquisição da terapêutica, consultas e viagens. Os custos da psoríase são importantes para os pacientes, mas também para os sistemas de saúde.5
Um dos estudos mais recentes que avalia o impacto desta doença na qualidade de vida, foi o World Psoriasis Happiness Report em 2018, com um total de mais de 230 000 participantes.11
No final do ranking da felicidade, aparecem países como Austrália, Reino Unido e China.11 Mais de metade das pessoas com psoríase auto-relatada na China vivem com níveis de felicidade relatados entre 0-4, como comparação, apenas 16%-19% dos Mexicanos e Colombianos relatam esses níveis de felicidade.11
Mais recentemente, em 2016, a Organização Mundial de Saúde publicou o WHO Global Report on Psoriasis que evidencia a relevância da psoríase na saúde pública, enfatiza a necessidade de intensificar a investigação e tem como objetivo capacitar os decisores políticos para melhorar a saúde e inclusão social das pessoas afetadas.12
Conclusão
Nos dados de prevalência apresentados neste trabalho e disponíveis, observam-se diferentes metodologias, diferenças na definição de prevalência (prevalência pontual, prevalência cumulativa, prevalência do período), na definição de caso (auto-relatada, diagnosticada pelo médico), nas idades das populações estudadas (apenas crianças, apenas adultos, qualquer faixa etária) e nas técnicas de amostragem (questionários, exame clínico, combinação de exame clínico e questionário, dados do registo clínico).
Estes dados contemplam somente 20 países, o que significa que existem extensas áreas geográficas, em que se desconhece por completo a epidemiologia desta doença. Entre os países estudados verifica-se uma diminuta proporção de estudos realizada em países em desenvolvimento, contribuindo para uma maior desigualdade nos resultados publicados acerca da incidência e da prevalência.3,4,12
Evidencia-se que para comparar a incidência e a prevalência da psoríase entre os diversos países e mesmo entre regiões é necessário que os dados sejam obtidos da mesma forma.
A qualidade dos dados epidemiológicos obtidos é essencial para compreender melhor o tamanho e a distribuição do problema, para a gestão desta doença crónica e para o adequado planeamento dos cuidados de saúde.
O médico de família como médico de proximidade e na maioria dos utentes o primeiro contacto com os cuidados de saúde, tem um papel fundamental na identificação destes doentes, de forma que os cuidados prestados sejam individualizados, continuados e com menor impacto pessoal, familiar e social na vida destes doentes.