Introdução
A doença renal crônica é caracterizada pela perda progressiva do funcionamento da homeostase renal. Tal cenário é considerado um fator de risco primário para várias condições adversas como fraqueza, fadiga e perda de massa muscular (Romagnani et al., 2017). Ademais, outra característica marcante em indivíduos com função renal reduzida é a sarcopenia (i.e. uma perda de força e função muscular), a qual está intimamente associada a um aumento da inflamação crônica e disrupção do metabolismo do ferro nessa população (Androga e tal., 2017). Em conjunto, a soma de baixa massa e força muscular tem sido atribuída como causa primária de morbidade e mortalidade na doença renal (Kim et al., 2019).
Embora os traços da sarcopenia (baixa massa e força muscular) sejam amplamente aceitos como uma preocupação emergente de saúde, tem havido uma ampla discussão sobre sua classificação nos últimos anos (Cruz-Jentoft et al., 2019). Assim, o Grupo de Trabalho Europeu sobre Sarcopenia em Idosos (EWGSOP) fornece um consenso, com uma definição prática e classificação da sarcopenia a ser implementada por médicos e outros profissionais de saúde (Cruz-Jentoft et al., 2019). Até o momento, com base nessa classificação, estudos estão apontando a sarcopenia como um forte fator de risco para um pior prognóstico da doença renal e, parte disso, pode ser explicado pela maior inflamação e deficiência de ferro apresentado por esses pacientes (Corrêa et al., 2021; Gadelha et al., 2021).
Diante do exposto, é racional especular que a sarcopenia pode ser uma forma de avaliação relevante para o manejo clínico de pacientes com a doença renal. Portanto, aqui se levanta uma questão fundamental: pode a avaliação da sarcopenia ser considerada na prática das clínicas de hemodiálise como fator de risco para inflamação, anemia e, consequentemente, mortalidade nesta população? Essa triagem é necessária nesses indivíduos vulneráveis, podendo fornecer uma melhor compreensão dos fatores de risco relacionados à sarcopenia na doença renal crônica e como ela afeta a população geriátrica. Com base nas razões acima, foi hipotetizado que pacientes sarcopênicos apresentem um pior perfil antropométrico, inflamatório, metabolismo do ferro e, consequentemente, maior mortalidade que pacientes não sarcopênicos. Portanto, o presente estudo teve como objetivo investigar o impacto dos traços da sarcopenia sobre o perfil antropométrico, citocinas pró- e anti-inflamatórias, fatores relacionados ao metabolismo do ferro e mortalidade em pacientes hemodialíticos.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva realizado em centros clínicos de hemodiálise localizados em São Paulo, Brasil descrito anteriormente. Este estudo apresenta dados complementares de Gadelha et al. (2021). Dentre os 247 participantes, 177 foram incluídos na amostra com idade de 66,8 (± 3.34) anos.com doença renal em estágio terminal (taxa de filtração glomerular <15 mL/min/1.73m2) com fístula arteriovenosa distribuídos em três grupos: Baixa Massa Muscular, Dinapenia e Sarcopenia.Todos os pacientes apresentavam hipertensão e diabetes.
Procedimentos
Para classificação da sarcopenia foram coletados dados antropométricos e realizados testes de força de preensão palmar com um dinamômetro de mão hidráulico. A sarcopenia foi definida de acordo com as recomendações do EWGSOP-2 (CRUZ-JENTOFT; BAHAT; BAUER; BOIRIE et al., 2019). A apuração dos óbitos, foram registados eventos de mortalidade por todas as causas ao longo de 5 anos, cada saída foi monitorada em relação a transplantes, óbitos ou mudança de clínica. A mortalidade foi registada como uma variável descritiva se os participantes morreram ou não durante o seguimento.
Os participantes foram informados sobre os procedimentos e possíveis riscos de participação no estudo, cada participante preencheu um questionário de histórico médico e assinou voluntariamente um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi realizado de acordo com a Declaração de Helsinque (1975). Todos os métodos e procedimentos foram aprovados pelo Comitê Local de Ética em Pesquisa Humana, Brasil (nº 08856012.6.0000.5505 e atualizados 23007319.0.0000.0029).
Análise estatística
Para as análises estatísticas as características descritivas são apresentadas como meios e desvios padrão. O Shapiro-Wilk foi usado para verificar a natureza da distribuição de dados. Foram realizados testes X2 para comparação de variáveis categóricas, enquanto as variáveis contínuas foram comparadas através do Teste t. A mortalidade cumulativa de todas as causas durante o período de seguimento foi analisada utilizando-se curvas de Kaplan-Meier e comparada por meio de testes de classificação de registo. Os intervalos de confiança de 95% (IC) foram calculados utilizando-se a análise de risco proporcional de Cox. As curvas de Kaplan-Meier foram construídas para número acumulado de óbitos e analisadas por meio de um teste de registo de classificação. Os resultados foram considerados significativos em p < .05. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se da IBM Corp, lançada em 2013, IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 22.0. Armonk, NY: IBM Corp e GraphPad Prism versão 8.0.0 para Windows, GraphPad Software, San Diego, California USA.
RESULTADOS
Os dados básicos dos participantes estão representados no quadro 1.
Entre 247 indivíduos, 38 (15.4%) morreram durante o estudo. Desse número de mortes, 9.3% eram não sarcopênicos e 32.3% eram sarcopênicos (p < .0001). Com base na análise de risco proporcional de Cox, os participantes do grupo sarcopênico apresentaram maior risco de morte (HR: 2,492; IC 95%: 1.165 - 5.5331) (p < .0001).
DISCUSSÃO
O presente estudo investigou o impacto dos traços da sarcopenia sobre o perfil antropométrico, citocinas pró- e anti-inflamatórias, fatores relacionados ao metabolismo do ferro e o risco de mortalidade em pacientes hemodialíticos. A sarcopenia é definida como o declínio progressivo da massa magra e força do músculo esquelético que ocorre com o avanço da idade, porém em pacientes com DRC o declínio da massa muscular aumenta consideravelmente ocasionando em fatores de risco (Moorthi & Keith, 2017). Como consta nos resultados do presente estudo o grupo sarcopênico apresentou perfil antropométrico significativamente baixo, comprometendo a massa muscular. Carrero et al., (2016) relata a importância de se avaliar a função e a massa muscular esquelética para indicar o estado nutricional e clínico de pacientes com DRC, valores antropométricos baixos ao longo do tempo são fortes preditores de resultados ruins nesta população.
Relatou-se também que o estado inflamatório e o metabolismo de ferro foram comprometidos. De acordo com o estudo de Moura et al., (2020) a anemia é uma complicação inerente a indivíduos idosos com doença renal em estágio terminal (DRET) que está associada à inflamação, os achados deste estudo sugerem o treinamento resistido (TR) como contribuinte na redução na deficiência de ferro, diminuindo os níveis de hepcidina e marcadores pró-inflamatórios em pacientes idosos submetidos à hemodiálise.
Os resultados do presente estudo demonstrou que o risco de mortalidade é evidente com relação aos pacientes com DRC sarcopênicos e não sarcopênicos, porém os estudos de Kittiskulnam, et al (2017) apontam que a sarcopenia e a baixa massa muscular não tiveram resultados significativos para determinar as causas de mortalidade em pacientes hemodialíticos, em contrapartida, o desempenho físico como os de baixa força (definido no presente estudo como sarcopenia) e velocidade lenta da marcha foram associados à mortalidade em pacientes hemodialíticos.
CONCLUSÃO
Os achados evidenciaram que a massa muscular desempenha um importante papel de proteção para prognósticos ruins em pacientes com DRC, pois o perfil antropométrico, inflamatório e o metabolismo de ferro tendem a ficar comprometidos diante da baixa força e baixa massa muscular apresentados. O risco de mortalidade por sarcopenia também foi evidenciado, no entanto sugere-se que novos estudos relacionados às causas de mortalidades associadas à sarcopenia.