1. Introdução
Vivemos numa sociedade mediática. O nosso mundo está repleto de imagens portadoras de mensagens que provocam a sensibilidade emocional de cada indivíduo. Em qualquer lugar e momento, recebemos estímulos audiovisuais para interpretar, tomar decisões e/ou fazer despoletar outras ações. Como tal, as literacias mediáticas que cada um desenvolve, e os seus processos cognitivos e psicológicos, são fatores que determinam as emoções experienciadas. Damásio (1998) defende que as emoções formam parte da nossa vida racional e que são elas que permitem o equilíbrio das decisões, tanto no domínio pessoal como social. Assim, é importante ter consciência das emoções associadas a determinadas imagens e ser capaz de as comparar com as de outros recetores de idênticos estímulos visuais. Este exercício é interessante, não só para que cada indivíduo perceba quais as emoções que desencadeia, mas também para compreender como se situa no meio da multidão; isto é, para que saiba se e de que modo diverge ou converge dos outros que recebem dos media os mesmos estímulos mediáticos. Neste sentido, torna-se fundamental tomar consciência sobre os estados emocionais desencadeados perante as imagens fílmicas recebidas, processo mobilizador das novas literacias para os media, mas também de uma reflexão cognitiva.
Foi perante esta problemática que se considerou pertinente desenvolver o artefacto “Emotions to Scenes” (E2S)1. A sua génese parte do problema ou conflito da interpretação que fazemos das imagens que recebemos e do tipo de emoções que lhes associamos. Através do artefacto, o usufruidor poderá testar o posicionamento das suas emoções em relação à sociedade, simbolizada por todos os que o usufruam. Mas, ao permitir uma experiência em torno destes estímulos visuais, também contribui para a reflexão acerca das literacias para os media, nomeadamente no contexto dos atuais estilos e práticas de vida online.
Este texto começa por apresentar o artefacto como proposta de média-arte digital para aplicação nas atividades do Plano Nacional de Cinema (PNC). O objetivo é levar os alunos a refletirem sobre o problema ou o conflito da interpretação que fazem das imagens que recebem e de como as associam às emoções, testando o seu posicionamento em relação ao dos seus pares, simbolizados por todos os que também usufruam da experiência. Para tal, depois de se apresentar o enquadramento teórico, descrevemos o desenho do Artefacto, a respetiva conceção criativa em média-arte digital, o processo de instalação artística e o contexto de exibição e de contacto com o público. Apresentamos, ainda, a avaliação do feedback recolhido durante a exibição, de modo a ponderar acerca da sua contribuição para a melhoria do artefacto. Finalmente, enunciamos a proposta de aplicação às práticas desenvolvidas no contexto do PNC.
2. Enquadramento teórico
A revolução tecnológica fez emergir um novo paradigma social, descrito por Castells (2011) como “sociedade em rede”. Está alicerçado no poder da informação, que permite ligar todos os indivíduos à escala mundial, e que confere novos significados aos conceitos de tempo e de espaço, transformando a forma de comunicar e de perceber a realidade. Os novos dispositivos de comunicação utilizados quotidianamente (computador, tablets, smartphones, entre outros), alteraram a forma como se vivencia o audiovisual e constituem novas plataformas de mediação da comunicação através da internet e de redes sociais online (Reia-Baptista, 2006). Cada um de nós é, cada vez mais, um ser digital - vivemos embrenhados num mundo online, incorporando multidões e aglomerações virtuais.
Apesar de o comportamento humano ter passado a ser mediado pelas tecnologias digitais, pode continuar a encontrar-se pontos em comum com o conceito de “homem-massa” proposto por Ortega y Gasset (2013) há 100 anos. O autor caracteriza-o como um indivíduo sem consciência de si mesmo, sem raízes, nem tradição - um ser sem características próprias; possui ideias, mas é incapaz de refletir sobre elas e de as contextualizar. Vive numa época de avanços científicos e tecnológicos extraordinários, embora constate que o mundo se tornou mais difícil e complexo, e que parece haver cada vez menos pessoas à altura de compreender tal complexidade e de enfrentar os desafios que lhe são colocados. Ainda para Ortega y Gasset, no mesmo texto, o maior problema social é o facto de o “homem-massa” não fazer o esforço de refletir e discutir acerca dos caminhos da sociedade, e continuar, em vez disso, a viver diluído numa multidão de anónimos, sentindo-se bem e sem angústias por ser igual aos outros.
No contexto do século XXI, o paradigma correspondente é o de uma sociedade em rede, mediada pelas tecnologias digitais, na qual as multidões digitais e online parecem encontrar um habitat propício aos tais “homens-massa”, conforme proposto pelo filósofo espanhol: seres despojados da sua própria história, da consciência de si, das suas raízes, do seu passado. Se se acrescentar a esta ausência de tempo, sintoma dos nossos dias, a sensação permanente de um futuro hipotecado (por exemplo, por falta de espaço, saúde, perspetiva), entende-se a ideia de Gumbrecht (2014) de um presente como que inflado, o único tempo, por assim dizer, (em) que se consegue imaginar. É a este cenário (de contornos mais ou menos pessimistas, mais ou menos esperançosos) que o artefacto desenvolvido se reporta e que convida a que cada um de nós se situe, e se posicione, no meio da multidão, tendo em conta a interpretação que faz dos conteúdos fílmicos e o modo como isso define as suas emoções. Assim, o artefacto pretende possibilitar ao usufruidor testar as suas emoções e identificar de que forma se situam em relação às dos outros e, consequentemente, às da multidão, dos “homens-massa”, enfim, da sociedade.
Segundo Costa (2018), o cinema desempenha um papel fundamental na consciencialização para o desenvolvimento, tanto ao nível do indivíduo como da sociedade, e tem “um carácter não só lúdico como também educativo, facilitando a progressão da sociedade e a consolidação de novos valores” (p. 130). A indústria cinematográfica continua a ser responsável pela maior parte das imagens que permanecem na memória dos indivíduos, isto é, pelos filmes ou cenas que se tornaram ícones de determinados momentos da vida de cada um, construtores de experiências significativas para o desenvolvimento socioafetivo dos indivíduos.
Se a arte for considerada uma forma de “comunicação de emoções” (Depardieu & Martin, 2018, 20:49) e o cinema uma arte suprema, classificada como 7.ª arte (Canudo, 1924, p. 3), podemos extrapolar que o cinema é uma forma suprema de comunicar emoções. É neste sentido que julgamos essencial uma tomada de consciência sobre os estados emocionais desencadeados perante as imagens fílmicas que cada indivíduo recebe, dado que se trata de um processo potencialmente mobilizador de novas literacias para os media, mas também de uma reflexão cognitiva acerca de si mesmo e do lugar que ocupa em relação com os outros indivíduos, infinitos pontos nesta rede social em que coabitamos. É, portanto, essencial refletir sobre as emoções que se associam a determinadas imagens, comparando-as com as emoções de outros como nós e em contextos semelhantes. Foi esta inquietação que esteve na génese do artefacto e que motivou a sua pergunta de partida, a saber: qual é o posicionamento das emoções do indivíduo em relação às de outros que visualizam as mesmas imagens?
Numa época tão mediática como aquela em que vivemos, repleta de imagens em movimento, portadoras de mensagens que permanentemente instigam em cada indivíduo a sua sensibilidade emocional, o artefacto E2S permite uma experiência em torno das emoções; do mesmo modo, permite comparar como a interpretação que fazemos se enquadra relativamente às dos outros. Mas pretende também ser um contributo para que o usufruidor tome consciência de como se posiciona socioemocionalmente, de forma a melhorar a sua cidadania.
3. O desenho
No plano físico, o artefacto E2S é composto pelos seguintes elementos: um livro transformado para incorporar um tablet, um Hotspot WIFI e o smartphone do usufruidor. No plano não físico, digital, o artefacto integra um vídeo e um questionário online disponibilizado através da internet. É este conjunto de elementos que se apresenta na Figura 1.
O Elemento 1 do artefacto representa um livro, de grandes dimensões 2, exposto ao público, aberto, devidamente adaptado, de forma a integrar os componentes tecnológicos do artefacto e, por outro lado, criar o contexto físico da experiência. No interior das folhas deste livro, foram criadas concavidades para inserir o tablet (encaixado, de forma a que apenas o ecrã fique visível) e o referido Hotspot WIFI (oculto num orifício no interior do livro), conforme mostra a Figura 2.
Encaixado nas suas páginas (do lado ímpar), está um tablet com um vídeo em reprodução contínua (loop), de um excerto de uma cena do filme Dead Poets Society - O Clube dos Poetas Mortos (Weir, 1998), como é exemplificado na Figura 3.
Optámos por este filme porque entendemos que é um dos mais paradigmáticos da década de 1980 e porque suscita a identificação dos espectadores jovens com a narrativa. Nele conta-se a história de um professor que utiliza métodos pedagógicos revolucionários e pouco ortodoxos nas suas aulas de Literatura Inglesa. Trata-se de um filme visionado em muitas das escolas participantes no PNC e perspetiva-se que em breve seja incluído na lista de filmes de referência daquele Plano3. A cena selecionada para ser visualizada no artefacto representa o momento em que o professor incentiva os alunos a rasgarem as páginas do livro-base da disciplina e a utilizarem como lema de vida o mote carpe diem, a ideia de aproveitar e viver o dia presente na sua máxima manifestação, no aqui e no agora, hic et nunc, por ser a vida demasiado curta para se ficar retido no passado ou em projeções futuras. Quando visualizadas de forma isolada, sem som, nem contexto narrativo, as imagens dessa cena podem ter interpretações diferentes, passíveis de provocar emoções desenquadradas da narrativa original, e até opostas. Sendo uma das mais emblemáticas do filme, a cena necessitou de algum tratamento gráfico para melhorar a qualidade de imagem e o formato, de modo a possibilitar a visualização na vertical, posição em que o tablet é disposto. Atendendo à duração do plano utilizado, esse uso não infringe as orientações relativas aos direitos de autor. O vídeo integra um código QR (código de resposta rápida, ou Quick Response), que, lido através do smartphone do usufruidor (Elemento 2), remete automaticamente para o endereço que disponibiliza o questionário online. Neste surge uma única pergunta, à qual o utilizador deverá responder, selecionando uma opção. Esta resposta representa uma emoção a associar à interpretação das imagens do vídeo. Depois de submetida a resposta, são visualizados, também no smartphone, os resultados das respostas de todas as pessoas que até àquele momento usufruíram do artefacto e que responderam anteriormente ao mesmo questionário. O usufruidor é então convidado a refletir sobre o posicionamento da sua resposta perante as dos outros. Além do tablet, como referido, o livro integra um Hotspot WIFI, para disponibilizar acesso gratuito à internet, útil no caso de o usufruidor não dispor dele, e, assim, garantir o uso do artefacto na sua plenitude.
No caso do Elemento 2, representado na Figura 4, este é composto pelo smartphone do usufruidor, sendo a parte digital implementada num serviço web de questionários online. O uso de um equipamento seu, alheio à propriedade do ambiente de exposição do artefacto, dá ao usufruidor o poder de utilizar um dispositivo próprio para vivenciar a experiência pretendida. A tomada de decisão e a interação são realizadas num ambiente tecnológico familiar ao usufruidor, num espaço que este domina, que é seu, e onde se sente confortável.
Para que o Elemento 2 funcione tal como é esperado, basta que cada usufruidor tenha um simples smartphone, com algumas características tidas como frequentes hoje em dia em equipamentos deste tipo, sendo as mais importantes as possibilidades de acesso à internet e de leitura de códigos QR. No caso do acesso à internet, o Elemento 1 do artefacto disponibiliza, como explicitado, um Hotspot WIFI com acesso gratuito.
Pretende-se, numa primeira fase, que o artefacto provoque uma vivência emocional no próprio usufruidor, convidando-o a mobilizar as suas perceções emocionais acerca dos conteúdos visuais recebidos. Numa segunda fase, é-lhe pedido que exteriorize essas emoções, declarando-as. No fim, é esperado que o usufruidor faça como que um diagnóstico da sua perceção emocional em comparação com as de outros, e, assim, tome consciência do posicionamento das suas emoções perante as dos demais usufruidores, ou seja, face às da multidão, da “massa”. Em última instância, poderá considerar-se que o artefacto instiga o usufruidor a situar-se já não no meio da multidão, acriticamente, mas a refletir sobre ela, posicionando-se em relação à demais sociedade.
A utilização plena do artefacto consiste na realização completa da sequência das experiências previstas, conforme indicado na Figura 5.
Sistematizando, a utilização correspondente ao antecipado, que classificamos como de usufruição plena, é aquela em que o usufruidor começa por se aproximar do artefacto e visualiza o vídeo. Com o seu smartphone, faz a leitura do código QR presente no vídeo e acede à pergunta online, escolhendo a opção que melhor se identifica com a que corresponde ao que sente ao visualizar o vídeo. Depois, ainda no smartphone, poderá visualizar o resultado das respostas dos anteriores participantes. No fim, o usufruidor será convidado a refletir sobre o posicionamento da sua perceção acerca do vídeo em relação às emoções dos outros usufruidores. As figuras 6 e 7 ilustram a aparência final do artefacto.
A criação em média-arte digital, assim como noutras formas de arte, é um processo de construção que envolve custos financeiros consideráveis, o que se torna num constrangimento ao próprio processo criativo. Assim, por vezes, é essencial o estabelecimento de uma rede de colaboração, principalmente com instituições, de forma a conjugar interesses e contribuições para responder a necessidades, quer a nível da criação e desenvolvimento do artefacto, quer na tentativa de redução dos custos. Neste sentido, o desenho do E2S envolveu a colaboração de várias entidades, cada uma contribuindo com produtos/serviços. Evitou-se o recurso à figura de patrocinadores, para salvaguardar questões éticas e morais relacionadas com sugestões comerciais em recursos e espaços educativos. Assim, adotámos o termo de mecenas para designar as entidades parceiras do processo de construção do artefacto, tal como mostra a Tabela 1 (por ordem alfabética).
Mecenas | Tipo de atividade | Contribuição |
---|---|---|
CC Local Point - DÍNAMO10 | Hub criativo | Consultadoria na área dos direitos de autor e na implementação das Licenças Creative Commons. |
De Facto Editores | Editora | Livros técnicos/científicos |
Eduardo Costa - Produções Audiovisuais | Produtora Audiovisual | Apoio à conceção do vídeo e acesso ao software para formatação de imagem. |
Escola Profissional Cristóvão Colombo | Escola | Realização de testes-piloto ao artefacto (protótipo) junto de algumas turmas de alunos. |
Estimei | Loja/Livraria | Livro. |
Instituto NeuroMais | Formação | Tablet. |
Madeira Viagens | Agência de viagens | Consultadoria e organização de viagens e alojamento. |
Importa referir que entendemos este trabalho com os mecenas como uma forma de transferência de conhecimento, ligação com a sociedade e disseminação do conhecimento, tal como nos orientam os princípios da ciência aberta.
4. A exposição
A exibição-piloto do artefacto ocorreu na exposição TT+A (Tradição, Tecnologia e Arte) na Casa José Saramago em Óbidos (Portugal), de 23 a 26 de julho de 2019, no âmbito do 7.º Retiro Doutoral em Média-Arte Digital4, um evento para o qual a Tradição, a Tecnologia e a Arte foram convocadas, com o propósito de criar um diálogo (im)provável entre esta tríade. O facto de a tradição ser um conceito associado às práticas do passado, datada e afastada das inovações culturais e tecnológicas, não significa que se mantenha à margem da criação artística da atualidade. Por outro lado, a tecnologia há muito que deixou de ser entendida apenas como um conjunto de técnicas e equipamentos tecnológicos na sociedade contemporânea, tornando-se um meio de estar, de ser, de fazer e de se expressar. A arte cria, assim, um contexto ideal para intermediar um diálogo profícuo entre a tradição e a tecnologia. Nesta exposição, os artefactos expostos estabeleceram um diálogo entre os elementos da tríade Tradição - Tecnologia - Arte, aparentemente improvável, mas que a experiência e a interação com os artefactos em exibição mostrou ser possível.
Num plano macro, Óbidos enquanto vila literária e a Casa José Saramago (espaço de homenagem ao escritor português nobelizado em 1998) ajudaram a criar um ambiente propício às ideias relacionadas com os livros e a literatura. Em termos micro, o espaço disponibilizado para a instalação do artefacto consistia num recanto com função de sala de leitura, onde se encontrava uma estante com livros em exposição, como mostra a Figura 10. São elementos que confluem para a construção da ideia de histórias e das narrativas, enriquecendo o ambiente envolvente do artefacto - um cenário propício ao artefacto, uma vez que a Tradição, a Tecnologia e a Arte são características que o incorporam. Assim, a sua temática integrou-se perfeitamente no ambiente literário dos espaços, macro e micro, que acolheram a exposição.
Quanto à instalação do artefacto propriamente dita, a sua conceção teve em mente uma exibição sobre uma mesa como forma de estabelecer a ligação ao tradicional ambiente de leitura nas bibliotecas. Embora o ideal fosse uma mesa antiga, ou de linhas clássicas, a que foi disponibilizada tinha linhas modernas e simples, o que acabou por valorizar o artefacto, uma vez que os contornos discretos do móvel ajudaram a dar destaque ao objeto que estava sobre ele. A Figura 8 mostra como idealizamos o artefacto exposto na mesa com as respetivas dimensões, na disposição espacial.
No desenho do artefacto idealizou-se um cenário de exibição no qual o usufruidor se apercebesse da sua existência a alguma distância, sendo levado ao seu encontro pela curiosidade. À medida se aproximasse do artefacto, o usufruidor aperceber-se-ia do seu verdadeiro significado/conteúdo - mas só junto a ele tomaria a decisão de interagir. O artefacto foi, pois, desenhado para ser instalado perto de uma parede, ou de um obstáculo que apenas permitisse a aproximação do usufruidor pela frente. Lateralmente, não deveriam existir elementos distrativos a curta distância, como representado na Figura 9.
No local da exposição, observámos que estes requisitos estavam presentes no espaço disponibilizado, conforme é mostrado na Figura 10.
Para o artefacto cumprir o seu objetivo, foram identificados alguns requisitos inerentes ao espaço de exposição que deveriam ser acautelados; uns tinham caráter obrigatório, como o acesso à internet ou a energia elétrica, outros eram apenas desejáveis, como a iluminação e um ambiente propício ao silêncio.
O acesso à internet era um requisito imperioso, uma vez que o usufruidor teria de a utilizar no seu smartphone (Elemento 2). Logo, teria de se assegurar, no espaço de exposição, um bom sinal de internet (à época 3G/4G) para o smartphone do usufruidor funcionar como descrito para o Elemento 1, assim como o Hotspot WIFI integrado no próprio artefacto. Em alternativa, poderia haver uma rede WiFi própria do espaço, de acesso fácil e gratuito (configurada como de acesso livre). Por outras palavras, uma estrutura comunicacional que permitisse a partir de qualquer smartphone o acesso sem necessidade de procedimentos de identificação, como a inserção de passwords. Verificou-se que todo o local de exposição tinha acesso a uma rede WIFI aberta e a um bom sinal 3G/4G. No caso da energia elétrica, o requisito era apenas o de um ponto de acesso onde se ligasse o cabo de alimentação do artefacto, o qual incorpora dois componentes que necessitam de energia: o tablet e o Hotspot WIFI. Quanto à iluminação, dado que o artefacto apresenta um vídeo num tablet, a qualidade com que o usufruidor visualiza as imagens depende, em muito, da iluminação do espaço de exposição. Por isso, era aconselhável que não fosse muito forte, para evitar reflexos no tablet, mas não tão fraca que não permitisse a leitura das informações escritas no artefacto. No local, verificou-se que a luz natural, proveniente de uma janela, poderia ser controlada através desta, e que os focos de iluminação artificial eram ajustáveis. No que diz respeito aos sons no espaço envolvente, considerou-se desejável a inexistência de ruídos distrativos que perturbassem ou influenciassem a concentração do usufruidor, uma vez que o artefacto convida à reflexão do usufruidor. Logo, o espaço de exibição devia ser calmo e silencioso. Constatou-se que, dado que o espaço disponibilizado era afastado tanto da entrada da exposição como de outros artefactos, o ambiente cumpria este requisito de silêncio.
Finalmente, o processo de montagem decorreu como planeado, de forma rápida e sem percalços. O espaço foi encontrado disponível, limpo e arrumado, conforme requisitado. O artefacto inclui um saco próprio para transporte (Figura 11), garantindo a sua integridade física e funcional, o que facilitou a montagem. Além disso, uma vez que foi construído em peças modulares (Figura 12), para ser facilmente transportado e montado rapidamente, processo já testado noutras experiências-piloto prévias, a sua instalação demorou apenas 10 minutos, sendo o resultado final o que consta na Figura 13.
5. Avaliação da exibição
Para a avaliação da exibição do artefacto teve-se em conta tanto o feedback dos autores dos outros artefactos em exposição, como o dos usufruidores, através da aplicação de instrumentos de recolha de dados considerados mais apropriados a cada situação, além da própria autorreflexão da experiência de participação na exposição.
A avaliação por parte dos pares teve como base um inquérito realizado junto dos/as autores de outros artefactos. Para tal, colocámos, informalmente, as seguintes questões, que deveriam ter como resposta, em alternativa, “Sim” ou “Não”, à exceção da última questão, de resposta aberta:
Conseguiu compreender o funcionamento do artefacto?
Chegou ao fim da experiência?
Conseguiu refletir sobre os resultados da experiência?
Acha que o artefacto cumpre o objetivo para o qual foi criado?
O que alteraria no artefacto?
Dos oito autores com artefactos em exposição, apenas não foi possível obter respostas de um. Portanto, a amostra deste breve inquérito por questionário é de sete inquiridos num universo de oito. Segundo Coutinho (2011), o termo “Amostra” refere-se a um “conjunto de (pessoas, objetos, etc.) de quem se recolherá os dados [; já o Universo] define a totalidade a que se pretende generalizar os resultados e que partilham uma característica comum” (Coutinho, 2011, p. 85).
À pergunta 1, todos os inquiridos responderam que conseguiram compreender bem o funcionamento do artefacto, com dois deles a realçar que era intuitivo.
Seis dos inquiridos responderam, na pergunta 2, que conseguiram chegar ao fim da experiência, ou seja, que experienciaram o artefacto na sua plenitude, conforme previsto. Um inquirido não fez uma utilização completa. Quando questionado sobre a razão para que tal tivesse acontecido, a reação foi inconclusiva, porém podemos sugerir que tenha desistido por falta de interesse, o que não deixa de ser uma informação relevante.
A pergunta 3 questionava se o artefacto teria provocado a esperada reflexão. Dos seis autores contabilizados como tendo completado a experiência, todos afirmaram ter refletido sobre a usufruição realizada. Destaque-se o facto de um ter expressado que não deveria ser uma reflexão imediata, mas posterior. Este mesmo inquirido recordou que voltou a pensar na experiência, na sua resposta e nos resultados dos outros, questionando-se sobre o facto de a sua resposta ter sido tão diferente das dos outros. Concluiu, ainda, ser este tipo de reflexão, a posteriori, o grande objetivo do artefacto.
Na pergunta 4, todos os inquiridos foram da opinião de que o artefacto cumpria o objetivo para o qual fora criado.
No caso da pergunta 5, todas as respostas foram também unânimes, tendo os inquiridos afirmado que não alterariam nada no artefacto. No caso desta pergunta, tentámos recolher mais sugestões para alterações, numa conversa aberta e informal, atendendo às condicionantes de cada ocasião, numa pequena entrevista semiestruturada. Assim, sistematizando globalmente os resultados obtidos em cada pergunta/resposta:
A interação deverá ser realizada num ecrã integrado no próprio artefacto e não no smartphone do usufruidor? Todos os inquiridos foram da opinião de que a utilização do smartphone é melhor, além de ser inovadora. Um deles, sugeriu que a alteração (para o próprio artefacto, em vez de recorrer ao smartphone do utilizador) faria com que o artefacto fosse diferente, mas que talvez não ficasse tão bem.
Alteraria o aspeto estético do livro (Elemento 1)? Os inquiridos responderam que a estética está bem conseguida e cuidada, mas um referiu a necessidade de um “trabalho estético mais abstrato”. Uma outra sugestão foi a da integração de mais componentes de média-arte no próprio livro.
Será útil a integração de um sensor de movimento para detetar a aproximação do usufruidor para despoletar o play do vídeo? Nenhum inquirido achou pertinente essa alteração.
As inquirições descritas, junto dos autores com outros artefactos expostos, permitiram verificar que a avaliação dos pares foi positiva, tendo o artefacto recolhido opiniões construtivas. Estes dados foram posteriormente objeto de uma reflexão ponderada para melhorar o artefacto, nomeadamente no que diz respeito ao conceito/experiência subjacente.
Para avaliar a utilização dos usufruidores e recolher o respetivo retorno crítico, utilizámos dados provenientes dos serviços web utilizados e, principalmente, de observações efetuadas ao comportamento do público da exposição.
Durante a exposição, o artefacto foi experienciado por dezanove usufruidores: foi esse o número de pessoas que utilizaram o artefacto tal como se previa, ou seja, que visualizaram o vídeo, acederam ao questionário no seu próprio smartphone, responderam à questão e visualizaram os resultados. Estes dados são provenientes da ferramenta web de questionários utilizada5 no Elemento 2, contabilizando-se apenas as respostas obtidas nos dias da exposição, e a partir do código QR colocado no artefacto em exposição.
Conseguimos ainda detetar que houve vinte acessos ao questionário (Elemento 2), mas, tendo havido apenas dezanove respostas, concluímos que um dos usufruidores não respondeu ao questionário, apesar de o ter aberto. Ou seja, podemos afirmar que um usufruidor não experienciou o artefacto na sua totalidade.
A plataforma do registo do domínio web do artefacto contabilizou doze acessos nos dias da exposição, a partir da mesma região onde a exposição ocorreu. Estes dados sugerem que doze pessoas quiseram saber mais sobre o artefacto, acendendo ao respetivo website, logo, demonstraram alguma curiosidade pelo artefacto num espaço e tempo exteriores à exposição.
Analisou-se também o comportamento do público em relação ao artefacto em exibição durante a exposição. Embora não tenha sido uma observação constante e sistemática, permitiu recolher alguns dados válidos como indicadores qualitativos do comportamento dos usufruidores. Observou-se que, de forma geral, os visitantes aproximavam-se do artefacto e paravam junto dele durante algum tempo. Notou-se que esta paragem durava mais tempo do que se previra aquando do seu desenho. Uma vez junto do artefacto, pareciam adotar uma atitude de observação/contemplação, enquanto objeto, na sua globalidade, e, depois, centravam-se no vídeo. Só mais tarde procuravam o smartphone para continuar a experiência.
Para além da análise aos comportamentos dos usufruidores que experienciaram o artefacto, também consideramos importante referir os que não completaram a utilização esperada. Detetámos casos em que, apesar de terem o smartphone na mão, acabaram por não o utilizar, afastando-se sem realizarem a interação prevista. Embora não tenham sido recolhidos dados estatísticos que atestem a quantidade destes casos, percecionamos representarem cerca de 40%. Ou seja, uma parte significativa dos usufruidores que observaram o artefacto não tentou interagir com ele. Esta constatação é um dado importante para a reflexão sobre o artefacto e respetivo conceito/experiência. Uma vez que esta exposição foi a primeira exibição perante um público real, tornou-se uma valiosa contribuição para a reformulação de alguns aspetos menos conseguidos.
Finalmente, quanto a uma autorreflexão, e considerando que o funcionamento do artefacto já tinha sido alvo de um teste-piloto prévio, ocorrido numa fase a que chamámos de simulação em ambiente real, consideramos para a exposição duas grandes questões: A estética cativa? O tipo de interação é o mais indicado?
A resposta à primeira interrogação parece-nos ser positiva, atendendo aos testemunhos sobre a aparência do artefacto. No entanto, consideramos que este feedback não foi conclusivo e que o aspeto artístico é uma dimensão a ser trabalhada, ou talvez deva ser abordada com outra maturidade. Quanto à segunda questão, o facto de se ter optado pela interação com o artefacto através do smartphone do próprio utilizador, se por um lado é inovador, por outro, poderá ser uma limitação. Sublinhe-se que a exposição promoveu muito a utilização de códigos QR e o acesso a conteúdos web, criando um ambiente tecnológico perfeito para o artefacto; se não tivesse sido esse o caso, tal poderia ter constituído um constrangimento à sua usufruição.
6. O artefacto como proposta para o PNC
Na génese deste artefacto, encontra-se a intenção de explorar um conjunto de valências e potencialidades que permitam a sua aplicação ao contexto prático das atividades do PNC, dado que a sua idealização emergiu no ambiente académico do projeto de tese6 “Educação, Cinema e Redes Sociais: uma investigação sobre o Plano Nacional de Cinema”, acolhido pelo CIAC, Centro de Investigação em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve, e integrado no doutoramento em Média-Arte Digital (Universidade Aberta/Universidade do Algarve) do primeiro autor com orientação científica das coautoras.
O PNC, iniciativa governamental direcionada para o contexto escolar, visa educar crianças e jovens para a linguagem do cinema e, consequentemente, para a leitura e interpretação de imagens em movimento, assim preparando-os para serem melhores cidadãos, numa sociedade cada vez mais audiovisual e mediatizada. No espaço escolar, o PNC é concretizado por equipas de professores, segundo orientações da coordenação nacional, através das mais variadas atividades extraescolares em torno do cinema, não se circunscrevendo apenas à exibição de filmes, mas, sobretudo, a dinâmicas que promovam a reflexão, tomando como ponto de partida os filmes.
Assim, o artefacto tem implícita uma proposta de aplicação da experiência adquirida no seu processo criativo aos cenários das atividades das escolas participantes no PNC, transformando-se num artefacto educacional passível de ser usufruído tanto em contexto físico como virtual. No primeiro caso, a utilização em Exposição, consiste na instalação do artefacto num espaço físico, do qual o usufruidor é o aluno, sendo a utilização aquela que antes se descreveu. Por exemplo, poderá ser instalado nos espaços escolares para ser experienciado pelos alunos, ou nos eventos promovidos pelas equipas do PNC nas escolas. O segundo caso, o da usufruição virtual, através do website do artefacto, no qual poderá ser disponibilizada uma versão virtual, permite que o mesmo seja usufruído através da internet. Esta ferramenta web será desenvolvida, em estreita colaboração com uma escola com a qual se constituirá um grupo-piloto de usufruidores para validar as opções tomadas, com vista à sua integração nos diferentes contextos práticos das atividades do PNC. Deste modo, para além da experiência de utilização do artefacto num contexto físico, também se pretende desenvolver um artefacto virtual, através do qual o usufruidor possa realizar a experiência a distância, completamente online.
Conforme foi referido, a forma de aplicação do artefacto ao contexto de trabalho do PNC está dependente das dinâmicas desenvolvidas por cada escola participante. Implica, pois, um trabalho de adaptação a cada caso prático. Dado que a proposta aqui descrita ainda é uma enunciação - expusemos a génese da criação e apresentação do artefacto em contexto de exposição -, estamos conscientes da importância do trabalho a ser feito com um grupo-piloto, de modo a confirmar (ou refutar) a funcionalidade da proposta enunciada neste texto.
Pretende-se igualmente que o E2S possa consubstanciar uma metodologia pedagógico-didática de trabalho, permitindo aos professores aplicarem os seus fundamentos teórico-práticos às atividades do PNC junto dos alunos, numa lógica de Recursos Educacionais Abertos (REA). Recorde-se que a UNESCO7 definiu REA como os materiais de “ensino, aprendizagem e pesquisa em qualquer formato, digital ou outro, que sejam do domínio público ou que tenham sido disponibilizados sob uma licença aberta que permite o acesso, utilização, adaptação e partilha por outros sem qualquer custo, restrição ou limitação” (Paris OER Declaration, 2012, p. 1). Assim, a premissa subjacente aos REA, de que comungamos, é a de que os recursos que publiquemos através da internet possam ser (re)utilizados e partilhados em locais diferentes e de formas diferentes, para satisfazer uma necessidade específica, nomeadamente de construção do conhecimento.
Neste sentido, a versão virtual do artefacto, além de integrar procedimentos operacionais e de apoio à tomada de decisões, consoante as condições existentes em cada caso de aplicação prática, será acompanhada por um conjunto de documentos/tutoriais, segundo o espírito dos REA. Desta forma, a documentação disponibilizada assume um caráter orientador e de apoio às equipas do PNC a realizarem atividades com metodologias e objetivos similares aos do artefacto, ficando, assim, capacitadas para (re)criar as suas próprias experiências com os alunos. Em suma, esperamos que o E2S possa constituir uma metodologia válida para abordar as literacias mobilizadas pelo próprio PNC, sobretudo a literacia dos medias e a literacia fílmica.
7. Considerações finais
Ao longo deste texto, para além da apresentação do artefacto, procurámos expor a experiência da sua exibição, perspetivando uma aplicação ao contexto escolar do PNC. Este caminho leva-nos a considerar, de novo, que os artefactos em média-arte digital são mais do que objetos para serem apreciados passivamente, que acarretam características virtuais que levam o usufruidor a encetar uma viagem de “contemplação estética de natureza polissémica, em múltiplos cenários de uso e fruição que vão desde a educativa, científica, lúdica, filosófica ou mesmo a sagrada, o que pode estimular a realização de experiências qualitativas” (Marcos, 2012, p. 133).
Ressalvando especificidades próprias, consideramos possível estabelecer uma associação de um artefacto deste tipo a um objeto de aprendizagem, que Leffa (2016) entende ser um “artefato cultural que usamos como meio (…) para adquirir um determinado saber contido nesse artefato” (p. 360). Assim, a proposta materializada pelo E2S alia as características de uma obra de média-arte digital com as de um recurso educacional. Consideramos, pois, que o artefacto “Emotions to Scenes”, com génese no contexto da média-arte digital, pode ser também um artefacto educacional, apresentando-se, neste caso, como uma proposta a ser utilizada no contexto no Plano Nacional do Cinema.