Introdução
O tema da fome no mundo é tão antigo quanto a própria população, por esse motivo são quase que conceitos indissociáveis. Sabemos, todavia, que houve um significativo aumento da população mundial nos últimos dois séculos, tanto em países desenvolvidos como subdesenvolvidos. Com o aumento populacional, também crescera a corrida por alimentação, sendo esta um princípio básico da sobrevivência humana.
Para tanto, este artigo tem por objetivo abordar o tema da população e da fome, bem como os indicadores da insegurança alimentar no Brasil e no mundo e como os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU podem ser um caminho a seguir para auxiliar na erradicação da fome. A relevância da pesquisa é justamente traçar uma problemática atual e social, podendo contribuir com estudos populacionais na área da Geografia, Demografia, Economia, Nutrição, Biologia e outras ciências afins.
Este artigo traz abordagens do tipo qualitativa e quantitativa, de modo que utilizamos o método de pesquisa misto, que nasce da necessidade de esclarecer o objetivo e reunir dados quantitativos e qualitativos em um único estudo. O método misto, já conhecido nas ciências humanas e sociais, vem se expandindo e empregando coletas associadas às duas formas de dados (Creswell, 2007). Também foram realizados estudos bibliográficos, descritivos e exploratórios, tendo em vista que “propicia[m] o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras” (Marconi & Lakatos, 2003).
A priori, foi realizado um estudo bibliográfico, descritivo, de caráter exploratório com abordagem qualitativa e um levantamento teórico-metodológico baseado em autores como Sen (1982); Castro (1984); Pérez-Escamilla e Segall-Corrêa, (2008); Mello e Sathler (2015); Tonial (2009); Burchi e Muro (2016); Paulino (2017), entre outros estudiosos que abordam os conceitos e temas apresentados neste trabalho. Também nos utilizamos de dados secundários e informações de sites, como o do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - dados da população brasileira, indicadores de insegurança alimentar, além de taxas de fecundidade -, o da ONU - os objetivos de desenvolvimento sustentável - e o da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) - que apresenta relatórios sobre a fome e insegurança alimentar no mundo -, entre outros. Os dados analisados e selecionados foram organizados em gráficos e figuras que estão apresentados ao longo do corpo do texto.
O presente artigo está dividido em quatro seções: esta introdução (a primeira seção); a segunda seção, intitulada Breve abordagem sobre o tema população seguida dos indicadores de insegurança alimentar no mundo e no Brasil, que traça uma trajetória da população, a partir de temas como a fecundidade, natalidade, crescimento populacional, o conceito da fome, além da apresentação de dados sobre a insegurança alimentar; a terceira seção, intitulada Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como base ao combate à fome, na qual nos detemos em explicar tais objetivos e como estes podem servir de aportes e de planejamento de políticas públicas para o combate à fome; e, por último a quarta seção, que trata das considerações finais deste artigo.
Breve abordagem sobre o tema população seguida dos indicadores de insegurança alimentar no mundo e no Brasil
Nos subsídios para as projeções da população em 2015, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), destacou a Demografia como uma das principais ciências constituintes dos estudos das populações. Tanto no tempo como no espaço, sua dinâmica depende do comportamento das variáveis de fecundidade, mortalidade e migração (IBGE, 2015). No entanto, estudar sobre a população e seus respectivos pressupostos, remete a trabalhar todo um ciclo em que entram temas de outros estudos afins, como os geográficos, econômicos, ambientais etc.
Os estudos sobre a dinâmica da população não são tão recentes. Nos anais da história, muitos foram os estudiosos que se dedicaram a conhecer melhor a população e suas questões. O nascimento e a morte são temas bastante antigos e já eram de conhecimento das religiões. Foi na Europa, mais precisamente no seio da Igreja Católica, que esses temas ganharam força e se expandiram pelo mundo (IBGE, 2015).
Por sua vez, no que concerne à insegurança alimentar, esta pode ser vista por diferentes óticas, podendo ser resultado da falta de saúde ou até mesmo de educação, entre a falta de outras capacidades básicas que constituem o bem-estar das pessoas. A questão da disponibilidade de alimentos é um problema antigo, mas que ainda muito se faz influente na atualidade (Burchi, Muro, 2016).
Em linhas gerais, as abordagens que se direcionam ao problema de alimentos podem ser divididas em dois grupos: o primeiro enfoca as ciências naturais e as engenharias, relacionando os problemas tecnológicos diversos; o segundo direciona a questões sociais, políticas e econômicas - diferindo do primeiro, pois nele a questão alimentar está ligada a problemas sociais. Entretanto, as duas formas de abordagens podem ser consideradas sociais e da natureza, não sendo categorias puras. Não obstante, a visão que tem foco na natureza é tradicionalmente dominante (Sen, 1982).
Nesse interim, a abordagem mais conhecida é a malthusiana, elaborada pelo economista e matemático Robert Malthus (1789) em sua teoria sobre a população. Para este, a miséria seria um mal necessário, pois a população cresceria de forma exagerada, isto é, em um ritmo geométrico, assim, na linha do tempo o crescimento populacional se chocaria com o crescimento de alimentos.
Segundo as teorias malthusianas, o desenvolvimento e a produção de alimentos não supririam as necessidades de uma superpopulação consumidora, pois seguiriam um ritmo aritmético. É provável que na atualidade ainda existam as mesmas problemáticas discutidas há três séculos atrás: a fome, a desigualdade, a exploração, a questão de esgotamento de recursos naturais, entre muitos outros temas extremamente contemporâneos.
O pessimismo malthusiano não pôde possibilitar a hipótese de expansão da produção de alimentos. Em sua análise sobre a origem do problema alimentar, ele pensou muito pouco na capacidade da ciência natural de expandir as possibilidades, só enxergando o problema em termos do crescimento da oferta de alimentos, focando na expansão da população, e viu ambos os crescimentos como sendo determinados principalmente pela natureza (Sen, 1982).
Charles Darwin, em A Origem das espécies, também defendia um pensamento parecido com o de Malthus, descrevendo que “não há exceção à regra de que todo ser orgânico aumenta em proporção tão alta que, se não for destruído, a terra em breve estará coberta pela progênie de um único par” (Darwin, [1859] 2014, p. 94). No entanto, os dados recentes nos mostram que as taxas de natalidade tendem a diminuir, bem como os índices de fecundidade, como podemos ver no Gráfico n.º 1.
Se em tempos mais remotos a questão da fecundidade e o aumento da população eram causas de estudos, hoje o que mais chama a atenção é a diminuição do número de reprodução: “a fecundidade caiu para níveis extremamente baixos, muitas vezes inferiores ao número necessário para ao menos manter a população com o mesmo tamanho no longo prazo” (IBGE, 2015, p. 30). Como podemos ver, no Brasil até os anos de 2006 as estatísticas eram de cerca de 2,5 filhos por mulher; no entanto, mais recentemente, em 2018, esse número já não chega nem a 2 filhos por mulher.
Para tanto, o que mais influenciou e vem reverberando neste processo de transição de fecundidade é a entrada da mulher no mercado de trabalho. Com mais reponsabilidades, e inserida na sociedade moderna, a mulher tem optado pela diminuição de filhos. A educação da mulher também “tem sido apontada como a variável proximamente ligada à queda da fecundidade” (IBGE, 2015, p. 35). De maneira geral, muitos países experimentaram ou estão experimentando uma transição de fecundidade durante o processo de modernização da sociedade, o que tem refletido na taxa de crescimento mundial (Gráfico n.º 2).
Após meados do século XX, os debates sobre a possibilidade de uma explosão demográfica ganharam espaço, principalmente com o aumento repentino das taxas de crescimento populacional nos países subdesenvolvidos (Mello & Sathler, 2015). Segundo estes autores, nesse período a
temida explosão demográfica dos países subdesenvolvidos tornou-se a principal preocupação dos demógrafos por todo o mundo, que direcionaram suas atenções para as altas taxas de fecundidade e a permanência de uma estrutura etária jovem em diversos países do mundo. Os debates consideravam que o crescimento demográfico, principalmente dos países mais pobres, seria a grande ameaça à estabilidade política e econômica e à manutenção da pobreza no mundo (Mello & Sathler, 2015, p. 368).
Contudo, os dados mostram que principalmente nos últimos 30 anos a taxa de crescimento mundial vem decaindo ano após ano - há, na verdade, um constante declínio. No entanto, por outro lado, até o ano de 2019 os dados nos mostram que os números de crescimento da população continuam a subir, não seguindo o mesmo ritmo. Vejamos o Gráfico n.º 3.
Em 2019, a população mundial chegou a quase 8 bilhões de habitantes. Em 2020, segundo o siteCountrymeters, a população mundial era de 7.842.418.574 bilhões. No Brasil, de acordo com o IBGE, a população estimada em 2020 foi de 211.755.692 pessoas, sendo que as projeções estimam que até o ano de 2060 sejam alcançados 228.286.347 milhões de habitantes. Diante disto, surge o seguinte questionamento: se houve uma diminuição em termos da taxa de fecundidade, como a população continua a crescer? A resposta é evidente, tanto nos países desenvolvidos quanto em grande parte dos subdesenvolvidos: foram tomadas providências para que houvesse uma diminuição na taxa de mortalidade.
Se ainda hoje existe uma grande parcela da população limitada de políticas públicas, por outro lado há uma grande parte da população que detém benefícios como saneamento básico, vacinação, avanço da medicina, entre outras políticas que aumentam a longevidade (diminuindo o índice de mortalidade). No caso brasileiro, a transição demográfica aponta que
desde o século XIX até meados da década de 1940, o Brasil caracterizou-se pela prevalência de altas taxas de natalidade e de mortalidade. A partir deste período, com à incorporação às políticas de saúde pública dos avanços da medicina, particularmente os antibióticos recém-descobertos no combate as enfermidades infectocontagiosas e importados no pós-guerra, o País experimentou uma primeira fase de sua transição demográfica caracterizada pelo início da queda das taxas de mortalidade (IBGE, 2015, p. 50).
Não obstante, ressaltamos que diretamente ou indiretamente é o Estado o agente promotor de muito do que foi construído ao longo dos anos,
desde o século XIX e mesmo antes teve que organizar obrigatoriamente, entre outras coisas, o abastecimento coletivo de água, de alimentos, de energia, a habitação e a coleta de lixo para as imensas concentrações urbanas, além de grandes adutoras, de usinas geradoras e complicadas redes elétricas, de centros de distribuição, de frotas de veículos coletores etc. Isso é assim mesmo quando todos esses serviços são deficientes e insuficientes, pois, sem eles, a vida em grandes cidades seria absolutamente impossível (Paulino, 2017, p. 23-24).
O que se identifica é que os avanços permitiram um caminho onde foi possível um maior aumento da expectativa de vida. Todavia, se existe uma população que continua desencadeando o aumento demográfico, outros desdobramentos tendem a se reinventar também, sendo um deles o aumento dos deslocamentos populacionais. Não é nosso objetivo traçar um caminho exemplificando os fenômenos migratórios, mas este aparece como um dos indicadores importantes sobre estudos populacionais, sendo o terceiro viés, depois da natalidade e da mortalidade.
Os estudos populacionais são um caso antigo no histórico da humanidade, uma vez que a população sempre fez uso da ultrapassagem de fronteiras para garantir uma melhor qualidade de vida, de forma isolada ou em grupos. O ser humano se depara com a migração por diversos fatores, estes podem ser tanto gerados por catástrofes naturais, nas quais o homem está sujeito a riscos ambientais, como influenciados pelas forças capitalistas, ambas são migrações forçadas. Por outro viés, existem os grupos que perambulam por livre arbítrio em busca de melhores condições de vida em localidades distintas. De fato, os movimentos migratórios remetem a “processos sociais, econômicos, demográficos e ambientais de localidades, regiões e países ao longo da história humana” (Ojima & Fusco, 2014, p. 05).
Por conseguinte, vale salientar que foram os grandes movimentos migratórios, principalmente o êxodo rural, que deram alicerce para a construção dos grandes arranjos populacionais, isso tanto na escala nacional quanto em outros países. O impacto da troca da manufatura pela maquinofatura expulsou o homem do campo para os centros urbanos, o que originou então uma massa de desempregados nestes centros, fruto de uma “acumulação originária”, que pode ser retratada até os dias atuais (Damiani, 2004, p. 12).
Assim, o atraso agrícola em áreas distintas que convivem com a modernização de outros espaços foi responsável por um forte êxodo rural em países da América Latina essa dinâmica gerou uma rápida urbanização, precoce e desordenada (Cano, 2011).
Para tanto, devemos considerar que, em primeiro lugar, existe uma população que cresce mais a cada dia; em segundo lugar, que existe uma população que consome cada vez mais frente à grande parcela que passa fome; e, em terceiro lugar, que existe cada vez mais um esgotamento de recursos naturais que envolvem uma população crescente e consumidora, em que o meio ambiente é explorado de forma direta ou indireta.
À medida que a população aumentou em muitas partes do globo, inclusive nos centros urbanos, também aumentou o consumo, tanto de bens renováveis como não renováveis. Contudo, a distribuição desses recursos não chega em todas as partes do globo, o que faz haver uma necessidade, principalmente, de alimentos.
Corriqueiramente, a má distribuição de alimentos no mundo é a causa principal da fome, de várias doenças e das mortes por desnutrição. Existe um acentuado desequilíbrio entre áreas onde reina o desenvolvimento e onde o subdesenvolvimento e a desnutrição aparecem evidentes (Tonial, 2009). Drasticamente, segundo dados divulgados no estudo intitulado O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo , que acompanha o progresso no sentido de acabar com a fome e a desnutrição, se as tendências recentes persistirem, a distribuição da fome no mundo irá mudar substancialmente (Gráfico n.º 4), tornando a África a região com o maior número de pessoas em estado de insegurança alimentar em 2030, mesmo sem considerar os efeitos da covid-19.
Os dados mostram que seria na Ásia, o lar de quase 330 milhões de pessoas famintas em 2030, onde a fome no mundo diminuiria substancialmente, graças ao progresso em países altamente povoados da Ásia Oriental e Meridional. Por outro lado, a África iria ultrapassar a Ásia e se tornar a região com o maior número de pessoas subnutridas.
A fome é uma problemática tão velha quanto a própria vida. Para os homens, tão velha quanto a própria humanidade. Se no Brasil os recursos alimentares são até certo ponto deficitários e nossos hábitos alimentares defeituosos, isso se deve, principalmente, à estrutura econômico-social, justamente por sempre ter seguido num sentido desfavorável ao aproveitamento racional de nossas possibilidades geográficas. (CASTRO, 1984).
No mundo como um todo, ao longo do tempo, as diferentes regiões passaram por acentuadas crises que culminaram na fome extrema, isso porque o alimento - ou a falta deste - é o principal fator da sobrevivência. Atualmente, mais da metade das pessoas afetadas por insegurança alimentar moderada ou grave no mundo vive na Ásia e mais de um terço vive na África. Vejamos a distribuição da insegurança alimentar de acordo com a população mundial no Gráfico n.º 5.
Como podemos ver no gráfico, dos 7.713 bilhões de pessoas do globo, 5 712.3 não sofriam de insegurança alimentar, e 2 001.1 sofriam de insegurança alimentar, destes 1,03 bilhão estão na Ásia, 675 milhões na África, 205 milhões na América Latina e Caribe, 88 milhões na América do Norte e Europa e 5,9 milhões na Oceania. De acordo com o relatório, a prevalência de alimentos da insegurança moderada ou grave ainda está acentuada na África, e isso é explicado pelo aumento na região subsaariana. Muito embora seja na África onde os níveis mais altos da insegurança alimentar são observados, é na América Latina e no Caribe onde essa problemática está aumentando mais rapidamente: de 22,9%, em 2014, a 31,7%, em 2019.
As projeções mostram que o mundo não está no caminho para alcançar o Fome Zero até 2030 e, apesar de alguns progressos, a maioria dos indicadores também não está no caminho para cumprir as metas globais de nutrição. É provável que a segurança alimentar e o estado nutricional dos grupos populacionais mais vulneráveis se deteriorem ainda mais devido aos impactos socioeconômicos e de saúde da pandemia COVID-19 (FAO, 2020).
De fato, segundo a FAO, o número de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo tem aumentado lentamente desde 2014, por outro lado, os dados também mostram que o fardo da desnutrição em todas as suas formas continua a ser um desafio a ser superado.
Todavia, diante de tantos desequilíbrios no meio dos estudos populacionais e seus indicadores, os fatores que o recobrem (natalidade, fecundidade, fome, etc) vão depender também das variações que as populações futuras tendem a alcançar, bem como das medidas que devem ser tomadas. A Figura n.º 1 nos mostra uma projeção da taxa média anual de mudança populacional, vejamos:
Como podemos ver, as taxas de variações se acentuam mais no continente africano. No entanto, no asiático, a Síria aparece como o país que mais apresenta taxas de variações entre 2020-2025. Essas estimativas são para um futuro bem próximo, por isso as políticas de desenvolvimento sustentável devem ter em consideração essas variáveis, distinguindo-as em cada parte do globo, assim,
a localização espacial da população e os padrões recentes de urbanização não podem ser esquecidos nos debates sobre população, ambiente e consumo. As grandes mudanças testemunhadas recentemente no mundo na localização espacial das populações implicaram, necessariamente, fortes transformações nas relações do homem com o ambiente e, também, nos padrões de produção e consumo (Mello & Sathler, 2015, p. 371).
Considerar as diferentes questões regionais é um vultuoso instrumento de planejamento que pode vir a funcionar. Na realidade, as políticas regionais são um instrumento crucial que, através de negociações entre as partes interessadas locais, favorecem o acordo na formulação de estratégias e implementação de iniciativas de desenvolvimento (Barquero, 2014).
Em linhas gerais, é o Estado que tem assumido e promovido o desenvolvimento, mesmo que minimamente, nos países e regiões emergentes periféricos (Dallabrida & Fernández, 2008). Muito embora, mesmo que tenhamos o apoio do Estado, as empresas privadas também podem auxiliar no combate à fome, por meio da inclusão social, investindo na formação e incorporação no mercado de trabalho da sociedade excluída (Tonial, 2009).
No caso brasileiro, sobre a segurança alimentar em 2010, foram estabelecidas a regulamentação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - LOSAN e a instituição da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN (Decreto n. 7.272, de 25.08.2010), assim como a incorporação da alimentação aos direitos sociais previstos na Constituição Federal (Emenda Constitucional n. 64, de 04.02.2010) (IBGE, 2020).
Outrossim, as Pesquisas de Orçamentos Familiares - POFs divulgados pelo IBGE em 2020, que têm por objetivo disponibilizar informações sobre a composição orçamentária doméstica e sobre as condições de vida da população, incluindo a percepção subjetiva da qualidade de vida, geram bases de dados e estudos sobre o perfil nutricional da população.
Vale ressaltar que os dados apresentados pela POF 2017-2018, que estimam a prevalência da segurança alimentar (SA) e da insegurança alimentar (IA) nos domicílios brasileiros, seguem aspectos metodológicos aplicados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD dos anos de 2004, 2009 e 2013, a qual foi aplicada à Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA, em busca de identificar e classificar as unidades domiciliares de acordo com os graus de severidade e de como o fenômeno da IA é vivenciado pelas famílias brasileiras. Entende-se que a adoção e aplicação nacional por meio da EBIA transformou a compreensão do desafio da insegurança alimentar enfrentada pelo país entre as partes interessadas e a sociedade civil em geral (Pérez-Escamilla; Segall-Corrêa, 2008).
Neste sentido, podemos evidenciar que nos anos de 2017 e 2018, cerca de 3,1 milhões de domicílios passaram por privação quantitativa de alimentos, que atingiram não apenas os membros adultos da família, mas também suas crianças e adolescentes, isso quer dizer 4,6% da população. A seguir, podemos ver como se encontra a situação de segurança alimentar no país em total e nas áreas urbana e rural.
De acordo com esse estudo, a segurança alimentar (SA) seria o acesso dos moradores dos domicílios aos alimentos, em quantidade suficiente e em qualidade adequada. Já a insegurança alimentar leve (IAL) ocorre quando aparece referência à preocupação com o acesso aos alimentos no futuro e já se verifica comprometimento da qualidade da alimentação no domicílio. Por conseguinte, nos domicílios com insegurança alimentar moderada (IAM), os moradores passaram a conviver no período de referência com a restrição quantitativa de alimentos. Por último, o nível de insegurança alimentar grave (IAG) acontece quando, além dos membros adultos, as crianças, quando presentes, também passaram por privações agudas referente ao consumo de alimentos, podendo chegar à sua expressão mais extrema - a fome.
Segundo a FAO (2021), para o Brasil nos anos de 2017 a 2021, o número de pessoas no estado de insegurança alimentar moderada e grave, no que se refere à média de 3 anos, aumentou (Gráfico n.º 7).
Nos últimos anos, a importância do desenvolvimento sustentável pode ter avançado muito, contudo, efetivamente, poucas políticas públicas apresentaram mudanças significativas (Ojima & Marandola Jr., 2012), o que é preocupante frente a uma série de lacunas que devem ser preenchidas. Uma das principais correntes que objetivam o desenvolvimento sustentável é a contribuição da ONU, que traça um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade, como veremos na seção seguinte.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como base ao combate à fome: caminhos a seguir?
É preciso produzir para alimentar, consumir para gerar desenvolvimento, mas é necessário existir um conjunto de produção, distribuição e consumo sustentáveis. Para a FAO, os alimentos e a agricultura sustentáveis contribuem para os quatro pilares da segurança alimentar, que podem reveberar em melhores condições de vida, nas diferentes esferas, por meio de: 1° disponibilidade, 2° acesso, 3° utilização e estabilidade e 4° as dimensões da sustentabilidade (ambiental, social e econômica).
Para tanto,
práticas relacionadas à aquisição de produtos e serviços que visam diminuir ou eliminar os impactos ao meio ambiente. São atitudes positivas, que preservam os recursos naturais, mantendo o equilíbrio ecológico em nosso planeta. Estas práticas estão relacionadas à diminuição da poluição, incentivo à reciclagem e eliminação do desperdício (INPE, 2019).
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), presente em mais de cem países, criada ainda no ano de 1945, vem contribuindo há várias décadas com os objetivos de erradicação da fome, insegurança alimentar e desnutrição; da eliminação da pobreza e a promoção do progresso econômico e social para todos; e a gestão sustentável e utilização dos recursos naturais, incluindo terra, água, ar, clima e recursos genéticos para o benefício das gerações presentes e futuras.
Ressaltamos que o Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura em 1° instância que
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (ONU, 1948).
Por sua vez, para ajudar os países em todo o mundo a alcançar o Fome Zero, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (Quadro n.º 1) são de suma importância.
Os objetivos da ONU são uma luz que deve ser seguida para uma vida mais sustentável. Destacamos dos ODSs o 2°, que tem como princípio erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável, com ênfase no acesso das pessoas mais pobres, em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano. Para isso, até o ano de 2030, é um desafio dobrar a produtividade agrícola, a renda dos pequenos produtores de alimentos, particularmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores.
Se o ODS 2 se concretizar, ajudará a diminuir as disparidades, que é o décimo objetivo, a Redução das Desigualdades. Para isso, é necessário, até 2030, alcançar e sustentar o crescimento da renda dos 40% da população mais pobre a uma taxa maior que a média nacional. Também devemos considerar o ODS 6, Água Potável e Saneamento, que objetiva a garantia de disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos. O objetivo 13, que permeia tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos, também entra na lista dos ODS mais relevantes neste artigo, visto que o clima é um fator primordial para a produção alimentar e o combate à fome; e não é só isso: a adoção de medidas para combater as alterações climáticas é um sinônimo de continuação de vida na terra.
O estabelecimento de políticas públicas consequentes que possam levar à superação da fome e da desnutrição exige um esforço de integração e articulação de ações governamentais, e destas com as iniciativas da sociedade civil, partindo da re-pactuação política e técnica dos conceitos básicos de fome, desnutrição, pobreza e mesmo alimentação e nutrição como direitos humanos, e não só da redefinição das linhas de pobreza. (Valente, 2003, p. 58).
Entende-se que a segurança alimentar familiar é um determinante da própria segurança nutricional que, por sua vez, só pode ser entendida por meio de análise multinível, na qual sejam considerados fatores globais e de outras escalas nacionais, regionais e locais, além de considerar determinantes familiares individuais.
No que concerne à América Latina e ao Caribe, é necessário que se trabalhe para adotar um único instrumento regional que possa ser adaptado aos contextos locais, qualitativamente e quantitativamente. No Brasil, as experiências nacionais podem servir de exemplo para outros países, uma vez que o processo que levou à EBIA foi fortemente baseado em uma coalizão multissetorial baseada em evidências e orientada para políticas que incluiu representantes da comunidade, acadêmicos, oficiais do governo local, estadual e federal, agências internacionais, ONGs etc. (Pérez-Escamilla; Segall-Corrêa, 2008).
Não obstante, admitimos que apenas políticas pensadas de cima para baixo não poderão sanar as desigualdades da fome no Brasil e no mundo, por isso a importância de políticas públicas transversais. Acredita-se que com uma população cada vez maior, necessidades básicas devem continuar crescendo, como é o caso da própria alimentação, ou de outros recursos essenciais, como a água potável. Os ODS da ONU são um conjunto que, se desenvolvido de maneira correta, pode dar bons frutos às futuras gerações.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, discorremos sobre indicadores populacionais que mudaram ao longo dos anos, como os de fecundidade, que vêm decaindo. No entanto, a população continua a crescer, e isso se deve, principalmente, pelas políticas transversais desenvolvidas no decorrer do tempo, desde a vacinação até o saneamento básico -embora uma grande parcela populacional não tenha acesso a esses serviços básicos.
Concluímos que há ainda uma grande massa populacional que sofre com a insegurança alimentar moderada e grave. No Brasil, os dados mostram que esse índice continua a crescer e, por estar dentro da região da América Latina e do Caribe, o país pode fazer parte de uma parcela que tende a se agravar em seus indicadores alimentares de acordo com o relatório da FAO. Compreendemos que os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU são uma política positiva no auxílio da erradicação da fome no mundo, pois, para que medidas para um mundo mais sustentável sejam alcançadas, deve existir um planejamento que englobe as diferentes escalas e organizações, entidades, governos, Estado e principalmente o povo.
Destacamos que os temas apresentados neste artigo podem levar a outras pesquisas futuras. As projeções mostram que a população continuará a crescer, tanto no Brasil como no mundo, outras taxas podem ser estudadas, como o consumo de alimento e a produção, além dos desperdícios de alimentos, uma vez que o Brasil é um país continental, de modo que boa parte da alimentação se perde no caminho, não chegando à população que mais precisa.