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Political Observer

versão impressa ISSN 2795-4757versão On-line ISSN 2795-4765

Political Observer vol.18  Lisboa dez. 2022  Epub 22-Maio-2023

https://doi.org/10.59071/2795-4765.rpcp2022.18/pp.41-52 

Artigo Original

Os Açores, Portugal e as Relações Internacionais na actualidade1

The Azores, Portugal and the contemporary International Relations

Luís Vieira de Andrade*  
http://orcid.org/0000-0003-4250-6184

* Centro de Estudos Humanísticos, Universidade dos Açores, Portugal; luis.mv.andrade@uac.pt


Resumo

Este artigo faz uma breve análise, em primeiro lugar, da actual conjuntura internacional, designadamente no que diz respeito aos EUA, à República Popular da China e à Federação Russa. Em segundo lugar, o papel que Portugal desempenha no âmbito das Relações Internacionais, não esquecendo, como é evidente, a relevância da Região Autónoma dos Açores e em particular a base das Lajes no âmbito da Política Externa portuguesa.

Palavras-chave: Açores; Estados Unidos da América; Portugal; Relações Internacionais

Abstract

This article briefly analyses, on one hand, the present international situation, namely in what concerns the United States of America, the People`s Republic of China and the Russian Federation. On the other hand, the role played by Portugal in International Relations, giving also particular attention to the role played by the Autonomous Region of the Azores and its importance in Portuguese Foreign Policy.

Keywords: Azores; International Relations; Portugal; United States of America

1. Introdução

Este artigo tem como objectivo essencial equacionar, em primeiro lugar, a nova realidade geopolítica internacional, designadamente no que respeita à política externa dos Estados Unidos da América e, em segundo, analisar a forma como Portugal e os Açores, se têm vindo a posicionar nessa nova era.

Uma vez que essa tarefa não é fácil, analisaremos, de uma forma necessariamente sucinta, o actual quadro geopolítico internacional, destacando apenas os acontecimentos que nos parecem mais significativos, e, como já foi previamente referido, a forma como o nosso país e, obviamente, o arquipélago dos Açores, se tem vindo a enquadrar em todo esse processo.

Na actual conjuntura internacional, começaremos por destacar as relações entre os EUA e a República Popular da China, assim como com a Rússia. No que respeita à primeira, os EUA têm vindo a demonstrar, sobretudo após a chegada ao poder do Presidente Joe Biden, uma maior abertura ao diálogo e à cooperação com aquele país. Muito embora haja, de facto, várias questões a serem equacionadas entre os EUA e a República Popular da China, tudo leva a crer que a actual administração norte-americana quererá incrementar o diálogo com aquele país, independentemente das profundas divergências, em muitos sectores, que existem neste momento. No entanto, não podemos deixar de referir que existem fortes possibilidades do relacionamento se deteriorar entre ambos, na sequência da nova parceria estratégica entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália, cujo principal objectivo é a contenção da influência da República Popular da China na região Indo-Pacífico. Há quem, inclusivamente, se reporte ao início de uma nova Guerra Fria, desta vez entre os EUA e a República Popular da China que, a acontecer, teria sérias consequências não apenas para os Estados directamente envolvidos mas, também, para a Comunidade Internacional no seu todo.

Por outro lado, o relacionamento entre os EUA e a Federação Rússia não é muito diferente. A recente cimeira entre o Presidente Biden e o Presidente Putin, que decorreu em Genebra, muito embora possa ser interpretada como um bom presságio no que diz respeito ao recomeço do relacionamento entre os dois Estados, não escondeu as sérias divergências que subsistem entre ambos.

Independentemente das múltiplas questões que carecem de resolução, entendemos que há indícios que existe uma predisposição para se iniciar um diálogo mais profícuo entre os dois Estados por forma a que se possa chegar a uma maior distensão nas relações bilaterais. A já referida cimeira entre o Presidente norte-americano, Joe Biden, e o líder russo, Vladimir Putin, realizou-se num ambiente de alguma tensão mas que, tudo leva a crer, poderá ser um importante ponto de partida para uma relação bilateral menos crispada. O designado sharp power, que tem vindo a ser utilizado pela Federação Russa, contribuiu, significativamente, para a deterioração das relações entre os dois Estados, designadamente no que diz respeito à suposta intromissão russa nas eleições norte-americanas.

Em todo este contexto, há um aspecto que, como é evidente, não podemos esquecer, e que tem vindo a condicionar as Relações Internacionais no decurso do último ano e meio, e que tem a ver com a pandemia de COVID 19, que teve e está a ter repercussões, a todos os níveis, quer a nível interno quer externo dos Estados que constituem a Comunidade Internacional.

Em nosso entender, o combate à pandemia do COVID 19 constituiu, na realidade, o maior desafio que a Comunidade Internacional enfrentou, e continua a enfrentar, neste momento.

Por outro lado, a problemática relacionada com o Médio Oriente, que para além do Iraque, do Afeganistão (que está na ordem do dia, sobretudo com o regresso ao poder dos talibãs e a retirada dos EUA e da NATO), da Síria, do Iémen e do Irão, e dos últimos acontecimentos entre Israel e a Palestina, designadamente na Faixa de Gaza, tem de ser referida. Como é evidente, existem muitos mais problemas e crises a nível internacional mas, o que mais nos interessa neste momento, é termos a consciência de que a actual conjuntura mundial é extremamente frágil, complexa e imprevisível.

Os desafios que são colocados à Comunidade Internacional são, de facto, muito complexos e exigentes. Para além da pandemia de COVID 19 já referida anteriormente, as ameaças que são colocadas à própria democracia em muitos Estados a nível global são, na realidade, muito sérias (veja-se, novamente, o caso do Afeganistão). Por outro lado, as alterações climáticas constituem, de igual modo, um elemento muito relevante a ter em consideração no que diz respeito à tentativa de construção de uma nova ordem (ou será desordem?) internacional, assim como o ciberterrorismo e a disseminação de armas de destruição em massa, etc. Em todo este contexto, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, tem vindo a referir-se a estes assuntos de uma forma sistemática nas suas intervenções, apelando aos Estados da Comunidade Internacional que desenvolvam esforços tendentes a minorar os efeitos dramáticos das alterações climáticas.

Como já foi referido anteriormente, não é possível, num trabalho desta natureza, fazermos referência a todos os problemas que afectam, directa ou indirectamente, a vida internacional neste momento. No entanto, os que já mencionamos, nos parecem os mais relevantes e que têm, inevitavelmente, consequências para todos nós.

2. Portugal e os Açores

Após esta breve introdução, é muito importante tecermos algumas considerações relativamente ao papel que Portugal e, em concreto os Açores, tem vindo a desempenhar em todo este contexto, quer no âmbito da União Europeia, quer no que diz respeito às relações com os EUA, com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e com o Brasil, para além do relacionamento com vários outros países asiáticos, designadamente a China e a Índia, por exemplo.

Como é evidente, a política externa portuguesa tem sido caracterizada, desde há muito tempo, por adotar uma matriz euro-atlântica. Isto é, o Atlântico sempre desempenhou uma função da maior importância na definição e concretização da política externa do nosso país, quer no Atlântico Norte quer no Atlântico Sul. Desde logo, Portugal foi um dos membros fundadores da Organização do Tratado do Atlântico Norte, em abril de 1949, independentemente de, na altura, não ser um país democrático, condição sine qua non para se ser membro daquela Aliança. No entanto, isto não constituiu impedimento na medida em que as autoridades norte-americanas, designadamente os Chefes do Estado Maior dos três ramos das Forças Armadas, queriam que Portugal fosse membro fundador da Organização do Tratado do Atlântico Norte. A razão subjacente a essa necessidade prende-se, essencialmente, com a importância geoestratégica dos Açores, como o comprovam vários documentos diplomáticos norte-americanos da altura. Os Chefes do Estado Maior dos EUA queriam continuar a utilizar o arquipélago açoriano após o fim da Segunda Guerra Mundial a fim de poderem fazer face ao expansionismo soviético na Europa e no mundo.

A necessidade da utilização dos Açores, designadamente da base das Lajes, pelos EUA durante a Guerra Fria foi evidente, como o comprova, por exemplo, os casos relacionados com o bloqueio de Berlim e a Guerra de Yom Kippur. Ao longo do período que vai de 1945 até à queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, o arquipélago açoriano foi essencial para a projeção de forças dos EUA para outros teatros de operações, sobretudo o Médio Oriente.

Não vamos abordar especificamente a problemática relacionada com a importância geoestratégica dos Açores ao longo da Guerra Fria, uma vez que já existe um número considerável de publicações que abordam esta matéria.

O que é importante referir para melhor entendermos este assunto é que, no decurso dos últimos anos, houve, de facto, uma diminuição significativa da presença militar norte-americana na base das Lajes, que se explica com base em factores de natureza geopolítica, geoestratégica e, last but not least, financeira. O final da Guerra Fria e as suas consequências é um especto a ter em consideração na explicação dessa diminuição assim como os cortes de natureza financeira que foram levados a efeito ao longo dos últimos anos por parte das Forças Armadas dos EUA.

No entanto, no âmbito da Geopolítica, há um aspecto que não podemos nem devemos esquecer e que se prende essencialmente com o facto de que se existirem vazios de poder, estes serão, mais tarde ou mais cedo, ocupados por alguém. Por isso mesmo é que, em nosso entender, os EUA não irão abandonar por completo a base das Lajes num futuro mais ou menos próximo. Por outro lado, não partilhamos da opinião de que o arquipélago dos Açores perdeu a sua importância geoestratégica ao longo dos anos que se seguiram ao fim da Guerra Fria. E uma das razões, talvez a mais relevante, que explica esta ideia prende-se justamente com a imprevisibilidade das Relações Internacionais, que é um dado inegável que caracteriza a Política Internacional.

É evidente que o actual quadro geopolítico mundial sofreu uma profunda alteração no decurso dos últimos anos, desde logo com o fim da URSS e a consequente restauração das soberanias dos países da Europa Central e do Leste, cujos principais objectivos se concentraram na sua adesão à União Europeia e à NATO. Todavia, o principal desiderato desses Estados no que diz concretamente respeito à segurança foi, sem dúvida nenhuma, a Aliança Atlântica. E isto explica-se na medida em que a maior ameaça sentida pelos países da Europa Central e do Leste tinha sido a União Soviética e, mais tarde, a Federação Russa. Este aspecto ajuda, por outro lado, a entender de igual modo, a sua relutância no que diz respeito à implementação e efectivação da chamada Europa de Defesa.

Como é sabido, a construção da Política Externa e de Segurança Comum não tem sido tarefa fácil, assim como a Política Comum de Segurança e Defesa. Neste contexto, a soberania continua a desempenhar um papel do maior relevo, o que ajuda a explicar a relutância demonstrada por vários daqueles Estados em participarem activamente na construção de uma Europa da Defesa. Neste contexto, ainda existem demasiados assuntos mal resolvidos por parte de muitos Estados europeus, desde logo, a dialéctica norte-sul que ainda não desapareceu e a problemática relacionada com os refugiados, designadamente na sequência dos acontecimentos que tiveram lugar no Afeganistão, apenas para citar alguns exemplos.

No que diz respeito ao papel que Portugal e, concretamente os Açores, tem vindo a desempenhar no âmbito da Defesa e da Segurança, já existe um apreciável número de estudos que abordam essa matéria, designadamente ao longo do século XX. Neste sentido, concentrar-nos-emos, sobretudo, na actualidade.

Por forma a podermos atingir o nosso objectivo, gostaríamos de referir que, por exemplo, a criação do Air Center, assim como do Centro de Defesa do Atlântico, corroboram a tese que temos vindo a defender, há muito tempo, de que a importância geoestratégica dos Açores se tem mantido ao longo dos tempos, com períodos de maior ou menor intensidade que decorrem sobretudo da ocorrência ou não de crises ou conflitos, como, por exemplo, as duas Guerras Mundiais assim como as que tiveram lugar um pouco por todo o mundo.

Um outro aspecto a ter em consideração no que diz respeito a esta matéria tem a ver com a relevância do arquipélago açoriano no que se refere concretamente à articulação entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul. Esta tese defendida pelo Professor Adriano Moreira reveste-se de particular relevância, na medida em que é fundamental que os países de ambas as margens do Atlântico Norte se articulem melhor com os Estados do Atlântico Sul. Neste contexto, não nos podemos esquecer que, entre muitos outros aspectos, se fala português nas duas margens do Atlântico Sul.

Consequentemente, Portugal, e mais especificamente os Açores, desempenha um papel de especial relevância. No Atlântico Norte, as Relações Transatlânticas revestem-se de particular acuidade, designadamente no âmbito da NATO, que, em nosso entender, continua a fazer todo o sentido na medida em que uma das características mais relevantes do mundo actual é, como já foi mencionado anteriormente, a sua grande imprevisibilidade.

Muito embora a URSS tenha deixado de existir formalmente em dezembro de 1991, a Aliança Atlântica mantem a sua relevância na medida em que, entre outras coisas, o terrorismo transnacional, a ameaça da proliferação de armas de destruição maciça, o ambiente, a luta contra as pandemias, a cibersegurança, etc. são, entre outros, assuntos que merecem toda a atenção por parte dos países membros da NATO.

Por outro lado, a problemática relacionada com a Ucrânia ainda está muito longe de ser resolvida, tendo como consequência um aumento da tensão entre a Rússia e a Aliança Atlântica.

Neste contexto, não podemos deixar de referir as prioridades dos EUA no que diz respeito às Relações Transatlânticas e à NATO. No que concerne à primeira, as relações entre a nação norte-americana e a Europa nem sempre estiveram isentas de problemas e de dificuldades, sendo algumas delas recorrentes como, por exemplo, as relacionadas com o que se convencionou designar por burden-sharing e a problemática relacionada com a defesa da Europa.

Em termos gerais, podemos afirmar que as Administrações de Barack Obama e Donald Trump demonstraram ter um interesse limitado na Europa. As inconsistências do último, a sua rejeição do multilateralismo - que é a base das relações transatlânticas - e uma imprevisível política externa, reforçaram as fracturas entre os EUA e a Europa.

Acerca desta questão, gostaríamos de citar Ian Bond, membro do Center for European Reform: “physically, the Atlantic Ocean is getting wider - by about 20 cm a year. Politically, Europe and America risk splitting apart much more quickly. All is not lost, but nothing is won” (Bond, 2018).

Em contraste com o objectivo de Obama no que diz respeito ao comércio multilateral e ao processo de negociação relativamente ao Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), direcionado a eliminar tarifas aos bens industriais entre os EUA e a União Europeia, a Administração Trump adoptou uma política caracterizada por ser unilateral, mercantilista e errática relativamente ao comércio.

As relações transatlânticas nunca foram tão incertas como com a Administração Trump na medida em que as alterações que ocorriam no âmbito da política externa norte-americana eram muito significativas, facto que contribuiu para o agravamento das relações entre as duas margens do Atlântico Norte.

Em nosso entender, os assuntos mais relevantes no âmbito das Relações Transatlânticas na actualidade são os seguintes: o multilateralismo; a luta contra a COVID 19; as alterações climáticas; melhorar a economia e incentivar o comércio, assim como a necessidade de se ter em atenção as alterações de natureza digital e tecnológica.

No que diz respeito a Portugal, as relações com os EUA têm sido caracterizadas por uma grande cordialidade, muito embora, como é natural, tenha havido, esporadicamente, algumas dificuldades. Neste contexto, é importante fazer referência ao poder funcional do nosso país que assenta, pelo menos parcialmente, na imprevisibilidade das Relações Internacionais.

Portugal, como país membro da União Europeia e fundador da NATO, tem de ter em atenção o actual quadro das Relações Internacionais por forma a poder ter em conta as novas ameaças que se têm vindo a desenhar um pouco por todo o mundo.

Para a nação norte-americana, o papel dos Açores estava bem definido desde, pelo menos, 1994. A base das Lajes é então considerada uma “base chave” no que diz respeito à projeção de forças dos EUA para o Médio Oriente (Andrade, 2013).

No documento elaborado pelo U.S. General Accounting Office (1994) intitulado Strategic Mobility - Serious Problems remain in U.S. Deployment Capabilities, de Abril de 1994, das dezasseis bases consideradas essenciais pela Administração norte-americana a nível mundial, seis estão na Europa e uma delas é justamente a base das Lajes (Andrade, 2013).

Para os EUA, o acesso à base das Lajes resolve, na altura em que foi assinado o Acordo de Cooperação e Defesa de 1995, um problema grave face à necessidade de optimizar o reabastecimento aéreo e em terra e a colocação de material militar e tropas em tempo útil em diversos cenários previstos de conflito (Andrade, 2013).

O que nos parece essencial neste momento, e independentemente das divergências que existem entre a Europa e os EUA, é a manutenção do diálogo transatlântico, apesar dos EUA, desde alguns anos a esta parte, terem vindo a conceder uma maior atenção ao Pacífico por razões que não têm a ver apenas com aspectos de natureza geopolítica e geoestratégica, mas, também, comercial, económica e financeira. Desde logo, a necessidade de uma maior presença militar naquela região tendo como objectivo essencial a contenção da República Popular da China.

Por outro lado, o relacionamento entre as duas margens do Atlântico Norte esteve muito fragilizado ao longo da Administração de George W. Bush, tendo sido, muitas vezes, o unilateralismo a caracterizar a política externa dos EUA, o que teve como consequência o agravamento das relações transatlânticas, concretamente entre este país, por um lado, e a França, a Alemanha e a Rússia, por outro. É importante referir, neste contexto, que o que esteve na origem desses desentendimentos foi a intervenção militar norte-americana no Iraque, em março de 2003, que, do ponto de vista do Direito Internacional, foi ilegal, na medida em que não existiu, de facto, a aprovação de uma resolução clara e inequívoca emanada do Conselho de Segurança da ONU que concedesse legitimidade a essa intervenção (Andrade, 2017).

A Europa, por outro lado, tem vindo a tentar implementar a sua Política Externa e de Segurança Comum e, consequentemente, a sua Política Comum de Segurança e Defesa, o que, como é sabido, não tem sido tarefa fácil. E isto tem a ver com o facto de que as questões relacionadas com a defesa e a segurança dos Estados serem sempre perspetivadas de uma forma nacional, o que, obviamente, tem vindo a dificultar todo o processo.

Um outro aspecto que entendemos ser importante fazer referência, tem a ver com a globalização e com a tendência inequívoca no que diz respeito, por um lado, a uma reformulação das alianças e, por outro, ao surgimento de alguns países que têm vindo a assumir um papel mais relevante, a vários níveis, no âmbito da Comunidade Internacional, como, por exemplo, o Brasil, a Rússia a Índia, a República Popular da China e a África do Sul.

O papel que tem vindo a ser desempenhado pelos EUA ao longo de várias décadas, como o país líder do mundo ocidental, pode, a muito breve prazo, estar ameaçado pela República Popular da China. Relativamente a esta questão, Joseph Nye escreveu o seguinte: “No que diz respeito ao poder americano em relação à China, muito vai depender das incertezas das futuras alterações políticas. À parte tais incertezas políticas, a dimensão da China e o seu elevado ritmo de desenvolvimento económico irão, quase de certeza, aumentar a sua força relativa no que diz respeito aos EUA” (Nye, 2012).

O que se tem vindo a passar hoje em dia, resultado também da pandemia que estamos a viver, é a uma maior aproximação entre os EUA e a Europa e, por consequência, a uma revalorização estratégica do Atlântico no âmbito geopolítico, o que não sucedeu aquando da Presidência de Donald Trump.

Em todo este contexto, entendemos que é extremamente relevante haver uma maior articulação entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul. E é exactamente neste quadro geopolítico e geoestratégico que Portugal, em particular o arquipélago dos Açores, pode dar um contributo muito relevante. A tese defendida pelo Professor Adriano Moreira de que não pode haver segurança do Atlântico Norte se não houver segurança do Atlântico Sul não podia ser mais actual. Não nos podemos esquecer que a língua portuguesa é falada em ambas as margens do Atlântico Sul, conferindo ao nosso país um relevo muito significativo no âmbito da geopolítica.

Um outro aspecto que merece ser referido tem a ver com o papel que a Universidade dos Açores tem vindo a desenvolver ao longo das últimas décadas no que respeita ao estudo e à investigação no âmbito das Relações Internacionais e da Estratégia. A criação do Centro de Estudos de Relações Internacionais e Estratégia permitiu, por um lado, desenvolver a investigação e as consequentes publicações, no âmbito daquelas áreas do saber e, por outro, estabelecer e incrementar as relações entre a Universidade açoriana e muitas outras na Europa, na América do Norte e do Sul e em África, designadamente com Cabo Verde e Angola.

Por outro lado, a implementação de uma licenciatura em Estudos Europeus e Política Internacional, agora designada Estudos Euro-Atlânticos, assim como de um Mestrado em Relações Internacionais permitiu aprofundar, ainda mais, aqueles domínios do saber. A inserção do arquipélago dos Açores nas Relações Internacionais foi e continua a ser o objectivo mais importante a termos em consideração. Neste contexto, as Relações Transatlânticas desempenham, de facto, um papel da maior importância.

A localização geográfica dos Açores no Atlântico Norte, concedeu-lhe e concede-lhe uma importância geopolítica e geoestratégica que tem o seu início com os Descobrimentos portugueses no século XV.

Desde essa altura até hoje, foi evidente que as potências marítimas sempre demonstraram um interesse muito significativo por estas ilhas. Com o surgimento das armas nucleares e a bipolarização das Relações Internacionais durante o período da Guerra Fria, através nomeadamente da formação de dois pactos antagónicos de natureza militar - NATO e Pacto de Varsóvia - os Açores mantiveram, pelo menos em alguns aspectos, essa importância, proveniente da sua situação geográfica que originou e determinou o seu valor geopolítico e geoestratégico.

Não iremos abordar, de uma forma exaustiva, a problemática relacionada com as várias teorias geopolíticas e geoestratégicas. Realçaremos, apenas, alguns aspectos que nos merecem uma maior atenção acerca deste assunto que estamos a abordar (Andrade, 1992) e que têm a ver com a dialéctica entre as potências terrestres e as potências marítimas, consubstanciada nos trabalhos de, entre outros, Halford J. Mackinder (Heartland), Alfred Thayer Mahan (Poder Marítimo) e Nicholas John Spykman (Rimland).

Por outro lado, no mundo em que vivemos, resultante do final da Guerra Fria e com implicações de vária ordem que ainda é prematuro para percebermos na sua plenitude, somos da opinião de que a imprevisibilidade continua a ser uma das características mais importantes desta nova ordem (ou será desordem?) mundial na qual nos inserimos.

Samuel Huntington, por exemplo, falava-nos do choque de civilizações, como representando a tipologia dos conflitos que eventualmente poderiam ocorrer no futuro (Huntington, 1999). Muito embora possamos aceitar algumas das teses que aquele cientista político defendeu, somos da opinião de que a situação política internacional não pode ser vista apenas em termos de civilizações e dos seus eventuais choques. Existem, de facto, outros condicionalismos e variáveis que temos necessariamente de ter em consideração por forma a podermos entender, o mais correctamente possível, a complexa problemática internacional.

O ritmo acelerado da mudança da conjuntura internacional, a incerteza quanto ao carácter qualitativo dessas transformações e os factores de instabilidade potencial que ainda persistem a nível político, económico, social e militar, configuram novas incógnitas para a segurança.

Após o 25 de Abril de 1974, e a subsequente perda do império colonial, Portugal não tinha, em nosso entender, outra alternativa a não ser a sua adesão às então Comunidades Europeias, sob pena de voltar a isolar-se da vida da Europa e dos seus destinos.

Portugal encontra, pois, a ocidente, a profundidade que lhe falta do lado do continente graças ao seu prolongamento pelos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Podemos, por outro lado, afirmar que a profundidade atlântica nacional em geral, e dos Açores, em particular, constitui o principal elemento na relação com as potências navais e, a partir daí, na posição de Portugal no mundo desde o século XV (Andrade, 2013).

Foi evidente, desde muito cedo, a necessidade do nosso país se aliar à potência marítima dominante por forma a poder sobreviver como nação independente. A Aliança Luso-Britânica constitui um exemplo paradigmático dessa mesma necessidade, assim como, após o final da Segunda Guerra Mundial, o acordo de Cooperação e Defesa com os Estados Unidos da América, que ainda se mantém em vigor, independentemente das várias prorrogações que têm vindo a ocorrer ao longo do período que vai de 1995 até hoje.

Os Açores, nessa altura, assim como posteriormente, são percecionados como o elo transatlântico devido sobretudo ao seu posicionamento geoestratégico entre a Europa e os EUA. É importante referir, todavia, que para além dos aspectos de natureza geopolítica e geoestratégica, não podemos nem devemos esquecer as outras áreas potenciadoras de investigação como, por exemplo, os assuntos relacionados com o mar, o espaço, o clima, etc.

Trata-se, sem dúvida, de uma mais-valia muito grande para Portugal que deve ser cada vez mais potenciada e alargada a outros países, designadamente os Estados banhados pelo Oceano Atlântico, quer no hemisfério norte quer no sul.

Como, também, já foi referido, o arquipélago dos Açores está no ponto de articulação e fronteira entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul. E este aspecto é fundamental, na medida em que a segurança do Atlântico Norte está inevitavelmente ligada à segurança do Atlântico Sul. Por outro lado, a recente criação do Observatório do Atlântico vem consubstanciar a tese que temos vindo a defender ao longo deste trabalho e que tem a ver com a investigação científica em áreas como o mar, a atmosfera e as alterações climáticas, por exemplo.

Um outro aspecto importante a referir prende-se com o inestimável contributo que o arquipélago açoriano presta no que se refere concretamente à busca e salvamento no Atlântico Norte. O apoio logístico que se efectiva a partir da base das Lajes é, de facto, essencial. Por outro lado, como também já foi referido, a possibilidade de se investigar os assuntos relacionados com o mar e a atmosfera devem ser realçados.

3. Conclusão

Partilhamos da opinião expressa por Robert Kagan que a “futura ordem internacional será moldada por aqueles que tiverem o poder e a vontade colectiva para a configurar. A questão está em saber se as democracias do mundo se vão de novo erguer para enfrentarem tal repto” (Kagan, 2009).

A enorme incerteza com que nos confrontamos, designadamente com a pandemia de COVID 19, alterou radicalmente as vidas dos Estados assim como das pessoas. Como é evidente, o nosso país terá, de igual modo, de enfrentar os vários e sérios desafios na actualidade assim como no futuro próximo. No que diz respeito ao arquipélago dos Açores, reiteramos os principais objectivos que têm a ver com a exploração do mar, do espaço aéreo assim como com o estudo das alterações climáticas, entre outros. No entanto, manter-se-ão inalteradas as funções relacionadas com o seu papel no âmbito das Relações Transatlânticas e do relacionamento entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul.

Muito embora o Oceano Pacífico tenha vindo a adquirir uma importância crescente ao longo das últimas décadas, somos da opinião de que o Atlântico continua a ser muito relevante pelas razões previamente referidas. Por outro lado, não podemos esquecer os fortes laços que contribuem para fortalecer as relações transatlânticas, designadamente os que dizem respeito a valores como a democracia, a liberdade, a solidariedade, a subsidiariedade e o estado de direito, que representam, de facto, as características mais importantes das nossas sociedades pluralistas. Neste contexto, não podemos deixar de referir a matriz liberal da Ciência Política que, conjuntamente com a matriz institucionalista, estão na base da nossa matriz civilizacional.

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NotaPor vontade expressa do autor, este artigo não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

*Este estudo foi realizado no âmbito do projeto “Eurilhas - A Dimensão Insular da Europa e as ilhas na União Europeia: heteronomia, autonomia e subsoberania”, financiado pelo Governo Regional dos Açores (M1.1.C/C.S./001/2019/01). Salientamos que este texto foi elaborado previamente à intervenção militar russa na Ucrânia.

Recebido: 17 de Novembro de 2021; Aceito: 21 de Julho de 2022

LUÍS VIEIRA DE ANDRADE

É professor catedrático do Departamento de História, Filosofia e Artes da Universidade dos Açores. Leciona várias disciplinas no âmbito da Ciência Política, da Geopolítica e das Relações Internacionais nos cursos de licenciatura em Estudos Euro-Atlânticos e do Mestrado em Relações Internacionais da Universidade dos Açores. Tem vários livros e artigos publicados em Portugal e no estrangeiro. Lecionou em várias universidades portuguesas e estrangeiras. Foi Pró-reitor para as Relações Internacionais, Director do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais e do Centro de Estudos de Relações Internacionais e Estratégia da Universidade dos Açores. Foi adjunto do Ministro da República e assessor para as Relações Externas do Presidente do Governo Regional dos Açores. Foi o representante dos Açores na Comissão Bilateral Permanente do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA. Foi Presidente do Conselho de Ilha de São Miguel.

Is a full professor at the Department of History, Philosophy and Arts at the University of the Azores. He teaches several courses in the field of Political Science, Geopolitics and International Relations in the Bachelor's of Euro-Atlantic Studies and in the Master’s in International Relations at the University of the Azores. He has several books and articles published in Portugal and abroad. He has taught at several Portuguese and foreign universities. He was Pro-rector for International Relations, Director of the Department of History, Philosophy and Social Sciences and of the Center for Studies in International Relations and Strategy at the University of the Azores. He was deputy to the Minister of the Republic and advisor for External Relations to the President of the Regional Government of the Azores. He was the representative of the Azores in the Permanent Bilateral Commission of the Cooperation and Defense Agreement between Portugal and the USA. He was President of the São Miguel Island Council.

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