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Political Observer

versão impressa ISSN 2795-4757versão On-line ISSN 2795-4765

Political Observer vol.18  Lisboa dez. 2022  Epub 22-Maio-2023

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2022.18/pp.177-181 

Recensão 2

As Ilhas nas Relações Internacionais: Santa Maria (Açores) no Século XX 1 .

Henrique Cordeiro Fonseca* 
http://orcid.org/0000-0001-6557-8629

* Universidade dos Açores, Portugal


Monteiro, A. (2021). As Ilhas nas Relações Internacionais: Santa Maria (Açores) no Século XX. Lisboa: Lisbon International Press

Esta obra, um estudo detalhado sobre ilhas e espaços insulares, explora, através do caso concreto da ilha de Santa Maria, nos Açores, a importância que estes territórios têm para os Estados aos quais estão ligados, bem como a sua importância para o relacionamento entre Estados soberanos.

António Sousa Monteiro é atualmente estudante de doutoramento de História Moderna e Contemporânea no ISCTE-IUL. É licenciado em Estudos Europeus e Política Internacional pela Universidade dos Açores, onde também completou o mestrado em Relações Internacionais. Trabalhou na área do turismo e foi membro da Assembleia Municipal do concelho de Vila do Porto. Foi cofundador e é atualmente presidente da associação LPAZ - Associação para a Promoção e Valorização do Aeroporto de Santa Maria. Desde a sua passagem pela academia açoriana que tem focado a sua investigação nos Açores e na sua importância para o mundo, com particular interesse na ilha de Santa Maria e na sua ligação à aviação mundial.

A obra está dividida em três partes, sendo a terceira e maior quase totalmente dedicada à ilha de Santa Maria. O autor faz uma análise sobre a Nissologia, o estudo das ilhas, e disserta sobre os vários tipos de relações que estes territórios normalmente mantêm com as suas metrópoles. A primeira parte do livro procura contextualizar perante o leitor quais as características que definem as ilhas enquanto espaços geográficos e políticos, bem como apresentar uma análise do papel das ilhas e, mais especificamente, dos Açores, nas Relações Internacionais ao longo da História.

Desde a sua descoberta, os Açores sempre tiveram uma grande importância no Atlântico Norte. Numa primeira fase, a sua posição central nas rotas marítimas das potências ibéricas e, mais tarde, do norte da Europa, era a grande mais-valia daquele arquipélago. No século XIX, as telecomunicações deram uma nova importância aos Açores, uma vez que era ao largo daquelas ilhas que passavam vários cabos submarinos que ligavam a Europa e a América do Norte.

Numa fase mais tardia, com a invenção do avião, já no século XX, os Açores encontraram-se mais uma vez numa posição privilegiada, desta vez no que dizia respeito aos voos transatlânticos que, numa primeira fase, eram dominados pelos hidroaviões e dirigíveis. No entanto, foi com a Segunda Guerra Mundial que o potencial destas ilhas na área da aviação se tornou evidente, facto que ficou comprovado com a permissão por parte do governo português, primeiro ao Reino Unido e, mais tarde, aos Estados Unidos (EUA), para a utilização de zonas das ilhas Terceira e Santa Maria, respetivamente, para a construção e utilização de bases aéreas para auxiliarem o esforço de guerra no Atlântico Norte. O autor faz questão de sublinhar que, de acordo com Medeiros Ferreira, as autoridades portuguesas da época não encaravam a questão da defesa dos Açores como um todo, mas sim ilha a ilha, uma vez que só era reconhecida importância estratégica às ilhas de São Miguel, Terceira e Faial, estando as restantes seis desguarnecidas.

É importante sublinhar que a importância das ilhas açorianas não tinha passado despercebida a nenhuma das partes em conflito. Tanto os alemães como os Aliados tinham planos para ocupar os Açores pela força, caso tivessem de recorrer a esses meios. Roosevelt, o Presidente dos Estados Unidos, chega mesmo a comparar a importância dos Açores para a segurança americana no Atlântico Norte com aquela que o Havai tem no Pacífico. O domínio sobre ilhas e/ou territórios-chave um pouco por todo o globo, de forma a controlar e negar acesso a essas áreas aos seus rivais e inimigos, foi a estratégia seguida pelas duas grandes potências navais da História: o Reino Unido e, numa fase mais tardia, os EUA. É, por isso, possível dizer-se que a Segunda Guerra Mundial foi, também, um confronto entre uma potência que pretendia seguir os princípios da teoria geoestratégica do domínio do heartland (a Alemanha) e os aliados ocidentais, que atuavam conforme a teoria da Mahan (A Influência do Poder Naval sobre a História). Assim sendo, e reconhecendo a importância do domínio dos mares para alcançar a vitória, é evidente o interesse dos Aliados nos Açores.

A segunda parte da obra é dedicada à caracterização da ilha de Santa Maria. António Monteiro faz um retrato e uma análise muito detalhados sobre vários aspetos daquela ilha açoriana, desde a sua população e emigração, passando pela História de Santa Maria, pela sua organização política ao longo do tempo, e por dados mais científicos, como o clima e geomorfologia da ilha. Neste capítulo, é interessante verificar que, nos vários relatos de estrangeiros por lá passaram ao longo do século XIX, é muitas vezes feita referência ao facto de a ilha ser negligenciada pelas autoridades portuguesas em termos de investimento e infraestrutura.

A terceira parte do livro, que é também a parte principal, é focada na ilha de Santa Maria durante aquele que o autor define como o “Século da Aviação”. Apesar de algumas ilhas dos Açores já terem servido de base e ponto de passagem para aviação comercial e militar antes, durante, e depois da Primeira Guerra Mundial, foi no final da década de 20, em 1929, que a primeira aeronave sobrevoou os céus daquela ilha: o Zepelim alemão Graff Zeppelin, que ia em direção aos EUA. Foi também nesse ano que começaram as primeiras prospeções naquela ilha no sentido de iniciar a construção de um aeródromo. No entanto, até ao início dos anos 40, por razões de vária ordem, nada se concretizou. O autor sublinha que Santa Maria, tal como a maioria das ilhas açorianas, nunca fora alvo de grande atenção por parte das autoridades portuguesas no que diz respeito, por exemplo, à construção de infraestruturas, uma vez que a prioridade era dada ao Faial, São Miguel e Terceira.

Foi apenas durante a Segunda Guerra Mundial que os destinos da ilha de Santa Maria e o mundo da aviação se cruzaram verdadeiramente. Após a autorização dada aos britânicos para se instalarem nas Lajes, na ilha Terceira, os EUA fizeram um pedido semelhante ao governo português. Curiosamente, Salazar não aceitou conceder autorização direta para o estabelecimento de uma base norte-americana em Santa Maria; foi apenas concedida autorização para a construção, por parte de uma empresa civil, de um Aeroporto Internacional de Santa Maria, cujas condições de utilização por parte dos norte-americanos seriam posteriormente discutidas. O acordo foi finalmente fechado em 1944 e, segundo este, em troca da permissão para construir e utilizar um “campo de aviação” naquela ilha, os norte-americanos comprometeram-se com a devolução a Portugal de Timor-Leste, que havia sido ocupado pelo Japão durante a guerra. É importante referir que foram os EUA que escolheram Santa Maria para a sua base, principalmente devido às boas condições que a ilha apresentava para a construção de uma base aérea, base esta que foi inaugurada em julho de 1945, já nos últimos meses da guerra.

A parte final do terceiro capítulo dedica-se ao período do pós-guerra e à segunda metade do século XX. Com o final da guerra, foi decidido que o aeroporto de Santa Maria deixaria de ser uma base militar, passando a ser um aeroporto civil. Em 1946, o aeroporto de Santa Maria é transferido para as autoridades portuguesas pelas norte-americanas, e é também nesse ano que aterra o primeiro voo comercial naquela ilha. Sublinhe-se que não interessava às autoridades portuguesas continuar a ter uma presença militar estrangeira tão acentuada numa ilha de dimensão geográfica e populacional tão reduzidas, pois havia o receio que tal poderia transformar a ilha de forma permanente. Assim, era preferível transferir as capacidades militares dos EUA para a ilha Terceira, onde poderiam ser supervisionadas de forma mais fácil pelas Forças Armadas Portuguesas. Estas são as principais razões dadas por vários autores e investigadores para ajudar a explicar a transferência das forças norte-americanas para a base das Lajes.

Durante a segunda metade do século XX, o Aeroporto de Santa Maria foi, em simultâneo, um veículo de desenvolvimento económico para a ilha, mas também a porta de saída para muitos açorianos para a emigração. António Monteiro nota que, devido aos fatores explorados na obra, a população mariense foi aquela que, per capita, mais habitantes perdeu para a emigração durante aquelas décadas.

Na conclusão, o autor reforça o papel determinante que Santa Maria teve na aproximação das duas margens do Atlântico Norte através das suas capacidades aeroportuárias, que também ajudaram a cimentar os Açores como um todo enquanto território determinante para a aviação na segunda metade do século XX. Aquela ilha foi, também, uma importante peça para as Relações Internacionais no espaço transatlântico, visto que esteve no centro de várias discussões e decisões diplomáticas ao mais alto nível entre Portugal e os EUA e o Reino Unido.

É uma obra de extremo interesse para o público em geral, mas especialmente para quem se dedica ao estudo da geopolítica, geoestratégia e, sobretudo, à aviação. O livro oferece uma perspetiva diversa e única sobre todos estes tópicos, principalmente se tivermos em conta que o foco está na ilha de Santa Maria. António Medeiros explora ao detalhe tópicos que, embora constem do conhecimento comum, nunca são verdadeiramente aprofundados. É, por isso, muito importante incentivar a pesquisa e escrita de mais obras como esta nos Açores.

Referências

1. Monteiro A. (2021). As Ilhas nas Relações Internacionais: Santa Maria (Açores) no Século XX. Lisboa: Lisbon International Press, 268 pp. [ Links ]

1Este estudo foi realizado no âmbito do projeto “Eurilhas - A Dimensão Insular da Europa e as ilhas na União Europeia: heteronomia, autonomia e subsoberania”, financiado pelo Governo Regional dos Açores (M1.1.C/C.S./001/2019/01).

Recebido: 26 de Julho de 2022; Aceito: 12 de Outubro de 2022

HENRIQUE CORDEIRO FONSECA

É Mestre em Relações Internacionais pela Universidade dos Açores. Também é Mestre em Estudos Europeus Interdisciplinares pelo Colégio da Europa, Campus de Varsóvia, e é licenciado em Estudos Europeus e Política Internacional pela Universidade dos Açores. Atualmente, trabalha no Parlamento Europeu, em Bruxelas. Já trabalhou na Frontex - Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, e no Citibank Europe, ambos em Varsóvia. Recebeu o "Prémio Parlamento Europeu", atribuído pelo gabinete da antiga Eurodeputada Sofia Ribeiro, em julho de 2017. Em 2016, recebeu a Bolsa "José Medeiros Ferreira", atribuída de forma anual a um aluno da Região Autónoma dos Açores.

Has a Master’s Degree in International Relations and a Bachelor’s Degree in European Studies and International Relations, both from the University of the Azores. Additionally, he also has a Master’s Degree in European Interdisciplinary Studies from the College of Europe. Currently, he works at the European Parliament, in Brussels. He has worked at Frontex, the European Border and Coast Guard Agency, as well as at Citibank Europe, both in Warsaw. He was awarded the “European Parliament Prize” by the office of former Member of the European Parliament, Sofia Ribeiro, in 2017. In 2016, he received the “José Medeiros Ferreira” Scholarship, awarded by the Government of the Azores.

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