SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18As Ilhas nas Relações Internacionais: Santa Maria (Açores) no Século XX 1 . índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Political Observer

versão impressa ISSN 2795-4757versão On-line ISSN 2795-4765

Political Observer vol.18  Lisboa dez. 2022  Epub 22-Maio-2023

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2022.17/pp.183-187 

Recensão

JOÃO BOSCO MOTA AMARAL - FOTOBIOGRAFIA

José Luís Brandão da Luz* 
http://orcid.org/0000-0002-8425-8505

* Centro de Estudos Humanísticos, Universidade dos Açores, Portugal.


Bastos, L. (2021). João Bosco Mota Amaral - Fotobiografia. Ponta Delgada: Letras Lavadas

João Bosco Mota Amaral - Fotobiografia apresenta, em sucessivos quadros, a intervenção política do Doutor Mota Amaral antes e depois da revolução de abril, sempre nas mais altas funções do Estado, ao serviço dos Açores e de Portugal. Um amplo e bem comedido conjunto de elementos iconográficos e textuais permitem acompanhar, desde muito cedo, a formação de um ideal de intervenção política para os Açores, como uma região una e autónoma a reclamar atenção particular, e a realização desse projeto por meio da ação governativa, bem como a sua inscrição no contexto constitucional e no mapa das organizações da União Europeia.

Tomando por base o arquivo do Doutor Mota Amaral, depositado na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, Luís Bastos começa por atender ao ambiente familiar e à formação inicial, em Ponta Delgada, detendo-se, depois, no período que se iniciou após a formação na Faculdade de Direito. Nele sobressai a chefia da redação da revista de cultura portuguesa Rumo e as funções de deputado da Assembleia Nacional, onde se distinguiu como membro do grupo que, no hemiciclo de S. Bento, deu corpo à denominada “Ala Liberal”. Um artigo da Rumo, de dezembro de 1967, «Os Açores perante a nação», serve ao jovem João Bosco para expor uma linha de pensamento e de compromisso com as questões sociais. Nele punha em evidência a asfixia provocada por uma economia assente no sector primário e agravada pela excessiva concentração da propriedade das terras, que «em algumas ilhas atingem extremos escandalosos». Muitos açorianos fugiam «em torrente» por não conseguirem «alcançar com o seu trabalho o mínimo de bem-estar compatível com a dignidade humana», ficando depois sujeitos a uma reprovável política de emigração imposta pelo governo.

As eleições para a Assembleia Nacional, realizadas em 1969 sob as expectativas geradas pelo desanuviamento da “primavera marcelista”, surgiram como uma ocasião propícia para intervir no combate para tirar as ilhas do esquecimento e, ao mesmo tempo, para conferir ao regime um rumo democrático, segundo o modelo adotado pelos países da Europa do pós-guerra. Os sinais de abertura estimularam Mota Amaral e outras personalidades no país a candidatarem-se como independentes nas listas do partido único do governo. A nota curricular de apresentação do jovem candidato faz menção de enunciar a sua posição a favor de «uma forma democrática de governo, assente no respeito dos direitos e garantias individuais», e fala também na «urgência de uma reforma social, que assegure igualdade de oportunidades a todos os cidadãos». Estes propósitos são formulados de forma mais analítica no «Manifesto Eleitoral» dos candidatos pelo círculo de Ponta Delgada, que se dispõem a: promover o direito universal de voto, rever e alterar a constituição, com vista à repartição dos poderes do Estado, abolir a censura prévia à imprensa, limitar os poderes da polícia política, instaurar a liberdade sindical, legalizar os partidos políticos, para além de preconizarem reformas de teor social que fizessem face às insuficiências que mergulhavam o país em profundos contrastes.

O livro dá conta de diversas intervenções, na qualidade de deputado, em defesa dos interesses regionais e concede ainda particular relevo aos trabalhos de revisão da Constituição de 1933, efetuados no seio do grupo liberal em que pontificava Sá Carneiro, mas também Pinto Balsemão, Magalhães Mota, Pinto Leite e Miller Guerra. Tratou-se de uma acesa luta pela liberdade e pela democratização política do país, travada e entravada na Assembleia Nacional, em 1970, que também visava a sua abertura à Europa. A iniciativa suscitou forte oposição dos deputados do regime, que a inviabilizaram, mas não deixou de corroer o monolitismo reinante, abrindo caminho ao 25 de Abril de 1974.

A estrutura política dos Açores encontrava-se perfeitamente delineada e amadurecida quando, no projeto de revisão da constituição a que aludimos, o deputado açoriano propõe definir o Estado Português com «regiões autónomas com organização política e administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do respetivo meio social». Será, pois, natural que após a revolução dos cravos, Mota Amaral sobressaísse como uma personalidade amadurecida e acreditada para aglutinar iniciativas que iriam lançar as bases da estrutura democrática da sociedade açoriana, desde logo, com a criação do então PPD Açoriano, em ligação com o mesmo movimento liderado a nível nacional por Francisco Sá Carneiro, e a sua eleição, pelos Açores, para a Assembleia Constituinte. Diversas fotografias e documentos dão conta destes momentos fundacionais, com especial realce para as visitas efetuadas por Sá Carneiro aos Açores e a apresentação de propostas a defenderem uma ideia de autonomia global, com um governo unitário dos Açores e a traçarem os primeiros esboços do seu travejamento político. Uma significativa documentação recorda a atuação do PPD/A na luta contra os extremismos das forças esquerdistas que faziam perigar as liberdades, designadamente, as manifestações contra as derivas do governo de Vasco Gonçalves realizadas a 17 de Novembro de 1975 e, antes, a 6 de Junho desse mesmo ano, com as tomadas de posição contra as prisões arbitrárias que ocorreram na altura. Um lugar especial é reservado às vicissitudes dos trabalhos da Assembleia Constituinte, não somente o sequestro de que foi alvo, em Novembro de 1975, mas à redação do título VIII do texto constitucional referente às regiões autónomas dos Açores e Madeira, nomeadamente os esforços para recuperar o projeto inicial apresentado pelo PSD, alvo de profundas restrições.

O livro também dedica ampla atenção ao processo de redação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, assim como à intensa atividade de doutrinação e difusão junto da opinião pública, em que o Doutor Mota Amaral, numa série de artigos no Diário dos Açores, dava a conhecer a nova configuração que se projetava para o autogoverno da Região. Procurava assim aproximar a população do processo de gestação da nova ordem política que estava a ser construída, apresentando-a como um projeto vital para o futuro dos açorianos. Era uma nova forma de fazer política, em proximidade com a população e apelando ao seu envolvimento.

Uma profusão de fotografias relativas a visitas dos dirigentes políticos de antes de Abril espelha a ruralidade e o atraso da sociedade de então, e muitas outras dão testemunho da projeção externa dos Açores, nas Américas, junto das comunidades e ao mais alto nível, em que o presidente do governo dos Açores passou a integrar de forma destacada as comitivas das visitas de Estado aos países de emigração açoriana. A afirmação nacional e internacional da autonomia foi essencial para ultrapassar desconfianças e resistências que assaltavam muitos quadrantes políticos e personalidades influentes, em grande parte pela sua inusitada novidade. Luís Bastos, na Fotobiografia, não deixou passar em claro toda esta dialética de afirmações, recuos e hesitações, não para lançar recriminações ou acertar contas com quem esteve do lado das reticências, mas tão-somente para apurar quem esteve sempre à frente, na liderança do processo.

O modelo autonómico ostentava uma arriscada novidade para um país habituado a um estilo de governação de forte concentração do poder. Não deixava de ser visto como uma ameaça desagregadora, principalmente para todos aqueles que desconheciam a realidade das ilhas e nunca tinham vivido por dentro ou, ao menos, refletido nas dificuldades que imobilizavam o seu desenvolvimento. Daí a importância das insistentes diligências junto dos atores políticos para desconstruir as conotações separatistas que a contaminavam, dando a conhecer a realidade insular e apresentando a autonomia como fator de desenvolvimento de uma região que via o seu futuro sempre adiado.

Em termos globais, a Fotobiografia de João Bosco Mota Amaral conta a história de quem encontrou na revolução de abril o momento oportuno para dar corpo a uma ideia que se encontrava profundamente amadurecida e até partilhada com os protagonistas da Ala Liberal que se envolveram no projeto da revisão da Constituição de 1933 e que, como todos sabemos, desempenharam depois um protagonismo fundamental no Portugal democrático. Mas conta também os primeiros avanços de uma experiência de governo dos Açores em que foi necessário definir os poderes a exercer pela Região, enfrentar as dificuldades da transferência de competências e de serviços de Lisboa para os Açores e atender ao clamor de todo um Arquipélago mal equipado em termos de infraestruturas económicas e sociais, de economia arcaica e sistemas rudimentares de saúde e educação.

Após reservar um lugar especial às relações com a Região Autónoma da Madeira, muito marcadas pela realização anual das Cimeiras Insulares, os últimos capítulos, aludem de forma circunstanciada à ação política do Doutor João Bosco como deputado na Assembleia da República, designadamente a sua participação, em 1997, na revisão da Constituição e do Estatuto Político-Administrativo dos Açores. O livro recorda ainda a série de crónicas no Diário de Notícias, de 1995 a 2002, em que o então deputado enuncia um programa de reformas necessárias para o parlamento recuperar prestígio e centralidade no panorama das instituições políticas do país. Quando em 10 de Abril de 2002 é eleito Presidente da Assembleia da República, o Doutor Mota Amaral não se encontrava desprevenido para o exercício das funções, e por isso pôde afirmar no discurso de tomada de posse que não iria simplesmente ocupar um lugar mas que trazia uma agenda para cumprir. A marca da sua passagem pelo parlamento deixou-a em várias iniciativas, de que destacamos a informatização dos serviços, com a introdução do voto eletrónico; a maior participação do governo nas sessões plenárias e nas comissões; o envolvimento do parlamento na política externa do Estado.

Na presente Fotobiografia, Luís Bastos dá-nos a visão panorâmica de uma trajetória política alimentada pelo pensamento e concretizada na ação, que é o terreno em que se jogam todas as decisões. Trata-se, pois, de um precioso guia para aquilatar quanto o Doutor João Bosco Mota Amaral, no exercício do poder, quer legislativo quer executivo, soube dar expressão ao que as pessoas comuns reclamam do político: clarividência de convicções, firmeza na atuação, rigor e honestidade pessoal, sobriedade e atenção aos outros. Luís Bastos mostra-nos nesta sua Fotobiografia a alta figura do Doutor João Bosco Mota Amaral como detentora destes predicados que fizeram dele um político que não fazia concessões à demagogia e à política-espetáculo. Distinguiu-se, antes, por ter sempre encarado a política como um mandato que o povo lhe confiava, em muitas e sucessivas eleições, e a quem procurou corresponder, com talento e discernimento, cumprindo um devotado serviço à República, que marcou a “política com o sinal mais”.

Referências

1. Bastos L. (2021). João Bosco Mota Amaral - Fotobiografia. Ponta Delgada: Letras Lavadas, 336 pp. [ Links ]

Recebido: 05 de Setembro de 2022; Aceito: 14 de Novembro de 2022

JOSÉ LUÍS BRANDÃO DA LUZ

É professor catedrático aposentado da Universidade dos Açores, onde foi vice-reitor. Licenciado e doutorado em Filosofia, tem publicado trabalhos no âmbito da epistemologia e filosofia em Portugal, designadamente os livros: Os Açores na Filosofia e na Cultura. Estudos II (2022), Os Açores na Filosofia e nas Ciências. Estudos I (2018), Introdução à Epistemologia (2002), Jean Piaget e o Sujeito do Conhecimento (1994). Colabora na publicação da obra Redenção e Escatologia: Estudos de Filosofia, Religião, Literatura e Arte na Cultura Portuguesa, da Universidade Católica, tendo também participado em outras obras coletivas, como a História do Pensamento Filosófico Português, do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, o Dicionário de Filosofia de Educação, da Universidade do Porto, a Enciclopédia Logos, da Editora Verbo, e a Enciclopédia Açoriana, do Governo dos Açores. Integra organizações científicas, como a Academia das Ciências de Lisboa, o Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e o Instituto Cultural de Ponta Delgada.

Is a retired full professor at the University of the Azores, where he was vice-rector. Graduated and PhD in Philosophy, he has published works in the field of epistemology and philosophy in Portugal, namely the books: The Azores in Philosophy and Culture. Studies II (2022); The Azores in Philosophy and Science. Studies I (2018); Introduction to Epistemology (2002); Jean Piaget and the Subject of Knowledge (1994). He collaborates in the publication of the work Redemption and Eschatology: Studies of Philosophy, Religion, Literature and Art in Portuguese Culture, from the Catholic University, having also participated in other collective works, such as the History of Portuguese Philosophical Thought, from the Philosophy Center of the University of Lisbon, the Dictionary of Philosophy of Education, from the University of Porto, the Logos Encyclopedia, from Editora Verbo, and the Azorean Encyclopedia, from the Government of the Azores. He integrates scientific organizations, such as the Academy of Sciences of Lisbon, the Institute of Luso-Brazilian Philosophy and the Cultural Institute of Ponta Delgada.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons