1. INTRODUÇÃO
Como habitantes de um mesmo planeta, as alterações ambientais globais têm posto sob pressão a nossa natureza e a natureza não humana. Os impactos da ação humana originaram o fim do Holoceno e o início do Antropoceno (Crutzen, 2002; Steffen et al., 2004; Zalasiewicz et al., 2008), entendido como a “época do começo da nossa autodestruição, bem como da autodestruição da vida na face da Terra” (Gadotti, 2000, p. 31). Na verdade, os alertas da Terra são visíveis no efeito de estufa, na subida do nível das águas dos oceanos, no degelo dos glaciares, nas catástrofes naturais, na extinção de espécies, na destruição dos recursos naturais. E tem provocado desfechos dramáticos para a humanidade, com o agravamento da pobreza pela desigualdade de acesso a bens, no efeito nefasto que tem tido na saúde pública, com o aparecimento de doenças e vírus e o aumento dos refugiados ambientais (Bates, 2002). Emerge a necessidade de se estabilizar a “integridade da biosfera” (Artaxo, 2014, p. 21), apoiada numa justiça ambiental que equilibra a relação entre humanos e não humanos (Rios, et al., 2021; Shotwell, 2016; Martin et al. 2020).
No mundo atual, cuja sobrevivência implica agir para a sustentabilidade, escasseiam as oportunidades de interação com a natureza, dada a progressiva desconexão das pessoas com a natureza, justificada pela “globalização do terrorismo” (Malone, 2008, p. 515), pela consequente cultura do medo, pela fragilidade e pelo protecionismo associados à infância (Furedi, 2002). Também o êxodo rural e a concentração urbana da população alteraram a configuração da escola (Pires, 1994) e das cidades, tornando escassos os espaços verdes (Malone, 2007; Wilson, 1996), homogeneizados pela globalização e pela urbanização (Ignatieva et al., 2015, p. 383). Não obstante, a fruição regular dos parques naturais que existem nos meios urbanos é saudável, pessoal e socialmente, e “uma maneira de viver e tornar a vida na cidade habitável” (Nordh et al., 2016, p. 853). No entanto, a ausência de contacto com espaços naturais pode criar imagens cognitivas e fictícias, que substituem o mundo real e natural (Hacking et al., 2007) e levam a sentir a natureza como algo alheio, desconhecido, selvagem e até perigoso (Adams & Savahl, 2015; Rios & Menezes, 2017; Wilson, 1996). Neste contexto, a Educação Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável (EADS) ganha centralidade enquanto objetivo da educação formal, não formal e informal ao potenciar uma cidadania ambiental assente na agência de crianças e jovens e consciente da urgência dos problemas ambientais (Hadjichambis & Reis, 2020; Heggen et al., 2019; Kopnina, 2012). Por isso, urge investigar o impacto diferencial de conceções de EADS e o potencial de dispositivos participativos na promoção da cidadania ambiental de crianças e jovens.
2. DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL À EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O primeiro encontro formal para discutir os problemas ambientais ocorreu em 1972, na Conferência das Nações Unidas em Estocolmo; pouco depois, a educação ambiental (EA) foi formalizada e reconhecida internacionalmente na Carta de Belgrado, com vista a uma maior conscientização e envolvimento na resolução e prevenção de problemas ambientais (UNESCO, 1975), e integrada num programa internacional na Conferência de Tbilissi (1977). Nessa altura, Arthur Lucas (1979) defende que as abordagens de EA podem ser distintas quanto às suas práticas, objetivos e métodos pedagógicos: mais cognitiva, quando orientada para conhecimentos “sobre o ambiente”; mais afetiva, sensorial e exploratória quando ocorre “no ambiente” natural; e mais ativa e participativa, com a finalidade de agir “para o ambiente” presente e futuro.
As “exigências económicas” e as “preocupações sociais” colocaram as questões ambientais na agenda política, com um reconhecimento do “impacto dos sistemas económicos, sociais e políticos no ambiente natural” (Schmidt et al., 2010, pp. 59-62). Na Conferência da ONU Rio-92, a Agenda 21 proporia uma substituição da EA pela “educação para o desenvolvimento sustentável” (EDS), contemplando as questões ambientais, sociais e económicas. Mais recentemente, a Agenda 2030 (United Nations, 2015) assume a EDS como crucial na educação de crianças e de jovens, entendidos como agentes “críticos de mudança na criação de um mundo melhor”.
O conceito de sustentabilidade remete para uma conceção do ambiente como um sistema interligado com implicações a nível “económico, político, social, cultural, tecnológico e ambiental” (Tilbury, et al., 2002, p. 10). Na esteira de Lucas (1979), Daniela Tilbury (1995) defende a integração das três abordagens de EA – “sobre”, “no” e “para o ambiente” –, para a promoção de uma aprendizagem consciente, com a aquisição de conhecimentos, valores, preocupações e responsabilidades a partir da ação. Também Green et al. (2015, p. 11) consideram que a abordagem no ambiente permite adquirir “confiança na natureza” e “autonomia espacial”, o que irá facilitar a consolidação de conhecimentos que fundamentam as “competências ambientais” que, por sua vez, irão ser fundamentais para se “agir ambientalmente”, e de forma mais consciente, para um futuro sustentável.
A implementação da EADS em Portugal seguiu a par destas resoluções internacionais com a Direção-Geral de Educação (DGE) a patrocinar, desde 1996, o programa “eco-escolas”. Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho, incluiu a EADS na área da formação para a cidadania como tema transversal, desde a educação pré-escolar ao ensino secundário. O “Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade” (2018) vem destacar o trabalho de projetos e iniciativas ambientais. Mais recentemente, o Conselho Nacional de Educação aprovou uma recomendação sobre educação ambiental em que salienta a importância do “desenvolvimento de uma consciência ambiental cada vez mais abrangente” (Menezes, Reis & Resende, 2019, p. 1), defende uma “abordagem interdisciplinar, colaborativa e sistémica” (p. 2) e uma EADS com “projetos de ação, em ligação com a realidade concreta”, implicando a “ação coletiva” (p. 3) com parceiros na comunidade local. Ou seja, a dimensão da ação na comunidade tem vindo a ser reforçada também nos documentos orientadores a nível nacional.
Em Portugal, há escolas que promovem a EADS através de programas e pedagogias diferentes, tais como as eco-escolas, as escolas Waldorf, Krishnamurti, escola da floresta e play based learning. O programa das eco-escolas é o mais comum em escolas públicas e privadas, pois é o programa sugerido pela Direção-Geral de Educação (DGE) para trabalhar a EADS desde o pré-escolar até ao secundário. Insere-se no âmbito da política de educação para a cidadania. Tem uma abordagem interdisciplinar, uma planificação anual e um foco em atividades de sustentabilidade global e local – com participação em projetos com parceiros da comunidade. Há informações e orientações para implementar o programa, e as pessoas envolvidas recebem ações de formação da coordenação do programa.
No entanto, há outras pedagogias que põem em prática a EADS. A pedagogia Waldorf é alicerçada na filosofia de Rudolf Steiner (1997) e tem uma abordagem holística, que contempla o desenvolvimento intelectual, espiritual, físico e artístico da criança. A natureza é o ambiente educativo de eleição e os espaços interiores e os materiais lúdicos e didáticos são maioritariamente compostos por elementos naturais (por exemplo, cera de abelha, lã, madeira...). Visa uma educação livre, formando crianças socialmente competentes e moralmente responsáveis. As suas práticas estimulam (i) conhecimentos para a saúde do corpo, da alma e do espírito, (ii) experiências reais e sensoriais que fomentam a conexão com a natureza, (iii) a criatividade e a imaginação e (iv) o acesso ao património cultural (Steiner, 1997; Uhrmacher, 1995).
Outro exemplo são as escolas da floresta. Este modelo de educação ambiental tem sido desenvolvido em Portugal pela Associação Escola da Floresta desde 2017. Este é um modelo de educação ao ar livre, que surgiu no Reino Unido como uma adaptação da educação ao ar livre da Escandinávia (Cree & McCree, 2012). O seu contexto educacional são bosques, florestas, pinhais e matas. Visa promover o desenvolvimento emocional, pessoal, cognitivo e motor, com o objetivo de trabalhar a autoestima, a autoconfiança, a independência, a educação ambiental, a resiliência e a abordagem educativa do tipo risk-taking – os riscos de estar ao ar livre na natureza. Também contempla o “estilo de aprendizagem” VAK (visão, audição e cinestesia) que promove a escolha e a utilização do “estilo dominante” dos/as alunos/as (Maynard, 2007).
As escolas Krishnamurti foram fundadas na Índia pelo filósofo Jiddu Krishnamurti, tendo-se depois disseminado por outros países. Esta filosofia assume o compromisso de promover uma sociedade melhor e de proteger o património natural e local. A sua abordagem educativa é holística, contemplando especificidades do ser individual, tais como a conquista da capacidade de favorecer a tranquilidade, de trabalhar coletivamente e da reflexão individual, e o conhecimento e as discussões sobre temas da vida real. Os currículos contemplam três formas de aprendizagem: pelos conhecimentos contidos em livros; pelo contacto com o mundo real e natural; e também pela cultura do mundo interior de cada um (Tapan, 2001).
A pedagogia play based learning é, desde 2000, recomendada em currículos de educação de infância de vários países; em Portugal, tem vindo a ser posta em prática por escolas com educação ao ar livre. Baseia-se em brincadeiras de educação ambiental de três tipos: livres, orientadas e abertas (mas com materiais sugestivos). As suas práticas educativas promovem a ação para a construção de conhecimento, pela exploração, experimentação e descoberta. Valorizam as interações entre crianças e também com as pessoas educadoras (Cutter-Mackenzie & Edwards, 2013; Danniels & Pyle, 2018).
Mas há que reconhecer a natureza contestada da EADS, com fragilidades “especialmente de natureza conceitual, ética e cultural” (Zakrzevski, 2004, p. 82), arriscando que “a educação seja apenas um mero instrumento para se alcançar o desenvolvimento doutrinário” (p. 83). Isto pode fortalecer as tendências de instrumentalizar a EADS e de “promover um certo tipo de cidadania, particularmente aquela que serve, ou pelo menos não questiona, uma agenda neoliberal” (Jickling & Wals, 2008, p. 4). Estes riscos são ainda mais salientes em abordagens educacionais acríticas e despolitizadas.
Não surpreende, assim, o realce dado pela investigação a projetos que fomentem a promoção da cidadania ambiental (Hadjichambis & Reis, 2020; Asah et al. 2018; Monte & Reis, 2021), que promovam a construção do “eu ecológico” (Wilson, 1996), do sentido de comunidade (Mayer & Frantz, 2004; Adams & Savahl, 2015) e de competências de literacia ambiental (Gruenewald, 2003; Malone, 2007) desafiantes de conceções antropocêntricas da natureza (Almeida, 2005; Hwang, 2009), implicando as crianças e os jovens em experiências reais e na resolução de problemas reais (Breiting, et al., 2006; Maynard, 2007; Tapan, 2001; Uhrmacher, 1995) e promovendo a adoção de práticas sustentáveis na esfera privada e na esfera pública, com implicações locais e globais (Boeve-de-Pauw & Petegem, 2013; Mackey, 2012; Williams & Brown, 2012; Malone, 2008). Mais recentemente, a investigação tem-se focado nos movimentos de ativismo juvenil pela ação climática, pelo reconhecimento da agência juvenil na educação e na sociedade em favor da justiça intergeracional, social e ambiental (Biswas, 2021; Biswas & Mattheis, 2021; Budziszewska & Głód, 2021; Rios, Neilson & Menezes, 2021).
3. MÉTODO
Tendo em conta a investigação que sustenta o nosso argumento teórico, consideramos pertinente perceber a relação entre as conceções e práticas de EADS das pessoas educadoras e o papel das crianças e jovens na EADS. Nesse sentido, este estudo foca-se em aprofundar estas questões com um estudo de casos múltiplos de cariz exploratório e de natureza interpretativa (Taylor & Medina, 2013). O método implica interação entre a pessoa investigadora no terreno e as pessoas participantes, para “que se construa confiança e relatos autênticos” sobre a EADS que implementam nas suas escolas (Taylor & Medina, 2013, p. 4, tradução nossa). Assim, os contextos selecionados foram escolas com práticas educativas ambientais, ou seja, com ecopedagogias e programas com uma forte componente de educação ambiental, valores de sensibilização ambiental e filosofias que estão em harmonia com a natureza.
Por forma a assegurar as questões éticas antes da entrada no terreno, foi previamente pedida autorização à direção das escolas e o consentimento informado às educadoras de EADS que participaram. Nesse consentimento, foi dado a conhecer a investigação e pedida a confirmação da sua colaboração, sendo assegurado o anonimato dos dados.
Também foi previamente preparado o guião de entrevista semiestruturada para ser realizada com pessoas educadoras com responsabilidade pela implementação da EADS. O guião da entrevista semiestruturada “define e regista, numa ordem lógica para o entrevistador, o essencial do que se pretende obter, embora, na interação, se venha a dar uma grande liberdade de resposta ao entrevistado” (Amado, 2013, p. 208). Foi, por isso, organizado em diferentes blocos com perguntas abertas: um bloco introdutório com dados pessoais e formação académica das entrevistadas; um bloco para conhecer a origem do interesse pela EADS e o que as educadoras valorizam na EADS de crianças e jovens; um conjunto de perguntas sobre as práticas/teorias que caraterizam e fundamentam a EADS implementada, bem como as especificidades dessas práticas e o envolvimento das crianças e jovens na EADS; finalmente, um desafio para fazerem uma sugestão que reforçasse a educação de crianças e jovens na construção de um planeta mais sustentável para todos.
As educadoras de EADS que participaram na investigação são educadoras de EADS no pré-escolar e no ensino básico, são todas do sexo feminino e com idades entre os 35 e os 55 anos. As suas entrevistas tiveram a duração de cerca de uma hora e meia.
Já no terreno, diferenciamos as escolas da seguinte forma: tradicionais, que desenvolvem o programa eco-escolas, e alternativas, com pedagogias de escola da floresta, Waldorf, Krishnamurti e play based learning. Os nomes das escolas e das pessoas entrevistadas são fictícios.
As duas escolas “tradicionais” integram, então, a rede do programa eco-escolas. O “Colégio Azul” é uma escola privada que promove o programa eco-escolas numa cidade à beira-mar. Foi entrevistada a Diana, educadora de infância da sala dos cinco anos, e a Rita, professora do 2.º ano e coordenadora do programa. A também eco-escola “Escola da Praia” enquadra-se num agrupamento de escolas públicas, situado numa cidade do litoral norte. No jardim de infância, a entrevista foi feita à Carla, educadora de infância dos cinco anos e coordenadora do programa. Na escola do 1.º ciclo, foi entrevistada a Joana, professora do 3.º ano.
As escolas alternativas incluem quatro contextos. A “Escola da Aldeia Branca” é um agrupamento de escolas públicas, situado num ambiente rural do centro do país. A entrevista foi feita à Lucinda, professora do 4.º ano. Além de ser licenciada em ensino básico, também tem o curso da pedagogia Waldorf.
A “Escola do Monte”, situada numa aldeia no interior norte do país, orienta-se pela filosofia de Krishnamurti. Foi entrevistada a Maria, responsável pelo ensino doméstico da escola do 1.º e do 2.º ciclos.
O “Jardim de infância da Mata” pertence à “Escola do Monte”, mas é uma escola da floresta. A entrevista foi feita a Sónia, educadora de infância de um grupo com idades mistas. Além de ser licenciada em educação de infância, também tem formação no modelo forest school.
Por fim, a “Escola do Castelo Verde”, orientada pela pedagogia play based learning, situa-se num contexto rural, próximo de uma grande cidade. Nesta escola, foram entrevistadas a Ana e a Patrícia, ambas educadoras de infância de salas mistas. A Ana acumula a função de diretora pedagógica e a escola fundamenta as suas práticas na pedagogia play based learning.
A análise das entrevistas foi feita através de análise temática que permite organizar e descrever os dados com pormenor, resultando numa “análise dos dados rica, pormenorizada e complexa” (Braun & Clarke, 2006, pp. 5-6). Assim, na primeira fase, de familiarização com os dados, foi realizada a sua transcrição, seguida de repetidas leituras, procurando significados. Numa segunda fase, fez-se a codificação do material: identificando, no conjunto de dados, padrões para cada código inicial. Na terceira fase, os códigos foram agrupados em potenciais temas e subtemas, a fim de “formar um padrão coerente” (p. 20). Na quarta fase, fez-se nova verificação dos temas em relação aos extratos codificados e aos respetivos subtemas, que foram esquematizados num mapa temático. Na quinta fase, os temas foram nomeados, em resultado de um refinamento da análise, dando atenção às especificidades de cada tema (p. 25). Finalmente, o relatório foi produzido (sexta fase), com unidades de registo incorporadas na “história ilustrada” na narrativa analítica dos investigadores (Braun & Clarke, 2006, p. 23).
4. RESULTADOS
Para este artigo consideraremos em especial três temas: práticas educativas de EADS; papel das crianças na EADS; e fatores que interferem na EADS.
4.1. PRÁTICAS EDUCATIVAS
As “práticas educativas de EADS” subdividem-se em três códigos (cf. Figura 1): “sobre a natureza”, “na natureza”, e “para a natureza”.
As educadoras de EADS de escolas tradicionais descreveram, com frequência, aprendizagens “sobre a natureza” em atividades de cariz formativo, previamente programadas e em contextos maioritariamente humanizados. Descreveram aprendizagens cognitivas sobre a economia circular, condutas pró-ambiente e sustentabilidade de recursos naturais:
(…) eles sabem tudo direitinho, aliás há quinze dias tivemos cá um senhor da Câmara Municipal, que veio cá fazer uma apresentação sobre o ciclo do papel e do plástico, como é que o papel é produzido, o que podemos fazer para poupar, e eles sabiam tudo, todos os cuidados que devíamos ter, o que fazer para poupar o papel, eles diziam mesmo ‘temos de escrever nos dois lados da folha’ e mais isto, e isto. (Rita)
Nestas escolas, as educadoras do 1.º ciclo também descreveram atividades de cariz cognitivo fundamentadas no currículo escolar deste nível de ensino, que tiveram concretizações práticas nos espaços ao ar livre da escola. Por exemplo, a Joana referiu “(…) demos as plantas e plantámos feijoeiros que estão ali… e isto vai surgindo muito com a programação de estudo do meio.”
Lucinda, também educadora do 1.º ciclo, mas de uma escola alternativa, salienta a pertinência de a aprendizagem sobre a natureza ocorrer também na natureza, quando afirma “(…) o fundamento teórico é sempre fundamentado numa vivência prática, da vida, daquilo que o Homem [sic] necessita para viver.”
Outras práticas educativas de EADS foram descritas por educadoras de escolas alternativas, que regularmente ocorrem “na natureza”, maioritariamente em espaços não humanizados. Estas práticas visam promover aprendizagens em contacto com o meio envolvente, como referiu Lucinda, numa atividade com as suas crianças do 4.ºano:
Eles procuram saber que plantas são comestíveis, (…) têm essa curiosidade para depois as comerem, (…) conhecem as plantas aquáticas, por exemplo o agrião. Eles sabem onde é que nasce o agrião, onde pode ser colhido… no ano passado colhemos agrião no ribeiro e fizemos um bolo de agrião.
Patrícia explica como ocorrem as aprendizagens que as suas crianças de pré-escolar fazem na natureza, quando explica “(…) as mutações que vão ocorrendo, nós não vemos nos livros, mas vemos no local”.
Também dá exemplos do brincar na natureza, que revelam autonomia, confiança, conhecimento e fruição desses espaços:
(…) no meio de um bosque gostam de brincar às escondidas (…). Se for no monte da areia, (…) fazem escorregas. Agora no outono fizeram imensos com a lama (…). Há poças e há piscinas e nós vamos a todas, às vezes temos a água pelo joelho e é uma das brincadeiras preferidas deles. No outono, depois se há aqueles montes enormes de folhas, é mergulhar para lá… adoram subir às árvores.
Também sublinharam a singularidade de se aprender com e “na natureza”, como alegou Ana:
E é isto, é o viver, o observar, é o ter tempo, vamos andando e vamos vendo e vamos com todo o tempo (…). No fundo é viver, eu acho que acima de tudo é isso… é eles viverem, não estarem a ser formatados.
A facilidade de acesso à natureza local, essencial para a EADS na natureza, foi descrita maioritariamente em escolas de espaços rurais. Lucinda, por exemplo, trabalha numa escola pública num meio rural e diz que “a natureza é logo ao lado da escola (…), não precisam de andar na via pública, é logo ao lado”.
Ana e Patrícia, de uma escola privada, dizem que, “para nos deslocarmos daqui, temos a carrinha” (Ana), de modo que as suas crianças usufruem do espaço natural não humanizado: “acabei de fazer com eles uma votação porque segunda-feira vamos ao passeio e eu perguntei-lhes onde é que eles queriam ir” (Patrícia). Também Diana, numa escola privada em espaço urbano, deu um exemplo de educação na natureza, ainda que hiperbolizado, na medida em que toma uma “bouça” por “floresta”:
Nós aqui não temos assim muitos espaços onde possamos ir fora do colégio, mas arranjamos aqui um caminho que vai dar a uma espécie de bouça, não tem quase nada, mas nós chamamos-lhe a floresta e eles adoram ir à floresta.
A codificação “para a natureza” foi comum em todas as entrevistas, tendo sido descritas atividades rotineiras nos espaços interiores e ao ar livre das suas escolas, tais como cuidar de hortas, jardins e canteiros; alimentar e cuidar dos animais; reutilização de materiais; separação dos lixos.
No entanto, há práticas diferentes. Por exemplo, o programa eco-escolas prevê que grupos de alunos tenham “missões de monitorização” (Gomes, s.d., p. 10) da limpeza e manutenção dos espaços comuns da escola, separação dos lixos, entre outras tarefas, de modo a avaliar o “desempenho ambiental da escola” (p. 12) e sensibilização para o mesmo, como explica Carla:
(…) mensalmente, uma turma do 1.º ciclo (…) faz a monitorização dos ecopontos do recreio. Eles preenchem uma grelha com cores (…). E eles andam muito preocupados (riso), ainda hoje vieram ter comigo, a dizer ‘Professora, temos de ir falar com outros meninos porque isto está a correr muito mal’, e mostram-me as grelhas e dizem ‘são muitas bolinhas amarelas e vermelhas’ (risos). E isto é bom, não é? Mostra preocupação.
Em escolas alternativas, evidenciaram-se práticas autossustentáveis, que interferem em toda a forma de estar na vida, como descreve Maria:
O galinheiro é um projeto de um deles, porque aqui consomem-se ovos, então se se consomem ovos nós vamos produzir os nossos ovos. Depois, nós usamos sabonetes para lavar as mãos, e esses sabonetes são feitos por nós. Usamos detergente para lavar a louça, esse detergente também é feito por nós (…), já fizemos protetor solar, pasta dos dentes, fazemos as várias coisas de que precisamos, tentamos ser autossuficientes.
4.2. PAPEL DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS NA EADS
O tema “papel das crianças e dos jovens na EADS” é composto por dois subtemas (cf. Figura 2): o papel “empoderado” e o papel “orientado” das crianças e dos jovens na EADS. O subtema “empoderado” foi codificado com a “participação” e a “diversidade”. O subtema “orientado” foi codificado com a “participação formativa” e “fragilidade e inocência”.
O papel “empoderado” das crianças foi descrito pela maioria das educadoras de escolas alternativas que promovem e valorizam a “participação” das crianças na EADS. São disso exemplo os projetos e as atividades que surgem no dia a dia na escola e/ou no contacto que têm com a comunidade envolvente. Sobre isto, Maria referiu a forma espontânea, e baseada na observação das crianças, como surgiu um dos projetos:
Íamos ali a caminhar e a reparar que uma pessoa tem um campo pequenino, outra pessoa tem outro campo pequenino e alguém perguntou ‘e no inverno como é que fazem? Não têm estufa’ e depois alguém disse logo ‘mas também já viste se todos tivessem uma estufa? Olha o plástico em todas as estufas.’ ‘E porque é que não há uma estufa para todos?’ E então isso agora é uma proposta que queremos fazer à autarquia… montar uma estufa comunitária (…). E é engraçado, no fundo, ver que a ideia partiu deles, não fui eu nem ninguém que lhes deu a ideia, foram eles.
Também valorizaram a importância do tempo para aprender e de um plano de atividades flexível e centrado nos interesses das crianças.
(…) nós aqui conseguimos fazer as coisas com muito mais tempo e calma (…), não há rigidez nos horários. Tal como a planificação, posso planificar, posso não planificar, posso planificar e não conseguir exercer. Quantas vezes eu ando com uma atividade planificada há duas semanas. E anda no bolso, porque todos os dias surge uma coisa qualquer diferente. E depois é chegar à floresta e observar qual é o caminho que eles querem seguir. (Sónia)
Ao promoverem uma participação empoderada, o comprometimento com a natureza ocorre de forma empática e crítica, com interferência na construção da sua cidadania.
(…) eles têm um olhar muito crítico sobre o que está à sua volta e… são uns privilegiados, na minha opinião. (…) Eu acho que assim é que se aprende e não só aprendem, também aprendem a respeitar, porque eles estão em contacto. Eles veem o que é que a pegada deles deixa ali, e eu acho que eles vão ser cidadãos muito mais respeitadores da natureza, porque viveram com ela, ou seja, viveram no meio dela. (Patrícia)
Ainda sobre o papel “empoderado” das crianças e dos jovens na EADS, o código “diversidade” surgiu no discurso da maioria das educadoras, que descreveram a importância de uma conduta atenta e crítica, assim como da discussão sobre os relacionamentos humanos e não humanos. Sobre isto a Joana explicou, “essencialmente é o respeito pela natureza e pelo outro.”
No excerto que se segue, Ana explica que prezar a “diversidade” é amar incondicionalmente:
(…) não é só o eu aceito-te, é também o eu gosto de ti, que é bem diferente… eu gosto de ti como tu és e pronto… e tu és tu e eu gosto de ti porque tu és tu (…). A ideia não é eu aceito-te porque és gay, não. É muito mais, é porque és tu e eu gosto de ti.
No âmbito do papel “orientado”, a “participação formativa” foi caraterizada pelas educadoras das eco-escolas com exemplos de atividades e projetos de cariz mais formativo com os parceiros da comunidade, tais como as “sessões do plano ambiental da Câmara” (Carla).
Lucinda, com base na pedagogia Waldorf, defendeu a pertinência de orientar as crianças, o que sugere uma participação mais formativa:
Fala-se na educação livre, mas o professor tem de preparar muito bem as suas aulas, tem de orientar o trabalho do aluno. Há momentos de trabalho livre, mas há muito trabalho orientado da parte do professor, em que as crianças têm de estar centradas no professor (…), é nisto que eu acredito, que os vai ajudar a formar e lhes vai dar uma estrutura no futuro.
O outro código, “fragilidade e inocência”, foi minoritariamente referido nas entrevistas das educadoras. Ainda assim, Diana afirmou que há conceitos que considera “pesados”, por não serem compreendidos pelas crianças e difíceis de serem explorados com elas:
Nós temos isso nas nossas orientações curriculares (…) e comentamos muitas vezes umas com as outras que não é fácil trabalhar essas questões no pré-escolar, porque isso exige conceitos e conceções que muitas vezes as crianças ainda não têm (…). Nós aqui dificilmente trabalhamos o racismo nestas faixas etárias, porque é um conceito mais pesado. Às vezes surge, mas não costumamos ter meninos negros ou…, ou seja, tivemos uma negra por pouco tempo e tivemos outra no 1.º ciclo, é pouco… O que nós às vezes vemos nas salas, porque nós temos nas salas um boneco chinês, um boneco negro e um caucasiano. E o bonequinho negro é sempre o último a ser escolhido, é engraçado, porque dificilmente as crianças o escolhem… a primeira vai logo para o loirinho, a outra ainda fica com a bonequinha chinesa, e o outro acaba por brincar com o que fica, porque não sobra mais nenhum… vamos notando aí. Mas não conseguimos agir muito, porque eles também ainda não nos conseguem explicar porque não querem aquele boneco, nós vamos dizendo, ‘mas porquê?’ Mas eles não nos vão dizendo muito o porquê, não têm uma ideia formada… o que é engraçado (…), ficam assim e essa do boneco é gritante, porque de alguma forma há ali qualquer coisa que já os faz afastar daquele boneco.
Abordou ainda uma conceção de infância aliada às suas práticas de EADS, que projeta uma cidadania ativa para a idade adulta:
Eu acho que nestas faixas etárias é mesmo isto, é eles ficarem com pequenas noções daquilo que podem fazer e mais tarde, quando já forem adultos, e tiverem que agir, conseguirem agir em conformidade. No fundo é dar-lhes agora as ferramentas para que depois mais tarde eles consigam usá-las no bom sentido. (Diana)
Por sua vez, os septénios do desenvolvimento da pedagogia Waldorf, e explicados por Lucinda, também denotam uma certa “fragilidade e inocência” durante a infância e no início da adolescência: o “mundo bom” dos 0 aos 7 e “belo” dos 7 aos 14. Só aos 14 anos lhes é dado conhecer a “verdade”.
(…) dos zero aos sete anos o mundo da criança deve ser um mundo bom, em que o adulto transmite segurança à criança (…) falarmos já dos problemas ambientais é horrível, é um peso enorme para as crianças de três ou quatro anos. Que culpa ela tem? E o que é que ela vai fazer? (…) é um mundo de mentira, mas é o mundo que ela precisa nesse momento (…) Depois dos sete aos catorze anos o mundo deve ser belo (…) não deve haver desarrumação, não deve haver lixo à sua volta, portanto o mundo deve ser um mundo cuidado. A partir dos catorze anos, já vai racionalizar, e aí já está a verdade. O adulto tem de ser muito cuidadoso a dizer a verdade das coisas.
4.3. FATORES QUE INTERFEREM NA EADS
O tema “fatores que interferem na EADS” constitui-se por três códigos (cf. Figura 3): “protecionismo”, “lacunas” e “questões financeiras”.
O código “lacunas” foi abordado a propósito do programa eco-escolas. Relativamente à falta de formação nesta área, Carla disse:
sempre que se faz a avaliação do ano a nível do projeto eco-escolas, é uma coisa que eu refiro sempre, haver a possibilidade de nós fazermos formação (…), andamos aqui sempre um bocadinho às apalpadelas (…), na verdade não há ninguém que nos ensine.
O código “protecionismo” foi muito associado pelas educadoras às condutas das famílias, mas de diferentes formas. As educadoras de escolas públicas sublinham a resistência de os pais e as mães exporem filhos e filhas ao ar livre:
Para os nossos pais, o proteger é meter numa redoma. Quanto ao andar a brincar ao ar livre e a brincar com a natureza, no nosso caso também temos natureza no recreio, e dá-lhes imunidade… ajuda-os a esse nível. Mas nós ainda temos muitos pais que reagem muito mal e pedem-nos para os filhos ficarem cá dentro. Mas aí nós somos taxativas, e dizemos que cá dentro só ficam se estiverem doentes e se estiverem doentes têm de ficar em casa e ninguém fica cá dentro. (Carla)
As educadoras das escolas privadas referem que as famílias escolheram a escola também pela sua EADS. Contudo, as que fazem regularmente educação ao ar livre, em espaços não humanizados, argumentaram que, por vezes, as famílias revelam algum desconforto relativamente a esses espaços:
Talvez por medo, porque não sabem onde ir, por medo de andar na floresta, por comodismo, porque o parque está ali à porta de casa e param o carro e vão comer um gelado e têm os baloiços… E a pergunta que eu às vezes oiço é ‘mas, lá não há nada. O que é que vocês fazem lá? Lá não há nada.’ E isso assusta os pais, o nada, porque eles enchem as crianças de brinquedos… e num parque infantil há brinquedos, há baloiços, há bolas e há isto e aquilo… e ir para um sítio onde não há nada, não deixa de ser assustador… ‘porque ele vai-me estar a chatear e o que é que eu vou ter de fazer com ele para…’, então e depois? Não há uma casa de banho, um sítio para me sentar para beber uma cerveja ou comer um gelado. (Patrícia)
Também referiram “questões financeiras” que inibem a EADS das escolas públicas. Joana, por exemplo, não tem acesso a todos os recursos que desejava para implementar a EADS.
Nós fizemos experiências com as pipetas, com os funis, (…) mas isto é tudo material que a gente vai trazendo de casa. Porque nós do 1.º ciclo, não temos material de ciências, o que é uma pena, (…) não há dinheiro. (…) não temos material para todos, uns dias fazem uns, outros dias fazem outros, mas pelo menos vão experimentando.
E Carla explicou que os escassos recursos limitam as saídas ao exterior: “podíamos sair mais, mas é difícil por causa do dinheiro que não há.”
5. DISCUSSÃO
A análise temática dos discursos das educadoras permitiu organizar os dados obtidos nas entrevistas num esquema temático com inter-relações entre os mapas temáticos (cf. Figura 4).
Estas relações entre os temas permitem fazer uma análise interpretativa na construção de conhecimento intersubjetivo, bem como caraterizar os contextos e a implementação de EADS, para conhecer conceções de EADS, relacionando práticas educativas e o papel das crianças.
No estudo, todas as educadoras referiram que a EADS visa a preservação da natureza e a adoção de condutas pró-ambiente em rotinas diárias, considerando crianças e jovens como agentes ambientais das suas famílias. Há, no entanto, aspetos que as diferenciam: as suas pedagogias/programas; as caraterísticas geográficas da escola; as caraterísticas socioculturais da comunidade escolar; e também o cunho pessoal de cada educadora. Logo, foram analisadas diferentes abordagens educativas de EADS com diferentes organizações espaciotemporais e objetivos subjacentes.
Assim, foram relatadas atividades previamente planificadas e programadas pelas educadoras, ora para responderem às premissas do programa eco-escolas, que implica a planificação anual de atividades e a definição de temas a trabalhar (Gomes, s.d.) pela escola e com parceiros da comunidade; ora para pôr em prática a pedagogia Waldorf (Steiner, 1997), que confere à educadora a responsabilidade de planificar e agir com “autoridade natural” (Steiner, 1997, p. 80), de acordo com o que é necessário para o desenvolvimento de crianças e de jovens, nas diferentes etapas do seu desenvolvimento, sendo a natureza o espaço de eleição para a aprendizagem. Então, as educadoras entrevistadas, de eco-escolas e de escolas Waldorf, têm uma estrutura predefinida que orienta e organiza as suas práticas de EADS. Nestes casos, a sua abordagem revela um cariz mais cognitivo, “sobre o ambiente”, por ser focada em transmitir conhecimentos (Tilbury, 1995). As educadoras do 1.º ciclo, em especial, justificaram esta opção com o currículo escolar. Salientaram, contudo, que as aprendizagens cognitivas devem ser, sempre que possível, concretizadas na natureza – o que vai de encontro à ideia de Green et al. (2015), que recomendam a abordagem de diferentes abordagens pedagógicas para uma EADS transformadora.
Diferentemente, outras educadoras caraterizaram práticas de EADS com organizações espaciotemporais flexíveis ou inexistentes, porque emergem de questões ambientais locais e globais que as crianças, os jovens e as educadoras problematizam. Mais especificamente, a organização de EADS das escolas da floresta foi descrita como flexível, uma vez que pode existir, mas vai sendo moldada e ajustada aos interesses das crianças e dos jovens (Maynard, 2007), sendo que a educadora deve observar e estimular as aprendizagens. A pedagogia play based learning ocorre de forma espontânea, ou seja, as atividades vão surgindo pelas motivações e necessidades das crianças, devendo a educadora estar atenta, dar tempo e adotar uma postura crítica (Cutter-Mackenzie & Edwards, 2013; Danniels & Pyle, 2018). A pedagogia Krishnamurti problematiza as questões da vida real das crianças e dos jovens, e os projetos vão surgindo pelas suas vivências e discussões críticas (Tapan, 2001), no contacto diário com a natureza não humanizada e com a comunidade envolvente. Nestes casos, a educadora pode ser caraterizada como uma “agente ímpar”, por ter práticas “menos sistemáticas e padronizadas que os discursos dominantes” (Hwang, 2009, p. 700). O processo educativo é democrático e aliado ao “compromisso de respeitar os direitos das crianças” (Mackey, 2012, p. 482). A sua participação em questões ambientais locais e globais favorece a sua consciencialização sobre os impactos que essas questões podem ter em si, nos outros, no presente, no futuro, e também sobre as suas soluções (Mackey, 2012). São, por conseguinte, experiências essenciais para promover o empoderamento pessoal e o pluralismo democrático (Menezes, 2003), sendo benéficas a nível pessoal, comunitário e socioecológico (Hinchliffe et al., 2005) e favorecendo o desenvolvimento da cidadania ambiental (Dobson, 2007; Asah et al. 2018; Monte & Reis, 2021).
Nas escolas tradicionais, o papel das crianças e dos jovens na EADS foi tendencialmente descrito como orientado, reprodutivo e mais tecnicista, isto é, não são envolvidos na planificação e na escolha das atividades. Ainda assim, participam em atividades de cariz formativo e colaboram em projetos instituídos por parceiros da comunidade, que permitem a aquisição de conhecimentos, designadamente sobre a comunidade envolvente, e condutas pró-ambiente, fundamentais para consolidar “competências ambientais” (Green et al., 2015, p. 11). A EADS também foi descrita como facilitadora de ferramentas úteis para o futuro das crianças e dos jovens, e aparece vinculada à abordagem cognitiva de formar “cidadãos do futuro” (Lister, 2007, p. 718). Isto revela uma conceção frágil e inocente da infância porque priva crianças e jovens de uma cidadania ativa e vivida, mesmo que não gozem de todos os direitos de cidadãos e cidadãs de pleno direito (Heggen et al., 2019; Lister, 2007). O seu não envolvimento pode levar a que sejam descurados os seus interesses, vozes, curiosidades, responsabilidade (Hägglund et al., 2007) e autonomia (Maynard, 2007), tornando-os “objetos de socialização” (Reis, 2013, p. 7) das pessoas educadoras de EADS e/ou dos modelos dominantes. Segundo esta perspetiva, a educadora acaba por ser um “instrumento de ação” (Hwang, 2009, p. 699) que cede aos discursos educativos dominantes para fazer face a questões em agenda e às exigências da competitividade na educação (Jickling & Wals, 2008; Hwang, 2009). Esta foi, de resto, uma crítica feita por Lucinda ao programa eco-escolas, considerando-o burocrático. As próprias educadoras das eco-escolas apontaram lacunas associadas ao acompanhamento e à formação para implementação do programa, tal como identificado já por outras investigações (Almeida & Vasconcelos, 2013).
Nas escolas alternativas, pelo contrário, as educadoras sublinharam a participação de crianças e jovens na EADS, que remete para a corrente pedagógica de EADS “para a natureza”. Segundo esta perspetiva, as crianças e os jovens são impelidos a agir sobre questões de sustentabilidade ambiental que problematizam no seu dia a dia (Tilbury, 1995), adotando também um estilo de vida autossustentável na escola. Estas são “experiências em primeira mão”, “profundas”, com “envolvimento emocional”, que envolvem “autorrealização” e “ouvir e aprender com um tipo de voz do mundo mais do que humano” (Jickling & Sterling, 2017, p. 26), com amor incondicional e respeito por todos os seres.
No que respeita aos espaços, o recreio foi comummente considerado como o local de consciencialização ambiental das escolas. Trata-se do espaço ao ar livre da escola que, por isso, e segundo as educadoras, permite estar e brincar com e na natureza, cuidar da natureza e explorar e conhecer a natureza. É, contudo, um espaço humanizado, com regras impostas por pessoas adultas e fronteiras que os limitam (Malone, 2008). Sobre isto, observaram-se tendências diferentes quando as atividades ocorrem fora da escola. As educadoras de escolas tradicionais localizadas em meios urbanos narraram várias atividades em espaços humanizados, tais como parques biológicos, parques da cidade, museus de ciência, etc. O seu contexto geográfico condiciona o acesso a espaços não humanizados, com a agravante de, segundo as educadoras de escolas públicas, terem escassos recursos financeiros, o que interfere com a implementação das suas atividades e das saídas que podem ou não realizar. Também indicaram o protecionismo das famílias que rejeitam o ar livre, pelo que lutam diariamente para contrariar esse aspeto. É de salientar que o usufruto de parques citadinos é muito benéfico para a saúde física e psicológica e também para as inter-relações das pessoas com a natureza (Nordh et al., 2016).
Já as educadoras das escolas alternativas relataram um maior número de atividades em espaços não humanizados tais como florestas, pinhais e bosques. As suas escolas são inseridas em meios rurais e têm acessos pedestres a espaços naturais, exceto uma escola privada que utiliza transporte próprio para essas deslocações. O acesso fácil foi descrito como impulsionador do contacto regular com a natureza local (Jagger et al., 2016). Estas vivências regulares e de contacto real com a natureza favorecem, para as educadoras destas escolas, o desenvolvimento da identidade ecológica, ao longo do tempo e no local, pela relação que se vai criando de “interexistência profunda com a natureza (…) com outros seres e com a vida do nosso planeta” (Macy, 1996, p. 170). Esta abordagem experiencial e mais afetiva que ocorre “na natureza” engloba momentos de aprendizagem, fruição, descoberta e exploração sensorial (Tilbury, 1995), que promovem “confiança na natureza” e “autonomia espacial” (Green et al., 2015, p. 11).
Outro aspeto da EADS também analisado foi a aceitação da diversidade humana e não humana, alicerçada no amor por todos os seres. Este aspeto foi referido pela maioria das educadoras, a propósito da necessidade de preservar a natureza, de agir em prol da sustentabilidade da Terra e do respeito pela diversidade de todos os seres. Esta visão rompe com conceções antropocêntricas que legitimam a dominação da natureza, do racismo, do sexismo e de outras formas de opressão (Bell & Russell, 2000; Myers, 2018). E contribui para a “interconexão” (Gruenewald, 2003, p. 34) entre humanos e não humanos, mantendo a “comunicação milenar” entre as pessoas e a natureza (p. 37). A conexão emocional com a natureza, promovida com amor e respeito pelas diferenças, cria “laços que se unem, mas não se confundem (…) capazes de despertar no coração tudo o que eles possuem em singularidade e poder” (Chardin, 2004, p. 46).
6. CONCLUSÃO
Pelo facto de ser um estudo de casos múltiplos, analisou-se uma multiplicidade de conceitos e práticas heterogéneos de EADS, bem como de papéis das crianças e dos jovens nesta educação. Ainda assim, os dados mostram duas tendências concetuais distintas: uma de EADS na e com a vida – “é eles viverem, não estarem a ser formatados” (Ana) – e outra que visa equipar as crianças e os jovens com ferramentas para a vida – “é dar-lhes agora as ferramentas para que depois mais tarde eles consigam usá-las no bom sentido” (Diana). A análise revela também o risco de instrumentalização da EADS, com um “conjunto de atividades consensuais e neutras”, sem fundamentação ideológica e “apresentadas de maneira subliminar e acrítica” (Almeida & Vasconcelos, 2013, p. 302), isto é, sem significado e sem empoderamento dos/as alunas/os.
Há, pelo contrário, quem ponha em prática a essência do conceito da EADS, ou seja, o “empoderamento e ação” (Tilbury, 2005, p. 207) das/os alunos/as. Este enquadramento politizado da EADS implica que educadores/as possibilitem diversas experiências recorrentes, sentidas e significativas, num ambiente democrático entre pares. Desta forma, os/as alunos/as podem exercer a sua cidadania “com assunção da sua própria voz e de voz própria” (Magalhães & Stoer, 2005, p. 93), ou seja, que sejam realmente ouvidas e que a sua voz tenha significado no seu íntimo, mas também no coletivo. Como Lucie Sauvé adverte, não se trata de “moldar futuros cidadãos” (2017, p. 115), mas antes de as/os envolver em projetos significativos, relacionados com questões que as/os afetem, e através dos quais possam desenvolver a sua capacidade de investigação e de ação (Buttimer, 2018). Até porque a cidadania é “uma prática de identificação com questões públicas (…) de interesse comum (…) e não um resultado” (Biesta & Lawy, 2006, p.75), muito menos de um trajeto educativo instrumentalizado.
Por isso, urge uma EADS que possa capacitar as crianças e os jovens a serem criticamente conscientes das questões de sustentabilidade, num contexto educativo crítico, democrático e ativo, que fomente a “discussão de perspetivas diferentes e conflituais da realidade” (Menezes, 2010, p. 434) e que promova a participação em todo o processo, reconhecendo crianças e jovens como atores ambientais na sua comunidade (Monte & Reis, 2021). Em suma, uma EADS que, rompendo com as estruturas dominadoras (Bell & Russell, 2000), promova o “nosso entrelaçamento com a terra, com o cosmo e uns com os outros” (Andreotti et al., 2019, p. 16).
O estudo tem a limitação de ser um estudo de casos de cariz exploratório, com uma pequena amostra de contextos de EADS. No entanto, tem a mais-valia da heterogeneidade geográfica e de contextos de EADS. Para aprofundar a temática, consideramos que é fundamental conhecer a visão das crianças envolvidas nestes contextos educativos. No entanto, os dados sugerem desde já que a relação que se cria com a natureza, desde a infância, é um fator preponderante na motivação intrínseca que se estabelece com a própria natureza e, por sua vez, com a consciencialização ambiental. As abordagens pedagógicas tradicionais ou alternativas condicionam a implementação da EADS e das respetivas práticas educativas: a nível da organização espaciotemporal, de conteúdos curriculares, de abordagens metodológicas, de fundamentos teóricos, e finalidades educativas. O papel das crianças na EADS é condicionado pelas abordagens pedagógicas, mas essencialmente pela conceção de cidadania das educadoras de EADS.