SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 númeroESP13Como melhorar a saúde das crianças e dos adolescentes? Algumas preocupações, conselhos e reflexõesControlo baseado em tecnologias da internet das coisas: melhoria da eficiência energética e conforto em edifícios índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp13 Viseu dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.29352/mill0213e.32477 

Ciências da vida e da saúde

A enfermagem familiar e o modelo dinâmico de avaliação e intervenção familiar

Family nursing and the dynamic model of family assessment and intervention

Enfermería familiar y el modelo dinámico de evaluación e intervención familiar

1 ACES Dão Lafões, Unidade de Saúde Familiar Cidade Jardim, Viseu, Portugal

2 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, Viseu, Portugal

3 UICISA: E - Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Viseu, Portugal

4 Escola Secundária de Arganil, Coimbra, Portugal

5 Lar Hotel Santa Maria Maior de Almacave, Lamego, Portugal


Resumo

Introdução:

A Enfermagem Familiar é fundamental na colaboração com as famílias em todas as fases da vida, de forma a maximizar a saúde e o bem-estar. O MDAIF emerge para responder às necessidades dos profissionais de saúde relativamente aos cuidados com as famílias (Figueiredo, 2012).

Objetivo:

Caracterizar a família de acordo com o MDAIF e identificar as necessidades em saúde da família.

Métodos:

Estudo descritivo, de natureza qualitativa. Para a colheita de dados foi realizada uma entrevista estruturada, com base no MDAIF, a uma família nuclear constituída pelo casal e dois filhos. A participação foi voluntária e assinado consentimento informado.

Resultados:

Família de classe social média-alta, ligada e flexível, equilibrada e com perceção de ser altamente funcional, mas com 80% de probabilidade de desenvolver patologias psicossomáticas.

Conclusão:

A família é o centro dos cuidados da Enfermagem Familiar e neste sentido o enfermeiro deve conhecer as necessidades e os problemas das famílias de modo a adequar as suas intervenções. O modelo utilizado veio facilitar o reconhecimento destas necessidades e problemas melhorando a prestação de cuidados.

Palavras-chave: família; enfermagem familiar; modelo dinâmico de avaliação e intervenção familiar

Abstract

Introduction:

Family Nursing is fundamental in collaborating with families at all stages of life, to maximize health and well-being. The MDAIF has emerged to respond to the needs of health professionals in relation to family care (Figueiredo, 2012).

Objective:

To Characterise the family according to MDAIF and to identify the family's health needs.

Methods:

Descriptive, qualitative nature study. As a data collection instrument, a structured interview based on MDAIF was carried out with a nuclear family composed by the couple and their two children. Participation was voluntary and an informed consent was signed.

Results:

Upper-middle social class family, connected and flexible, balanced and with the perception of being highly functional, but with an 80% probability of developing psychosomatic pathologies.

Conclusion:

The family is at the centre of Family Nursing care and is seen. In this sense, nurses must know the needs and problems of families to adapt their interventions. The model used facilitates the recognition of these needs and problems, improving the provision of care.

Keywords: family; family nursing; dynamic model of family assessment and intervention

Resumen

Introducción:

La Enfermería de la Familia es fundamental para colaborar con las familias en todas las etapas de la vida, con el fin de maximizar la salud y el bienestar. El MDAIF surge para dar respuesta a las necesidades de los profesionales de la salud en materia de atención familiar (Figueiredo, 2012).

Objetivo:

Caracterizar a la familia de acuerdo con MDAIF y identificar las necesidades en salud de la familia.

Métodos:

Estudio descriptivo de naturaleza cualitativa. Como instrumento de recolección de datos se utilizó una entrevista estructurada, basada en el MDAIF a una familia nuclear formada por una pareja y sus dos hijos. La participación ha sido voluntaria y se firmó un consentimiento informado.

Resultados:

Familia de clase social media-alta, conectada y flexible, equilibrada y con la percepción de ser altamente funcional, pero con 80% de probabilidad de desarrollar patologías psicosomáticas.

Conclusión:

La familia es el centro de atención en Enfermería de la Familia y es vista como un todo. En este sentido, el enfermero debe conocer las necesidades y problemas de las familias para poder adecuar sus intervenciones. El modelo utilizado vino a facilitar el reconocimiento de estas necesidades y problemas, mejorando la prestación de cuidados.

Palabras Clave: familia; enfermería familiar; modelo dinámico de evaluación e intervención familiar

Introdução

Os cuidados mais adequados a cada família e a cada membro da mesma constituem um grande desafio para o Enfermeiro de Família pois este precisa de identificar quais as necessidades, quais os problemas que surgem no seio familiar e que causam obstáculos ao bom funcionamento familiar, à boa relação entre os seus membros e ao ambiente de qualidade que os filhos necessitam para crescer saudáveis quer fisicamente, quer mentalmente. Consequentemente, para obter as necessidades e os problemas das famílias, o Enfermeiro de Família necessita de construir uma boa relação terapêutica, empática e de confiança que permita obter toda a informação útil à sua intervenção com cuidados de qualidade, visando a obtenção de ganhos em saúde.

A Ordem dos Enfermeiros tem reconhecido o enfermeiro de família, como um elemento crucial no acesso e prestação de cuidados nos Cuidados de Saúde Primários destacando a sua participação na relação entre a família, a equipa de saúde e os recursos da comunidade (Ordem dos Enfermeiros, 2018). O Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária na área da Saúde Familiar demonstra competências relativas à saúde da família, promovendo uma parceria com as famílias, considerando-as como uma unidade de cuidados, atendendo às relações entre os seus membros e tem por base a prática baseada na evidência e investigação para a avaliação da saúde da família, a realização de diagnósticos, intervenções e cuidados na família, utilizando o modelo de enfermagem que admite a família como sistema. Os conhecimentos e competências do Enfermeiro especialista permitem uma relação terapêutica que são primordiais na capacitação das pessoas e famílias e para uma tomada de decisão (Ordem do enfermeiros, 2023).

A grande preocupação que emerge dos cuidados centrados na família, dos cuidados específicos a cada família de acordo com as necessidades que esta revela no seio da Enfermagem de Saúde Familiar, despertou a pertinência à realização deste estudo, de forma a compreender e a demonstrar a importância que o Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar (MDAIF) tem para a prática clínica.

Sendo assim surge o MDAIF, modelo criado por Figueiredo (2009), representante de um quadro de referência, mencionando algumas ações e estratégias que podem ser adotadas nos processos de ensino-aprendizagem e que tem como objetivo responder às necessidades dos Profissionais de Saúde portugueses relativamente aos cuidados com as famílias (Figueiredo, 2009; 2022, 2023, OE, 2011).

A Ordem dos Enfermeiros, deliberou favoravelmente à adoção do MDAIF como referencial teórico e operativo em Enfermagem de Saúde Familiar, proposta pela da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem Comunitária (Ordem dos Enfermeiros, 2012).

Este trabalho teve por base o Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar, com o objetivo de caracterizar a família de acordo com o MDAIF e identificar as necessidades em saúde da família. Foram atribuídos nomes fictícios para garantir o anonimato e manter uma melhor compreensão do mesmo. Foi selecionada uma família nuclear constituída por um casal (Benedita e Artur) e os dois filhos (Ema e Afonso). O elemento índex é o filho mais novo (Afonso) com 29 dias. Para a colheita de dados foi realizada uma entrevista estruturada ao casal aquando das consultas de enfermagem de Saúde Infantil e Juvenil e consultada informação complementar nos registos de Enfermagem (SClínico). A família aceitou participar de forma voluntária no estudo, tendo-lhes sido explicado os objetivos do mesmo.

1. Enquadramento teórico

A família permite o crescimento e o desenvolvimento dos indivíduos tornando-se o maior grupo de socialização. É aqui que os diferentes membros se inter-relacionam, vivenciam situações em conjunto e a alteração de saúde de cada membro irá afetar a família como unidade. Há momentos em que a família vive mudanças esperadas e/ou inesperadas que implicam que haja necessidade de criar mecanismos de adaptação para restabelecer o seu equilíbrio. O desenvolvimento da família acontece através destas transições ao longo do tempo (Figueiredo, 2009).

O nascimento de uma criança é considerado uma transição normativa, que acarreta alterações na dinâmica familiar e na família enquanto sistema. O nascimento do primeiro filho leva à formação de um novo subsistema, o parental, mas com o aparecimento do segundo filho nasce um novo subsistema, o fraternal. (Figueiredo, 2009, 2022).

A Enfermagem de Saúde Familiar torna-se fundamental na promoção da saúde e bem-estar de todos os membros da família bem como na colaboração com as famílias em todas as etapas do ciclo de vida. O MDAIF constitui um quadro de referência, a nível teórico e operativo, que permite responder às necessidades dos enfermeiros no que respeita aos cuidados com as famílias, tendo como alvo central a família no contexto dos Cuidados de Saúde Primários (Figueiredo, 2012, 2022, 2023). A avaliação familiar baseada neste modelo é realizada através de três dimensões: a estrutural, a de desenvolvimento e a funcional.

A avaliação familiar foca-se nas áreas de atenção que juntamente com os dados avaliativos forma uma estrutura de organização sistemática, tendo como objetivo adquirir conhecimento da família e estabelecer algumas intervenções para fortalecer a mesma (Figueiredo, 2012).

A dimensão estrutural engloba a estrutura familiar, tendo como objetivo o conhecimento da composição desta e das relações que se estabelecem entre si e com outros subsistemas como uma família alargada e os sistemas amplos. Para além disso, pretende conhecer alguns aspetos específicos do contexto ambiental que a família vive, onde pode sugerir riscos de saúde (Figueiredo, 2011, 2022). Os instrumentos de avaliação familiar nesta dimensão incluem o genograma, o ecomapa e a escala de Graffar Adaptada que nos ajuda a avaliar o conhecimento da família quanto à gestão do rendimento familiar e o tipo de habitação (Amaro, 2001).(Figura 1)

Figura 1 Diagrama Representativo do MDAIF. Disponível em: Figueiredo (2012), p.104 

2. Métodos

Estudo de caso, utilizando como referencial teórico e operativo o MDAIF. numa família constituída pelo pai, a mãe e os dois filhos. Para a colheita de dados foi utilizada uma entrevista estruturada, com base no MDAIF. Foram aplicadas várias escalas, nomeadamente a escala de Graffar adaptada, a escala de readaptação social de Holmes e Rahe, a escala de Faces II e a escala de APGAR Familiar Smilkstein. Na dimensão estrutural foram utilizados os instrumentos representativos, Genograma e Ecomapa.

A elaboração dos diagnósticos e intervenções de enfermagem foi baseada no reconhecimento do cuidar baseado nas forças da família (Augusto, 2017) juntamente com a identificação das suas necessidades ou problemas. Os Diagnósticos de Enfermagem e as Intervenções de Enfermagem foram elaborados tendo por base a linguagem de Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), de acordo com International Council of Nurses (ICN), 2019 e a parametrização utilizada no SClínico. Foram salvaguardadas as questões éticas, com o esclarecimento à família sobre o trabalho e tem como objetivos caracterizar a família de acordo com o MDAIF e identificar as necessidades em saúde da família. A família aceitou participar, de forma voluntária, em todas as fases do estudo, tendo assinado o consentimento informado. Os nomes dos elementos da família são fictícios tendo sido atribuídos pelos autores.

3. Resultados

A composição da família indica-nos quem são os constituintes da mesma, a sua identificação, os laços entre eles, as suas datas de nascimento entre outras informações necessárias para compreender a estrutura e algumas alterações familiares que podem surgir, caso haja óbitos, divórcios, novos casamentos e novos nascimentos ou adoção (Figueiredo, 2012, 2022, 2023). O estudo de família é relativo ao segundo filho do casal, o Afonso, de 29 dias.

O Afonso nasceu em junho de 2021, num Hospital do Serviço Nacional de Saúde. O parto foi eutócico e o bebé nasceu com 3250 g de peso, 47 cm de comprimento e 33 cm de perímetro cefálico. O Apgar ao primeiro minuto foi de 9 e ao quinto minuto de 10.

O casal tem como habilitações académicas um curso de licenciatura. O Pai pertence aos Especialistas das atividades intelectuais e científicas e a mãe é técnica de Saúde, de nível intermédio, estando de licença de parentalidade.

Esta família reside num apartamento, numa zona urbana. É de referir que a mãe e os dois filhos estão afetos a uma Unidade de Saúde Familiar (USF) e o pai está inscrito noutra USF.

Manifestaram que a primeira filha é uma menina “muito viva e cheia de energia, um pouco rebelde e fazendo algumas birras, muitas das quais são para comer”, carecem de “ter mão nela” e de impor alguns limites. O seu irmão é mais calmo, incluindo durante a noite, “as noites têm sido calmas”, não é um bebé que chora muito, mama exclusivamente o leite materno e “mama bem”.

O diagnóstico precoce (teste do pezinho) foi realizado ao quinto dia de vida.

Em relação ao curso de preparação para o parto, a mãe diz que não realizou porque já tinha frequentado aquando da gravidez da primeira filha, mas entendia como importante realizar as consultas de Saúde Materna, na sua USF.

A mãe Benedita referiu na entrevista que depois de acabar a licença de parentalidade não sabe se o seu contrato de trabalho será renovado. Demonstra um pouco de preocupação, no âmbito financeiro, já que tem dois filhos em casa ao seu encargo, sendo o papel de provedor desempenhado pelo marido.

O tipo de família consiste na composição da família e na relação entre os seus membros. Além disto, ao percebermos em que tipo esta família se enquadra ajuda-nos a incorporar as várias formas de organização familiar e a diversidade relativa à sua configuração (Figueiredo, 2012).

Esta família é do tipo nuclear. A família nuclear consiste na formação mais básica das famílias e é constituída pelo Subsistema conjugal/parental, a Benedita (esposa/mãe) e o Artur (marido/pai) e pelo subsistema filial e fraternal, os seus dois filhos, uma menina (Ema) de dois anos e o irmão (Afonso) de 29 dias (cf. Figura 2).

Figura 2 Genograma da família em estudo 

A família extensa identifica o tipo e a frequência do contacto que a família estabelece, além das funções das relações que têm uns com os outros e dos constituintes da família de origem e outros familiares que não fazem parte do sistema familiar (Figueiredo, 2012).

A Benedita descreve que tem uma ótima relação com o seu marido e com os seus filhos e que “é normal como cada casal, ter as suas discussões”, mas que as resolvem juntos falando sobre o motivo da discussão. Apesar de identificar o Artur como um “pouco preguiçoso” e que necessita de ser lembrado para colaborar nas atividades domésticas, este colabora com as crianças.

Em relação aos outros elementos familiares referem que se distanciaram um pouco dos avós dos filhos porque moram longe deles. Apenas costumavam ver-se ao fim de semana e a situação da pandemia Covid-19 não permitiu continuarem com esta dinâmica. No entanto, relatam que têm uma ótima relação com eles e quando necessário os avós dos meninos ajudam. A Benedita revela que a pessoa com quem tem mais afinidade e uma relação mais próxima é a cunhada, a irmã do marido (madrinha do segundo filho), que vive perto deles e que os ajuda em tudo.

Em relação ao resto da família estabelecem uma relação de proximidade, ajudando-se uns aos outros quando necessitam (cf. Figura 3).

Os sistemas mais amplos englobam as interações sociais em alguns contextos dos quais a família faz parte. Estes contextos podem ser instituições sociais ou pessoas significativas que não são constituintes da família alargada (Figueiredo, 2012).

A família mantém uma relação muito forte com o resto do seio familiar e amigos. Apesar de alguma distância nada os impede de comunicar através do telemóvel, especialmente por vídeo chamada para que a família acompanhe o crescimento das crianças. Citam alguma proximidade com alguns vizinhos, especialmente os que moram no mesmo andar ou nos andares mais próximos.

A Benedita manifesta que quando precisa de cuidados de saúde recorre à sua equipa de saúde familiar, na USF.

Relativamente aos antecedentes pessoais, a utente Benedita teve um acidente há alguns anos do qual resultaram algumas sequelas e teve ainda de ser seguida no Hospital, na área da fisioterapia.

O Ecomapa é necessário para a avaliação familiar com o objetivo de identificar e compreender as relações entre os seus elementos.

Figura 3 Ecomapa da família em estudo 

A classe social permite avaliar os recursos e os fatores de stress que a família sofre. Estes recursos e estes fatores podem estar relacionados com os aspetos económicos, aspetos de instrução, aspetos de grupo profissional e aspetos do contexto residencial (Figueiredo, 2012).

O rendimento familiar desta família advém do provedor da família (Artur). De acordo com a mesma escala, esta família pertence à classe média alta.

O edifício residencial consiste num espaço onde a família habita e que fornece abrigo à mesma. De acordo com uma categoria habitacional este edifício deve englobar aspetos da habitação associados à existência de barreiras arquitetónicas, o tipo de aquecimento e de abastecimento de gás e, também, a higiene do local (Figueiredo, 2012, 2022). A família reside numa habitação própria (apartamento) constituído por uma sala, uma cozinha totalmente equipada, duas casas de banho e dois quartos. Em relação aos quartos, a mãe demonstrou o desejo de querer aumentar o apartamento e comprar o apartamento do lado para depois os juntar, pois precisa de mais espaço com o segundo filho, mas refere que “está difícil” e não revelou o motivo.

Em relação às medidas de segurança por causa dos seus dois filhos, os pais relatam que a casa é segura de forma que a menina pode andar livremente, tem proteções nas portas dos móveis, tem medicamentos e detergentes ou outro tipo de líquidos tóxicos fora do alcance das crianças e fechados num armário com chave.

A Benedita confidenciou-nos que é ela quem cuida da casa e a mantem organizada e limpa. O marido não a ajuda nestas tarefas, mas ajuda a cuidar dos filhos, principalmente na alimentação, higiene e outros.

O sistema de abastecimento engloba o sistema de abastecimento de água que consiste no acesso que as famílias têm à água potável, extremamente importante na manutenção das condições imprescindíveis à promoção da saúde. Para além do abastecimento de água temos também o serviço de tratamento de resíduos que se estabelece numa das variáveis importantíssimas do saneamento da habitação e coletividade, englobando-se na avaliação do sistema de abastecimento pois constitui-se numa acessibilidade a recursos básicos, necessários para sustentar a saúde dos indivíduos e famílias (Figueiredo, 2012, 2022, 2023). Em relação ao abastecimento de gás referem que é de gás natural.

A família relata que tem um fontanário perto de casa e que utiliza a sua água para beber. A Benedita revela que tem o cuidado de ferver a água para si e para os seus filhos para evitar alguma intoxicação ou alguma doença, exceto o seu marido que não tem esse cuidado e bebe a água desse fontanário sem qualquer cuidado prévio.

A dimensão de desenvolvimento permite a compreensão dos fenómenos relacionados com o crescimento da família numa abordagem processual e contextual (Figueiredo, 2012).

Na compreensão do contexto desenvolvimental da família é necessário o reconhecimento do ciclo vital e também dos seus processos de evolução transacional relacionados com o crescimento específico e exclusivo de cada família (Figueiredo, 2012).

Segundo o Ciclo Familiar de Duvall, esta família enquadra-se no segundo estadio, família com filhos pequenos.

A satisfação conjugal direciona a sua atenção nos processos de conjugalidade relacionados à continuidade de uma relação satisfatória apoiando as suas múltiplas vertentes que se ligam entre si. Relativamente aos processos de conjugalidade, estes modificam-se ao longos dos anos de casados e estão relacionados à forma como o próprio casal se adapta às transições dos seus elementos e também à gestão comum quando se depara com pressões internas e externas de outros subsistemas (Figueiredo, 2012).

Durante a entrevista a Benedita evidenciou que discutem algumas vezes, mas conseguem resolver as suas desavenças à base da conversa pois têm uma boa comunicação. Apesar destas situações e de considerar que o marido não lhe dá a ajuda doméstica pretendida, refere que se dão muito bem como casal e ele apoia-a incondicionalmente em tudo.

O planeamento familiar está relacionado com os processos de toma de decisão do casal acerca da regulação do número de filhos e do tempo entre estes. É necessário adquirir conhecimento e acessibilidade por parte dos casais a métodos de planeamento familiar que sejam seguros, eficazes e aceitáveis e, também, acesso a consultas pré-concecionais que ajudam os casais a ter melhores oportunidades de criar crianças saudáveis (Figueiredo, 2012).

O planeamento familiar engloba algumas subáreas ou sub-definições, tais como o uso de contracetivo, conhecimento sobre vigilância pré-concecional e conhecimento sobre reprodução e fertilidade (Figueiredo, 2012).

Este casal revela conhecimentos sobre a reprodução, sobre a fertilidade, sobre os métodos contracetivos que podem ser utilizados para prevenir a gravidez, sobre a anatomia e fisiologia do sistema reprodutor masculino e feminino, sobre a fecundação e gravidez, sobre o tempo indicado entre gravidezes e apresenta conhecimentos sobre a existência das consultas de planeamento familiar (as quais frequentam). Desta forma são capacitados a tomar todas as decisões de forma consciente e informada.

Em relação à gravidez a mãe refere ainda que as gravidezes foram planeadas e que foi excelente porque ela queria ter dois filhos e com pouca diferença de idades entre eles. Na opinião do pai já não queria ter o segundo filho porque achava que já era demasiado difícil lidar com a sua primeira filha e se o segundo filho tivesse a mesma personalidade da irmã iria ser extremamente difícil. Mas o menino Afonso nasceu e eles manifestam muita felicidade referindo que “não poderiam estar mais felizes”.

O papel parental consiste em padrões comportamentais das pessoas que constituem a família em relação à expectativa e crença sobre o papel que resulta do modelo funcional do sistema e dos fatores culturais ligados à co-construção deste mesmo modelo. Ao exercício deste papel está relacionada a reciprocidade internacional, os constituintes da família a quem se dirige o mesmo e o sistema como um todo, interdependente e auto-organizativo. Engloba a componente do conteúdo associado às expectativas e a reciprocidade relacional, delimitada pelo grau de poder e relação afetiva (Figueiredo, 2012).

O casal mostrou ter conhecimentos de como cuidar de um bebé e de uma criança de dois anos. Mostraram conhecimentos acerca da higiene quer corporal quer oral das crianças, da introdução dos alimentos por fases em bebés, da importância da vacinação e de manter o esquema vacinal atualizado, da segurança em casa e noutros locais para que não haja nenhum incidente com as crianças. Manifestaram a importância do “saber dar amor”, mas também o saber “dizer não” e “impor limites e regras” para fomentar uma boa educação. Foi necessário, numa parte inicial, realizar alguma educação para a saúde direcionada a esta mãe, relativamente ao aleitamento materno que realizava em livre demanda (regime livre) e às mamadas (pega).

A avaliação funcional consiste nos padrões de interação familiar que possibilitam o desempenho das funções e das tarefas familiares baseadas na complementaridade funcional, que fornece a sustentabilidade ao sistema e os valores que proporcionam a concretização das suas finalidades, pelos processos co-evolutivos que permitem a continuidade. A dimensão instrumental consiste nas atividades quotidianas que a família realiza e a dimensão expressiva nas interações entre os constituintes da família, tendo como expetativa a identificação das necessidades relativas a estas áreas familiares ligadas às outras áreas e que possibilitam a compreensão da família enquanto sistema complexo e multidimensional (Figueiredo, 2012).

Relativamente à dimensão instrumental, o membro da família que desempenha o papel doméstico é a mãe e o pai ajuda com as crianças.

As transições familiares podem provocar stress na família e consequentemente causar patologias psicossomáticas. Assim, foi aplicada a Escala de Readaptação Social de Holmes e Rahe. O valor obtido foi 740, o que traduz que esta família tem 80% de probabilidade de desenvolver patologias psicossomáticas.

O processo familiar foca a sua atenção nos padrões de interação. A sistematização das dimensões desta área de atenção é baseada na nomeação do processo familiar, importantíssimo para a compreensão da dimensão funcional expressiva da família e que consiste no padrão transacional que surge das interações contínuas entre os constituintes da família, englobando a complexidade que resulta dos processos de circularidade, auto-organização, equifinalidade, globalidade, entre outros que descrevem a família enquanto sistema autopoiético transformativo (Figueiredo, 2012). Após aplicação da escala Faces II, verifica-se que a família é muito ligada, flexível e equilibrada e com a perceção de ser uma família altamente funcional, de acordo com a escala de APGAR Familiar.

Na intervenção familiar, a realização dos diagnósticos e intervenções são baseados na identificação das forças da família juntamente com a identificação das suas necessidades ou problemas. Esta identificação é realizada através da análise dos dados obtidos, na interação com as famílias e pela complexidade, intersubjetividade e contextualidade das mesmas (Figueiredo, 2012).

São considerados enunciados resultantes de critérios pré-definidos, da avaliação completa em cada área de atenção de forma que seja possível obter informações para a sua criação, tendo em conta os seguintes princípios:

  • Validação com a família sobre as forças e os problemas percecionados, a partir das relações intersistémicas e as repercussões da sua ação em outros pontos da rede familiar;

  • Enumeração dos problemas identificados, priorizados de acordo com a perceção da família sobre a importância da resolução dos mesmos para o restabelecimento da saúde familiar;

  • Estabelecimento com a família acerca dos principais objetivos de mudança, considerando novas formas de funcionamento associadas aos processos de morfogénese (Figueiredo, 2012).

De acordo com os resultados obtidos, permitiu identificar os diagnósticos, planear e avaliar as intervenções de enfermagem. (Tabela 1)

Tabela 1 Diagnósticos e Intervenções de enfermagem 

Diagnósticos Intervenções de enfermagem
Papel parental comprometido Apoiar família; Apoiar processo de coping familiar; Apoiar processo de tomada de decisão familiar; Avaliar ambiente; Avaliar coping familiar; Avaliar apoio emocional; Avaliar capacidade de gerir stress; Avaliar capacidade de tomar conta; Avaliar conhecimento; Avisar sobre alojamento; Promover desenvolvimento da criança; Facilitar capacidade para desempenhar papel.
Amamentação comprometida Avaliar conhecimento; Aconselhar amamentação; Promover amamentação exclusiva; Avaliar amamentação; Avaliar evolução da amamentação; Apoiar a amamentação; Ensinar sobre a duração das mamadas e dos intervalos entre as mamadas; Ensinar sobre cuidados mamários.
Risco de Acidentes Avaliar conhecimento; Avaliar precaução de segurança; Avaliar risco de quedas e de queimaduras; Demonstrar como prevenir quedas e queimaduras; Ensinar família sobre a prevenção de quedas e de queimaduras; Monitorizar risco de queda e de queimaduras; Prevenção de quedas e de queimaduras.
Vinculação não comprometida Avaliar comportamento de vinculação; Avaliar conhecimento da mãe e do pai para promover a vinculação; Avaliar conhecimento da mãe e do pai para promover a vinculação entre os dois irmãos.
Desenvolvimento Infantil não comprometido Monitorizar altura; Monitorizar índice de massa corporal; Monitorizar peso corporal; Monitorizar perímetro cefálico; Avaliar desenvolvimento.
Adesão à vacinação não comprometida Administrar vacinas; Avaliar adesão ao regime de imunização; Avaliar reações às vacinas; Avaliar conhecimento relativo às vacinas e ao programa de vacinação.
Saturação de papel maternal Avaliar saturação do papel; Promover estratégias de coping para o papel; Promover o suporte da família; Motivar a redefinição dos papéis pelos membros da família; Negociar a redefinição de papéis pelos membros da família; Promover o envolvimento da família; Colaborar na identificação dos papéis familiares; Avaliar as dimensões não consensuais do papel.

Conclusão

A família é o centro dos cuidados da Enfermagem Familiar e é vista como um todo, na totalidade dos seus elementos. Neste sentido, o enfermeiro deve conhecer as necessidades e os problemas das famílias de modo a adequar as suas intervenções para apoiar as mesmas em todas as fases da sua vida, de forma a obter ganhos em saúde.

Quanto à dimensão estrutural, a família em estudo insere-se numa classe social média-alta, residente em zona urbana, num apartamento com dimensões adequadas ao tipo de família, com necessidade manifesta de mudarem para um espaço maior. O abastecimento da água é da rede pública, mas para beber utilizam a água de um fontanário. Reúnem condições de segurança, de acordo com a idade dos filhos e manifestam essa preocupação.

As necessidades diagnosticadas com alvo de intervenção de enfermagem foram Papel Parental comprometido, Amamentação comprometida, Saturação do papel maternal. Perante estas, a intervenção visou a educação para a saúde no sentido da sua capacitação e resolução das mesmas. Após as intervenções podemos concluir que houve mudança de comportamento, uma maior ajuda do pai no papel doméstico e consequentemente uma atitude de colaboração mais facilitadora. No âmbito da amamentação verificou-se um papel mais eficaz aquando das mamadas e uma aceitação por parte da mãe, contribuindo para a resolução rápida e eficiente do problema.

A aplicação do MDAIF permitiu avaliar a família e identificar as suas necessidades, tornando o processo de resolução de problemas mais sistemático, direcionado, colaborativo, levando a tomadas de decisão mais fundamentadas, aumento da literacia em saúde e ganhos em saúde da família.

O presente estudo tem implicações para a prática quotidiana do enfermeiro de família nas suas intervenções com as famílias visando a capacitação das mesmas e dos seus membros ao longo do ciclo de vida, para uma tomada de decisão mais ativa e colaborativa.

É de realçar que estes casos clínicos são realizados e divulgados, o que contribui para o conhecimento na área da Enfermagem de saúde familiar. O Enfermeiro de família deverá promover estudos com as famílias que cuida, para uma intervenção mais direcionada e eficiente, envolvendo a família na tomada de decisão, valorizando assim o seu papel na sociedade atual.

Contribuições dos autores

Conceptualização, C.N., A.A. e A.P.; tratamento de dados, C.N., A.A., J.V. e A.P.; análise formal, C.N., A.A., J.V. e A.P.; investigação, C.N., A.A. e A.P.; metodologia, C.N. e A.P.; recursos, C.N., A.A., J.V. e A.P.; programas, C.N., A.A., J.V. e A.P.; supervisão, C.N., A.A., J.V. e A.P.; validação, C.N. e A.A.; visualização, C.N., A.A., J.V. e A.P.; redação - preparação do rascunho original, C.N., A.A., J.V. e A.P.; redação - revisão e edição, C.N., A.A. e J.V.

Conflito de interesses

Os autores declaram não existir conflitos de interesses.

Referências bibliográficas

Amaro, F. (2001). A classificação das famílias segundo a Escala de Graffar. Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso. [ Links ]

Augusto, Cláudia & Encarnação, Paula (2017). Cuidar em enfermagem baseado nas forças: promover competências de observação nos estudantes de enfermagem para a realização do exame físico. [Tese e Doutoramento, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto]. https://hdl.handle.net/1822/45528Links ]

Figueiredo, M. H. J. (2009). Enfermagem de família: Um contexto do cuidar. [Tese de Doutoramento em Ciências de Enfermagem, Universidade do Porto]. Repositório da Universidade do Porto. http://hdl.handle.net/10216/20569Links ]

Figueiredo, M. H. (2011). Manual de Apoio à aplicação do Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar. [ Links ]

Figueiredo, M. H. (2012). Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar: Uma abordagem colaborativa em Enfermagem de Família. Lusociência. [ Links ]

Figueiredo, M. H. (2022). Conceção de Cuidados em Enfermagem de Saúde Familiar Estudos de caso. Sabooks Editora. [ Links ]

Figueiredo, M. H. (2023). Enfermagem de Saúde Familiar. Lidel. [ Links ]

International Council of Nurses (2019). Browser CIPE. Obtido em 6 de dezembro de 2020, de Conselho Internacional de Enfermeiros: https://www.icn.ch/what-we-do/projects/ehealthicnptm/icnp-browserLinks ]

Ordem dos Enfermeiros (2012). Relatório de Atividades 2011. Ordem dos Enfermeiros. https://www.ordemenfermeiros.pt/arquivo/ordem/Documents/RelatorioAtividades_2011_AG24Mar2012.pdfLinks ]

Ordem dos Enfermeiros (2018). Regulamento das competências específicas do enfermeiro especialista em enfermagem comunitária na área de e Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública e na área de Enfermagem de Saúde Familiar. Ordem dos Enfermeiros. https://static.sanchoeassociados.com/DireitoMedicina/Omlegissum/legislacao2018/Julho/Regulam_428_2018.pdfLinks ]

Ordem dos Enfermeiros (2023). Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem Comunitária - Referencial em Enfermagem de Saúde Familiar. Ordem dos Enfermeiros. https://www.ordemenfermeiros.pt/media/28497/tomada-de-posic-a-o-1-2023_mceec_referencial-em-enfermagem-de-sau-de-familiar.pdf. [ Links ]

Recebido: 29 de Julho de 2023; Aceito: 28 de Dezembro de 2023

Autor Correspondente Carla Nunes Avenida Madre Rita de Jesus, 3 3500-179 - Viseu- Portugal carlacgnunes@hotmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons