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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social n.180 Lisboa 2006
O retorno do escravismo em meados do século XIX
João Pedro marques*
No último quartel do século XIX, Portugal e outros países europeus participaram na conquista e ocupação do interior africano e assentaram a exploração dos novos territórios em formas de exploração da mão-de-obra muito próximas da escravidão — que se supunha abolida. Este artigo mostra como tal paradoxo se gerou nas décadas de 1850-1860 e como resultou de alterações na forma como os povos ocidentais passaram a ver o negro e o problema do trabalho em áreas tropicais.
Palavras-chave: Escravatura, Portugal - séc. XIX, História.
Le retour de l’esclavagisme en plein XIXe siècle
Tout au long du dernier quart du XIXe siècle, tant le Portugal que d’autres pays européens ont conquis et occupé l’interland africain et fait reposer l’exploration de ces nouveaux territoires sur des formes d’exploitation de la main d’oeuvre très proches de l’esclavage — que l’on supposait aboli. Cet article montre comment un tel paradoxe s’est établi pendant les décennies de 1850-1860 et comment il a résulté de modifications dans la façon dont les peuples occidentaux envisageaient le noir et le problème du travail dans les zones tropicales.
The return of slaving in the middle of the nineteenth century
In the final quarter of the nineteenth century, Portugal and other European countries took part in the conquest and occupation of the African hinterland and based their exploitation of the new territories on forms of exploiting labour which were very close to slavery — which had supposedly been abolished. This article shows how this paradox arose in the decades of the 1850s and 60s, and how it was the outcome of changes in the way the Western peoples came to see the Negro and the problem of labour in the tropics.
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1 A Nação, 25 de Julho de 1875.
2 Para um exemplo de anteriores abordagens de A Nação ao problema da escravatura, v. a edição de 23 de Janeiro de 1851. Para o arcaísmo da ideia de salvação das almas no seio da ideologia escravista, v. João Pedro Marques, Portugal e a Escravatura dos Africanos, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2004, pp. 113 e segs.
3 Crónica de Guiné, XXV-XXVI.
4 D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, Analyse sobre a justiça do Commercio do Resgate dos Escravos da Costa de Africa, novamente revista e acrescentada por seu author, Lisboa, 1808, pp. 26 e 33-60.
5 Montesquieu, De l'esprit des lois, caps. VI-VIII, liv. XV, Paris, 1849 (1.ª ed., 1748).
6 David B. Davis, The Problem of Slavery in the Age of Revolution, 1770-1823, Ithaca (Nova Iorque) e Londres, Cornell University Press, 1975, pp. 213-254. [ Links ]
7 Id., Slavery and Human Progress, Oxford, Oxford University Press, 1984 (toda a obra).
8 João Pedro Marques, Os Sons do Silêncio: o Portugal de Oitocentos e a Abolição do Tráfico de Escravos, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 1999, pp. 116 e segs.
9 Francisco Soares Franco, Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e Brazil, quarto caderno, Lisboa, 1820, p. 18. Para pensamentos análogos no Portugal de finais do século XVIII e princípios do século XIX, v. Marques, Os Sons , cit., pp. 79 e segs. e 127 e segs.
10 Franco, op. cit., pp. 6-7 e 17-18.
11 Para o conceito de toleracionismo, v. Marques, Os Sons , cit., em particular pp. 30 e segs.
12 Sobre a forma como, em inícios do século XIX se podiam perspectivar as experiências levadas a cabo com mão-de-obra livre nos trópicos, v. Seymour Drescher, The Mighty Experiment. Free Labor versus Slavery in British Emancipation, Oxford, Oxford University Press, 2002, p. 108.
13 David B. Davis, The Problem , cit., pp. 87 e segs.
14 Como exemplo, v. Diário da Câmara dos Deputados (doravante DCD), sessão de 11 de Dezembro de 1826, p. 157.
15 David B. Davis, «The emergence of immediatism in British and American anti-slavery thought», in The Mississipi Valley Historical Review, xlix, 2, 1962, p. 228.
16 W. A. Green, British Slave Emancipation. The Sugar Colonies and the Great Experiment, 1830-1865, Oxford, Clarendon Press, 1976, pp. 115 e segs. e 136 e segs.
17 Id., ibid., pp. 151 e segs., e Davis, Slavery , cit., p. 208.
18 Drescher, op., cit., p. 145.
19 Cfr. Diário do Governo (doravante DG), 2 de Abril de 1836.
20 Sá da Bandeira, O tráfico da escravatura e o bill de Lord Palmerston, Lisboa, 1840, p. 8.
21 João Pedro Marques, «Uma cosmética demorada: as Cortes perante o problema da escravidão (1836-1875)», in Análise Social, n.os 158-159, 2001, pp. 214 e segs.
22 Id., ibid., pp. 227 e segs.
23 Câmara dos Pares, sessão de 5 de Fevereiro de 1846, in DG, 13 de Fevereiro de 1846.
24 Green, op. cit., p. 127.
25 Drescher, op. cit., pp. 147 e 152.
26 Id., ibid., p. 146.
27 Green, op. cit., pp. 117 e 164-175.
28 Para as contradições entre free trade e abolicionismo, v. David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Nova Iorque, Oxford University Press, 1987, pp. 185-186.
29 Id., ibid., pp. 223-235, e Drescher, op. cit., pp. 179 e segs.
30 Para a emigração para as West Indies, v. W. A. Green, «The West Indies and British West African policy in the nineteenth-century. A corrective comment», in The Journal of African History, xv, 2, 1974, p. 257, e David Eltis, «Free and coerced transatlantic migrations. Some comparisons», in The American Historical Review, 88, 2, 1983.
31 W. A. Green, «Was British emancipation a success? The abolitionist perspective», in David Richardson (ed.), Abolition and its Aftermath. The Historical Context, 1790-1916, Londres, Frank Cass, 1985, pp. 183-202, e David Eltis, «Abolitionist perceptions of society after slavery», in James Walvin (ed.), Slavery and British Society, 1776-1846, Londres, 1982, pp. 204-205.
32 Para os aspectos relativos à Jamaica, v. Catherine Hall, Civilising Subjects. Metropole and Colony in the English Imagination, 1830-1867, Cambridge, Polity Press, 2002, em especial pp. 240-263.
33 The Times, 18 de Julho de 1857, comentado por Le Constitutionel e cit. in DG, 8 de Janeiro e 3 de Fevereiro de 1858.
34 Para os aspectos relacionados com o declínio do abolicionismo em Inglaterra, v. Hall, op. cit., pp. 23-25.
35 The Times, 18 de Julho de 1857, comentado por Le Constitutionel e cit. in DG, 8 de Janeiro de 1858.
36 Drescher, op. cit., p. 229.
37 Para exemplos dessas posições, v., respectivamente, A Revolução de Septembro, 15 de Maio de 1856, e Jornal do Commercio, 17 de Fevereiro de 1861.
38 DCD, sessões de 7 e 8 de Março de 1856, pp. 72 e 85, respectivamente.
39 O Panorama, 1857, p. 268.
40 V., por exemplo, DCD, sessões de 5 de Fevereiro e de 15 de Abril de 1859, pp. 41 e 190, respectivamente, e Câmara dos Deputados, sessão de 20 de Fevereiro de 1861, in Diário de Lisboa (doravante DL), 22 de Fevereiro de 1861.
41 V., nomeadamente, Revista das Colónias, 11 de Dezembro de 1863.
42 Câmara dos Pares, sessão de 15 de Junho de 1864, in DL, 21 de Junho de 1864.
43 Câmara dos Deputados, sessão de 2 de Junho de 1864, ibid., 4 de Junho de 1864.
44 Id., sessão de 12 de Abril de 1864, ibid., 14 de Abril de 1864.
45 Id., sessão de 11 de Abril de 1864, ibid., 13 de Abril de 1864.
46 V., por exemplo, os discursos de Gomes de Castro e de João Crisóstomo (id., sessões de 12 de Abril de 1864 e de 5 de Maio de 1865, ibid., 14 de Abril de 1864 e 10 de Maio de 1865).
47 A Civilização da Africa Portuguesa, 9 de Maio de 1867.
48 Sá da Bandeira, O trabalho rural africano e a administração colonial, Lisboa, Imprensa Nacional, 1873, pp. 85-86. Para uma opinião semelhante à de Sá, v. o folheto do seu sobrinho Eduardo A. de Sá Nogueira Pinto de Balsemão, Os Escravos. Duas palavras sobre a Memoria Publicada pelo Sr. Juiz Carlos Pacheco de Bettencourt ácerca da abolição da Escravidão, Luanda, 1867.
49 Sá da Bandeira, O Trabalho , cit., p. 73; v. a exposição destas ideias na portaria de 22 de Setembro de 1858, DG, 4 de Outubro de 1858.
50 Marques, «Uma cosmética », cit., pp. 243-245.
51 Valentim Alexandre e Jill Dias (coords.), O Império Africano, 1825-1890, Lisboa, Ed. Estampa, 1998, p. 97.
52 Marques, «Uma cosmética », cit., pp. 246-247.
53 A Revolução de Septembro, 14 de Janeiro de 1875.
54 Sá da Bandeira, O Trabalho , cit., pp. 12 e 24-25, e também A Revolução de Septembro, 26 de Janeiro de 1875 (respondendo a António José de Seixas).
55 DG, 25 de Novembro de 1878.
56 Adelino Torres, «Legislação do trabalho nas colónias africanas no 3.º quartel do século xix: razões do fracasso da política liberal portuguesa», in Actas da 1.ª Reunião Internacional de História de África. Relação Europa-África no 3.º Quartel do século XIX, Lisboa, IICT, 1989, pp. 74-75.
57 Marques, «Uma cosmética », cit., e «Portugal e a abolição da escravidão: uma reforma em contra-ciclo», in Africana Studia, 7, 2004.
* Instituto de Investigação Científica Tropical.