Introdução
Ao longo do tempo, o exercício de deliberação política tem vindo a complexificar-se. A consolidação da democracia obrigou à consideração do interesse de mais atores e instituições nacionais na tomada de decisão, para além de o aprofundamento de dinâmicas de globalização ter alargardo essa ponderação a atores internacionais. No debate político, a construção argumentativa passou a implicar a evocação de múltiplas vozes: referências de diferentes tipos e de natureza distinta utilizadas para atribuir credibilidade e autoridade às posições defendidas. Contudo, não existem estudos que procurem sistematizar que instituições nacionais e internacionais estão presentes no debate nacional em educação, mapeando o campo e explorando a forma como são utilizadas no exercício de política.
A maioria das pesquisas que foca fontes de autoridade na análise de políticas de educação concentra-se na identificação da influência das organizações internacionais nas políticas, a partir de um olhar sobre as políticas, ora apontando o seu papel na institucionalização do modelo educativo definido na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) (Lemos, 2014), ora identificando um referencial europeu para as políticas educativas (Nóvoa e Lawn, 2002; Antunes, 2006; Martins, 2012).
Com foco na deliberação nacional, tendo como fonte os debates parlamentares, são também escassas as referências. Carla Menitra (2009) explora a construção da política de autonomia escolar, analisando “momentos-chave” do processo deliberativo e Íris Santos e Jaakko Kauko (2020) investigam as externalizações - referências a fontes internacionais na argumentação sobre educação. De forma relevante, a investigação de Mónica Brito Vieira e de Filipe Carreira da Silva (2010), explora a constitucionalização dos direitos sociais em Portugal através da análise dos debates centrados na “liberdade de aprender e ensinar” (art.º 43.º) e nos “direitos à educação e cultura” (art.º 73.º).
Esse trabalho, focado na análise das estratégias e tipos de argumentação usados pelos representantes dos partidos nos debates em plenário aborda as fontes de autoridade utilizadas nos debates da Assembleia Constituinte como “[…] valiosos recursos argumentativos para o trabalho parlamentar desenvolvido em plenário, servindo ora para legitimar melhor a posição de quem o mobiliza, ora para, por referência a elas, se criticar e publicamente denunciar a insustentabilidade das posições dos adversários” (Vieira e Silva, 2010, p. 91).
A presente investigação visa contribuir para este património de investigação em torno da deliberação em política de educação, acrescentando uma análise estrutural dos aspetos constituintes do discurso argumentativo.1 Nesta análise, o foco são as formas argumentativas e as estratégias discursivas que enquadram a utilização das diferentes fontes de autoridade - nacionais, internacionais, legais ou científicas2 - pelos diferentes atores políticos e partidos com assento parlamentar, a partir de uma perspetiva diacrónica, mas com foco em episódios discursivos que visam melhor descrever as dinâmicas gerais identificadas pela pesquisa.
Deliberação e discurso na análise de políticas públicas
A análise da deliberação e do discurso parlamentar foi, durante muito tempo, pouco explorada no âmbito das políticas públicas. Seguindo de perto tendências comuns às várias ciências sociais, até ao final dos anos 1980 as abordagens quantitativas, positivistas e inspiradas na escolha racional dominaram o desenvolvimento da disciplina, não promovendo a exploração deste campo. Mas fazendo referência aos primórdios da disciplina e aos contributos de Lasswell e Kaplan (1950), este enquadramento foi questionado por autores como Deborah Stone (2012 [1988]), Peter Hall (1993) e Fischer e Foster (1993), que propuseram um retorno às origens e destaque à análise de discurso, abrindo a porta ao estudo da deliberação na perspetiva das políticas públicas. Embora tenham já decorrido mais de 25 anos, a análise de discurso em políticas públicas luta ainda pelo reconhecimento e institucionalização. As distinções entre “escolas” são empoladas, procurando diferenças ontológicas e epistemológicas entre teóricos do discurso (Van Dijk, 1985), sendo propostas diversas tipologias que apontam designações distintas e associações de geometria variável entre contributos (Glynos et al., 2009).
Joaquim Azevedo (1998), numa análise abrangente do campo das ciências sociais, propõe um esquema tripartido das abordagens na análise do discurso, que organiza a diversidade interna existente no campo. As contribuições distribuir-se-iam em três eixos: ontológico, significação e abordagem. Do ponto de vista ontológico, na maior parte dos casos recusando e criticando o realismo “ingénuo” do positivismo, as contribuições variam desde o realismo crítico à teoria crítica, construtivismo e relativismo social. Na significação, distinguem-se os que focam o discurso individual e as estruturas linguísticas e os que o interpretam no contexto de produção e nos sentidos sociais expressos.3 Quanto às abordagens, na tradição da análise de discurso é possível encontrar exemplos da utilização de várias técnicas, desde contagens e codificações de discursos até à análise de conteúdo e métodos hermenêuticos (Azevedo, 1998). Também salientando a proximidade entre os diversos contributos nas políticas públicas, Vivien Schmidt (2010) incorpora-os no termo “institucionalismo discursivo”, destacando o facto de se centrarem no conteúdo substantivo das ideias e processos discursivos de interação, identificando preferências, estratégias e orientações normativas dos atores.
De facto, a análise das diversas contribuições do campo das ciências sociais permite efetivamente reconhecer um processo cumulativo e que se caracteriza menos por oposições e mais pela expansão do conceito de discurso. Ultrapassando a delimitação das análises linguísticas e semânticas do conteúdo discursivo, a teoria dos atos da fala de Austin (1911-1960) abriu o campo da pragmática à teoria social e permitiu reconhecer a comunicação (e o silêncio) como um ato que, no seu conteúdo mínimo, não deixa de ser de (re)produção de sentido social. Autores como Searle (1979), Foucault (1972) e Pêchaux (1990) aprofundam esta contribuição, focando o sistema de regras historicamente determinado que enquadra as possibilidades discursivas, permitindo identificar “ordens de discurso” e as “formações discursiva” que tornam as possibilidades, os limites e os sentidos da ação discursiva dependentes dos contexto situacionais, históricos e ideológicos.
Nessas perspetivas, são privilegiadas as condições de produção: o discurso materializa ideologias, ligando-se, assim, a sistemas abrangentes de regras, instituições, ideias e interesses (Glynos et al., 2009). Entre o pós-estruturalismo e as análises críticas e interpretativistas do institucionalismo discursivo, são claras as proximidades. Mas enquanto o pós-estruturalismo privilegia a identificação do poder estrutural das ideias ou do poder coercivo sobre ideias, os investigadores do institucionalismo discursivo focam, ainda, o poder persuasivo das ideias (Schmidt, 2017).
O presente artigo visa contribuir para este património conceptual e metodológico, propondo a combinação não só entre uma análise focada na interpretação do discurso, atenta aos processos de troca argumentativa e ao conteúdo expresso e não expresso, mas também numa análise que visa enquadrar o discurso no contexto de produção a partir da identificação das regularidades e macroestruturas discursivas. Procurou-se ter em conta um conceito de discurso lato, considerando-o enquanto totalidade do espaço de interação verbal, enquanto um grupo de asserções e como uma prática regulada (Foucault, 1972, p. 80). Esta estratégia foi viabilizada por uma abordagem quantitativa de categorização do discurso, utilizando a identificação de fontes de autoridade como estratégia e tendo em conta aspetos de regimento e de legitimação discursiva, e uma análise qualitativa focada no conteúdo argumentativo e em episódios de troca argumentativa em plenário.
O processo analítico foi composto por três etapas: uma etapa textual, com o objetivo de caracterizar o discurso; um nível situacional, focado na sua compreensão no contexto; e um nível sociológico, em que o discurso foi analisado no processo dialógico entre níveis, centrado na análise dos propósitos do ato discursivo (Fairclough, 1992). A partir da análise situacional, o que está em causa é a compreensão crítica do discurso no espaço e tempo de produção, distinguindo os contextos situacionais e intertextuais. Na perspetiva situacional, a atenção está na intenção e circunstâncias de produção do discurso. As frames e narrativas - “definições da situação” ou esquemas de interpretação (Goffman, 1974) - são analisadas enquanto “cola que agrega a massa”, base de coligações de interesse e grupos de pressão (e. g. Hajer, 2006; Shanahan, Jones e Mcbeth, 2011). A análise intertextual alarga esta ancoragem e viabiliza a diacronia, procurando a ligação a repertórios discursivos4 mais vastos, identificando a forma como as narrativas articulam relações de poder. Tem na identificação de “intertextualidades” uma das estratégias empíricas (Foucault, 1972; Fairclough, 1992; Wodak, 2009).
Cunhado por Julia Kristeva nos anos 1960, o conceito de “intertextualidade” é utilizado para designar referenciações e ligações que se estabelecem num discurso relativamente a outros discursos (Fairclough, 1992) e que podem ser explícitas, envolvendo a citação ou nomeação direta da fonte, ou implícitas, sugeridas a partir de expressões usadas, géneros ou estilos de discurso. É uma estratégia argumentativa que visa a “evidencialidade”,5 corroborar afirmações e reforçar uma ideia de objetividade, confiança e credibilidade (Van Dijk, 2007). As intertextualidades são socialmente limitadas e condicionais face a relações de poder: alguns textos, discursos, perspetivas são reproduzidos e evocados em momentos chave para atribuir credibilidade e autoridade ao que é dito e outros são descredibilizados, censurados e ignorados. O ato de atribuição de autoridade reforça-a e as instituições e figuras citadas fortalecem a sua posição de “autoridades de definição” (Foucault, 1972, p. 23).
Nesta análise, focada na identificação de intertextualidades, estas são perspetivadas como características estruturais do discurso político sobre educação que permitem a identificação, de forma ampla, das fontes de autoridade qualificadas e reconhecidas, a partir da sua utilização na argumentação na AR. A exploração circunscreveu-se às intertextualidades explícitas, mas considerando diferentes tipos: científicas, nacionais e internacionais, identificando instituições presentes e o sentido da sua mobilização nas estratégias discursivas encetadas.
Método
O método utilizado procurou combinar o controlo da teoria dos esquemas mais dedutivos com a intenção exploratória das estratégias indutivas. Baseando-se e aprofundando, ao longo do processo, as várias contribuições da análise de discurso, as categorias emergiram com a leitura dos debates: à medida que se analisavam os debates e se exploravam leituras, eram criados códigos e subcódigos, agrupando os elementos recorrentes.
O processo de análise de dados decorreu, assim, recorrendo à indexação como forma de organizar os elementos textuais a reter na fase de interpretação. A indexação é um mecanismo de organização dos dados de forma a torná-los manejáveis, pelo que o nível de detalhe não é ainda tão profundo como na fase interpretativa, mas permite alguma quantificação e aceder, assim, a uma perspetiva acerca da dimensão dos fenómenos discursivos.
A estratégia também procurou a combinação de uma análise mais tipológica e quantitativa das categorias, com a análise qualitativa, por vezes linguística, de segmentos codificados. Reconhecidas as limitações de uma análise quantitativa do conteúdo discursivo, a abordagem extensiva visa somente caracterizar o ambiente discursivo e conteúdos manifestos, sem se deter nos sentidos alusivos e latentes que apenas podem eficazmente ser analisados a partir de uma abordagem qualitativa e, sobretudo, interpretativa que tenha em consideração o discurso como um todo (Kracauer, 1952).
A amostra foi extraída da base de dados eletrónica de Diários da República (DAR) Série I. A igualdade de oportunidades em educação foi escolhida como critério de seleção dos debates a analisar por ser, simultaneamente, um tema transversal a todos os partidos políticos e suficientemente abrangente para permitir enquadrar um conjunto diversificado de propostas políticas (Vieira e Silva, 2010, p. 63). Foram utilizados outros três termos de pesquisa6 relacionados, contabilizando 1238 diários, sendo consultados todos os diários com mais de três referências. Este pente mais fino permitiu excluir uma parte das referências retóricas, simples e não desenvolvidas, e as que remetiam para aspetos laterais, circunscrevendo o corpo documental a um total de 71 debates parlamentares com alguma relevância - densidade na discussão, troca de ideias e argumentos - nas discussões sobre igualdade de oportunidades em educação no período de 1978 a 2018. Os debates foram categorizados por ciclo político, correspondendo a governos constitucionais do PS, do PSD ou destes em coligações com outros partidos. O quadro 1 apresenta a distribuição dos debates pelos sete períodos definidos.7
Na análise das fontes de autoridade são identificados cinco referenciais citados para justificar as posições: (i) o referencial nacional, correspondendo à menção a instituições de âmbito nacional; (ii) o referencial “científico”, ou seja, a nomeação de dados estatísticos e estudos científicos - que podem ser de âmbito nacional ou internacional - e (iii) o referencial internacional, integrando referências a recomendações e documentos de orientação política de organizações internacionais. Por fim, com um carácter secundário, dada a sua menor relevância, foram também codificadas as (iv) remissões (referências a discursos passados) e as (v) citações, mas que foram excluídas da presente análise.
Resultados
Os resultados globais (Figura 1) revelam o predomínio das fontes de autoridade de âmbito nacional, presentes em 90% dos debates analisados, mas com a evocação de organizações internacionais para corroborar posições a surgir também de forma regular, presentes tanto enquanto referências a estudos científicos como enquanto fontes de recomendação sobre políticas.8 Está presente em quase 79% dos debates, sob a forma de comparação com outros países e recomendações de política de organizações internacionais. A perspetiva diacrónica da figura 2 revela a tendência recorrente para maior referenciação a argumentos nacionais, à exceção do ciclo de 2011/2015. É mais frequente no passado e particularmente forte até 1987 e em 1995/2002. Só em 2011/2015 as referências internacionais surgem com a mesma frequência. Até que ponto este dado se relaciona com a crise económica e social da época, com a emergência de novos atores e/ou orientações ou em que medida se constitui como uma mudança paradigmática ou alteração do referencial de política, é uma questão que só o tempo e uma análise do discurso focada pode evidenciar.
A frequência com que se alude a resultados da ciência, evocando dados estatísticos ou estudos científicos - mesmo vagamente - é superior nos ciclos políticos mais recentes, sobretudo 2005/2011 e 2011/2015. Os investimentos feitos nos sistemas de acompanhamento e avaliação de políticas, sobretudo a partir de 2005,9 podem ter aumentado a disponibilidade de informação resultante do sistema estatístico e justificar esta maior prevalência nos ciclos políticos mais recentes.
A referência institucional nacional: lei de bases do sistema educativo (lbse), o ambiente social e o cne
As referências a instituições nacionais (Figura 3) apresentam uma concentração em duas categorias: a LBSE, em particular até 1987 e em 2002/2005, e o ambiente social de receção das medidas em discussão, sobretudo em 1987/1995 e 2002/2005. A relevância de um referencial legal, presente pela dominância da LBSE, destaca-se se considerarmos também a frequência com que é mencionada a Constituição da República Portuguesa (CRP), tornando-se o traço mais marcante do primeiro ciclo político. Os meios de comunicação social, sindicatos e CNE são também atores trazidos à discussão, frequentemente mencionados em conjunto, em listas que visam descrever ambientes sociais contestatários das medidas de política em debate, mas frequentemente sem concretização das suas reivindicações específicas.
Numa perspetiva global, a frequência com que a CRP e LBSE são referidas revela a existência de um discurso ancorado no contexto nacional, mas que se destaca, não pela referenciação de organizações relevantes na paisagem institucional nacional, mas pela evocação de normativos políticos orientadores. Esta estratégia discursiva que parte dos valores - da ação política - e da convocação de fontes de autoridade institucional para sustentar a credibilização do discurso argumentativo parece ser um traço distintivo da ordem do discurso parlamentar português, também identificada noutras investigações (e. g. Marques, 2015).
A LBSE ou a CRP apresentam-se em todos os ciclos políticos como recurso de autoridade para discutir a igualdade de oportunidades em educação, particularmente mobilizado pelos partidos à “esquerda”, surgindo como referencial ideológico comum e elemento de disputa face “à direita”. As tensões evidenciam-se em todos os ciclos políticos, resultado de recorrentes tentativas do CDS-PP e do PSD para promover a discussão e alteração do normativo, sempre recusadas pelos restantes partidos com assento parlamentar. Em 2003, a alteração da LBSE10 motivada pela necessidade de adaptação ao processo de Bolonha, abre a janela de oportunidade para a revisão profunda, desejada pelos partidos de governo (PSD e CDS-PP) e o novo diploma é aprovado pela maioria. Mas o peso institucional do legado histórico provoca resistência às alterações ao sistema e o veto presidencial, justificado pela falta de consenso, quando se esperava a entrada de outro governo em funções,11 dita a não aprovação. O veto faz referência ao processo de “aprofundado trabalho técnico” e construção conjunta de consenso que esteve na base da aprovação da LBSE em 1986, remetendo para a ideia de “tradição” para travar a mudança. A LBSE revela-se como principal referência nacional de política educativa e argumento justificativo das posições assumidas. Constitui-se como topos, “lugar-comum” retórico, meta discurso constituinte do património cultural do contexto (Ilie, 2016).
A menção ao ambiente social é, sobretudo, argumento da oposição e mais relevante entre 1987 e 1995, surgindo associado a episódios de contestação social, fortes no período. Alunos, pais e professores surgem vagamente nos discursos, personificando as acusações de contestação e verifica-se alguma tendência para que os alunos sejam progressivamente menos referidos, e os professores, mais. À exceção dos sindicatos, que têm uma presença crescente, e do CNE, que tem uma presença ambígua, granjeando apoios ou contestação de forma variável, os outros atores institucionais surgem apenas pontualmente ao longo dos períodos.12 Os meios de comunicação social são referidos, não só para indicar o estado do país ou situações problemáticas, mas para questionar ou contestar afirmações de entrevistas e declarações. São também citados artigos de opinião, mas mais raramente. A nomeação de atores institucionais nacionais é pontual e circunscrita, como são também referências à participação e envolvimento de stakeholders na elaboração de políticas, indiciando algum distanciamento do exercício de deliberação face às aspirações e opiniões dos atores institucionais nacionais.
O referencial científico no debate deliberativo
A análise desagregada do referencial científico,13 presente no gráfico 4, revela a quase ausência de remissões para dados resultantes de estudos de natureza não estatística, afastando do debate resultados de investigações qualitativas, de processos de investigação-ação e outras investigações acerca de processos de ensino-aprendizagem. A menção a um referencial da ciência é sobretudo feita, assim, pela vaga alusão a “estudos” que surgem sem citação,14 pela menção a estatísticas pontuais, por referências de estudos nacionais e internacionais quantitativos e abrangentes e, sobretudo a partir de 1995, pelos rankings e estudos de avaliação internacionais, em particular o PISA. O elemento que mais se destaca na análise das referências científicas de abrangência nacional é a prevalência de discussões acerca da qualidade dos dados estatísticos (taxas de insucesso, de abandono, resultados em exames, etc.) e dos estudos científicos referenciados.
O questionamento dos dados trazidos ao debate surge, sobretudo, associado à utilização de dados estatísticos de origem nacional, em que são mais frequentes as avaliações da qualidade dos dados do que efetivas menções aos mesmos, indiciando intensas batalhas discursivas sobre a fiabilidade e utilização estratégica das estatísticas.15 A referência a dados estatísticos é mais comum até 1987, em 1995/2002 e a partir de 2015 e provém, sobretudo, do governo,16 em especial do PS17 nos dois últimos ciclos referidos. Este predomínio do governo na menção a dados estatísticos poderia sugerir um acesso diferenciado à informação, mas verificou-se serem escassas - sete - as críticas à falta de informação por parte da oposição. Antes, parece integrar uma estratégia que permite questionar as opções políticas tomadas, mesmo em períodos em que os resultados apurados revelam o sucesso das medidas de política implementadas.18
As acusações de manipulação de dados surgem logo em 1984, com argumentos do governo PSD de que a oposição (no caso, o MDP/CDE) utilizaria estatísticas ultrapassadas para criticar, ou seja, uma acusação de manipulação discursiva. A partir de 2007 as acusações são reiteradas e dirigidas ao governo PS, inicialmente na voz do PSD e, a partir de 2009, em intervenções de todas as bancadas. Na maioria dos casos, são insinuações ou afirmações não concretizadas,19 mas três episódios materializam as acusações: em 2007, quanto a dados de violência na escola e, em 2009, de novo sobre esse tema e também sobre efeitos do “Estatuto do Aluno” nas faltas. Nos três casos, a oposição, protagonizada pelo CDS-PP, apresenta um laudo acusatório contra o governo, imputando manipulação de estatísticas por alteração de critérios de contabilização. Os debates terminam sem prova20 ou descarte das acusações e sem resolução da disputa. O clima de suspeição persistente é evidente em afirmações da ministra da Educação em 2009:
Desde há muitos meses, diria mesmo anos, que venho a esta Assembleia e sou confrontada com esta suspeição da manipulação dos dados estatísticos, mas nunca houve, de facto, clareza e rigor nas suspeições e acusações de que os Srs. Deputados falam. [Maria de Lurdes Rodrigues, PS, DAR Série I 64/X/3 2009/abril]
São frequentes as interrupções de deputados e membros do governo durante intervenções da oposição, acusando ou pedindo prova das acusações, mas sem sequência. Estes casos, não totalmente encerrados, passam a integrar os repertórios argumentativos da oposição e estão frequentemente presentes sob a forma de menções vagas na fase de abertura das intervenções e, não sendo o argumento principal e surgindo de modo alusivo,21 surpreendem pela recorrência e preocupam pelos seus potenciais efeitos de descrédito da ação governativa.
Há uma notável ausência das ciências da educação - nacional ou internacional - no discurso recente sobre políticas. Os dados e resultados de investigações levadas a cabo em contexto de sala de aula, a troca de argumentos sustentada em teorias curriculares, em conhecimentos da didática e da pedagogia, ou até a referência a estas áreas de estudos, vai perdendo presença e, a partir da viragem do século, passa inclusive a objeto de crítica. As ciências da educação quando usadas, são argumento de autoridade na corroboração de posições - de justificação ou crítica de políticas - sempre por parte da esquerda. Até 2001, pelo PS, mais recorrentemente pelo PCP e, mais recentemente, pelo Bloco de Esquerda.
Em 1996, o PCP22 utiliza a menção para criticar a criação de currículos alternativos, em 2003, o BE23 para destacar a importância da flexibilização curricular na revisão LBSE e, em 2010,24 para descartar o cheque-ensino como boa política. Em 2008, Paulo Portas diagnostica como “fator de bloqueio para a qualidade do sistema” o “poder absoluto do Ministério da Educação” e a “sua ideologia auxiliar, o “(…) «eduquês», que atravessa várias épocas, vários governos e várias legislaturas”.25 Nesse discurso, estabelece-se uma relação e ligação discursiva, associando as ciências da educação e a “escola para todos” ao facilitismo - presente desde 1996 - que vai marcar o discurso político da direita a partir desse momento. Mais recentemente, emerge um contradiscurso: em 2012, o BE aproveita um relatório da OCDE26 a sublinhar a importância do ensino centrado no aluno para denunciar a batalha de Nuno Crato contra as ciências da educação, que o teria feito “laborar sobre um equívoco”. Em 2015, o PS retorna às referências às ciências da educação, secundado a opinião do BE e acusando o ministro de ter banido da “(…) gramática educativa os conceitos de competência, os conceitos de ciências da educação.”27 Nas poucas referências da direita, as ciências da educação persistem depreciativamente associadas ao “eduquês” - em particular no discurso do CDS-PP - como “ideologia do facilitismo”, presentes na discussão sobre currículos, conteúdos letivos e avaliação dos alunos.28
O referencial internacional: das razões às recomendações
O referencial internacional materializa-se em menções a tendências internacionais, aos desafios da globalização e em alusões vagas a contextos externos que, como se evidencia no gráfico 5, se revelam sistemáticas e contribuem para manter o nível internacional sempre presente. Os estudos internacionais são também frequentemente referências corroborativas pouco aprofundadas e não raras vezes vagas, como “um estudo feito em França”. Nos primeiros anos da década de 1990, destacam-se as menções a rankings, mais tarde acompanhadas por alusões a estudos desenvolvidos ou financiados por instituições internacionais. Menções a outros países ou a médias comparativas, como da OCDE, enquadram também, com frequência, as intervenções.
De forma mais concreta e significativa surgem referências ao PISA29 e relatórios de avaliação e recomendação de políticas de instituições internacionais, como a OCDE e EU. Outras surgem pontualmente, como o Banco Mundial ou a Unesco, mas com menor recorrência.
De forma mais vaga ou mais concretizada, a mobilização de um referencial internacional é uma dimensão essencial no discurso deliberativo sobre educação. Logo no primeiro ciclo político, a prevalência de menções à OCDE fica clara numa afirmação da deputada (na altura) do PCP, Zita Seabra, que respondia ao ministro da educação: “nós, deputados, comemos relatórios da OCDE ao pequeno-almoço todos os dias!”30 Entre 1995 e 2002 reforça-se a tendência de nomear instituições europeias e de 2002 a 2005, à medida que se intensificam alusões aos desafios da europa e globalização, voltam as recomendações da OCDE associadas ao PISA e a referência europeia perde relevância. Em 2005/11, no governo PS, a menção às recomendações da OCDE é superior, mas em 2011/2015 a atenção é dividida com a troika (20%),31 indiciando uma subtil rutura da autoridade paradigmática, concomitante com uma alteração das políticas educativas nacionais.
O referencial internacional até 1987 é dominado por ministros de educação do PSD. Serve para justificar opções políticas e conferir credibilidade pessoal.32 A oposição é crítica do uso da dimensão internacional na legitimação das políticas e o ministro Augusto Seabra é acusado de “fugir para as nuvens”, “para os relatórios da OCDE”33 e, não retirando autoridade à referência, os deputados apontam leituras distintas dos dados.34
Entre 1987 e 2002 o referencial internacional está sempre presente. Na primeira década, principalmente pela menção a políticas seguidas noutros países: Inglaterra, Holanda, Irlanda, Alemanha e Espanha apontados pelo PSD como exemplo em propinas, ensino artístico, autonomia das escolas e Espanha, França e Países Nórdicos, pelo PS como exemplos pela criação de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) ou Inglaterra pelos empréstimos bancários a estudantes. A partir de 1995, revelando a forte europeização e expansão do comparativismo,35 as referências internacionais aumentam: TIMMS, PIRLS e o retorno da OCDE. A autoridade atribuída à OCDE é evidente num episódio ocorrido em 1997, no debate de alteração da LBSE. Castro de Almeida (PSD), confronta o ministro com declarações de que esta seria a única instituição idónea e independente para realizar a avaliação da LBSE, considerando uma ofensa à soberania.36 Após forçar a defesa do ministro,37 expõe o caráter retórico da ação, restituindo à OCDE a posição de autoridade.38 No ciclo político de 1995/2002 a adesão ao euro faz emergir o PCP como partido mais crítico das orientações internacionais focando, nas suas críticas, sobretudo a UE e a “cartilha da moeda única”. No ciclo seguinte (2002/05), é esta crítica do PCP, estendida à Organização Mundial do Comércio, que é mais marcante.
No ciclo de 2005/2011 o CDS adere abertamente ao discurso da competição global, sem se associar às instituições internacionais. De forma genérica, alude repetidamente a maus resultados e dá como exemplos a França, Holanda, “Inglaterra do Sr. Blair” e a Alemanha para advogar a favor de políticas como a liberdade de escolha, a avaliação das escolas, as bolsas de manuais escolares e uma maior responsabilização parental. O governo procura capitalizar os resultados positivos PISA, colocando-o como referência mais citada do período, e hiperboliza para obter do argumento maior efeito.39
Em 2011/2015 o argumento internacional é utilizado recorrentemente por toda a oposição. Acusam o governo de falhar a agenda 2020, de estar isolado na Europa e implementar uma reforma curricular ao arrepio das recomendações da OCDE. O relatório do Parlamento Europeu, critico das políticas do executivo é usado para conferir credibilidade à critica. O governo menciona a OCDE para citar o “Education Outlook” de 2015, no sentido da defesa do ensino vocacional e faz uma referenciação nunca utilizada: o FMI. As críticas persistem, sendo a instituição descredibilizada enquanto referência de autoridade.40
O argumentário de oposição à orientação de políticas a partir de 2015 organiza-se em torno de temas antigos. A referência ao período de 1995/2001 é retomada como horizonte negativo e aponta-se um retorno indesejado a esse período e a uma orientação pedagógica “construtivista”. À margem do debate na AR, o alinhamento com a OCDE é criticado: em maio de 2018, num artigo de jornal, o ex-governante e dirigente do PSD David Justino acusa Portugal de adotar de “(…) forma acrítica a cartilha da OCDE atestada pela frequência inusitada com que o Sr. Andreas Schleicher41 e os seus peritos passaram a visitar Portugal” (Justino, 2018). A perspetiva defendida associa criticamente a mudança do novo ciclo político a uma reaproximação ao discurso da OCDE, que funde com remissões para o “rosseaunismo” em educação.42
A relevância do referente internacional na legitimação de políticas, no ataque e defesa argumentativa é uma constante em todos os períodos, apresentando-se sob diferentes formas. A OCDE surge como a entidade a quem os partidos atribuem maior autoridade nas avaliações de política, mesmo por parte do PCP que é, contudo, o partido que menor recurso faz aos relatórios internacionais para sustentar críticas ou propostas. Nos primeiros ciclos de política, o Banco Mundial, referências genéricas à Europa ou menção a países europeus são outras nomeações, para além da OCDE. A UE e os fundos comunitários mais presentes nos ciclos intermédios e de 2011/15, surgem FMI e o Parlamento Europeu enquanto avaliadores -contestados- de políticas de educação. A ambiguidade do discurso presente nos relatórios e recomendações internacionais (Álvares, 2020, p. 123), sobretudo da OCDE, e que visa permitir a manutenção da posição de autoridade das organizações internacionais sobre a política, mesmo nas alterações de ciclo político, é bem-sucedida e a referência de autoridade é quase incontestada. Verifica-se, contudo, a existência de diferentes estratégias de manipulação discursiva dos referenciais internacionais para cumprirem um papel de legitimação (Fischman et al., 2019). Assim, apesar da retórica acerca da influência internacional na definição de políticas, esta revela-se contingente e marcada pelo contexto político e social local.
As referências a resultados dos estudos comparativos internacionais iniciam-se em 1992, associadas à participação de Portugal no inquérito PIRLS e TIMMS.43 Com a emergência do estudo PISA da OCDE aumentam de frequência, dominando no período 2005/2011 (42,9%). Até 2008, as referências ao PISA são quase sempre negativas, assim surgindo sobretudo como recurso da oposição, que foca os resultados globais em proficiência e sublinha a manutenção nos lugares mais baixos do ranking. A partir de 2006/2007, o discurso complexifica-se e a atenção já não está apenas na posição no ranking, que melhora, mas também na relação entre os resultados nacionais e outros elementos, como a condição social de origem - reprodução de desigualdades sociais na escola - a partir de leituras articuladas de dados PISA, taxa de abandono escolar precoce44 e outros indicadores de desempenho do sistema educativo.45
A publicação dos resultados no PISA 2009, já em 2010,46 constitui um momento de inversão. A circunstância dos resultados positivos, amplificada pela OCDE destacar as políticas nacionais, coloca um problema à oposição: como se posicionar discursivamente? Seria necessário abandonar a crítica do “facilitismo”, o principal foco nesse ciclo político? (Álvares, 2020, p. 127). O BE é o primeiro partido a intervir: pretende destacar o “esforço heroico de professores que valorizaram a escola, impediram a divisão arbitrária da carreira docente”.47 Aponta o sucesso da escola pública e analisa resultados globais, considerando que revelam o fracasso das políticas de privatização de outros países. Pedro Duarte (PSD) sublinha a “excelente notícia”, mas as conjunções coordenativas adversativas sucedem-se: “todavia” são ainda “resultados genéricos” e, “contudo”, “(…) parece particularmente perigoso que o Partido Socialista queira fazer destes resultados alcançados pelos alunos e pelos professores portugueses um instrumento de propaganda política”.48 A mesma associação a um processo incompleto e a riscos de propaganda surge pelo PCP.49 O CDS-PP repete o argumento da manipulação. José Manuel Rodrigues questiona as políticas que justificariam a melhoria e lança a dúvida:
já agora, gostaria que me dissesse quais as escolas que contaram para este Relatório PISA, qual foi o critério de seleção dessas escolas e qual foi a constituição da amostra que levou a estes resultados. É que isto é muito importante para saber se o Relatório PISA espelha realmente os bons resultados que a Sr.ª Deputada aqui apregoa.” (José Manuel Rodrigues, idem, p. 12).
O ciclo político que se inicia em 2011 persiste marcado pela oposição, agora do PS ao governo PSD/CDS-PP, com recurso a referências internacionais. Os deputados do PS referem os bons resultados do PISA 2009 para denunciar o erro na mudança das políticas50 e o CDS-PP insiste na tese da descredibilização do governo anterior.
Trata-se de um estudo que se tornou infame neste País, porque o seu Governo disse que os alunos mais necessitados, os alunos que mais dificuldades tinham e com piores notas teriam de ficar em casa, que nesse dia não deveriam aparecer na escola, como foi público e neste Parlamento várias vezes denunciado, Sr.ª Deputada. [Michael Seufert, DAR Série I 39/XII/2/2013/janeiro].
Insinua-se que o governo português teria manipulado a participação no PISA, com a cumplicidade do IAVE51, das escolas e dos professores mas, lançada a suspeita, não lhe é dada sequência nem exige o PS a defesa da honra da bancada. Uma elevada tolerância a ataques à ética e bom nome dos governantes revela-se, evidenciando o que Maria Aldina Marques (2007) designa de agressividade fingida, característica do parlamento português. Emerge também uma interrogação sobre a relação destes dados com fenómenos recentes de pioria da imagem da democracia, do processo deliberativo e da credibilidade de dados, fontes e resultados científicos.
Conclusões
Na discussão deliberativa em torno da igualdade de oportunidades em educação, analisada a partir da exploração de fontes de autoridade, evidenciam-se três elementos fundamentais: uma presença marcada do quadro nacional de natureza legal, constituído pela LBSE e CRP; a prevalência de uma discussão enquadrada na ciência, mas que é limitada e continuamente contestada; e a constância de um referencial internacional, em que a OCDE se apresenta como principal fonte de autoridade.
A nível nacional, a LBSE é a principal referência nas discussões que versam sobre igualdade de oportunidades. Constitui-se como um referencial de princípios comum a todos os partidos52 e, mesmo os que propõem a sua revisão ou alteração, procuram enquadrar as suas propostas na necessidade de “ atualização” ou ajuste para maior eficácia. Esta tendência de referenciação do normativo legal é uma característica do discurso parlamentar e que parece motivada mais do que pelo cálculo político e necessidade de contra-argumentar e sustentar-se na importância atribuída ao normativo, à importância das matérias e à relevância social do direito fundamental em discussão (Vieira e Silva, 2010). A referência à aceitação social das medidas de política no contexto nacional por parte dos stakeholders tem uma presença mais contestada e, por vezes, descredibilizada, porque associada a eleitoralismos ou cooptações de poder. A legitimidade das decisões tomadas parece, assim, advir, sobretudo, do seu enquadramento normativo e relação com a LBSE.
O referencial internacional de políticas está sempre presente na argumentação. Em certos ciclos políticos, a OCDE é o ator mais evocado e noutros, é a UE que revela maior presença. A maleabilidade no discurso das organizações internacionais revela-se na utilização alargada dos seus dados e resultados por parte de todos os partidos políticos com assento parlamentar, na defesa e contestação de todo o tipo de políticas, tornando a presença destas organizações ubíqua (Santos e Kauko, 2020).
Focando a ciência enquanto recurso de autoridade, parece existir - um pouco à semelhança do que acontece com a evocação de recomendações de organizações internacionais - uma perspetiva utilitária e manipulativa53 que nem sempre tem cuidado na citação bibliográfica. Os dados mencionados são, sobretudo, estatísticos ou remetem para rankings e índices, encontrando-se ausentes as menções a estudos de cariz mais qualitativo. De uma maneira geral, os dados e resultados provenientes do sistema estatístico nacional ou de estudos científicos nacionais e, por vezes, internacionais - em particular os mais positivos - são recorrentemente contestados pela utilização de várias estratégias: recusando a autoridade de campos científicos, como no caso das ciências da educação, indiciando manipulações discursivas, má qualidade, baixa fiabilidade ou até acusando de manipulação e fraude. A melhoria dos indicadores e da posição de Portugal nos rankings PISA da OCDE faz aumentar a contestação sobre os dados, mantendo, contudo, a autoridade inabalada, pelo menos, no espaço deliberativo da AR.
Em 1993 Peter Hall explora a importância das ideias e paradigmas políticos, do poder dos grupos de interesse e da aprendizagem social (social learning) para explicar a mudança de política macroeconómica do Reino Unido no período de 1970 a 1989. O autor conclui que a mudança se produziu a partir da rutura da autoridade paradigmática, como resultado da acumulação de insucessos na implementação do paradigma anterior e de alterações do locus de autoridade, pela transformação das fontes de legitimação argumentativa, ou seja, das fontes de autoridade (Hall, 1993). Na presente investigação verificou-se uma manipulação sistemática da autoridade paradigmática, a partir da utilização combinada de múltiplas fontes de autoridade, concertada com narrativas de falhanço do paradigma, de forma a manter em jogo diferentes perspetivas pedagógicas, didáticas e políticas. Assim, apesar de esforços bem-sucedidos para promover a de-contestação de alguns elementos paradigmáticos - como a importância de escolaridades longas, garantias de acesso, etc. - muitos outros - como as consequências da diversificação de percursos no ensino básico ou da existência de hierarquias entre áreas do saber - persistem, marcando oposições entre coligações discursivas de geometria variável, para promover a ideia de alternativa política. Mais do que uma substituição paradigmática, alguma indefinição entre diferentes causas de insucesso, sobre efeitos de algumas políticas e as suas consequências sociais, permite manter a contenda em aberto e legitimar a apresentação de diferentes agendas e programas de políticas para melhoria dos resultados em educação.