No trabalho de Taulaigoet al1 publicado na Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna foram analisadas as diferenças entre os géneros relativamente às caraterísticas clínicas, tratamento de fase aguda e resultados. Reconhecemos a pertinência de salientar aspectos relacionados com a fibrilhação auricular identificada em maior proporção no grupo das mulheres. Tal como Taulaigoet al,1também reconhecemos as lacunas na evidência no que diz respeito à terapêutica endovascular aplicada à oclusão de grande vaso quando analisadas as diferenças entre os géneros. Serve, portanto, a presente carta para partilhar a nossa experiência que, apesar de limitada pela natureza retrospectiva e dimensão amostral, identificou um aspecto de interesse.
Aplicamos uma metodologia semelhante a uma amostra de 62 doentes adultos submetidos a terapia endovascular em contexto de oclusão aguda de grande vaso cerebral. A Tabela 1 sumariza as caraterísticas, abordagem e desfechos clínicos da amostra e as diferenças entre os géneros. Em ambos os trabalhos não se verificam diferenças no que diz respeito ao tratamento da fase aguda e aos resultados clínicos.
Assinalamos, porém, uma maior proporção de doentes com patologia da válvula mitral no grupo feminino. A patologia valvular cardíaca está fisiopatologicamente associada a fenómenos cardioembólicos directos ou indirectos através do seu contributo na fibrilhação auricular. Estes fenómenos podem culminar em eventos cerebrovasculares.2Apesar de não de discernir impacto nos desfechos major a curto prazo, poderá ter implicação na abordagem e nos desfechos a longo prazo, nomeadamente na seleção da terapêutica anticoagulante e recurso a procedimentos valvulares, em especial de doentes do sexo feminino. Assim, poderá constituir um aspecto a ser alvo de análise em trabalhos futuros.
Parâmetro | Total (n = 62) | Masculino (n = 32) | Feminino (n = 30) | p |
Idade, mediana (AIQ), anos | 70 (60-78) | 69 (65-77) | 74 (59-81) | 0,855 |
Hipertensão arterial, n (%) | 49 (79,0%) | 23 (71,9%) | 26 (86,7%) | 0,153 |
Fibrilhação auricular, n (%) | 21 (33,9%) | 14 (43,8%) | 7 (23,3%) | 0,090 |
Diabetes mellitus, n (%) | 15 (24,2%) | 10 (31,3%) | 5 (16,7%) | 0,180 |
Dislipidemia, n (%) | 30 (48,4%) | 16 (50,0%) | 14 (46,7%) | 0,793 |
Tabagismo, n (%) | 4 (6,5%) | 3 (9,4% | 1 (3,3%) | 0,333 |
Valvulopatia mitral, n (%) | 6 (9,7%) | 0 (0,0%) | 6 (20,0%) | 0,008* |
AVC prévio, n (%) | 7 (11,3%) | 5 (15,6%) | 2 (6,7%) | 0,265 |
Cardiopatia isquémica, n (%) | 9 (14,5%) | 7 (21,9%) | 2 (6,7%) | 0,089 |
NIHSS à admissão | ||||
mediana (AIQ) | 14 (11-19) | 16 (12-20) | 13 (11-19) | 0,392 |
≤5 | 4 (6,5%) | 3 (9,4%) | 1 (3,3%) | 0,068 |
6-15 | 30 (48,4%) | 11 (34,4%) | 19 (63,3%) | |
≥16 | 28 (45,2%) | 18 (56,3%) | 10 (33,3%) | |
Território acometido | ||||
ACM M1 | 52 (83,9%) | 26 (81,3%) | 26 (86,7%) | 0,379 |
ACM M2 | 7 (11,3%) | 4 (12,5%) | 3 (10,0%) | |
Artéria basilar | 2 (3,2%) | 2 (6,3%) | 0 (0,0%) | |
Artéria carótida interna | 1 (1,6%) | 0 (0,0%) | 1 (3,3%) | |
Intervenção | ||||
rt-PA + TE, n (%) | 39 (62,9%) | 19 (59,4%) | 20 (66,7%) | 0,674 |
TE apenas | 23 (37,1%) | 13 (40,6%) | 10 (33,3%) | |
mTICI 2b ou 3, n (%) | 49 (79,0%) | 27 (84,4%) | 22 (73,3%) | 0,269 |
NIHSS à alta | ||||
mediana (AIQ) | 12 (5-19) | 12 (5-19) | 13 (4-20) | 0,950 |
≤5 | 18 (29,0%) | 8 (25,0%) | 10 (33,3%) | 0,798 |
6-15 | 20 (32,3%) | 11 (34,4%) | 9 (30,0%) | |
≥16 | 23 (37,1%) | 12 (37,5%) | 11 (36,6%) | |
Desfechos | ||||
mRS ≤ 2, n (%) | 16 (25,8%) | 8 (25,0%) | 8 (26,7%) | 0,941 |
Óbito intra-hospitalar, n (%) | 12 (19,4%) | 7 (21,9%) | 5 (16,7%) | 0,604 |
Óbito aos 90 dias, n (%) | 15 (24,2%) | 9 (28,1%) | 6 (20,0%) | 0,455 |
* - resultado com significado estatístico p < 0,05, ACM - artéria cerebral média, AIQ - amplitude interquartis, AVC - acidente vascular cerebral, mRS - modified Rankin Scale mTICI - modified Treatment In Cerebral Infartion, NIHSS - National Institutes of Health Stroke Scale, rt-PA - alteplase, TE - terapia endovascular