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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.37 Oeiras nov. 2001

 

CLIVAGENS, ECONOMIA E VOTO EM PORTUGAL, 1999

Uma análise das eleições parlamentares com dados agregados

André Freire* e Michael Baum**

 

Resumo Neste artigo, as eleições legislativas portuguesas de 1999 são analisadas em comparação com as de 1995. Utilizando a análise de dados agregados (N=275 concelhos de Portugal Continental), os autores testam o impacto de factores sociais (clivagens) e económicos sobre o comportamento eleitoral dos portugueses (participação/abstenção e sentido de voto), confrontado os resultados em 1995 e 1999. Previamente é realizada uma análise da campanha eleitoral e do contexto político das eleições legislativas de 1999.

Palavras-chave Clivagens, economia, comportamento eleitoral.

 

Abstract This paper offers a comparative analysis of the 1995 and 1999 Portuguese general elections. Using aggregate data analysis techniques (N = 275 council areas in mainland Portugal), the authors test and compare the impact of both social (cleavages) and economic factors on Portuguese electoral behaviour (participation/abstention and voting decisions) in the two elections. Before doing so they also cast an analytical eye over the election campaign and the political backdrop to the 1999 general election.

Keywords Cleavages, economy, electoral behaviour.

 

Résumé Cet article analyse les élections législatives portugaises de 1999 par rapport à celles de 1995. En utilisant l’analyse de données aggrégées (N = 275 circonscriptions du Portugal Continental), les auteurs testent l’impact de facteurs sociaux (clivages) et économiques sur le comportement électoral des Portugais (participation/abstention et choix du vote), en comparant les résultats de 1995 et de 1999. Au préalable, ils présentent une analyse de la campagne électorale et du contexte politique des élections législatives de 1999.

Mots-clés Clivages, économie, comportement électoral.

 

Resúmene En este artículo, las elecciones legislativas portuguesas de 1999 son analizadas en corporación con las de 1995. Utilizando el análisis de los datos añadidos (N = 275 concejos en Portugal continental), los autores prueban el impacto de los factores sociales y económicos sobre el comportamiento electoral de los portugueses (participación / abstención y sentido de voto), comportando los resultados en 1995 y 1999. Previamente se realiza un análisis de la campaña electoral y del contexto político de las elecciones legislativas de 1999.

Palabras-clave Economía, comportamiento electoral.

 

Introdução

Em Outubro de 1999, o Partido Socialista (PS), liderado por António Guterres, obteve a sua maior vitória de sempre em eleições legislativas: 44% dos votos. Este resultado deixou o PS doze pontos percentuais acima do segundo maior partido, o PSD, e com um largo apoio eleitoral em quase todas as regiões do país, confirmando e reforçando o seu tradicional perfil de partido catch-all (Kircheimer, 1990). Contudo, esta vitória foi algo insatisfatória, pois o Partido Socialista ficou a apenas um deputado da maioria absoluta no parlamento e a “abstenção oficial” atingiu o seu valor mais elevado de sempre, 38,2%. A abstenção afectou todos os quatro grandes partidos, embora, como demonstraremos a seguir, em termos relativos, tenha afectado mais os dois partidos de direita (PSD e CDS/PP) do que os dois partidos de esquerda (PS e PCP/CDU).

Os resultados invulgares das eleições de 1999 deixaram o governo do PS, liderado pelo primeiro-ministro António Guterres, com um apoio parlamentar (115 deputados) exactamente igual ao do conjunto de deputados da oposição. Indisponível para formar uma coligação pós-eleitoral com algum dos pequenos partidos da oposição e completamente protegido da eventualidade de ser deposto por uma moção de censura da oposição, Guterres tem negociado questão a questão, voto a voto, o apoio de diferentes partidos da oposição (Diário de Notícias, 25/7/00: 4). Esta prática política tem dificultado a prossecução de importantes reformas para o país, quer em termos do sistema político, do sistema fiscal, da justiça, da saúde ou da segurança social — reformas cuja necessidade é consensual entre os “fazedores de opinião” e os eleitores —, pois os partidos estão em desacordo quase em todas as matérias. Todavia, durante o segundo semestre de 2000, o PS parece ter inflectido um pouco para a ala esquerda do parlamento, em termos de apoio preferencial, tendo aprovado alguns importantes projectos de lei de reforma do sistema de segurança social, do sistema fiscal e de “descriminalização” da droga, com o apoio do PCP/CDU e do BE (Público, 6/7/00; Expresso, 8/7/00).

Todavia, em 1999 foi o CDS/PP que permitiu a passagem do orçamento de estado para 2000, abstendo-se na votação do mesmo. Em 2000, foi a vez de um único deputado do CDS/PP (Daniel Campelo) se abster na votação do orçamento de estado, ainda que desobedecendo às directrizes do partido e do líder parlamentar. Este facto custou a Campelo a suspensão das funções partidárias até ao fim da VIII legislatura (a decisão do órgão de fiscalização da legalidade interna no CDS/PP foi conhecida em Maio de 2001) e o episódio da aprovação do orçamento por Daniel Campelo ficaria conhecido por “orçamento do queijo limiano”. Daniel Campelo trocou a abstenção no orçamento pela garantia de apoios e vantagens (obras, etc.) para o distrito por onde foi eleito e, entre estas vantagens, estava o retornar da fábrica de queijo limiano para Ponte de Lima, concelho onde Campelo é presidente da Câmara Municipal.

Portanto, a política dos acordos pontuais (à esquerda e à direita) tem continuado a ser prosseguida pelo governo do PS nesta VIII legislatura. Actualmente (verão de 2001), vislumbra-se uma certa tendência para que o apoio a algumas medidas importantes venha da ala direita do hemiciclo de São Bento. Por exemplo, o orçamento rectificativo passou com a abstenção da bancada parlamentar do PSD, em Julho de 2001.

Apesar de os diferentes estudiosos não porem em questão a consolidação do regime democrático português (Bruneau, 1997; Manuel, 1996; Maxwell, 1999; Linz e Stepan, 1996), e abstraindo das teorias que encaram a abstenção eleitoral como um sintoma da “normalização do sistema democrático” e da diminuição da conflitualidade política (Cruz, 1995), o crescimento em cerca de 25% da abstenção, face ao total de abstencionistas que se verificou em 1995, é um indicador de uma crescente alienação, apatia e criticismo por parte do eleitorado.

De qualquer modo, os resultados das eleições de 1999 tiveram um certo “sabor amargo” para o governo do PS, pois este beneficiou de uma série de circunstâncias favoráveis, quer durante o mandato 1995-1999, quer no período da campanha eleitoral, que depois não conseguiu capitalizar nas urnas.

Este artigo analisa os resultados das eleições de 1999, comparando-os com os que se verificaram em eleições anteriores (especialmente em 1995), bem como o contexto social, económico e político das eleições e os determinantes sociológicos e económicos do comportamento eleitoral. As análises serão sempre enquadradas pelas tendências recentes no comportamento eleitoral dos portugueses e pelas respectivas implicações para o funcionamento da democracia portuguesa. Antes de apresentarmos o quadro teórico e as opções metodológicas, faremos uma breve descrição e análise dos resultados das eleições de 1999, quer para o conjunto do país quer para as regiões.

Resultados das eleições de 1999

Em termos do comportamento eleitoral dos portugueses, as três mudanças mais importantes verificadas nas eleições de 1999 foram: 1) o enorme crescimento da abstenção, mesmo descontando o elevado número de “eleitores-fantasmas” que ainda persiste no censo eleitoral (ver quadros 2 e 3); 2) o aparecimento da nova coligação de extrema-esquerda — Bloco de Esquerda —, que duplicou as suas votações face a 1995 e conseguiu obter dois lugares no parlamento (ver quadro 1); 3) a espantosa vitória do PS na Região Autónoma dos Açores (ver quadro 3). Para além destes três elementos, poucas foram as mudanças na distribuição do voto partidário entre 1995 e 1999, pelo que facilmente poderíamos considerar as eleições de 1999 como “eleições de manutenção” (Campbell e outros, 1980: 531-538).

 

 

 

 

Abstenção eleitoral

Em 1999 a abstenção atingiu o seu nível mais elevado face a todas as eleições parlamentares anteriores (cerca de 3,3 milhões dos eleitores inscritos, 38,2%): ver quadros 1 e 2.1

Todavia, estes números têm de ser considerados com precaução devido aos elevados valores da “abstenção técnica” em Portugal. Isto é, tal como em outros países do sul da Europa, Portugal tem um número de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral (RE/STAPE) “inflacionado” face ao total de indivíduos em idade de votar (18 e mais anos). Esta inflação deve-se, sobretudo, aos óbitos e às transferências de residência não eliminadas dos cadernos eleitorais (Freire, 2000d e 2001a: 85-87; Vasconcelos e Archer, 1991; Archer, 1996; Miguéis, 1997; Machado, 1999). Antes da limpeza dos cadernos eleitorais, em 1998, as estimativas quanto ao número de “eleitores-fantasmas” (RE/STAPE), face ao total de indivíduos com 18 e mais anos (INE), variava entre 1,0 e 1,4 milhões de eleitores.2

No quadro 3 podemos verificar que a “abstenção real” nas duas eleições legislativas mais recentes (1995 e 1999) ficou 7 a 9 pontos percentuais abaixo da “abstenção oficial” (STAPE).3 Por outro lado, entre o referendo sobre a liberalização do aborto, em Junho de 1998, e o referendo sobre a regionalização, em Novembro de 1998, foram aditados cerca de 150 mil novos eleitores ao RE/STAPE. Tendo em conta que as estimativas de crescimento demográfico levam a considerar tal evolução absolutamente irrealista, estes números apontam para o grande sucesso das autarquias locais do interior em “tornar a aditar” muitos dos “eleitores-fantasma” abatidos imediatamente antes do primeiro referendo.

Em termos comparativos, embora a abstenção eleitoral dos portugueses tenha crescido bastante, entre 1975 e 1995, a respectiva taxa média colocava Portugal numa situação intermédia face às democracias ocidentais sem voto obrigatório (Freire, 2000d: 87). Freire também mostrou que, entre 1985 e 1995, o incremento da “abstenção real” foi moderado, ou seja, terá subido de cerca de 21% para cerca de 24% do conjunto de indivíduos com 18 e mais anos (Freire, 2000d: 87).

Contudo, as eleições legislativas de 1999 apresentaram uma significativa subida na taxa de “abstenção real” dos portugueses: de 24% para 31,9%, ou seja, uma taxa de crescimento de cerca de 25%. De facto, foi a evolução da abstenção, mais do que as mudanças no sentido de voto dos portugueses, que determinou os resultados das eleições de 1999. Os dois partidos que disputam o centro político, PS e PSD, foram os mais penalizados pela abstenção, em termos absolutos; em termos relativos, ou seja, em proporção dos respectivos eleitorados, os dois partidos da ala direita (PSD e CDS/PP) foram os mais prejudicados (ver quadro 1).

Que factores explicam este forte declínio da participação eleitoral em Portugal? Estaremos perante uma crescente apatia face à política nacional e face aos partidos políticos ou estaremos perante um agravar da tendência anterior para o crescimento da “abstenção política” (Freire, 2000a e 2000d)?4 Terá este crescimento da abstenção resultado de factores conjunturais ligados às eleições de 1999?

De vários pontos de vista, o crescimento da abstenção foi tão surpreendente como a dificuldade em o Partido Socialista alcançar uma maioria absoluta de deputados no parlamento. Quando questionado sobre os resultados eleitorais, na noite das eleições, sobre o que tinha falhado, Guterres respondeu: “sinceramente não sei” (Expresso, 16/10/99: 66).

Em primeiro lugar, o contexto das eleições era extremamente favorável a um governo minoritário que tinha sido capaz de levar a legislatura até ao fim. A popularidade de Guterres era extremamente elevada; a oposição estava dividida e o maior partido desta, o PSD, vivia numa aparentemente interminável crise de liderança; o crescimento económico situava-se acima da média europeia (em grande parte graças aos fundos estruturais), enquanto a taxa de desemprego se situava bastante abaixo da média dos 15 países da UE; outros indicadores macroeconómicos permaneciam dentro dos parâmetros fixados pelo Tratado de Maastricht para a “moeda única”, a qual Portugal tinha sido um dos primeiros 11 países a integrar, durante o governo do PS, 1995-1999; os funcionários públicos e os reformados/pensionistas tinham recebido substanciais aumentos nos seus salários/reformas/pensões; o “rendimento mínimo garantido” tinha sido instituído na sequência das eleições de 1995, beneficiando alguns dos estratos mais desfavorecidos da sociedade portuguesa; as taxas de juros estavam baixas, estimulando um aumento dos níveis de consumo nunca antes visto na sociedade portuguesa; e, como se tudo isto não fosse bastante, pouco antes das eleições o governo pôde reclamar para si uma vitória diplomática no caso da independência de Timor-Leste, na sequência das mediáticas visitas de Xanana Gusmão e do bispo Belo a Portugal, as quais foram extremamente participadas pela população portuguesa. Finalmente, dias antes da data das eleições, faleceu a mais famosa fadista portuguesa, Amália Rodrigues. Este evento proporcionou mais um espectáculo televisivo de “coesão nacional” e permitiu uma nova oportunidade para Guterres “encarnar” o sentimento nacional de consternação — tal como no caso de Tony Blair e da morte da princesa Diana. Apesar de tudo isto, a abstenção cresceu bastante face a 1995 e o PS ficou a um deputado da maioria absoluta no parlamento.

Uma das explicações possíveis para o crescimento da abstenção terá sido a vitória anunciada do PS em todas as sondagens publicadas antes das eleições, muitas delas dando mesmo como praticamente adquirida a maioria absoluta. Neste contexto, os eleitores terão porventura considerado desnecessária a sua deslocação às mesas de voto. De qualquer modo, só análises mais aprofundadas com dados individuais (inquéritos por amostragem) nos permitiriam aferir com precisão as razões da abstenção em Outubro de 1999. Na ausência de tais dados individuais, as nossas análises com dados agregados (ecológicos) permitirão apenas determinar quais as características sociológicas e económicas dos concelhos com maiores taxas de abstenção e qual o impacto de tais padrões da distribuição espacial da abstenção no voto partidário. Contudo, antes de passarmos a estas análises, vamos comentar dois outros fenómenos de grande relevo nas eleições de 1999: o aparecimento do BE e a vitória do PS nos Açores; para tal procederemos a uma análise regionalizada dos resultados eleitorais.

Análise regional dos resultados eleitorais

No quadro 4 apresentamos os resultados das eleições legislativas de 1995 e 1999 para as sete regiões do continente e para as regiões autónomas. Apenas as duas regiões autónomas correspondem a círculos eleitorais, sendo as regiões continentais resultantes de uma agregação de distritos segundo a metodologia delineada por Gaspar e outros (1990).

 

 

Em termos da evolução da abstenção entre 1995 e 1999, o sul do país (Alentejo e Algarve) e as regiões autónomas registaram os maiores incrementos. Contudo, pode constatar-se no quadro 4 que a abstenção continua a ser mais elevada no norte e centro interiores e nas ilhas do que no Alentejo. No caso do Algarve, a taxa de abstenção só é menor face àquela que se registou no norte interior e nos Açores. A Madeira registou também um notável incremento na abstenção. Uma análise mais detalhada da abstenção será desenvolvida nas secções seguintes, nomeadamente em termos de determinantes sociológicos e económicos.

Para além do crescimento da abstenção, as eleições de 1999 confirmaram uma outra tendência do comportamento eleitoral dos portugueses: a regionalização de certos partidos políticos. Pelo menos duas formações partidárias, uma “nova” e outra “velha”, podem ser vistas como fortemente regionalizadas. A nova coligação de extrema-esquerda (Bloco de Esquerda/BE) fez a sua primeira entrada no parlamento na sequência das eleições de 1999, obtendo dois deputados.5 O resultado obtido em 1999, em termos de votos, representou uma duplicação do resultado eleitoral de dois dos partidos que compõem a coligação, e que tinham já concorrido às eleições legislativas de 1995 (PSR e UDP). Todavia, estes resultados do BE centraram-se, sobretudo, no distrito de Lisboa — foi por esse círculo eleitoral que os seus dois deputados foram eleitos —, onde a coligação obteve pouco mais de 4% dos votos. O crescimento do BE foi mais marcado nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, tendo a coligação registado um resultado neste distrito que quase lhe permitia eleger um terceiro representante (2,3% dos votos). Na medida em que Portugal continue a registar crescentes taxas de urbanização, o “enviesamento” regional na distribuição do voto BE poderá não ser um óbice para o seu crescimento eleitoral futuro, tal como é para a outra formação política fortemente regionalizada (PCP/CDU), cuja base de apoio é em grande medida rural e envelhecida.

Na nossa perspectiva, a credibilização do BE e o seu crescimento eleitoral futuro passarão também pela sua capacidade de se afirmar no parlamento e de se mostrar uma formação política coerente mas pragmática. Ou seja, lutando coerentemente pelos temas políticos que se propôs defender (reforma fiscal, direitos das minorias, imigrantes, liberalização da droga, etc.) e demonstrando a sua capacidade para, apesar da sua reduzida dimensão parlamentar, se afirmar como um partido capaz de contribuir para a estabilidade governativa — recorde-se que o PS está apenas a um deputado da maioria absoluta e que, tal como demonstraremos à frente, grande parte dos novos eleitores do BE foram captados ao PS. A aprovação de vários projectos de lei importantes (“lei de bases da segurança social”, “reforma fiscal” e “descriminalização do consumo de estupefacientes”) ao lado do PS — e do PCP/CDU — apontava nesse sentido… Todavia, na aprovação dos orçamentos de estado para 2000 e 2001 o BE não conseguiu afirmar-se como um partido capaz de funcionar como garante da estabilidade governativa (cedendo o passo ao CDS/PP e a Daniel Campelo, respectivamente). A deterioração das condições económicas do país, que se tem sentido, sobretudo, em 2000 e 2001, e a necessidade de políticas de alguma austeridade (contenção da despesa pública) tornam a hipótese de orçamentos aprovados à esquerda menos plausível do que no início da legislatura. Mais, neste contexto, e para se demarcar do governo, em Maio de 2001 o BE foi mesmo a ponto de apresentar uma moção de censura ao governo no parlamento: a moção foi chumbada, pois apenas o BE e a CDU/PCP votaram a favor.

O mais “velho” partido político português (PCP) (Cunha, 1992), quer em termos históricos quer em termos do perfil demográfico do seu eleitorado, confirmou o seu perfil de partido eminentemente regional, representando sobretudo os interesses dos eleitores alentejanos.6 Apesar de o PCP/CDU ter sido o partido menos prejudicado pela abstenção (ver quadro 1), sofreu a maior “sangria” de eleitores nos seus bastiões alentejanos (ver quadro 4). Em termos de bons indicadores para o futuro, registe-se que o PCP/CDU obteve 9% dos votos nacionais, tendo-se tornado o terceiro maior partido português ao desalojar dessa posição o CDS/PP. Por outro lado, o PCP/CDU conseguiu eleger um deputado no distrito de Braga, resultado que não conseguia alcançar desde 1987 (STAPE, 1999). De qualquer modo, as perspectivas de longo prazo do PCP/CDU não são muito animadoras, na medida em que as tendências demográficas apontam para uma crescente perda de população nos seus bastiões alentejanos.

O PCP tem conhecido uma disputa entre “renovadores” e “ortodoxos”, a qual, mais do que as tendências demográficas, poderá ser determinante para os seus resultados eleitorais futuros (Expresso, 1/7/00 e 8/12/00; Público, 8/12/00 e 14/12/00; ver também Cunha, 1997). Se no congresso de Dezembro passado (8 e 9 de Dezembro de 2000) tivesse vencido a ala “renovadora”, o PCP poderia modernizar-se, adaptando-se às tendências sociais e políticas actuais, e constituir-se como um partido crucial para soluções governativas à esquerda, tal como acontece actualmente com o PCF em França. Todavia, a ala “ortodoxa” saiu claramente vencedora do último congresso do PCP (Expresso, 8/12/00; Público, 8/12/00 e 14/12/00) e, por isso, a hipótese de este partido se afirmar como um actor importante para soluções governativas à esquerda é muito menos provável, pelo menos no curto/médio prazo.

Em todas as regiões, excepto nos Açores, o voto no PS mudou muito pouco entre 1995 e 1999. Nos Açores, este partido obteve uma espantosa vitória, com 53% dos votos. O facto de o governo regional dos Açores ter “mudado de mãos” (do PSD para o PS) nas eleições regionais imediatamente anteriores (1996), na sequência do abandono do líder carismático do PSD/Açores, Mota Amaral, que transitou para o parlamento nacional, terá sido um factor determinante nesta vitória. Todavia, esta vitória ficou ensombrada pela elevada taxa de abstenção registada nesta região: quase 50% dos eleitores não foram às urnas. A capacidade de mobilização dos partidos está aí em manifesto declínio, fenómeno que tanto pode significar um declínio do “apoio difuso” ao sistema (Easton, 1963) como uma via de saída (temporária) para os eleitores do PSD que não se reviam no candidato apresentado às eleições pelo seu partido.

Enquanto as três formações políticas de esquerda (BE, PCD/CDU e PS) viram crescer a sua quota do voto nacional, entre 1995 e 1999, os dois partidos da ala direita (PSD e CDS/PP) viram a sua declinar. No caso do PSD, o declínio da sua percentagem de votos só não aconteceu no Algarve e na Madeira, esta última um tradicional bastião do partido. Os contínuos desentendimentos entre os dois partidos de direita, que culminaram no colapso da anunciada coligação pré-eleitoral entre eles (Alternativa Democrática/AD), terão com certeza contribuído para estes resultados. As eleições de 1999 foram o primeiro acto eleitoral a que o PSD concorreu após a substituição de Marcelo Rebelo de Sousa por José Manuel Durão Barroso. Todavia, as disputas pela liderança agravaram-se após as eleições de 1999, elemento que, a manter-se, não augura bons resultados para o PSD. Por outro lado, a popularidade do actual líder do PSD continuou a ser muito sofrível em 2000 e 2001.

O CDS/PP também perdeu votos entre 1995 e 1999, não tendo conseguido aumentar as suas votações em nenhuma região. Todavia, conseguiu manter os 15 deputados que tinha em 1995, e apenas sofreu severas perdas de votos nas ilhas dos Açores e da Madeira, 48% e 25% dos votos respectivamente. Por outro lado, apesar das perdas, deve sublinhar-se que a campanha eleitoral conduzida pelo líder do partido, Paulo Portas, conseguiu uma votação muito boa face aos muito maus resultados que as sondagens lhe prometiam. Desde as eleições de 1999 o líder do CDS/PP tem conseguido crescente visibilidade, sobretudo à custa do líder do PSD. Quer através do apoio ao orçamento de estado do PS para 2000, quer através da moção censura que apresentou ao governo, em Julho de 2000, o líder do CDS/PP tem conseguido colocar o líder do PSD na defensiva, dando a impressão de ser o partido mais importante da oposição (ver Expresso, Diário de Notícias e Público, vários números em Julho de 2000). Todavia, a partir do verão de 2000, a proeminência do CDS/PP face ao PSD perdeu algum relevo. Por outro lado, durante o ano de 2001, nomeadamente com as coligações para as autárquicas deste ano, a hipótese de uma coligação eleitoral (ou pós-eleitoral) para as próximas eleições legislativas entre o PSD e o CDS/PP tem ganho maior consistência.

Teoria e hipóteses

O objectivo das secções seguintes é testar o impacto da estrutura de clivagens e da conjuntura económica sobre a abstenção e o voto partidário, analisando a evolução destas determinações entre as eleições legislativas de 1995 e 1999.

De acordo com o modelo das clivagens (Lipset e Rokkan, 1992), os alinhamentos dos eleitores dependem do respectivo posicionamento na estrutura social (centro-periferia, secularização-religiosidade, urbano-rural, capital-trabalho), dos sistemas de valores associados e da acção socializadora e mobilizadora das organizações sociais e políticas respectivas (idem).

Um elevado nível de recursos materiais e educacionais permite um maior domínio do universo da política, o qual se traduz numa maior propensão para a participação (Lipset, 1987; Campbell e outros, 1980; Bourdieu, 1979); por outro lado, este estatuto social objectivo está geralmente associado a um maior sentido de “eficácia política”, o qual implica geralmente maior participação (Campbell e outros, 1980; Prewitt, 1968; ver também Bourdieu, 1979). Assim, a clivagem centro-periferia, que se sobrepõe à divisão urbano-rural, estará ligada a maiores níveis de participação (centro/urbano) ou de abstenção (periferia/rural).7

Freire verificou que, entre 1983 e 1995, apesar de a abstenção continuar a ser maior nas zonas periféricas/rurais, esta característica tem vindo a esbater-se, fruto do maior crescimento da abstenção em meio urbano (Freire, 2000a e 2000d). O autor considerou que se tratou do crescimento de uma “abstenção política” (Memmi, 1985; Subileau, 1997; Freire, 2000a e 2000d). Isto é, uma abstenção protagonizada por indivíduos com razoáveis níveis de recursos (materiais e educacionais) e com um razoável nível de integração social, os quais assumem a abstenção como uma opção estratégica para mostrar o seu descontentamento com o funcionamento do sistema político e/ou com o partido com que mais simpatizam (Freire, 2000a e 2000d). As oscilações nos níveis de participação eleitoral entre eleições remetem também para este tipo de “abstenção política” (Subileau, 1997). Portanto, podemos considerar que, quando há descidas no poder explicativo das variáveis sociológicas sobre a abstenção, entre eleições, estaremos perante a subida de uma “abstenção política”.

Quanto às clivagens religiosa e capital-trabalho, espera-se que a direita (PSD e CDS/PP) esteja mais próxima do pólo religioso e do capital (classes proprietárias); pelo contrário, espera-se que a esquerda (PS, PCP/CDU e BE) esteja mais próxima do pólo secular e do trabalho (classes assalariadas).

Quer seja em termos do resultado de uma determinada vivência pessoal (“voto egoísta”), quer seja em resultado da avaliação das condições económicas nacionais/locais (“voto sociotrópico”), as questões do desemprego e da inflação assumem especial relevo na vida dos indivíduos. Em geral, os eleitores mais atingidos pelo desemprego ou que o percepcionam como uma prioridade política, em determinada conjuntura, tenderão a votar mais nos partidos de esquerda; pelo contrário, os eleitores mais atingidos pela inflação ou que percepcionam o combate a ela como uma prioridade política, em determinada conjuntura, tenderão a votar mais nos partidos de direita (“hipótese das prioridades políticas”) (Tufte, 1994; Kieweit, 1983; Anderson, 1995). Assim, espera-se que nos concelhos com maiores “taxas de desemprego”, os eleitores tendam a apoiar mais os partidos de esquerda (PCP, PS e BE) e menos os partidos de direita (PSD, CDS).

Por outro lado, no fim de cada mandato, o governo cessante e o(s) partido(s) que o apoia(m) — “incumbentes” —, também são julgados pelo desempenho da economia. Segundo a “hipótese da responsabilização”, os eleitores tenderão a penalizar os “incumbentes” em períodos recessivos, deslocando o seu voto para os partidos da oposição, e a votar neles em períodos de prosperidade económica (Tufte, 1994; Lewis-Beck, 1990; Kieweit, 1983; Anderson, 1995).8 Assim, espera-se que nos concelhos onde se registam os piores indicadores económicos, os eleitores tendam a penalizar o(s) partido(s) (governo) “incumbente(s)” (PSD, em 1995; PS, em 1999), beneficiando os partidos da oposição.9

Há que ter presente que as influências da conjuntura económica sobre o voto são efeitos de “curto-prazo”. Assim, para aferir o carácter independente destes efeitos é preciso controlar as influências de “longo-prazo” (religiosidade, estrutura de classes, habitat, etc.) (Tufte, 1994; Kieweit, 1983; Lewis-Beck, 1990; Bellucci, 1991; Rattinger, 1991). Tal será o procedimento que adoptaremos através da regressão múltipla.

 

Metodologia e dados

Este estudo baseia-se numa análise de dados agregados, geralmente designada por metodologia ecológica (Langbein e Lichtman, 1978; King, 1997; Justel, 1995; Freire, 2000a). Ou seja, as nossas unidades de análise são espácio-administrativas e não indivíduos; neste caso trata-se dos 275 concelhos de Portugal continental (N=275).10 Esta opção foi ditada pela disponibilidade dos dados. Os riscos de “falácia ecológica”, ou seja, os riscos quando tentamos extrapolar as conclusões dos dados agregados para os dados individuais são bem conhecidos e têm sido amplamente analisados (King, 1997: 12-17; Langbein e Lichtman, 1978; Freire, 2000a). Consequentemente, para evitar os riscos de “falácia ecológica”, as extrapolações para o comportamento individual são consideradas como meras aproximações que carecerão sempre de comprovações adicionais por outros métodos.

Indicadores compósitos da estrutura de clivagens

Tendo em conta que temos um elevado número de indicadores das clivagens (20 variáveis), vamos primeiro reduzir os dados através da análise de componentes principais (ACP), com rotação ortogonal varimax (Dunteman, 1989; Bryman e Cramer, 1992). Não incluímos neste processo os três indicadores da conjuntura económica, cujo impacto pretendemos medir em separado.

Após a redução da informação, as dimensões extraídas servirão como indicadores compósitos das clivagens, cujo impacto sobre a abstenção e o voto partidário se irá avaliar através de regressões lineares múltiplas (método dos mínimos quadrados). Para além dos factores, os três indicadores da conjuntura económica funcionarão também como variáveis independentes nas regressões.

Por motivos de espaço não podemos apresentar aqui a matriz factorial que deu origem aos 5 factores que utilizaremos na regressão. Essa matriz poderá ser consultada em Freire (2000b e 2000d).

 

Clivagens, economia, abstenção e voto nos partidos

Em termos de variância explicada (R2)11 pelas estruturas de clivagem,12 verifica-se que, entre 1995 (50%) e 1999 (33%), houve uma descida de cerca de 17% (quadro 5). Ou seja, tal descréscimo na determinação sociológica da abstenção só pode ser explicado por factores políticos (“abstenção política”) e não por alterações na estrutura social, pois esta goza de uma tal estabilidade que a torna incapaz de explicar tais mudanças em tão curto espaço de tempo.

 

 

Para além de este fenómeno poder indiciar um certo descontentamento com o funcionamento do sistema político, alguns factores políticos de conjuntura poderão contribuir para explicar tal evolução: uma campanha eleitoral pouco mobilizadora, nomeadamente por parte do PS e do seu líder, António Guterres; uma vitória do PS antecipadamente anunciada em todas as sondagens; a fraca capacidade de afirmação política do maior partido da ala direita (PSD) e do seu líder, bem como as constantes divisões entre este partido e o CDS/PP.

Entre 1983 e 1995, a abstenção foi sempre maior no espaço rural do que nas zonas terciarizadas e semiurbanas (betas/F2) (Freire, 2000d e 2001a).13 Entre 1983 e 1985, este elemento foi o que maior importância tinha na explicação da abstenção. Entre 1987 e 1995, o factor 2 (F2) passou a ser o segundo mais importante para explicar a abstenção (Freire, 2000d e 2001a). Entre 1995 e 1999, esta clivagem urbano/rural (F2) não só perdeu enorme importância explicativa como passou a ser, de entre todos os factores com impacto significativo, o menos importante para explicar a abstenção. Sabemos que os dois maiores partidos de esquerda (PS e PCP/CDU) têm estado sempre melhor implantados nestas áreas (Freire, 2000a e 2000b). Portanto, podemos daqui deduzir que, embora em termos relativos a abstenção tenha prejudicado mais os partidos de direita (PSD e CDS/PP) (ver quadro 1), os partidos de esquerda terão sido também prejudicados pelo declínio da participação em proporções não negligenciáveis.

Em 1999, a participação eleitoral foi mais elevada nas zonas com maiores proporções de operários industriais (betas/F5), nos grandes centros urbanos (betas/F1) e nos concelhos mais envelhecidos (betas/F3).14 Estes foram os três elementos da estrutura de clivagens com maior importância para explicar a participação eleitoral, por ordem de importância respectiva. Tal como Freire pôde observar (2000d), a maior participação registada nos bastiões operários infirma as hipóteses que põem a tónica da explicação da abstenção no grau de centralidade e urbanidade dos concelhos. Ou seja, apesar de os operários industriais serem indivíduos de baixos recursos materiais e educacionais, as influências mobilizadoras dos sindicatos e dos partidos de esquerda revelam-se mais determinantes que as propensões sociológicas ao abstencionismo.

Por último, refira-se que os indicadores da conjuntura económica não tiveram impacto significativo no binómio participação/abstenção, quer em 1995 quer em 1999.

Entre 1983 (56%) e 1995 (71%), verificámos que, no caso do PSD, se verificou um aumento da variância explicada pelas estruturas de clivagens, fenómeno este devido à captação de eleitorado ao CDS/PP, bem como à mobilização de abstencionistas do norte e centro do país (Freire, 2000a e 2000c). Entre 1995 (71%) e 1999 (67%), verificou-se uma pequena inversão de tendência (quadro 5). Só posteriores eleições nos poderão dizer se se trata efectivamente de uma inversão de tendência ou de uma mera oscilação conjuntural.

Quanto à importância relativa dos vários elementos da estrutura de clivagens para explicar o voto no PSD, refiram-se apenas os três mais importantes, por ordem respectiva:

- maior implantação relativa em habitat rural e nas zonas com maior religiosidade (betas/F2);
- menores votações nas zonas de grande propriedade agrícola e com maior presença dos proletários rurais/Alentejo (betas/F4);
- maiores votações nas zonas com maior peso dos camponeses (betas/F5).

Este padrão não só se manteve, entre 1995 e 1999, como representa um traço de continuidade face ao período 1983-1991 (Freire, 2000a e 2000c). Todavia, entre 1995 (2%) e 1999 (4%), verificou-se um pequeno aumento do impacto da conjuntura económica em detrimento dos factores sociológicos. Ou seja, entre 1995 e 1999, diminuiu ligeiramente o perfil sociológico do eleitorado do PSD, pelo menos em termos de implantação concelhia, tendo ganho maior relevo o impacto da economia.

Em 1999, não tendo o PSD sido “incumbente”, parece-nos que o impacto negativo do desemprego sobre o voto neste partido será explicável à luz da “hipótese das prioridades políticas” (Tufte, 1994; Kieweit, 1983; Anderson, 1995). Aliás, as menores votações do PSD nos concelhos com maiores percentagens de desempregados foram um traço permanente entre 1983 e 1995 (Freire, 2000a e 2000c). Portanto, tudo parece apontar para a inexistência para um “efeito de responsabilização” no voto do PSD. Todavia, gostaríamos de sublinhar que isto não significa que estes resultados sejam necessariamente transponíveis para o nível individual, até porque existe um efeito estrutural do desemprego que não podemos negligenciar (Cabral, 1997), apesar de o termos minimizado através do controlo das variáveis sociológicas.

No caso do CDS/PP, o declínio da determinação sociológica do respectivo voto entre 1995 (36%) e 1999 (33%) representa um forte traço de continuidade com o período eleitoral 1987-1995 (Freire, 2000a e 2000d) (quadro 5). Esta redução do perfil sociológico do CDS, nomeadamente com a diminuição da importância da sua penetração nas zonas rurais, com maior integração religiosa e com maiores proporções de camponeses (betas/F2 e F4), explica, aliás, o aumento da polarização do voto no PSD entre 1987 e 1995 (idem). Ou seja, as perdas eleitorais do CDS/PP, em 1987 e 1991, alimentaram o agravamento da determinação sociológica do voto no PSD. Mais, a recuperação eleitoral do CDS/PP em 1995 e 1999, face ao período 1987-1991, verificou-se fora dos seus tradicionais bastiões, permitindo uma maior hegemonia do PSD sobre esses segmentos do eleitorado: entre 1995 e 1999, o elemento com maior importância para explicar o voto no CDS/PP passou a ser a clivagem geracional, com uma maior penetração deste partido nos concelhos com mais jovens (betas/F4).

Entre 1995 (2%) e 1999 (5%), verificou-se um pequeno aumento da importância da economia no voto CDS/PP. A “taxa desemprego” continuou a implicar menores votações neste partido, dado que é apenas interpretável à luz da “hipótese das prioridades políticas”, pois o partido não foi incumbente, quer em 1995 quer em 1999. Já o impacto positivo da “taxa de variação do desemprego” (maiores votações no CDS/PP nos concelhos onde mais cresceu o desemprego) pode ser interpretado segundo a “hipótese da responsabilização”, ou seja, o CDS/PP, enquanto partido da oposição, capitalizou o crescimento do desemprego entre 1998 e 1999. Note-se que, ao contrário daquilo que se verificou em 1995, em 1999 este elemento não só passou a ter um efeito significativo, como revelou uma inversão de efeito.

No caso do PS, verificou-se um pequeno declínio do impacto das clivagens entre 1995 (29%) e 1999 (26%) (quadro 6). Este facto terá ficado a dever-se à penetração do BE no eleitorado do PS nos grandes centros urbanos (betas/F1): entre 1995 e 1999, o PS deixou de ter maiores proporções de voto nos grandes centros urbanos em quantidade relevante — o beta deixou de ser significativo; pelo contrário, este elemento passou a ser o mais importante para explicar o voto no BE quando em 1995 era apenas o terceiro factor mais significativo.

 

 

Face a 1983 (24%), a situação verificada em 1999 (26%) continua a atestar um aumento da polarização do eleitorado do PS, o mesmo não se podendo dizer face às eleições de 1991 (31%). O declínio da política das clivagens, entre 1995 e 1999, foi claramente compensado por um aumento do efeito da economia no voto neste partido: em 1995, 2%; em 1999, 8%.

Quer em 1991 quer em 1995, verificou-se uma crescente penetração do PS no terreno preferencial do PCP, nomeadamente com a relevância crescente das suas votações nas áreas semiurbanas, terciarizadas e secularizadas (betas/F2) (Freire, 2000d e 2001a). Entre 1995 e 1999, verificou-se uma certa inversão de tendência, pois aquele elemento deixou de ser o mais importante para explicar o voto no PS, dando lugar a uma importância crescente do voto dos operários industriais (betas/F5), bastião tradicional do PS entre 1983 e 1987 (idem). Todavia, se diminuiu a penetração do PS no eleitorado do PCP/CDU em meio semiurbano, continuou a sua penetração nos bastiões comunistas do Alentejo: apesar do beta (F4) não ser estatisticamente significativo, parece-nos relevante sublinhar que, pela primeira vez, no período 1983-1999 (Freire, 2000c), passou a ter um sinal positivo.

Entre 1995 (2%) e 1999 (8%), há ainda a registar o aumento da importância da economia no voto no PS. Se as suas maiores proporções de voto nos concelhos com mais desempregados são apenas interpretáveis segundo a “hipótese das prioridades políticas”, pois o partido foi “incumbente” em 1999, já o mesmo não se pode dizer do impacto negativo do crescimento do desemprego entre 1998 e 1999. Ou seja, neste caso parece ter-se verificado uma penalização dos “incumbentes” (“hipótese da responsabilização”).

No caso do PCP/CDU, verificou-se uma perfeita estabilidade da política das clivagens entre 1995 (64%) e 1999 (64%), traço este que travou a tendência de declínio verificada entre 1983 (70%) e 1995 (Freire, 2000a e 2000d). Todavia, verificou-se um pequeno aumento do efeito da economia entre 1995 (1%) e 1999 (2%) (quadro 6). Nesta matéria, à tradicional implantação do PCP nos concelhos com mais desempregados juntou-se um efeito positivo do crescimento do desemprego, 1998-1999. No segundo caso, podemos dizer que existe um “efeito de responsabilização”, pois o crescimento do desemprego não só penalizou o PS, como beneficiou dois dos partidos da oposição (CDS/PP e PCP/CDU). Todavia, já o impacto da “taxa de desemprego” nos parece apenas interpretável à luz da “hipótese das prioridades políticas”: só assim se explica que o impacto desta variável seja positivo para a esquerda e negativo para a direita, independentemente de qual(is) o(s) partido(s) incumbente(s) (Freire, 2000d e 2001a).

Entre 1995 e 1999, tal como no período 1983-1991 (idem), as votações no PCP/CDU foram claramente maiores nos concelhos semiurbanos, terciarizados e secularizados (betas/F2), bem como nas zonas onde predomina o proletariado rural/Alentejo (betas/F4). Estes mantiveram-se como os dois factores mais importantes para explicar o voto no PCP, por ordem de importância respectiva. Todavia, pode dizer-se que, apesar desta estabilidade, se verificou um pequeno recuo da implantação do PCP no seio do operariado agrícola, ao passo que cresceu a sua penetração em habitat semiurbano.

Um dos fenómenos mais relevantes das mudanças verificadas entre as eleições de 1995 e as de 1999 foi o crescimento das votações no Bloco de Esquerda. Esta coligação de três partidos de extrema-esquerda, que se autoproclamou como representante da “nova política” (Diário de Notícias, 11/10/99; Público, 11/10/99; Expresso, 16/10/99), não só obteve representação parlamentar como viu aumentar enormemente a determinação sociológica do respectivo voto: de 44%, em 1995, para 81%, em 1999 (quadro 6). Todavia, este crescimento da polarização sociológica do voto no BE foi acompanhado por um ligeiro decréscimo do efeito da economia: em 1995, 2%; em 1999, 1%. Tal como no caso dos outros dois partidos da ala esquerda, também o BE aparece beneficiado pelo desemprego (“hipótese das prioridades políticas”).

Em termos do perfil sociológico dos eleitores do BE, em 1995, os três factores com maior relevo foram as maiores proporções de voto nas zonas semiurbanas, terciarizadas e secularizadas (betas/F2), nas zonas mais envelhecidas (betas/F3) e nos grandes centros urbanos (betas/F1). Em 1999, os dois factores de maior relevo passaram a ser a maior implantação relativa nos grandes centros urbanos (betas/F1) e nas áreas semiurbanas (betas/F2). Já tivemos oportunidade de referir que aumento do relevo do voto urbano no BE se terá concretizado sobretudo à custa do PS.

O aumento da penetração do BE nos grandes centros urbanos poderá também explicar a inversão do sinal do coeficiente associado ao factor 3: de 1995 para 1999, o BE passou a ter maiores votações nos concelhos com mais jovens. Por outro lado, em 1995 esta coligação tinha maiores proporções de voto nas zonas onde predomina o proletariado rural/Alentejo (beta/F4); em 1999 esta relação inverteu-se.

 

Conclusões

Entre as eleições legislativas de 1995 e 1999 registaram-se quatro fenómenos especialmente marcantes: 1) o enorme crescimento da abstenção eleitoral; 2) a eleição de dois deputados do BE, em resultado do forte aumento das respectivas votações; 3) a vitória do PS nos Açores; 4) o empate no número de deputados do partido que apoia o governo (115) e dos partidos da oposição (115).

No caso da abstenção eleitoral, o seu crescimento foi tanto mais importante quanto houve uma limpeza dos cadernos eleitorais, em 1998, que terá expurgado uma parte não negligenciável da “abstenção técnica”. Apesar disso, conforme demonstrámos no início deste trabalho, a referida limpeza ficou bastante aquém do desejável.

A evolução da abstenção, entre 1995 e 1999, ilustra claramente o fenómeno da “abstenção política”. Factores específicos das eleições de 1999 contribuíram para explicar este padrão: a vitória do PS antecipadamente anunciada em todas as sondagens; uma campanha eleitoral pouco mobilizadora; a falta de liderança e as divisões entre os dois partidos de direita.

Este crescimento da “abstenção política”, já detectado por Freire para o período 1983-1995, contraria claramente as teorias tradicionais (Lipset, 1987; Campbell e outros, 1980; Bourdieu, 1979), embora não seja um fenómeno exclusivamente português (Memmi, 1985; Justel, 1995; Subileau, 1997). Ou seja, cada vez mais a abstenção surge como uma opção estratégica dos eleitores (Downs, 1957), quer face às condições de concorrência no mercado eleitoral, quer como uma forma de penalização de determinadas forças políticas, e menos como uma resultante do seu “isolamento social e geográfico”.

Dois estudos recentes baseados em inquéritos por amostragem (dados individuais) permitem-nos contrastar os resultados (com dados agregados) a que chegámos quanto ao perfil dos abstencionistas. O estudo de Freire (2001d) analisou as legislativas de 1995; o trabalho de Magalhães (2001) debruçou-se sobre as legislativas de 1999. O estudo de Freire concluiu que mais do que o nível de recursos e as atitudes políticas, em 1995 o déficit de integração social foi o melhor preditor do abstencionismo eleitoral. Para 1999, o trabalho de Magalhães revelou que foram as atitudes políticas os melhores preditores da abstenção. Aparentemente, as conclusões destes dois estudos são coincidentes com as nossas: de 1995 para 1999 os factores sociológicos perderam terreno perante as atitudes políticas — “abstenção política”. Todavia, a diversidade de indicadores utilizados nos estudos de Freire (2001d) e de Magalhães (2001) impedem-nos de ser tão taxativos nesta conclusão, pois os dois trabalhos não são rigorosamente comparáveis em termos da hierarquização dos factores explicativos do abstencionismo (Freire, 2001d).

O fenómeno BE foi o segundo acontecimento mais marcante das eleições legislativas de 1999. Esta coligação conseguiu eleger dois deputados no maior círculo eleitoral do país (Lisboa), sobretudo à custa da captação do voto urbano ao PS; no círculo do Porto esteve à beira de eleger mais um deputado. Num contexto de uma muito previsível vitória do PS, muitos dos seus eleitores ter-se-ão sentido mais livres para “votar ideologicamente” (prescindindo de quaisquer estratégias de “voto útil”), penalizando o partido pelos seus acordos com os dois partidos de direita.

O efeito das estruturas de clivagens sobre o voto funcionou no sentido previsto: maior proximidade da direita (CDS/PP e PSD) ao pólo religioso e do capital; maior proximidade da esquerda (PS, PCP/CDU e BE) ao pólo secular e do trabalho.

Quanto ao efeito da economia no voto, encontrámos dois tipos de impactos. Em primeiro lugar, a “taxa de desemprego” esteve associada a maiores votações nos partidos de esquerda e a menores votações nos partidos de direita. Ou seja, independentemente de qual o partido “incumbente”, o impacto da “taxa de desemprego” revelou-se acomodável na “hipótese das prioridades políticas”. Ao contrário, o impacto do crescimento do desemprego, entre 1998 e 1999, revelou-se claramente interpretável segundo a “hipótese da responsabilização”: penalizou o partido “incumbente”, PS, e beneficiou dois dos partidos da oposição, o CDS/PP e o PCP/CDU.

Em 1999, face à estrutura de clivagens, foi no PS (8%) e no CDS/PP (5%) que o “voto económico” teve maior peso para a variância explicada. No PSD (4%), no PCP/CDU (2%) e no BE (1%), o peso relativo do “voto económico” foi ainda mais reduzido. Mais, a dimensão que o “voto económico” atingiu no PS e CDS/PP representa um razoável crescimento face ao que se tinha verificado no período 1983-1995 (Freire, 2000a, 2000c e 2001a). Neste período, nunca o peso do “voto económico” foi superior a 4%, em qualquer dos quatro maiores partidos. Significa isto que o “voto económico” tem um reduzido impacto nas opções dos eleitores portugueses, sobretudo face às clivagens. Todavia, estes resultados devem ser restringidos à análise de dados agregados que aqui se apresenta. Ou seja, não devemos extrapolar estes resultados para o nível individual, no qual o peso relativo do “voto económico” poderá revelar-se diferente.

Apesar do seu reduzido peso face às clivagens, parece-nos relevante o impacto do “voto económico” em Portugal. Quer porque actua no sentido previsto pelas hipóteses clássicas, quer porque se mantém significativo após controlarmos uma extensa bateria de indicadores das clivagens, quer ainda porque o seu impacto foi sempre estatisticamente significativo ao longo do período 1983-1999 (Freire, 2000c e 2001a).

Em termos comparativos, podemos dizer que vários estudos têm revelado que o “voto económico” é bastante importante, mantendo-se significativo quando controlados os “efeitos de longo prazo”. Na Grã-Bretanha e em Espanha, o “voto económico” tem maior peso do que as clivagens e o “posicionamento ideológico” (Lewis-Beck, 1990). Nos EUA, em França e na Alemanha o seu impacto é mais forte do que as clivagens, embora mais reduzido do que o da “identificação partidária” (EUA). Só em Itália as clivagens se revelam mais poderosos preditores do voto do que a economia (Lewis-Beck, 1990; Bellucci, 1991). Portanto, poderíamos dizer que a situação portuguesa se aproxima mais da situação italiana. Todavia, os estudos referidos baseiam-se todos em dados individuais e, portanto, as suas conclusões não são estritamente comparáveis com os resultados portugueses. Por outro lado, como usámos dados agregados, não pudemos controlar o “posicionamento ideológico” dos eleitores. Os estudos com dados agregados sobre o “voto económico”, na Europa e nos EUA, também não são estritamente comparáveis com os resultados portugueses, pois utilizam estratégias metodológicas muito diversas, nomeadamente não usam as variáveis sociológicas como variáveis de controlo (Owens e Olson, 1980; Bellucci, 1984; Rattinger, 1991; Paldam, 1991; Anderson, 1995).

Portanto, diríamos que o “voto económico” tem um impacto significativo face às clivagens, embora o seu peso relativo aparente seja reduzido em termos comparativos, aproximando Portugal da situação italiana. Todavia, só estudos com dados individuais poderão esclarecer definitivamente estas matérias. Esta é, pois, uma importante linha de investigação a ser desenvolvida em futuras pesquisas.

 

 

Notas

1 Para uma análise longitudinal e comparativa da abstenção portuguesa, ver Freire (2000d).

2 A estimativa mais elevada foi realizada pelo Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA), que trabalha para as Nações Unidas (ver Cabral, Diário de Notícias, 29/5/99: 25; e Machado, 1999). A necessidade urgente de limpeza dos cadernos eleitorais resultou do facto de o primeiro referendo nacional do período democrático se estar para realizar em Junho de 1998. Em Portugal, os resultados dos referendos têm de ter uma participação mínima de 50% mais um dos eleitores inscritos, para que sejam considerados vinculativos. Nenhum dos referendos realizados em 1998 atingiu tal patamar (para uma análise detalhada dos dois referendos, ver Freire e Baum (2001) (no prelo). No final, apenas cerca de 400.000 eleitores-fantasmas foram retirados dos cadernos eleitorais (Expresso, 15/11/97; Público, 24/4/98). Tal resultado, bastante aquém do necessário, deveu-se a vários factores: ineficiência burocrático-administrativa do processo; falta de fundos para a realização de um novo recenseamento eleitoral e receios quanto à adesão dos eleitores ao mesmo; o “desejo” das autarquias locais (municípios, freguesias), sobretudo no interior, em conservarem tantos “eleitores” quantos possivel para manterem o mesmo nível de apoios financeiros do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) e idênticos números de autarcas.

3 A “abstenção real” é calculada face ao total de indivíduos com 18 e mais anos (INE/Estimativas Intercensitárias) e não face ao total de inscritos no RE/STAPE.

4 Por “abstenção política” entende-se uma acção estratégica dos eleitores no sentido de não comparecerem às urnas, quer como expressão de uma crescente deslegitimação do sistema político, quer como expressão de uma insatisfação conjuntural com o funcionamento do mesmo (Memmi, 1985: 349; Subileau, 1997; Freire, 2000a e 2000d).

5 O Bloco de Esquerda (BE) é composto pelo PSR, pela UDP e pela Política XXI.

6 Esta formação política continuou também a receber forte apoio eleitoral em Setúbal e nos concelhos da margem sul do Tejo. Recorde-se que muitos dos habitantes destas zonas são oriundos — pelo menos em termos de ascendência familiar — de migrantes alentejanos.

7 Em Portugal, a clivagem centro-periferia per se não tem relevância político-partidária, pelo que não faz sentido formular hipóteses sobre a matéria (Cruz, 1988: 212-224; Gaspar e André, 1990; Gaspar e outros, 1990; Nataf, 1995: 117-118; Baum, 1997; Schmitter, 1999: 97; Freire, 2000a).

8 Tendo em conta que utilizamos “dados agregados”, não podemos distinguir o “voto egoísta” do “voto sociotrópico”; nem podemos distinguir devidamente as duas hipóteses: da “responsabilização” e das “prioridades políticas” (Rattinger, 1991: 50-51; Bellucci, 1984: 396 e 398-400).

9 O impacto da conjuntura económica sobre a participação/abstenção eleitorais não é muito claro: o agravamento das condições económicas tanto pode gerar uma maior participação como uma maior apatia, especialmente entre os atingidos pelo desemprego (Lipset, 1987; Anderson, 1997; Freire, 2000a e 2000d). Por isso não formulamos quaisquer hipóteses sobre a matéria.

10 Para optimizar a comparabilidade com as eleições de 1995, os resultados referentes aos três novos concelhos criados em 1999 (Vizela, Trofa e Odivelas) foram fundidos com os dos municípios originais: Guimarães, Santo Tirso e Loures, respectivamente. A não consideração das regiões autónomas deveu-se à insuficiência de dados sociodemográficos.

11 A regressão linear múltipla é uma técnica estatística multivariada que permite determinar em que medida as variações na variável dependente Y (abstenção ou voto em cada um dos cinco partidos) são explicáveis pelas variações nas variáveis independentes X1, X2, etc. (clivagens e economia). Todavia, assenta no pressuposto que a relação entre as variáveis é linear, ou seja, que o efeito das variáveis independentes sobre a variável dependente é o mesmo qualquer que seja o valor das primeiras (Carrión, 1995: 411). Portanto, através deste modelo apenas podemos chegar à conclusão sobre se há ou não há relação linear entre as variáveis independentes e a variável dependente. Se a conclusão for negativa (teste F não significativo), isso não significa que não haja qualquer tipo de relação entre as variáveis, mas apenas que não há relação linear. Todavia, poderá haver uma relação de outro tipo: curvilinear, etc. Em nenhum dos casos em análise tal se verifica, ou seja, os resultados dos testes F revelam sempre que o modelo linear é adequado. Para cada variável independente, o nível de significância associado ao beta respectivo indica-nos se o impacto dessa variável independente sobre a variável dependente é, ou não, significativo. Uma outra medida importante nas análises de regressão é o R2 ou variância explicada (ou ainda coeficiente de determinação). Esta medida indica-nos a parte da variabilidade na variável dependente que é explicada pela variação nas variáveis independentes. Para uma descrição exaustiva e exemplificada desta técnica, ver Carrión (1995: 409-456).

12 Apresentamos sempre dois tipos de R2. Na penúltima linha dos quadros 5 e 6 apresentamos a variância explicada, na abstenção e no voto partidário, pelo conjunto dos indicadores (factores 1 a 5: clivagens, conjuntura económica). Na última linha dos quadros 5 e 6, a variância explicada diz apenas respeito às clivagens como variáveis independentes (factores 1 a 5).

13 A hierarquização da importância explicativa de cada um dos elementos das estruturas sociais faz-se através da análise dos coeficientes de regressão estandardizados (betas). Utilizamo-los porque não são influenciados pelas diferentes unidades de medida de cada uma das variáveis e pelas diferenças nos respectivos valores médios. Os betas são interpretados como mudanças em unidades de desvio padrão na variável dependente Y, associados à mudança de uma unidade de desvio padrão na variável independente X, mantendo constantes todas as outras variáveis independentes (Carrión, 1995: 397-398). Tomemos como exemplo as eleições legislativas de 1995. O desvio-padrão da abstenção foi de 5,09 (variável dependente). Os factores (variáveis independentes) são indicadores compósitos estandardizados, ou seja, média 0 e desvio-padrão 1. Assim, para o primeiro factor (F1/beta: -0,151), centralidade e urbanidade, o acréscimo de uma unidade de desvio-padrão (1) traduz-se num decréscimo de -0,76859 na abstenção (-0,151*5,09=-0,76859). O sinal do beta indica-nos a proximidade do fenómeno da abstenção com cada um dos pólos da clivagem (factor). O sinal negativo do coeficiente (beta) associado ao factor 1 indica-nos que, quando crescem os valores dos indicadores referentes à centralidade e urbanidade (+),desce a abstenção. No caso do factor 2, cada um dos pólos da clivagem tem associado um sinal: o pólo terciário/semi-urbano/secular(+) tem associado um sinal positivo. O pólo oposto, rural(-), tem associado um sinal negativo. Assim, como o sinal do beta (-0,445) é negativo, concluímos que quando sobem os valores do factor (terciário/semi-urbano/secular(+)), descem os valores da abstenção. Isto é, a abstenção está associada ao pólo rural (-) da clivagem. Note-se que, em cada factor, o sinal negativo ou positivo remete para os sinais negativos e positivos dos pesos factoriais (loadings) das variáveis que mais carregavam o factor em causa.

14 Em Portugal, os concelhos com maiores proporções de jovens situam-se predominantemente no norte do país. Todavia, a clivagem geracional permite também distinguir o litoral e o interior do país. No interior, o peso das populações mais envelhecidas é claramente mais importante, embora ainda mais a sul que a norte (ver Freire, 2000a, apêndice II, quadro A2.1; ver também Machado e Costa, 1998: 22-23).

 

 

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*André Freire, assistente do Departamento de Sociologia do ISCTE, investigador do CIES e investigador júnior associado do ICS. E-mail: andre.freire@iscte.pt

**Michael Baum, assistant professor do Departamento de Ciência Política/Centro de Estudos Portugueses da Universidade de Massachusetts/Dartmouth, EUA. E-mail: mbaum@umass.edu

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