No Brasil, considerando a população geral entre 2003 e 2013, o número de vítimas de homicídios do sexo feminino evoluiu de 3937 para 4762, um incremento de 21% na última década. Esse elevado número de mortes representa 13 homicídios femininos diários. Levando em consideração o crescimento da população feminina, que nesse período passou de 89,8 para 99,8 milhões (aumento de 11,1%), infere-se que a taxa nacional de homicídios, que em 2003 era de 4,4 por 100 mil mulheres, passou para 4,8 em 2013, com incremento de 8,8% em apenas uma década (Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, 2015). Esses números colocam o país no topo das nações nas quais as mulheres estão mais expostas ao feminicídio.
A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2003, foi um marco histórico para a organização de uma rede de atendimento às mulheres em situação de violência. Representa um passo importante para garantir recursos para implementação de serviços e políticas públicas integradas de enfrentamento à violência contra as mulheres (VCM) (Oliveira et al., 2020). Assim, o Estado reconhece a necessidade de incentivar a formação de redes compostas pelos serviços intersetoriais que atendem as mulheres em situação de violência, para que elas tenham assegurado um cuidado integral. Com o lançamento do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, em 2007, consolida-se a importância de se ter uma rede articulada de atendimento à mulher em situação de vulnerabilidade. Desse modo, a atuação governamental deixa de abarcar apenas o apoio a serviços emergenciais e especializados, além de campanhas públicas sazonais e isoladas, evoluindo para um modelo de atuação mais sistêmica e que busca contemplar uma multiplicidade de ações intersetoriais (Secretaria de Políticas para as Mulheres [SPM], 2011).
De acordo com o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 as principais formas de violência doméstica e familiar perpetradas contra a mulher são: I - a violência física, “entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”; II - a violência psicológica, “entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento [...]”; III - a violência sexual, “entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força [...]”; IV - a violência patrimonial, “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos [...]”; V - a violência moral, “entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.
No contexto brasileiro, a violência física é a que mais acomete as mulheres, representando 48,7% dos atendimentos realizados no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014. Incide especialmente nas etapas jovem e adulta da vida da mulher, quando chega a representar quase 60% do total de atendimentos. Em segundo lugar aparece a violência psicológica, presente em 23% dos atendimentos em todas as idades, principalmente da etapa jovem em diante. Em terceiro lugar, a violência sexual, representando 11,9% dos atendimentos, com maior incidência entre as crianças até 11 anos de idade e as adolescentes (correspondendo, respectivamente, a 29% e 24,3% dos atendimentos).
A negligência/abandono por parte dos pais ou responsáveis é registrada em 28,3% dos atendimentos de crianças. As taxas elevadas de negligência/abandono são também observadas em idosas (Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, 2015). Com relação à população de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT), as formas de violência mais comuns incluem: física (assassinato, espancamento, sequestro, estupro e abuso sexual) e psicológica (ameaça, coerção e privação arbitrária da liberdade) (Baptista-Silva et al., 2017; Braga et al., 2017, 2018; Dullius & Martins, 2020; Freitas et al., 2017; Gaspodini & Falcke, 2018; Martínez-Guzmán & Íñiguez-Rueda, 2017; Moscheta et al., 2016; Rosa et al., 2018; Santos et al., 2019; Tombolato et al., 2018; United Nations Human Rights, 2019).
Em 2016, o Disque Direitos Humanos (Disque 100) registrou 1876 denúncias e 2907 violações relacionadas à população LGBT no Brasil, envolvendo 1906 vítimas e 2461 casos suspeitos. Os números indicam um quadro grave e crescente de violências homofóbicas e transfóbicas no Brasil. De acordo com o Grupo Gay da Bahia, que é a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos da população homossexual brasileira, as pessoas mais atingidas são as que se percebem como gays e travestis, estão na faixa etária entre 19 e 30 anos e vivem em estados da região Nordeste. Ressalta-se o perfil de ódio que caracteriza os crimes LGBTfóbicos, pois a quantidade de tiros e o número de facadas desferidos contra a vítima indicam que tais crimes tiveram objetivos e alvos específicos (Secretaria Nacional de Cidadania, 2018). As execuções diariamente expostas na mídia revelam os requintes de crueldade com que esses crimes são praticados, com os corpos torturados e trucidados das vítimas que foram surpreendidas sem possibilidade de defesa.
Os crimes de ódio contra a população LGBT revelam a face violenta da sociedade brasileira e sua herança colonial escravocrata, homofóbica e misógina. A violência é utilizada como estratégia de controle sobre os corpos dissidentes, sendo também uma reação radical contra as conquistas crescentes das orientações sexuais e identidades de gênero contra-normativas (Alexandre & Santos, 2019; Galli et al., 2013; Marques & Sousa, 2016; Nascimento et al., 2015; Ramos & Carrara, 2006; Risk & Santos, 2019; Rosa et al., 2016; Santos et al., 2007; Tombolato et al., 2019).
O Atlas da Violência indicou que, em 2017, 4936 mulheres foram mortas no Brasil, sendo que 66% das vítimas eram mulheres negras (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada & Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019). A maioria das mortes intencionais e violentas foi perpretada por pessoas conhecidas pela vítima e ocorreram dentro de suas residências. O número de mortes por uso de arma de fogo dentro de casa cresceu 29,8% nos últimos dez anos, o que pode estar relacionado ao aumento dos casos de feminicídio.
Pesquisa com mais de 63.000 mulheres apresentou evidências de elevada frequência, gravidade e persistência de abusos relatados por mulheres de orientação sexual não heteronormativa. Altas taxas de vitimização foram observadas em todos os grupos estratificados por orientação sexual: quase 57% das mulheres heterossexuais relataram algum tipo de abuso na infância ou adolescência e cerca de 70% das mulheres lésbicas e bissexuais mencionaram ter vivido essas experiências adversas (Austin et al., 2008). Outro estudo encontrou que as primeiras experiências, particularmente as vivências de vitimização que ocorrem em etapas precoces, influenciam o desenvolvimento da juventude LGBT e afetam o funcionamento psicológico posterior, mesmo com apoio social (Birkett et al., 2015). Portanto, para proteger a saúde psicológica de jovens e adultos jovens LGBT são necessárias intervenções precoces que visem a reduzir os prejuízos decorrentes da exposição sistemática à violência. Essa situação alarmante só poderá melhorar quando jovens LGBT não mais experimentarem vitimização.
Nesse contexto, um homem gay branco é visto como membro de um grupo privilegiado que abdica de parte de seus direitos “naturais”, enquanto que uma mulher lésbica - quando a luta por seus direitos se torna proeminente - é percebida como parte de um grupo desfavorecido que tenta mudar a estrutura que cristaliza privilégios de gênero e perpetua injustiças baseadas na naturalização das diferenças entre homens e mulheres. É por essa razão que suas ações podem ser interpretadas pela sociedade machista como ameaçadoras da ordem instituída. Segundo Cárdenas et al. (2018), as variáveis relevantes que estão associadas às atitudes negativas em relação às lésbicas na cultura ocidental são as expectativas de gênero e duas dimensões autoritárias de direita: agressão autoritária e submissão autoritária. A transgressão das expectativas de papéis de gênero pelas lésbicas e o questionamento de sua posição na hierarquia de prestígio social são fatores diferenciais na abordagem dessas mulheres. Nesse caso, quando as lésbicas questionam sua posição em relação aos homens heterossexuais - ou seja, quando sua reivindicação de igualdade é interpretada como uma demanda por direitos políticos igualitários - as atitudes de gênero em relação a elas aumentam significativamente (Cárdenas et al., 2018).
O modo como a homossexualidade vem sendo problematizada em pesquisas nas últimas décadas está mudando devido à atual preocupação com a disseminação da violência contra lésbicas e gays. Em vez de focar no estudo do comportamento homossexual, tratado anteriormente como desviante, a atenção tem se fixado nas razões que fizeram tal desqualificação ser consistentemente atribuída a essa expressão da orientação sexual, como forma de controlar e regular as sexualidades divergentes do padrão heteronormativo (Borrillo, 2010; Lira & Morais, 2020; Marques & Sousa, 2016). A mudança de foco e o deslocamento do objeto de análise para a questão da homofobia evidenciam uma guinada epistemológica, pois se trata menos de compreender o funcionamento e origem da homossexualidade e mais de analisar o porquê de a orientação sexual dissidente desencadear tanta hostilidade em uma sociedade marcada pela intolerância ao diferente. Para Borrillo (2010), há também uma guinada política, porque o que agora merece problematização específica, do ponto de vista político-institucional, é a questão homofóbica e não a questão homossexual.
Borrillo (2010) marca a especificidade da lesbofobia - ou seja, a homofobia voltada especificamente para as mulheres homossexuais, ao argumentar que a mulher lésbica é submetida a uma violência particular, relacionada ao desprezo proveniente da intersecção entre duas condições subalternizadas: o fato de ser mulher e também homossexual. Em uma perspectiva interseccional, diferentemente do homem gay, a lésbica acumula uma dupla condição que potencializa sua vulnerabilidade ao risco de sofrer preconceitos e atos de discriminação: pelo gênero e por sua orientação sexual que afronta a heterossexualidade compulsória.
Historicamente, as lésbicas parecem ter sido menos perseguidas do que os gays, porém isso não deve ser interpretado como indício de maior tolerância social para com as mulheres homossexuais; pelo contrário, essa aparente indiferença, reflexo da misoginia vigente na sociedade sob dominação masculina, é sinal do enorme desdém da cultura patriarcal pela sexualidade feminina, transformando-a em mero instrumento do desejo masculino e tornando impensável que relações erótico-afetivas entre mulheres possam existir. Por essa razão, “o menosprezo dos homens pela sexualidade feminina - incluindo a da lésbica, considerada como inofensiva - transforma-se em violência quando as mulheres contestam o status atribuído a seu sexo, ou seja, quando rejeitam ser esposas e mães” (Borrillo, 2010, p. 49).
Considerando o exposto, é fundamental compreender em que medida o conhecimento produzido pela academia pode oferecer subsídios para implementação de políticas públicas e estratégias de cuidado que contribuam para modificar a cultura que mata as pessoas LGBT, quebrando o ciclo de violência que tem no feminicídio uma de suas facetas mais hediondas (Souza et al., 2018). Há escassez de estudos de revisão que permitam sistematizar o que já se sabe sobre as especificidades da VCM na interface com orientação sexual dissidente. Considerando essa lacuna da literatura, este estudo teve por objetivo analisar a produção científica acerca da violência perpetrada contra mulheres lésbicas e bissexuais.
Método
Trata-se de um estudo documental, do tipo revisão integrativa da literatura, pautada em um recorte temporal contemporâneo. Para alcançar o objetivo proposto, foram seguidos os passos metodológicos preconizados para operacionalizar a revisão integrativa: (1) identificação do tema e da questão norteadora; (2) estabelecimento das estratégias de busca e definição dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos que compõem o corpus de pesquisa; (3) definição e categorização das informações de interesse a serem extraídas dos estudos selecionados (identificação dos autores, delineamento do estudo, ano de publicação, estratégia metodológica adotada, amostra/participantes, idioma, periódico, objetivo e resultados); (4) avaliação, interpretação e síntese dos estudos, contendo uma análise descritiva e crítica das principais contribuições e as lacunas identificadas na literatura (Mendes et al., 2008).
O estudo de revisão foi orientado pela seguinte questão norteadora: Qual o status da produção científica nacional e internacional acerca da violência perpetrada contra mulheres lésbicas e bissexuais? Em conformidade com as recomendações de Carvalho et al. (2019), na pesquisa bibliográfica foram considerados os seguintes critérios de inclusão: (1) artigos redigidos nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola; (2) estudos primários que abordavam o tema da violência, independentemente do tipo, contra mulheres lésbicas/homossexuais e/ou bissexuais; (3) que veiculavam resultados empíricos; (4) que disponibilizavam o resumo completo nas bases de dados; (5) publicados entre janeiro de 2006 e dezembro de 2019. Os critérios de exclusão foram: (1) apresentação no formato de dissertação, tese, capítulo de livro, livro, monografia, manual, editorial, resenha, carta ao editor, comentário ou crítica; (2) estudos de revisão de literatura; (3) artigos que tangenciavam o tema investigado, mas que ao serem examinados detidamente mostram-se distantes do objetivo proposto; (4) artigos com foco apenas na população de mulheres transexuais e/ou de travestis, transgênero e intersexo.
Coleta de dados
A coleta de dados incluiu periódicos indexados nas bases de dados bibliográficos PubMed, LILACS e PsycInfo e foi realizada em janeiro de 2020. Foram pesquisados os artigos indexados com as seguintes palavras-chave: violence against women, homosexuality, bisexuality, battered women, violence, women, health, homosexuality, female, bem como os entry terms. Esses descritores foram escolhidos de acordo com a lista de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e da Terminologia Psi. No Thesaurus do DeCS o único descritor específico para designar as lesbianidades é homosexuality, female (inexistem descritores como “lésbica” ou “mulheres lésbicas”). Também não existe um descritor próprio para violência contra a mulher lésbica, limitação que foi contornada pela combinação de unitermos indexados. Optou-se por utilizar também o descritor “homossexualidade”, sem especificação, para abarcar inclusive aqueles estudos que, além da população lésbica e bissexual feminina, também investigaram outros segmentos da população LGBT, mas que incluíram na amostra mulheres lésbicas e bissexuais. Dessa maneira, assegurou-se maior abrangência e representatividade do levantamento bibliográfico.
Os operadores booleanos AND e OR foram utilizados para limitar as variações de resultado e as estratégias empregadas em cada fonte consultada. Seguindo os passos propostos pelo método, o material coligido foi submetido a exame minucioso e independente por dois revisores independentes, pesquisadores com expertise na área dos estudos de gênero e sexualidade, utilizando o gerenciador de referências on-line Rayyan for Systematic Reviews® (Ouzzani et al., 2016). Após a leitura dos títulos e resumos e eliminação dos estudos duplicados, procedeu-se a recuperação dos artigos na íntegra, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão adotados. Em um primeiro momento os estudos duplicados e os que eram consistentes com os critérios de exclusão foram removidos. As listas dos dois avaliadores foram cotejadas e eventuais divergências foram resolvidas por consenso. Ao final desse processo de refinamento, os artigos selecionados constituíram o corpus analisado.
Análise de dados
Após a leitura integral das publicações, iniciou-se a extração dos dados de interesse, utilizando-se um formulário delineado com esse propósito. Posteriormente, as informações foram sistematizadas e compiladas em tabelas e organizadas em ordem numérica crescente por ano de publicação. Após nova leitura criteriosa pelos dois revisores, os resultados dos estudos que constituíram o corpus da pesquisa foram submetidos à análise temática, com o intuito de extrair os principais temas abordados pelas publicações (Minayo, 2013). Essa análise foi operacionalizada por meio de três etapas: 1. pré-análise; 2. exploração do material; 3. tratamento dos resultados obtidos.
Resultados
Dos 238 estudos listados inicialmente, e excluindo-se aqueles que se repetiam nas bases, 11 preencheram os critérios e foram selecionados para compor o corpus da revisão. As etapas de seleção, depuração e refinamento da amostra estão representadas graficamente por meio do fluxograma preconizado pelas diretrizes da estratégia PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (Moher et al., 2009) e estão apresentadas na Figura 1.
O Quadro 1 apresenta uma síntese das características mais relevantes dos artigos revisados. No que se refere ao ano de publicação, verificou-se que 2015 e 2014 foi o período que concentrou maior número de publicações, com três artigos em cada, representando 36,4% dos estudos. O ano de 2013 teve dois artigos, enquanto que 2008, 2009 e 2011 mostraram um artigo. Não foram selecionadas publicações dos anos 2006, 2007, 2010, 2012, 2016, 2017, 2018 e 2019.
Quanto ao idioma no qual os estudos que compõem a amostra de artigos revisados foram redigidos, verificou-se que 10 estão disponíveis na língua inglesa e um em espanhol. Os estudos foram publicados em nove periódicos conceituados e de elevado padrão editorial. Tais periódicos são de caráter multidisciplinar e têm contribuído de forma significativa para a compreensão da complexidade do saber envolvido na área de interface VCM e orientação afetivo-sexual lésbica ou bissexual, bem como de outros segmentos pertencentes ao espectro da diversidade sexual e de gênero. Nota-se o predomínio de revistas científicas com escopo mais generalista, relacionado à área da saúde em geral. Três periódicos são especializados, um tem como foco a saúde da mulher, o outro contempla questões de diversidade cultural e minorias étnicas, e o terceiro é consagrado aos estudos do campo da bioética.
Quanto ao país de origem do primeiro autor dos artigos revisados, seis eram provenientes de instituições dos Estados Unidos, três do Canadá, um da Colômbia e um da Itália. Percebe-se, assim, o predomínio de autores oriundos de países desenvolvidos da América do Norte. Nenhum estudo brasileiro foi selecionado com base nos critérios adotados, o que sugere a existência de uma lacuna importante do conhecimento, que requer investimentos e políticas de desenvolvimento científico por parte da comunidade local de pesquisadores.
O público-alvo que se sobressaiu nos estudos primários revisados foram as mulheres de minorias sexuais, principalmente as que se identificam como lésbicas e bissexuais (45,5%). Em 27,3% dos estudos que envolveram a população LGBT, apenas mulheres lésbicas foram incluídas. Essa mesma porcentagem também foi encontrada para os estudos que incluíram participantes da população LGBT em geral. Além disso, 27,3% dos estudos trataram da violência entre parceiras/os íntimas/os das mulheres lésbicas e bissexuais. Os artigos que abordavam essa temática foram incluídos nas suas categorias correspondentes e não tratados como estudos individuais, pois o propósito desta revisão não era focalizar especificamente a violência por parceira/o íntima/o, mas em geral.
Em 18,2% dos estudos foram realizadas comparações entre mulheres pertencentes a diferentes segmentos das minorias sexuais e as mulheres lésbicas em particular. Em relação ao delineamento dos estudos, foram encontradas, basicamente, investigações de abordagem quantitativa (90,9%) e transversal (81,8%). Esses dados sugerem a necessidade de maiores esforços e investimentos em pesquisas qualitativas e com desenho longitudinal.
Sobre a violência de gênero, 90,9% dos artigos revisados abordaram a questão da violência sexual (incluindo violência perpetrada por membros da família ou autores conhecidos, desconhecidos ou ambos), abuso na infância, nova vitimização na idade adulta, vitimização cumulativa na infância, vitimização cumulativa na idade adulta, vitimização cumulativa ao longo da vida, relações sexuais não consensuais (forçadas), não conseguir negociar com o parceiro o uso de métodos contraceptivos, além de aspectos teóricos e políticos.
Em 72,7% dos artigos selecionados a questão da violência física foi diretamente abordada, incluindo a violência perpetrada por familiares, parceiras/os íntimas/os ou autor conhecido, desconhecido ou ambos. Também foi investigado o aumento da prevalência de violência, abuso infantil, vitimização cumulativa na infância, vitimização cumulativa na idade adulta, vitimização cumulativa ao longo da vida, violência cometida e sofrida pelo casal, aspectos teóricos e políticos relacionados.
Em 45,5% dos artigos revisados abordou-se a questão da violência psicológica, incluindo deixar mensagens com ameaças para a parceira, ameaçar com armas, perseguição, agressão verbal, discriminação, proibições, como as principais expressões da violência perpetrada pela/o parceira/o íntima/o, bem como os aspectos teóricos e políticos associados. Em apenas um (9,1%) artigo abordou-se a questão da violência patrimonial relacionada aos seus aspectos teóricos e políticos. Nenhum dos estudos revisados abordou a questão da violência moral de forma direta.
Na amostra final não foram encontrados artigos assinados por um mesmo grupo de pesquisa/autores/as. A análise temática permitiu identificar os temas abordados nos artigos recuperados e que nortearam a elaboração dos respectivos estudos, a saber: 1. Agressões (artigos 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 11), 2. Medos (1, 5 e 7), 3. Violência como fator de risco para infecção por HIV-Aids (10), 4. Políticas públicas (3).
Categoria temática 1: Agressões
O foco principal dos estudos foi a agressão sofrida por mulheres homossexuais ou bissexuais, tema contemplado em 72,8% dos artigos. Um dos estudos recrutou 152 mulheres de minorias sexuais AIAN (acrônimo em inglês que designa a população indígena dos EUA e pessoas nativas do Alasca) como parte de uma investigação relacionada às preocupações de saúde das pessoas two-spirit. Esse termo foi escolhido por ser uma expressão popular utilizada para se referir às minorias sexuais e de gênero AIAN, que acentua e valida uma personificação culturalmente distinta de sua identidade sexual e de gênero. O estudo mostrou que 85% das mulheres entrevistadas haviam sido agredidas sexualmente. Esse histórico alarmante de abuso sexual sugere a necessidade urgente de organizar serviços comunitários especializados em trauma e abuso para o atendimento das necessidades de saúde dessa população altamente vulnerável. As mulheres mais velhas mostraram-se mais suscetíveis de serem agredidas sexualmente. Talvez isso reflita o longo período de tempo decorrido para que a notificação do abuso em potencial ocorra, porém, uma limitação importante do estudo é que não foram coletados dados sobre a idade das participantes no momento do abuso. O abuso sexual foi relacionado a piores desfechos de saúde mental e física (Lehavot et al., 2009).
Outro estudo investigou a relação entre abuso sexual infantil, risco de uso de álcool e vitimização sexual entre mulheres adultas lésbicas e bissexuais adultas. Quase três quartos das mulheres relataram vitimização sexual quando adultas, uma incidência maior do que a reportada por mulheres heterossexuais. A maioria das experiências de vitimização sexual mais recentes de mulheres pertencentes a minorias sexuais envolveu autores masculinos. O estudo concluiu que as mulheres de minorias sexuais experimentaram um ciclo de violência que começou na infância e teve continuidade na idade adulta; 40% das mulheres foram sexualmente molestadas na infância e depois revitimizadas na idade adulta, sendo que as mulheres bissexuais encontravam-se em maior risco do que as lésbicas para a revitimização. Outro achado foi que as pontuações de gravidade do padrão de uso do álcool foram significantemente associadas à gravidade da vitimização sexual sofrida pelas mulheres adultas (Hequembourg et al., 2013).
Pesquisa avaliou a frequência de discriminação, assédio e exposição a situações de violência e os fatores associados a essas ocorrências em uma amostra aleatória de 1000 mulheres lésbicas, homens gays e mulheres e homens bissexuais recrutados em locais públicos selecionados aleatoriamente na Itália. Cerca de 40,5% das mulheres relataram ter sofrido ao menos um episódio de violência física ou sexual ao longo da vida, enquanto que 35,1% das mulheres lésbicas reportaram o mesmo agravo. Ademais, 16,7% do total de mulheres participantes, bem como das mulheres lésbicas, referiram ter sofrido ao menos um episódio de violência física ou sexual no último ano (Pelullo et al., 2013).
Estudo de coorte teve por objetivo compreender a associação entre o status de minoria sexual e exposição à violência em mulheres que vivem com ou em risco potencial de contrair o HIV. Também se verificou como que práticas sexuais de alto risco e o uso de substâncias psicoativas podem mediar essa relação e incrementar o risco. Mulheres bissexuais mostraram maior probabilidade de sofrerem abuso sexual em relação às mulheres heterossexuais. Em uma análise em separado, as mulheres que relataram manter relações sexuais tanto com homens quanto com mulheres também mostraram maior probabilidade de serem vítimas de abuso sexual, quando comparadas às que referiram fazer sexo somente com homens. As mulheres que relataram manter intercurso sexual apenas com mulheres apresentaram menor probabilidade de sofrer abuso sexual em comparação com aquelas que admitiram fazer sexo somente com homens (Pyra et al., 2014).
O primeiro estudo a examinar a relação entre experiências pregressas de sexo forçado e problemas de saúde associados em uma amostra de mulheres lésbicas e bissexuais da África do Sul encontrou que cerca de um terço das 591 participantes relatou experiência pregressa de sexo forçado com agressores homens, mulheres ou ambos. A natureza da experiência sexual forçada dependia do sexo do perpetrador. O sexo forçado por mulheres mostrou-se mais provável de ser perpetrado pelas parceiras íntimas. As mulheres lésbicas e bissexuais consideravam as experiências de sexo forçado por homens mais graves do que as praticadas por outras mulheres. Foram encontradas associações entre sexo forçado e consumo de bebidas alcoólicas, uso de drogas, sentimento de pertença à comunidade LGBT, sofrimento mental e sintomas de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), com evidentes implicações clínicas. Profissionais de saúde precisam estar familiarizados com experiências de abuso sexual sofrido por lésbicas e bissexuais e suas associações com desfechos negativos para saúde, para que possam oferecer cuidados sensíveis e adequados a esse segmento vulnerável da população (Sandfort et al., 2015).
Estudo realizado com mulheres de minorias sexuais em Toronto, Canadá, investigou associações entre experiências de violência sexual durante a vida e desfechos de saúde (depressão, ISTs, autoavaliação da saúde), fatores individuais (autoestima, resiliência/enfrentamento, uso de substâncias psicoativas), fatores sociais (práticas sexuais seguras, apoio social) e fatores estruturais (uso de serviços para testagem de HIV e outras ISTs, barreiras encontradas no acesso aos serviços de saúde, exposição à estigma sexual). Quase a metade das 415 participantes relatou ter sido submetida a episódios de abuso sexual durante a vida. As participantes que se identificavam como queer tinham maior probabilidade de terem sofrido abuso sexual do que aquelas que se identificaram como lésbicas. Ao controlar as características sociodemográficas, o abuso sexual se mostrou associado a taxas mais elevadas de depressão, ISTs, comportamento de se submeter a testagem para detecção de ISTs, crença de que os profissionais de saúde não se sentiam confortáveis diante da orientação sexual da paciente e estigmatização sexual (Logie et al., 2014).
A exposição à violência sexual parece ser um problema recorrente. Estudo investigou a relação entre vitimização cumulativa e saúde física em mulheres heterossexuais e lésbicas, e examinou se essa relação difere de acordo com a orientação sexual. Foram entrevistadas 482 mulheres heterossexuais e 394 lésbicas. Verificou-se que as participantes que experimentaram dois tipos de vitimização na infância (sexual e física) apresentaram um risco 44% mais elevado de ter problemas de saúde em comparação com aquelas que não tinham sofrido vitimização quando criança. No referido estudo, mulheres lésbicas e bissexuais relataram taxas mais altas de exposição a todos os tipos de violência, incluindo história de abusos na infância. No entanto, não foi encontrada diferença estatisticamente significante quando se avaliou o impacto da orientação sexual na saúde física (Andersen et al., 2014).
A exposição à violência tem sido correlacionada à suscetibilidade a transtornos mentais. Estudo analisou a relação entre sofrimento emocional (definido como vulnerabilidade à depressão, pensamentos ruminativos e afetos negativos), consumo de álcool e violência física entre parceiras íntimas. Foi realizada uma survey on-line com mais de 400 mulheres que se autoidentificavam como lésbicas. Cerca de 12% das participantes relataram que no último ano haviam sofrido ou perpetrado violência contra as parceiras. O sofrimento emocional foi indiretamente associado à violência entre parceiras pela via do consumo de álcool como modo de enfrentamento de situações estressantes. Isso sugere que o sofrimento emocional é importante fator de risco para ocorrência de violência em mulheres lésbicas, tanto por sua repercussão direta sobre o comportamento violento entre parceiras íntimas, como por seu efeito indireto, por meio do consumo abusivo de bebida alcoólica em um aparente esforço para lidar com os sentimentos negativos. O referido estudo avança no conhecimento ao sugerir que o uso crônico de álcool e os problemas relacionados ao consumo problemático de bebida também estão associados à violência bidirecional entre parceiras/os (VBP, ou BPV na sigla em inglês para bidirectional partner violence) em mulheres lésbicas, um fenômeno já reconhecido em mulheres heterossexuais (Glass et al., 2008).
Categoria temática 2: Medos
Esse tema emergiu a partir das evidências de medo generalizado que as mulheres lésbicas/bissexuais sentem de sofrerem agressão de qualquer tipo. Esse temor difuso é um fator limitante dos relacionamentos e pode ser considerado preditor de prejuízos na qualidade de vida. Estudo realizado na Itália, com uma amostra de 1000 sujeitos, incluindo homens e mulheres de minorias sexuais, constatou que os participantes eram mais propensos a sentir medo de sofrer vitimização devido à sua orientação sexual se fossem mulheres (quando comparadas aos homens), lésbicas e gays (em contraste com mulheres e homens bissexuais), solteiras/os e se já haviam sofrido algum episódio anterior de vitimização (Pelullo et al., 2013).
Pesquisa que teve por objetivo revisar um instrumento padronizado (Danger Assessment) delineado para predizer a possibilidade de ocorrência de uma nova agressão em relacionamentos abusivos entre mulheres utilizou grupos focais e entrevistas para avaliar esta ferramenta e identificar os fatores de risco. Para complementar os dados foram aplicadas entrevistas por telefone no início e após um mês. Constatou-se que as participantes temiam reforçar os estereótipos negativos existentes sobre mulheres pertencentes a minorias sexuais, caso buscassem ajuda para a agressão perpetrada pela parceira íntima. Essa crença fazia com que as mulheres vitimizadas mantivessem o abuso em segredo por medo de se exporem ou por vergonha (Lewis et al., 2015). O imobilismo reforça uma atitude resignada frente aos abusos sofridos.
Estudo conduzido por Logie et al. (2014), que analisou a associação entre história de abuso sofrido ao longo da vida e desfechos de saúde, fatores individuais, sociais e estruturais presentes na vida de mulheres de minorias sexuais em Toronto, Canadá, também revelou que existem barreiras no acesso à saúde ainda pouco conhecidas e que permanecem inexploradas entre as mulheres que se encontram em situação de violência. Isso sugere que outros fatores, tais como o estigma sexual e o temor de sofrer discriminação no relacionamento com profissionais de saúde, podem contribuir significantemente para cristalizar as barreiras de acesso à saúde pela mulher que sofreu abuso.
Categoria temática 3: Violência como fator de risco para infecção por HIV-Aids
Contemplado em apenas um estudo (9,1%), esse tema investigou o risco de contrair o HIV a que estão expostas as mulheres de minorias sexuais, como efeito secundário da violência que sofrem recorrentemente. O objetivo do artigo foi examinar os fatores associados à autoidentificação, como lésbicas e bissexuais, em mulheres envolvidas com trabalho sexual nas ruas de Vancouver, Canadá, e em outros contextos de prostituição. Os achados sugerem que mulheres lésbicas e bissexuais que são profissionais do sexo podem estar em risco elevado para contrair o HIV devido ao consumo intenso de estimulantes não-injetáveis (Lyons et al., 2014).
Categoria temática 4: Políticas públicas
Também contemplado em apenas um estudo (9,1%), esse tema abarca as políticas públicas voltadas para o combate à violência de gênero. O aspecto inovador é a proposta de uma política pública específica para enfrentar a VCM construída a partir da perspectiva da bioética, em diálogo com os estudos de gênero e da saúde pública. Os autores defendem que o enquadramento bioético pode promover um contexto de maior respeito pela autonomia de homens e mulheres, sem distinção devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero, tendo em vista o direito inalienável de cada indivíduo buscar a plena realização de suas potencialidades por meio da liberdade de acesso às redes de solidariedade e o respeito aos princípios da igualdade, dignidade e justiça (Montoya & Sánchez-Alfaro, 2011).
Discussão
Apesar de vários países terem organizado suas políticas públicas de combate à violência de gênero, esse fenômeno tem se constituído como um problema de saúde pública grave e persistente. Esta revisão da literatura evidenciou, de modo cristalino, que as políticas públicas delineadas não contemplam especificidades das mulheres lésbicas e bissexuais. Trata-se de uma demanda que está se modificando nos últimos anos, em função das profundas transformações de ordem social, política, legal e jurídica que têm afetado as relações de gênero e as trocas interpessoais. O empoderamento propiciado pelos vários movimentos emancipatórios de mulheres nas últimas décadas tem conferido maior visibilidade ao problema. Uma das barreiras que favorecem a continuidade do ciclo de violência é a sua invisibilização, que alimenta a subnotificação e a violação de direitos (Brilhante et al., 2016). Montoya e Sánchez-Alfaro (2011) também apontam a necessidade de definir políticas públicas para combater a VCM lastreadas nos princípios da bioética, a fim de promover um contexto de maior respeito e não discriminação devido à orientação sexual ou identidade de gênero.
Sete estudos (Andersen et al., 2014; Hequembourg et al., 2013; Lehavot et al., 2009; Logie et al., 2014; Pelullo et al., 2013; Pyra et al., 2014; Sandfort et al., 2015) mostraram que as participantes lésbicas e bissexuais haviam sofrido algum tipo de abuso sexual no decurso da vida. Nos estudos de Andersen et al. (2014), Glass et al. (2008) e Pelullo et al. (2013) as colaboradoras também relataram ter sofrido agressões físicas ao longo da vida. Estudo constatou que mulheres lésbicas e bissexuais, bem como as heterossexuais que relataram ter tido alguma experiência afetiva/sexual com outras mulheres ao longo da vida, reportaram maior prevalência de maus-tratos na infância, violência interpessoal (relação sexual não consensual, violência doméstica, agressão física, sequestro, perseguição e abuso sexual), outros agravos ou eventos traumáticos perpetrados por amigo ou parente próximo e morte inesperada de um ente querido, em comparação com mulheres heterossexuais que nunca haviam sentido atração por alguém do gênero feminino no curso de sua existência (Roberts et al., 2010).
Outros estudos também identificaram que os tipos de violência de gênero mais comuns são de ordem sexual, física e psicológica (Birkett et al., 2015; Brilhante et al., 2016), bem como evidenciaram que as mulheres são as que mais sofrem e se mostram vulneráveis ao risco de serem afetadas por essas manifestações (Brilhante et al., 2016). Os ataques e agravos sofridos configuram, em seu conjunto, uma expressão da violência baseada no gênero, impulsionada pelo desejo do agressor de “punir” exemplarmente aquelas que são reconhecidas como transgressoras ou que ousam desafiar as normas convencionais de gênero (United Nations Human Rights, 2019).
Alguns dos artigos revisados indicam que os serviços de saúde ainda não estão preparados para atender as demandas de mulheres dos segmentos minoritários, tendo em vista que os profissionais ainda não estão familiarizados com as experiências de vitimização pelas quais as lésbicas e bissexuais estão expostas no cotidiano. Além disso, as usuárias dos serviços percebem que os profissionais não se sentem confortáveis em abordar sua orientação sexual e entendem que o sistema de saúde não dispõe dos recursos desejáveis para suprir suas necessidades. Os serviços são voltados às pessoas alinhadas à heteronormatividade e à cisgeneridade, de modo a reafirmar o padrão hegemônico de identidade de gênero binária (Lewis et al., 2014; Logie et al., 2014; Montoya & Sánchez-Alfaro, 2011; Sandford et al., 2015).
Outras pesquisas também detectaram dificuldades na organização do sistema de saúde e mostraram resultados que convergem ao evidenciarem a necessidade premente de assegurar melhorias na saúde e bem-estar da população LGBT, temáticas que não têm recebido suficiente atenção da comunidade científica e das autoridades sanitárias (Aaron & Hughes, 2007; Alexander et al., 2016; Hughes et al., 2007). Médicos e demais profissionais de saúde que atuam regularmente no cuidado às mulheres lésbicas e bissexuais devem inquirir rotineiramente sobre possíveis experiências de vitimização. Lésbicas que sobreviveram ao abuso infantil necessitam encontrar ambientes de apoio e acolhimento nos quais se sintam protegidas e seguras para revelarem sua orientação sexual e eventuais experiências pregressas de vitimização. Os clínicos capacitados a fornecer esse ambiente sustentado e sensível às diferenças têm oportunidade única de ajudar mulheres lésbicas e bissexuais a desenvolverem habilidades de enfrentamento saudáveis e adaptativas (Aaron & Hughes, 2007; Hughes et al., 2007).
No estágio atual da produção científica, reconhece-se que ainda não existe um corpo de pesquisa suficientemente robusto sobre o fenômeno da VCM entre minorias sexuais, o que torna relevante que se continue a expandir o conhecimento nessa área, de modo que a prática clínica possa ser beneficiada ao se basear em evidências (Brilhante et al., 2016; Rothman et al., 2011). Além disso, as campanhas públicas contra a homofobia e transfobia podem contribuir para desnaturalizar a divisão e o regime de gênero, que cristalizam privilégios e perpetuam as iniquidades em saúde. Ao legitimar desigualdades baseadas na naturalização das diferenças de gênero, as condutas homofóbicas fomentam violências de diversos tipos. Com base neste estudo de revisão, a ampliação do conhecimento nesse campo é altamente recomendável, de modo a contribuir para as mudanças no cenário cultural da violência de gênero. Contudo, é preciso desconstruir o gênero para que suas hierarquias não sejam reproduzidas e perpetuadas no dia-a-dia das práticas em saúde (Rosa et al., 2018).
Este estudo mostrou que mulheres lésbicas e bissexuais têm necessidades singulares de cuidados de saúde, relacionadas à sua acentuada vulnerabilidade à violência e ao contexto social opressivo e discriminatório no qual vivem. Alvo preferencial de processos de estigmatização, elas são duplamente estigmatizadas, marginalizadas e penalizadas: por serem mulheres e por terem orientação sexual não heteronormativa. Elas podem relutar em buscar ajuda devido ao estigma antecipado, que é a razão mais comum para evitarem a visibilidade. Para que possam receber cuidado integral e individualizado, na relação com os serviços de saúde necessitam ser encorajadas a superarem as dificuldades de “sair do armário”. Precisam se sentir empoderadas e em segurança para poderem expressar tanto a situação de violência a que são expostas, como sua orientação sexual diversa do padrão heteronormativo. O presente estudo fornece pistas que contribuem para o avanço do conhecimento científico nesse cenário, possibilitando a introdução de pautas de pesquisa que podem fomentar práticas sociais inovadoras e emancipadoras do gênero feminino.