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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.183 Lisboa abr. 2007

 

François Jost, Comprendre la télévision, Paris, Armand Colin, 2005; Régine Chaniac e Jean-Pierre Jézéquel, La télévision, Paris, La Découverte, 2005.

 

A centragem da comunicação global através da língua inglesa tem por consequência a primazia dada na academia e na edição aos estudos anglo--americanos, apagando-se involuntariamente a atenção sobre trabalhos de qualidade noutras línguas. Nos estudos televisivos, esse apagamento é evidente, tendo menor circulação do que trabalhos medianos em inglês, trabalhos de qualidade em francês, alemão, português e tantas outras línguas. Os autores nórdicos optaram por usar com frequência o inglês, publicando nessa língua na internet (por exemplo, www.nordicom.gu.se) ou em livro, o que tem permitido uma justa visibilidade a autores como o norueguês Jostein Gripsrud (Understanding Media Culture, Oxford, Arnold, 2002). Seria muito positivo para a investigação em Portugal que houvesse uma política estruturada de tradução e divulgação em inglês dos trabalhos de referência de investigadores de língua portuguesa.

Em França, os estudos televisivos não têm esta denominação, estando englobados nos estudos comunicacionais, mediáticos e de imagem. François Jost, autor de Comprendre la télévision, é professor de Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade de Sorbonne Nouvelle Paris III e director do Centro de Estudos das Imagens e dos Sons Mediáticos (CEISME), em Paris; os seus trabalhos mais importantes da última década dedicaram-se à televisão. Este livro de 2005 é um pequeno manual de 128 páginas que permite, em simultâneo, desenvolver ferramentas de análise da televisão e aplicá-las em casos práticos. Mas Jost consegue ao mesmo tempo inserir elementos sobre a evolução do media e dos seus géneros. O autor pretende também, ao longo do livro, estabelecer as características que distinguem a televisão, em especial do cinema, valorizando o «contexto» em que os programas existem enquanto produtos culturais. Nesse sentido, aproxima-se da pragmática dos estudos televisivos britânicos, que estabelecem uma análise dos conteúdos televisivos em três vertentes: o texto (valorizando-se a análise semiótica), a institucionalidade (permitindo explicar condicionantes do resultado final através da análise do canal, empresa, legislação, economia dos media, etc.) e as audiências (elemento decisivo não só nos conteúdos, como na sua colocação em «grelha» televisiva). Daí que, além do texto, cuja análise parece em geral sobrevalorizada em França, o autor acentue a necessidade do estudo da programação e ainda do género, a que já dedicou trabalhos anteriores, por considerá-lo fulcral no estudo dos programas.

Tal como autores de língua inglesa, como Jason Mittell1, o autor considera que o género é definido também pela audiência e pela instituição, e não apenas pelo texto quando analisado pelos especialistas. Jost usa o conceito feliz de «promessa de género» (p. 43) como âncora para essa definição: o canal promete um programa de um certo género, a apreciação pelos especialistas e pela audiência permitirá confirmar se a promessa é cumprida. O capítulo sobre o género é um dos mais conseguidos, embora o autor não explique a afirmação pressuposta do «directo» como género. Apesar da sua importância fundamental para a «ontologia» do media, o directo é um tipo de comunicação transversal a vários géneros, não sendo auto-suficiente quanto a conteúdos e até à inserção neles: por exemplo, além da informação e dos programas de entretenimento de variedades, não só houve programas ficcionais (teatro) em directo nos primeiros anos da TV, como se voltou a esse tipo de transmissão recentemente (por exemplo, episódio da novela Anjo Selvagem em directo, TVI).

Jost considera que os programas de televisão se inserem num de três «mundos» — o do real, o da ficção e o do jogo — ou na sua intercepção. Na sua análise não recorre apenas a conceitos da literatura, da antropologia e da sociologia. De facto, Jost é um autor que nunca deixa de lado o contexto social como chave explicativa dos programas, sendo este seu trabalho um exemplo de aplicação de uma definição ampla de cultura. A ferramenta analítica dos três mundos (pp. 62-103) torna-se útil para o estudo concreto de casos, passo que o autor exemplifica no último capítulo deste livro.

O facto de Jost se apresentar desde a primeira página como «tomando o partido do espectador» (p. 5) não significa que este livro se destina apenas ao público em geral que possa querer iniciar-se na literacia dos media (ou «educação para os media», p. 7), mas antes representa uma atitude analítica independente não só das instituições mediáticas, mas também do que parece ser a corrente maioritária nos estudos televisivos franceses, de «oposição» às indústrias culturais tout court. Neste aspecto, Jost aproxima-se dos seus colegas anglo-americanos, que pouco cita, aliás, preferindo dar ao leitor portas de acesso apenas a estudos quase todos franceses. Essa opção é aceitável num livro de iniciação e por se tornar necessário um conhecimento dos conteúdos analisados: muitas vezes é complexo estudar televisão quando os estudos se reportam apenas a programas que o leitor desconhece. No caso específico do leitor português, essa bibliografia serve como índice de um corpus a par do anglo-americano. Este livro, em geral, tem como outro interesse para o leitor português as muitas semelhanças da história da televisão em França e em Portugal, não só do ponto de vista institucional, como de conteúdos e audiências.

Este livro serve como ponto de situação da televisão no início do século xxi. Todavia, falha na ausência da consideração sobre a evolução do media: nada diz quanto a novas técnicas de transmissão de conteúdos, novas técnicas de interactividade, fragmentação crescente de canais e de audiências, sobre a diminuição do peso social do media. Desta forma, Comprendre la télévision é um manual quase exclusivamente sobre a televisão generalista e as suas formas de apresentação.

Como que colmatando essa falha, também em 2005 uma socióloga e um economista franceses publicaram um pequeno manual cuja característica determinante é a atenção prestada à evolução recente do media, a par de um enquadramento histórico. O pequeno livro (122 páginas) faz um acompanhamento correcto da evolução da televisão, mostrando quanto o envolvimento institucional e comercial determinou em boa parte o modelo de televisão estatal para a comercial, hoje ainda em torno da televisão generalista (capítulos i e ii), mas já em mudança para um modelo que ainda se desconhece na sua inteireza. A evolução técnica também influi, mas os autores desde o início rejeitam uma interpretação determinista a este respeito.

Apesar de a maior parte dos exemplos sobre a televisão generalista no livro serem dos anos 80, o que revela alguma paragem no tempo da sua investigação, eles são ilustrativos e Chaniac e Jézéquel avançam sem falhas para o tema da multiplicação dos canais e da introdução da televisão paga (iii) e daí para a «emergência de um novo modelo de televisão» (iv): a diversificação da oferta, mas com uma programação «regida pela penúria», a fragmentação dos públicos e as interrogações sobre o «fim dos canais generalistas». Sobre o futuro da televisão (v), os autores interrogam-se ainda sobre as novas possibilidades resultantes da convergência de técnicas de informação e da «polivalência das redes e terminais» e ainda sobre a interactividade. Terão estas evoluções necessariamente consequências sobre o género de programas que a televisão oferece aos espectadores? Embora o texto do último capítulo e o da conclusão sejam claros e bem justificados, é pena que os autores não tenham desenvolvido o conceito promissor de «desprogramação» (pp. 89 e seg.), isto é, sendo a programação essencial à definição de televisão (como também refere Jost), o seu esvaziamento poderá levar ao próprio desaparecimento do que definimos como televisão: «A questão central para o futuro da televisão, quaisquer que sejam os modos de difusão, mantém-se a sua capacidade de criar programas susceptíveis de conquistarem os públicos e de constituírem assim um património à sua medida» (p. 114).

 

Eduardo Cintra Torres

 

 

1 Jason Mittell (2004), «A cultural approach to television genre theory», in Robert C. Allen e Annette Hill, The Television Studies Reader, Londres, Routledge, pp. 171-181.

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