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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social n.190 Lisboa 2009
Carlos Farinha Rodrigues, Distribuição do Rendimento, Desigualdade e Pobreza. Portugal nos Anos 90 (colecção “Económicas”, II série, n.º 5), Coimbra, Almedina, 2007, 362 páginas.
Esta publicação, que representa um importante contributo para o estudo das desigualdades sociais e dos níveis de pobreza em Portugal, tem por base uma análise aprofundada da distribuição do rendimento dos indivíduos e das famílias a partir de dados microeconómicos recolhidos pelos inquéritos aos orçamentos familiares realizados entre 1989/1990 e 2000. Trata-se de um livro que parte da investigação realizada no âmbito da dissertação de doutoramento em Economia desenvolvida pelo autor. O objectivo primeiro deste estudo é o de “averiguar quais as transformações ocorridas [ao longo da década de 90] no rendimento disponível das famílias e em que medida estas se reflectiram nas condições de vida e no bem-estar das populações” (p. 28). Contudo, a investigação não se fica pela mera descrição evolutiva dos indicadores mais determinantes do período em causa; pelo contrário, o trabalho também pretende explicitar e, de certa maneira, explicar quais os principais factores estruturais das desigualdades sociais e da pobreza. Para o efeito, é elaborada uma grelha analítica composta por indicadores diversos a partir dos quais se pretendem identificar os grupos e as situações de maior risco socioeconómico.
Os objectivos enunciados correspondem a dois capítulos distintos que constituem o núcleo central e substancial da análise efectuada. Para além destes, o livro abre com um pequeno capítulo introdutório e um outro dedicado a questões conceptuais e metodológicas, onde o autor disseca pormenorizadamente o fundamento estatístico e operacional de cada indicador e índice utilizado. Para um público menos especializado, este capítulo apresenta uma leitura complexa e, por vezes, agreste, tornando-se em muitos casos de difícil descodificação e compreensão. Ter-se-ia justificado uma reelaboração conceptual e discursiva que se desfizesse de uma série de formalismos académicos — fundamentais para a elaboração de uma tese de doutoramento, é certo, mas que se tornam desproporcionados no âmbito de uma publicação em livro que, pela sua natureza, procura um público mais alargado e diferenciado. De qualquer modo, o capítulo não deixa de ser revelador do carácter trabalhoso e minucioso envolvido em todos os parâmetros desta investigação.
O penúltimo capítulo incide sobre a avaliação do impacto de algumas políticas públicas redistributivas na atenuação das desigualdades e da diminuição dos riscos de incidência da pobreza. O autor debruça-se sobre o Programa de Rendimento Mínimo Garantido (RMG), que foi posto em prática na segunda metade da década de 90, durante o período do governo socialista liderado por António Guterres. O livro encerra com um excelente capítulo conclusivo que sistematiza de forma clara e objectiva os pontos e as conclusões principais resultantes da análise efectuada.
Por intermédio dos dados da evolução do rendimento (líquido e bruto) dos agregados familiares, o autor avança na primeira parte do capítulo dedicado às alterações ocorridas na distribuição do rendimento com uma importante constatação: ao longo dos anos 90 Portugal conheceu um crescimento económico assinalável que se repercutiu no aumento do bem-estar social da população. Mas logo se relativiza a observação anterior com uma outra: “Esse crescimento não beneficiou de igual forma todos os segmentos da distribuição, isto é, nem todos os indivíduos beneficiaram de igual forma da melhoria do bem-estar proporcionado pelo crescimento real do rendimento” (p. 148). Ou seja, segundo o economista, assiste-se a um agravamento das desigualdades ao longo de toda a década.
Todavia, o padrão altera-se a partir de 1995. Na verdade, até à primeira metade da década a assimetria social aumentou generalizadamente, mas com particular ênfase entre os detentores de maior rendimento e as famílias mais desfavorecidas. Por seu turno, entre 1995 e 2000 assiste-se a uma atenuação das desigualdades, sobretudo nos níveis de rendimento inferiores à média. Em contrapartida, a distância entre estes e os mais favorecidos continuou a intensificar- se. Isto é, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres não só não diminuiu como manteve o seu crescimento, embora a um ritmo menos acelerado. O que efectivamente se alterou foi a condição socioeconómica dos estratos mais baixos (melhorou sensivelmente). Esta situação relaciona-se directamente com o impacto positivo das políticas de redistribuição, facto que é demonstrado no capítulo dedicado à simulação do impacto do RMG.
O estudo demonstra claramente que as políticas sociais levadas a cabo na segunda metade dos anos 90 tiveram um impacto positivo na inversão de certas tendências que vinham desde o início da década. O programa do RMG conseguiu atingir um dos seus objectivos principais na atenuação das situações mais extremas de precariedade social. Contudo, este não alterou substancialmente os níveis de prevalência de pobreza, já que a percentagem de pessoas a viver com rendimentos inferiores à linha de pobreza (60% do rendimento mediano, por adulto equivalente) não sofre alterações significativas — permanecendo na casa dos 19% —, o que representa, segundo as estimativas do autor para o ano de 2000, 1 950 000 portugueses. Tendo em conta estes dados, parece claro que o RMG significou um incremento fundamental no apoio às famílias mais carenciadas e desprotegidas, mas revelou ser um programa insuficiente para alterar os níveis estruturais de pobreza, que teimam em permanecer.
No capítulo 4, Carlos Farinha Rodrigues identifica as populações mais afectadas pelas desigualdades sociais, caracterizando as situações representativas e as suas principais determinantes. Estas são brilhantemente sintetizadas na conclusão do livro por intermédio da definição do perfil socioeconómico da sociedade portuguesa: “Um modelo económico profundamente desigual, assente na coexistência de baixos salários e de profundas assimetrias nos salários mais elevados, um acentuar do fosso que separa as áreas rurais das urbanas como consequência do declínio da actividade agrícola e da concentração das grandes cidades, constituem elementos potenciadores do aumento das desigualdades e do acentuar dos factores de pobreza. O progressivo envelhecimento da população, associado a um crescente ‘desligar’ da actividade produtiva de largos sectores da população e à insuficiência dos esquemas de protecção social existentes, constitui uma outra causa do agravamento da desigualdade e da exclusão social” (p. 315).
Tal perfil estrutural exige o aprofundamento e a diversificação das políticas sociais em função das especificidades socioeconómicas e territoriais que atingem uma quantidade muito expressiva da população. Se considerarmos alguns dados recentes que têm sido divulgados, não parece que estas tendências se tenham alterado na presente década. Pelo contrário, verificamos que a sua persistência acaba por ser o indicador mais determinante e assinalável. Por este motivo, torna-se imprescindível que os instrumentos e as grelhas analíticas desenvolvidos neste importante estudo se estendam a anos mais recentes.
Renato Miguel do Carmo
CIES/Instituto Superior do Trabalho e da Empresa