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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social no.212 Lisboa set. 2014
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A luta voltou ao muro
Ricardo Campos*
*Cemri-Universidade Aberta. E-mail: rmocampos@yahoo.com.br
A escrita no muro de forma não autorizada, vulgo graffito, é uma prática antiga. Há exemplos da sua existência que remontam à antiguidade clássica, na Roma antiga ou em Pompeia. Comum a estas formas de expressão de índole vernacular é a recorrente veia satírica e contestatária das mensagens. A afronta ao poder e aos bons costumes tem encontrado no muro e nas formas anónimas de comunicação um reduto altamente criativo. Especialmente relevantes são os graffiti executados no espaço público, disponíveis para uma incomensurável plateia. A falta de identificação de um destinatário particular torna esta forma de comunicação ainda mais curiosa, assemelhando-se às estratégias comunicativas da propaganda política e da publicidade. Ao invés destas, o graffiti é executado pelo cidadão comum, geralmente na obscuridade.
Na nossa história mais recente alguns exemplos históricos merecem destaque, pela forma como foram marcando os nossos imaginários. Aquilo que atualmente encontramos impresso nas nossas cidades não pode ser apartado dessa linhagem histórica. Joan Gari, académico catalão que escreveu uma excelente obra sobre a semiologia do graffiti contemporâneo, identifica basicamente duas tradições: a europeia e a norte-americana. A europeia teria por característica principal a escrita, em forma de máxima, de natureza poética, filosófica ou política. Exemplo máximo dessa tradição seria o tipo de graffiti que emergiu durante o Maio de 68 francês. Por contraste, a tradição norte-americana está fortemente vinculada à cultura de massas e à sua iconografia pop, sendo marcada por uma expressão eminentemente figurativa e imagética.
As cidades portuguesas, principalmente os grandes centros urbanos, foram invadidas nas últimas décadas pelo graffiti de tradição norte-americana. Composto por tags, throw-ups e murais figurativos de grandes dimensões, esta é uma manifestação visual que faz hoje parte da nossa paisagem. A globalização deste formato de graffiti significa que, disperso pelo planeta, encontramos uma linguagem comum, com mecanismos de produção e avaliação estética idênticos. A hegemonia desta expressão mural não nos deve fazer esquecer aquela que é a manifestação mural mais marcante da nossa história recente: o mural pós-revolucionário. O período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 foi marcado por uma profusão de propaganda política que recorria ao muro como principal suporte. A iconografia de então, em que se destacavam Marx, Lenine ou Mao, acompanhados por representações colectivas do povo, do operariado ou campesinato, cedeu paulatinamente o lugar aos politicamente inconsequentes tags.
Porém, nos últimos anos parece ter despontado nas paredes uma nova vontade de comunicação política. A grave crise económica e social que eclodiu em função das fortes medidas de austeridade impostas pela coligação de governo PSD-CDS, parece ter mobilizado os cidadãos para atuarem politicamente à margem dos mecanismos convencionais de expressão da vontade política. As grandes manifestações que se realizaram nos últimos anos, organizadas por associações e coletivos não-partidários são um bom exemplo disso. As paredes parecem, também elas, servir cada vez mais para expressar não apenas uma revolta difusa, mas para acicatar o poder político, satirizar a classe partidária e afrontar o status quo. Através de palavras, de slogans, de murais pintados a aerossol ou através da técnica do stencil, vários são os exemplos destas manifestações que pude recolher nas ruas de Lisboa. As imagens fotográficas que aqui se reproduzem visam, precisamente, retratar esta dinâmica de manifestação popular.