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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.217 Lisboa dez. 2015

 

ARTIGO

Crise económica e perceções sobre a ideologia dos partidos políticos em Portugal (2008-2012)

Economic crisis and the perceptions about the ideology of political parties in ­Portugal (2008-2012)

 

Ana Maria Belchior*

*ISCTE-IUL,CIES, Avenida das Forças Armadas, Edifício ISCTE, 1649-026 Lisboa, Portugal. E-mail: ana.belchior@iscte.pt

 

RESUMO

 

Como são ideologicamente percecionados os partidos políticos em Portugal? A presente pesquisa analisa as perceções dos portugueses sobre as posições esquerda-direita dos partidos políticos visando, em particular, avaliar a validade da teoria da deslocalização no enviesamento das perceções e a importância que a emergência da crise económica em 2010 terá tido nesse enviesamento. Os resultados revelam um aprofundamento da polarização das perceções após a emergência da crise, estando os efeitos de deslocalização presentes na explicação destas perceções. Com a crise económica intensificam-se os efeitos de contraste, em particular à direita, mediados pelas afinidades ideológicas e partidárias, validando a teoria da deslocalização.

PALAVRAS-CHAVE: partidos políticos, perceções políticas, esquerda-direita, Portugal.

 

ABSTRACT

 

How are political parties ideologically perceived in Portugal? This research analyzes the perceptions of the Portuguese on parties’ left-right positions aiming in particular to assess the validity of the displacement theory in perceptions’ bias and the importance that the emergence of the economic crisis in 2010 had in that bias. The results reveal a deepening polarization of perceptions after the emergence of the crisis and that the effects of the displacement theory tend to explain these perceptions. Contrast effects have intensified with the economic crisis, particularly on the right, mediated by ideological and partisan affinities, validating the displacement theory.

KEYWORDS: political parties; political perceptions; left-right; Portugal.

 

INTRODUÇÃO

 

Em consonância com o modelo económico da democracia de Downs (1957), as perceções sobre os partidos e sobre as posições dos líderes políticos frequentemente determinam as preferências políticas e o comportamento eleitoral dos cidadãos (Van der Brug, 2001, p. 54; e para uma revisão da literatura: Fortunato e Stevenson, 2013, p. 459). Se reportadas à posição ideológica dos partidos, as perceções podem funcionar como um mecanismo heurístico para identificar as posições políticas dos mesmos, contribuindo para racionalizar as escolhas eleitorais do público menos informado. De molde a minimizar os custos da recolha de informação, a dimensão esquerda-direita, ou rótulos associados a candidatos e partidos (como “socialista” ou “neoconservador”), podem constituir atalhos para orientar os indivíduos na identificação das diferenças políticas daqueles (Downs, 1957; Enelow e Hinich, 1984; Popkin, 1994; Van der Brug, 1999; Schmitt et al., 2010). Algumas pesquisas têm também demonstrado que as perceções dos cidadãos sobre as distâncias políticas dos partidos desempenham um papel significativo nas escolhas eleitorais (Enelow e Hinich, 1984; Narud e Oscarsson, 1999). Como o público forma e muda as suas perceções sobre a ideologia dos partidos é, por isso, fundamental para o processo de responsabilização política (Enelow and Hinich, 1984; ­Endersby e Hinich, 1992; Ansolabehere e Jones, 2010). Não obstante a dimensão esquerda-direita ser pautada pela abstração e por dificuldades metodológicas (adiante discutidas), esta fornece um suporte de comunicação eficiente para analisar eleitores e partidos, que pode ser potenciado se ambos partilharem a mesma interpretação sobre a posição dos partidos. Neste sentido, o rigor percetual sobre a posição esquerda-direita dos partidos pode também funcionar como um garante da representação política.

A teoria da deslocalização tem dominado a literatura sobre as perceções políticas, reportando-se a uma tendência psicológica dos indivíduos para distorcer as suas perceções de molde a colocar mais proximamente os partidos ou candidatos que estes apoiam, e a afastar os demais. Tal significa que os indivíduos tendem a desencadear processos de assimilação em relação à posição do seu candidato ou partido, distorcendo-a de forma a aproximá-la da sua própria posição (efeito de assimilação), e desenvolvem processos de contraste no que respeita aos outros candidatos ou partidos, distorcendo a sua posição de forma a afastá-la da sua (efeito de contraste) (Granberg et al., 1988; Van der Brug, 2001, p. 56; Merrill et al., 2001; Drummond, 2010). São estes os efeitos que se pretendem estudar por referência aos partidos políticos portugueses.

Apesar da importância que as perceções dos indivíduos podem assumir no plano político, a pesquisa sobre este tópico tem por vezes sido negligenciada (em parte devido à exigência dos dados necessários para este tipo de estudo), e a que foi até agora realizada produziu resultados ambíguos (Granberg e ­Holmberg, 2002a, 2002b; Merrill et al., 2001; Drummond, 2010). A pesquisa tem sido particularmente escassa no que respeita à causalidade do enviesamento das perceções políticas. As exceções mais relevantes são Granberg (1987, pp. 47-49) e Granberg e Brown (1992), cujas pesquisas focam a Grã-Bretanha, Holanda, Suécia e os Estados Unidos. O caso português tem estado sistematicamente ausente, tanto dos estudos descritivos como explicativos sobre este tópico. Por estas razões, a presente pesquisa estuda as perceções ideológicas dos eleitorados sobre os partidos políticos em Portugal testando os efeitos da teoria da deslocalização (de assimilação e de contraste) e a importância que o deflagrar da crise económica em 2010 terá tido na manutenção ou alteração dessas mesmas perceções. É sabido que os eleitores mudam as suas perceções em função de mudanças de comportamento dos partidos e da informação contextual (Adams et al., 2014), pelo que é esperado que as perceções sobre os partidos tenham mudado enquanto resultado do novo contexto económico e social. A análise debruça-se sobre a apreciação comparativa das perceções esquerda-direita sobre os partidos entre 2008 e 2012, e respetivos enviesamentos. O último propósito da investigação é explorar a causalidade do enviesamento percetual (embora restringido ao efeito de contraste, por ser aquele que expectavelmente a crise mais terá afetado) restringindo-se aos partidos ­catch-all portugueses (PS e PSD), antes e depois da crise económica (2008-2012).

A avaliação das consequências políticas da crise económica e respetivos programas de austeridade tem sido recentemente o mote para um amplo leque de publicações. Por exemplo, no que respeita à relação dos indivíduos com o sistema político, foi já demonstrado que a crise intensificou o recurso a modalidades não convencionais de participação política em detrimento da participação eleitoral; promoveu o surgimento de novas forças políticas com mensagens anti-partidárias e ideologicamente extremistas; e contribuiu para o aumento da desconfiança e da insatisfação em relação às instituições e elites políticas (Bosco e Verney, 2012 e 2013; Blyth, 2013; Monastiriotis, 2013; Rüdig e Karyotis, 2013). De entre as consequências da crise, as que se relacionam com a articulação dos cidadãos com as instituições democráticas, em especial com os partidos enquanto agentes privilegiados de representação política, assumem particular relevância. Apesar de alguns trabalhos analisarem as perceções dos indivíduos sobre assuntos relativos ao desempenho económico dos partidos no governo (Jerit and Barabas, 2012, p. 673; Soroka et al., 2015), a medida em que o contexto económico (em particular uma crise económica) contribui para moldar as perceções dos indivíduos sobre os partidos permanece sem resposta.

Portugal constitui um caso paradigmático para estudar esta relação, não só porque dispõe de dados empíricos privilegiados para empreender esta pesquisa, ou porque é um caso ainda não estudado, mas também porque dispõe de condições de terreno quase experimentais que permitem estimar a importância da crise económica. Logo após o colapso financeiro americano (2007-2008), a crise da dívida soberana atingiu a periferia europeia. Portugal é identificado como país de elevado risco de investimento logo no início de 2010, após a eclosão da crise Grega. A célere escalada de custos dos empréstimos e a incapacidade de pagar a dívida, forçam Portugal a negociar um acordo de resgate com a União Europeia (Comissão Europeia e Banco Central Europeu) e o FMI em março de 2011 (a comumente designada Troika), assinado ainda pelo governo socialista de José Sócrates (a que sucederá, a partir de junho de 2011, o governo de coligação PSD/CDS-PP liderado por Passos Coelho). Este acordo impôs severas medidas de austeridade, tendo espoletado uma espiral recessiva, com o aumento do desemprego, a quebra de receitas, entre outros, que por sua vez alimentaram e intensificaram a recessão. Como consequência imediata, a relação dos portugueses com o sistema político deteriorou-se: as avaliações e sentimentos em relação ao governo e demais instituições políticas declinaram abruptamente (Belchior, Tsatsanis, e Teixeira, no prelo; Teixeira et al., 2015a, 2015b). Neste contexto sui generis, o estudo das perceções políticas dos indivíduos e do rigor das mesmas é particularmente oportuno, pois a possibilidade de analisar comparativamente dois momentos, antes (2008) e depois da emergência da crise (2012), permite explorar o enviesamento das perceções (e as formas que assume) como potencial consequência do agravar das ­condições económicas, como é propósito deste artigo.

Após a sistematização dos principais contributos teóricos e empíricos sobre o tópico apresentam-se as fontes e as opções de análise, bem como os partidos políticos em apreço. Em seguida, analisam-se descritivamente as perceções sobre as posições de esquerda-direita dos partidos políticos portugueses e respetivos efeitos de assimilação e de contraste. Exploram-se por último as potenciais causas do enviesamento das perceções ideológicas sobre os dois partidos catch-all portugueses.

 

ENVIESAMENTO DAS PERCEÇÕES POLÍTICAS: TEORIA E EMPIRIA

 

A precisão das perceções ideológicas dos eleitores é um requisito do modelo do partido responsável que afirma, por um lado, que os eleitores devem identificar corretamente as posições políticas dos partidos de molde a escolher o mais próximo dos seus interesses e, por outro lado, que os líderes partidários devem corresponder às preferências dos eleitores que os elegeram (Thomassen, 1999, pp. 251-252; Schmitt e Thomassen, 1999, cap. 6-9). Este modelo é a base teórica mais utilizada em estudos de representação, sendo também relevante no que respeita à pesquisa sobre perceções políticas, a tuando como uma referência normativa de comunicação eficiente entre eleitores e partidos.

De entre os dois efeitos da teoria da deslocalização (representada na Figura 1, cujos efeitos de contraste e de assimilação correspondem às linhas tracejadas), a pesquisa tem demonstrado que o efeito de assimilação é claramente mais relevante do que o efeito de contraste (Gerber e Green, 1999; Merrill et al., 2001; Bartels, 2002; Drummond, 2010). O efeito de contraste é tendencialmente maior no posicionamento de partidos políticos que os indivíduos não apoiam, suavizando-se à medida que os indivíduos se tornam ideologicamente mais próximos do partido (Granberg e Brown, 1992, pp. 728-729, 732). A motivação para a deslocalização é, de forma geral, potencialmente dependente da posição ideológica do indivíduo, da posição do partido, e de quão distante destas é percecionada a posição do partido, como demonstrado por Granberg em relação ao sistema de partidos sueco (1987). O autor concluiu que a preferência partidária exerce um efeito significativo na perceção sobre cada partido, embora não especialmente forte nem num padrão regular (corroborado por Gerber e Green, 1999, pp. 203-206; Granberg e Holmberg, 2002b, pp. 10, 16-17).

 

 

No que respeita às suas consequências, os efeitos de teoria da deslocalização são em especial responsáveis pela introdução de erro no processo de formação de opinião. A dinâmica das opiniões e atitudes dos eleitores é muitas vezes constrangida pela perceção distorcida de que os seus partidos ou candidatos partilham a sua posição, subestimando as reais diferenças de posição entre eles (Esaiasson e Holmberg, 1996, pp. 116-117; Holmberg, 1999, pp. 235-251). Como corolário, o efeito de assimilação potencialmente promove estabilidade e harmonia e em simultâneo enfraquece o desejo dos eleitores de mudar hábitos de voto, assim como produz menos incentivos para a elite política alterar comportamentos. Também pode ser fonte de perturbação se se supõe que prevalece a consonância, enquanto o comportamento político prova o contrário. É por isso que alguns dizem que um baixo grau de assimilação é positivo para a qualidade democrática (Holmberg, 1999, pp. 235-236; Granberg e Holmberg, 2002a, p. 1084; 2002b).

Colocando a ênfase no desenho de inferências com base no processamento de informações, uma outra abordagem teórica inter-relacionada com a da deslocalização tem sido contemplada no estudo das perceções políticas: a teoria das pistas políticas. Esta foca-se na explicação das perceções argumentando que os indivíduos usam pistas disponíveis relevantes na estimativa da posição de um partido ou candidato. Quando os indivíduos são convidados a posicioná-los em relação a assuntos políticos e não têm as informações necessárias para realizar essa tarefa (como não é incomum: v., por exemplo, Zaller, 1992), usarão outras informações disponíveis como base para estabelecer inferências. Os partidos políticos desempenham um importante papel neste processo, atuando as informações por si veiculadas e os laços partidários como fontes de pistas privilegiadas para a formação de perceções políticas (Converse e Pierce, 1986, cap. 9; Feldman e Conover, 1983, pp. 811-812; Granberg, 1987, pp. 40-41; Bartels, 2002; Mainwaring e Torcal, 2006; Woon, 2007, pp. 1-2). Neste sentido, e em consonância com a teoria da deslocalização, foi demonstrada a prevalência generalizada das lealdades partidárias enquanto forças que moldam as perceções do mundo político dos cidadãos (Bartels, 2002), e que coloram as perceções políticas (Zaller, 1992, p. 241). Outros autores admitem, no entanto, que o vínculo partidário produz resultados mistos (Granberg e Holmberg, 2002b, pp. 10, 16-17), ténues ou não tendenciosos (Gerber e Green, 1999; Van der Brug, 2001).

Demonstrou-se também que as inferências dos eleitores com base em pistas ideológicas são importantes na determinação das suas perceções das posições políticas dos partidos ou candidatos (Feldman e Conover, 1983: v. especialmente 824-828, 831, 834-835; Woon, 2007, pp. 2-5; 11-12). Embora a ligação entre as perceções ideológicas e o conteúdo dos programas partidários pareça ter vindo progressivamente a enfraquecer, a pesquisa tem revelado ainda que o conteúdo dos programas explica fortemente as perceções dos indivíduos sobre a posição esquerda-direita dos partidos (Van der Brug, 1999, p. 165; Schmitt et al, 2010; Simas e Evans, 2011).

Para além das ligações partidárias e ideológicas, muitas outros fatores têm sido contemplados na explicação das perceções políticas dos eleitores (para uma revisão da literatura v. Feldman e Conover, 1983, pp. 813-816; e Koch, 2001, pp. 1-5). De entre estes destacam-se os relacionados com a sofisticação política. As pistas políticas em que os indivíduos se apoiam são mais sofisticadas à medida que a informação e educação destes aumenta (Popkin, 1994; Koch, 2001, pp. 12-17). Os mais sofisticados exibem elevada atenção e informação política e, consequentemente, estão mais aptos a processar a informação (Zaller, 1992; Simas e Evans, 2011). Esses indivíduos devem ser mais capazes de destrinçar a verdadeira posição política ou ideológica dos partidos. Na verdade, pesquisas anteriores sugerem que o grau de enviesamento das perceções sobre os partidos depende de quão politicamente sofisticados os indivíduos são: os mais sofisticados têm perceções mais precisas (Woon, 2007, pp. 12-13; v. também Granberg e Brown, 1992; Listhaug et al., 1994; Dahlberg, 2009, pp. 69-70).

Os arranjos institucionais são também potencialmente relevantes na explicação das perceções políticas dos eleitores, na medida em que diferentes configurações geram diferentes incentivos para eleitores e partidos políticos, afetando o seu comportamento (Dahlberg, 2009; Drummond, 2010). As características institucionais do sistema político não são, contudo, relevantes no presente estudo, que se foca no caso português, sendo por essa razão constantes. Acresce que parecem ser as características individuais, e não as do sistema eleitoral, as que melhor explicam a perceção dos indivíduos (Dahlberg, 2009, pp. 67, 137-157). É, por estas razões, adotada nesta pesquisa uma abordagem de nível micro, que visa testar a teoria da deslocalização em relação aos partidos políticos portugueses, o que permite perceber a importância da identidade partidária e da ideologia enquanto fornecedoras de pistas para ­percecionar os partidos, por comparação ao contexto económico.

 

OS PARTIDOS POLÍTICOS E O PÚBLICO: UMA RELAÇÃO CONTURBADA

 

Como referido por Granberg e Holmberg, numa “democracia que funcione bem, deverão existir ligações observáveis entre a localização dos partidos, onde as pessoas percebem que os partidos estão, e onde essas pessoas se localizam. Isto deve manter-se verdadeiro independentemente de estarmos lidando com dimensões abstratas, tais como esquerda-direita” (2002b, p. 3). Os partidos são, por isso, um instrumento fundamental do funcionamento das democracias modernas, e a legitimação popular do seu papel é, por essa razão, igualmente vital para o bom funcionamento do sistema político.

Há todavia indicadores de que a satisfação popular com os partidos políticos tem vindo a declinar (v., por exemplo Teixeira et al., 2015).1 Esta insatisfação tende a ser maior no que respeita aos maiores partidos, que visam o alcance do poder. Segundo Kirchheimer, os partidos catch-all são caracterizados por serem de grande dimensão e por assumirem uma localização ideológica relativamente indistinta (1990), veiculando um certo nível de ambiguidade na sua comunicação com os eleitores, quando comparados com outros partidos (v. Przeworski e Sprague, 1986; Gunther e Diamond, 2003). Esta ambiguidade é, como notado por Granberg e Holmberg (2002b), um ingrediente necessário para a ocorrência de erros percetuais. Tal pode gerar nos cidadãos uma maior dificuldade em perceber a posição destes partidos e, subsequentemente, em escolher o melhor partido em que votar. Com efeito, a polarização ideológica dos partidos parece contribuir para explicar a clareza das perceções em muitos casos (Listhaug et al., 1994). Além disso, aos olhos do público (como referido na nota de pé de página anterior relativamente ao caso português) e mesmo do ponto de vista dos seus programas e políticas, nas últimas décadas, em muitos casos, os partidos parecem ter vindo a convergir na dimensão esquerda-direita, especialmente os partidos catch-all (v. sobre o caso holandês: Van der Brug, 1999, p. 165; ou o caso português: Guedes, 2012; embora noutros sistemas partidários prevaleça uma clara diferenciação ideológica, como é o caso espanhol: Linz e Montero, 1999, pp. 59-61, entre outros; e a tendência para a maior ou menor convergência não seja unívoca, mas antes dinâmica: Krouwel, 2012: cap.5).

No caso português, a tendência para uma relativamente baixa diferenciação entre os partidos catch-all está também relacionada com a fraca ancoragem social do PS e do PSD, assim como com a partilha comum dos objetivos do Estado Social logo após a transição para a democracia (Guedes, 2012). Estes dois partidos têm também protagonizado a liderança dos governos desde a transição, e por essa razão têm maior visibilidade junto do público, sendo por isso mais fácil e recorrentemente escrutinados. Atendendo a que os maiores efeitos de deslocalização têm sido detetados junto dos principais partidos no sistema (Drummond, 2010, pp. 724-726), a parte desta pesquisa respeitante à causalidade do enviesamento percetual, focar-se-á nos dois partidos catch-all portugueses: o PS e o PSD.

Em termos de hipóteses de trabalho, em consonância com a teoria e a pesquisa já realizada, espera-se que a importância do efeito de assimilação supere a do efeito de contraste junto dos partidos portugueses (hipótese 1), e que este último seja em especial relevante no que respeita aos partidos de direita após a emergência da crise (hipótese 2), dado que as políticas de austeridade estão ideologicamente posicionadas à direita e que foram implementadas por um governo de direita: a coligação PSD/CDS-PP. Espera-se ainda que em 2012 se observe um intensificar da importância explicativa das variáveis relacionadas com a crise no enviesamento das perceções sobre o PS e PSD (efeito de contraste), por comparação à identidade partidária e às variáveis de controlo (hipótese 3).

 

FONTES E ANÁLISE DE DADOS

 

A análise das perceções dos eleitores em relação às posições ideológicas dos partidos apoia-se numa escala esquerda-direita de onze pontos. Não obstante a relevância desta escala na discussão dos assuntos políticos tradicionais (por exemplo, Laponce, 1982) e na comunicação política entre as elites políticas e o público (Thomassen, 1999) esta opção não é isenta de objecções. O continuum esquerda-direita refere-se a uma identificação ideológica abstrata, cujos resultados podem diferir daqueles obtidos com outras variáveis (por exemplo, políticas públicas substantivas). No entanto, a literatura sugere que esta variável captura razoavelmente bem as posições ideológicas ­comparativas dos eleitores e parlamentares (Powell, 2000, pp. 162-163; McDonald e Budge, 2005, pp. 31-38, 228). Também foi demonstrado que os eleitores se podem auto-colocar com bastante precisão em termos de famílias ideológicas e na escala esquerda-direita (Klingemann, 1995, p. 192), e que o uso da dimensão esquerda-direita como um dispositivo de mapeamento das posições políticas dos partidos pelos eleitores é uma opção válida, uma vez que as posições ideológicas dos partidos podem ser úteis como pistas cognitivas para compensar a falta de conhecimento dos eleitores em relação às posições dos partidos sobre questões concretas (Popkin, 1994; Narud e ­Oscarsson, 1999). Em consequência, o posicionamento na escala esquerda-direita tem sido usado em muitos estudos que comparam as elites com o público (por exemplo, Granberg, 1987; Van der Brug, 1999; Powell, 2000; McDonald e Budge, 2005; Dahlberg, 2009).2

Os dados utilizados nesta pesquisa decorrem da aplicação de inquéritos aos deputados na Assembleia da República e aos eleitores portugueses.3 Estes inquéritos foram realizados para ambas as populações em 2008 e depois novamente em 2012/13, e integram um conjunto de questões completamente equivalentes, de que fazem parte as implicadas nesta pesquisa. Os inquéritos aos deputados visaram o universo dos membros do Parlamento (Assembleia da República) na 10.ª legislatura (2005-2009) e na 12.ª legislatura (iniciada em 2011). A administração foi feita por entrevistas face a face em ambos os inquéritos aos deputados. As taxas de resposta foram, respetivamente, de 61% e 53,5%. Os inquéritos aos eleitores (população portuguesa com 18 ou mais anos, residindo no Continente) suportaram-se em amostras probabilísticas estratificadas por região e habitat, tendo sido administrados mediante o método random route (para mais especificações metodológicas, consultar: http://er.cies.iscte-iul.pt/pt-pt/node/8).

A análise inclui os partidos políticos representados no parlamento português, que agora sumariamente se apresentam. O Partido Socialista (PS) e o Partido Social-Democrata (PSD) são os maiores partidos e são essencialmente partidos considerados catch-all, tendo alternado no governo desde a transição para a democracia. Apesar do seu nome, o PSD é um partido do centro-direita do espectro político, sendo membro do Partido Popular Europeu do ­Parlamento Europeu. O Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS-PP) é o partido que está mais à direita e é o mais conservador no cenário parlamentar português, sendo considerado um partido de quadros. O Partido Comunista Português (PCP) é o partido mais antigo, fundado em 1921, e é o único partido de massas no Parlamento. “Os Verdes” forma com o PCP, desde 1987, a Coligação Democrática Unitária (CDU). Dado que o partido “Os Verdes” não difere significativamente do PCP em termos políticos ou programáticos, para fins analíticos a pesquisa centra-se na CDU, em vez de individualmente em cada um dos partidos da coligação. Finalmente, em 1998, é fundado o Bloco de Esquerda (BE), um partido de nova esquerda (v. por exemplo Lopes, 2004, no que respeita à classificação dos tipos de partido).

 

A IDEOLOGIA DOS PARTIDOS EM PORTUGAL SOB A PERSPETIVA DOS ELEITORES

 

Como antes referido, um dos requisitos do modelo do partido responsável é que os eleitores percebam corretamente as diferenças políticas dos partidos. Por isso, um passo fundamental no estudo das perceções dos eleitores sobre os partidos políticos é analisar se os eleitores têm, de facto, qualquer perceção. Com esse propósito, a figura 2 apresenta a evolução da percentagem dos inquiridos que não sabem onde colocar cada um dos partidos políticos portugueses na escala esquerda-direita, entre 2002 e 2012.

 

 

Para uma percentagem significativa dos eleitores portugueses, a condição da existência de uma perceção não é cumprida, uma vez que não foram capazes de indicar onde cada um dos partidos políticos se localiza na escala esquerda-direita. Isto é especialmente crítico a partir do espoletar da crise económica. Noutra pesquisa comparada, os partidos portugueses figuravam entre aqueles com maiores percentagens de indivíduos sem uma opinião sobre qual a localização ideológica dos mesmos4 (Van der Brug e Van der Eijk, 1999, pp. 133-137).

Estes resultados sugerem uma baixa saliência da dimensão esquerda-direita, associada a baixa diferenciação ideológica dos partidos, como já tem sido reconhecido em relação aos dois principais partidos portugueses e comparativamente aos outros sistemas partidários europeus (v. Guedes, 2012; Jalali, 2009, pp. 63-68). O sistema de partidos português é caracterizado por uma bipolarização dos dois principais partidos, cujas políticas por vezes estão interligadas, como sucede com a partilha do Estado Social (Guedes, 2012). Tal pode contribuir para explicar a dificuldade do eleitorado em destrinçar as posições dos partidos na dimensão esquerda-direita. Contudo, a maior percentagem de não respondentes na figura pertence sistematicamente aos partidos mais pequenos (e ideológicos) e não aos dois principais partidos centristas, o que sugere que a explicação para esta tendência não pode alocar-se em especial aos partidos catch-all.

Contudo, para a maioria dos partidos políticos portugueses (cerca de 90% dos respondentes em 2002, 85% em 2005 e cerca de 80% a 85% em 2008-2012) os respondentes conseguiram identificar a posição dos partidos na escala esquerda-direita. Contemplando este grupo de indivíduos, avaliam-se em seguida as suas perceções sobre as posições dos partidos na escala esquerda-direita.

Destaca-se na figura 3 a tendência para percecionar os partidos como muito estáveis nas suas posições ideológicas(à semelhança do que sucedeu com Espanha entre 1978 e 1996 – Linz e Montero, 1999, pp. 57-58), exceto nos últimos anos. Em 2008/2009, os anos em que a crise surgiu nos Estados Unidos, e começava a dar sinais na Europa, os partidos políticos em Portugal eram tendencialmente percecionados a convergir para o centro. Depois de o resgate económico ser aprovado para Portugal em 2011 e o novo governo de coligação composto pelos dois principais partidos de direita (PSD e CDS-PP) ter alcançado o poder com maioria absoluta e ter iniciado a implementação de um conjunto de medidas de austeridade severas, as perceções ideológicas sobre os partidos portugueses apresentam uma significativa tendência de polarização.

 

 

Mas esta figura diz pouco sobre os efeitos de deslocalização que podem ter eventualmente contribuído para esta mudança, uma vez que respeita ao eleitorado português no seu todo, prevalecendo a dúvida sobre a existência de diferentes efeitos de perceção em função da identificação partidária e ideologia dos eleitores. O surgimento de uma crise económica associada a agitação social e a um debate político mais intenso poderão contribuir para aumentar em particular os sentimentos de contraste no eleitorado. É sobre esta questão que trata a secção seguinte.

 

EFEITOS DE ASSIMILAÇÃO E DE CONTRASTE JUNTO DO ELEITORADO PORTUGUÊS

 

O Quadro 1 procede a uma análise descritiva das perceções ideológicas sobre os partidos, apresentando, para 2008 e 2012, a perceção média de cada eleitorado5 sobre o posicionamento ideológico de cada um dos partidos portugueses (primeira linha, não sombreada), assim como a diferença entre cada uma destas perceções e o posicionamento médio efetivo dos partidos, medido pelas posições dos deputados no partido (segunda linha, sombreada). A ideologia é medida numa escala 0-10, em que 0 significa a posição mais extremada à esquerda, e 10 a mais extremada à direita.

Os dados sugerem globalmente um enviesamento à direita das perceções sobre os partidos (todas as diferenças são positivas), de forma transversal aos diferentes eleitorados. Estas diferenças são maiores em 2008 para os partidos mais ancorados à esquerda, em especial a CDU, e para o PSD. No caso dos primeiros, o facto de a posição esquerda-direita dos deputados no partido se situar muito próximo do zero, posicionando-se o eleitorado, e respetivas perceções, mais centralmente, explica estas diferenças. Tem sido, aliás, amplamente demonstrada a tendência para os eleitores se posicionarem ideologicamente de forma mais central do que as elites dentro dos partidos (v. por exemplo Converse e Pierce 1986, pp. 593-629; Thomassen 1999, pp. 50-53). No que respeita ao PSD, o enviesamento à direita deve-se ao facto de este se autoposicionar em 2008 no centro-esquerda (com uma média de 5,23), enquanto os eleitorados, inclusivamente o seu próprio, o percecionam claramente ancorado à direita (com médias nunca inferiores a 7).

Em 2012, as diferenças são desagravadas para a CDU e BE, dado que estes são depois da emergência da crise percecionados como mais polarizados à esquerda, embora a localização de ambos os partidos tenha permanecido sensivelmente a mesma. O PS assiste em 2012 a um ligeiro agravar das diferenças entre as perceções e a real posição do partido, sendo percecionado como estando mais à direita, em especial pelos eleitorados da CDU e BE. Tal poderá estar relacionado com a implementação do PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), no final da governação de José Sócrates, que visou a consolidação orçamental mediante a instauração de medidas de austeridade, representando o início da crise económica, e o momento prévio à intervenção da Troika. O PSD e o CDS (este último em menor medida) registam por sua vez em 2012 um paradoxal desagravamento do enviesamento à direita das perceções dos eleitorados, de forma transversal. O ano de 2012 corresponde todavia a uma fase ainda intermédia da governação sob a tutela da Troika, sendo que muitas das medidas do plano de austeridade estariam ainda para ser implementadas, as respetivas consequências não seriam ainda plenamente sentidas, e a coligação estaria ainda a gozar o período de “lua de mel” após a eleição.

Apesar de os dados configurarem um enviesamento das perceções sobre os partidos à direita, o assinalar das referidas diferenças positivas não representa necessariamente a presença de um efeito de contraste. Para este existir há que comparar perceções de eleitorados de esquerda por referência a partidos de direita e vice-versa. Ao proceder a este exercício, a primeira conclusão aponta para a inexistência de enviesamento das perceções sobre o posicionamento dos partidos de esquerda: as diferenças permanecem positivas nestes casos, o que significa a prevalência de uma distorção à direita, e não à esquerda. No que respeita ao enviesamento à direita, este observa-se nos dois anos e em relação aos dois partidos de direita, o que suporta a existência de um efeito de contraste à direita. Este é em especial observável junto do PSD em 2008, cujas diferenças entre a perceção dos eleitorados do BE e CDU são positivas e substanciais, mantendo-se relevantes em 2012. No caso do CDS-PP, apesar de se verificar, este efeito é menor, em parte devido à forte ancoragem deste partido à direita, e que se consolida em 2012. Podemos, por agora, concluir pela existência de um efeito de contraste em relação aos partidos de direita, persistente no tempo, mas que a crise económica não parece ter agravado significativamente, como seria expectável. Tal encontra em parte explicação no facto de estes partidos na realidade se terem movido para a direita após a emergência da crise, mais do que a perceção dos eleitorados acompanhou.

Quanto ao efeito de assimilação, observam-se no Quadro 1 diferenças muito pequenas entre a perceção sobre o posicionamento ideológico do partido e a posição efetiva do eleitorado (antepenúltima coluna). Para se declarar a existência de um efeito de assimilação, estas diferenças devem ser menores do que as relativas à perceção sobre qualquer outro dos restantes partidos. De facto, este efeito verifica-se para praticamente todos os partidos e em ambos os anos (em 40 casos potenciais, o efeito não se verifica apenas em três). Estes resultados confirmam as conclusões de trabalhos anteriores que apontam para a prevalência da assimilação sobre o contraste (Gerber e Green, 1999; Merrill et al., 2001; Bartels, 2002; Drummond, 2010).

Veja-se ainda em relação aos dados nesta coluna, que os sinais das diferenças são tendencialmente negativos para os partidos de esquerda e positivos para os partidos de direita, significando o posicionamento mais central dos eleitorados por comparação à perceção destes sobre os partidos. Estes resultados significam que os eleitorados tendem a percecionar corretamente a maior polarização ideológica dos partidos.

Em suma, usando a identidade partidária para testar os efeitos de contraste e de assimilação, verifica-se que o efeito de assimilação é sistematicamente prevalecente sobre o efeito de contraste, corroborando a hipótese 1. O efeito de contraste é dominante em relação aos partidos de direita, o que vai de encontro à hipótese 2, embora não pareça sofrer uma intensificação em 2012, como se antevia. A análise seguinte debruça-se sobre a validação das conclusões obtidas para esta última hipótese, e sobre o teste da terceira e última hipótese.

 

EXPLICANDO O ENVIESAMENTO DAS PERCEÇÕES IDEOLÓGICAS SOBRE OS PARTIDOS CATCH-ALL EM PORTUGAL: O EFEITO DE CONTRASTE

 

Com o intuito de explorar as razões subjacentes ao enviesamento das perceções sobre a ideologia dos dois maiores partidos políticos portugueses, o PSD e o PS, e a efetiva importância das afinidades ideológico-partidárias nesta explicação, bem como a da crise económica, procede-se agora a uma análise por regressão linear. Os modelos no Quadro 2 reportam-se a 2008 e 2012, a fim de avaliar se houve mudanças significativas no padrão de explicação e, especialmente, se o bloco respeitante às variáveis relacionadas com a crise económica (avaliação da economia e do desempenho do governo) adquire maior relevância em 2012, por comparação às variáveis que medem a identidade ideológica e partidária (auto-posicionamento esquerda-direita e dummies esquerda radical, partido socialista e direita), e às variáveis de controlo (interesse político, educação e variáveis sociodemográficas6). As variáveis dependentes correspondem ao enviesamento das perceções dos eleitores (efeito de contraste) sobre as posições ideológicas de cada partido, em cada ano, e são calculadas pela diferença entre a perceção que os indivíduos têm sobre a localização esquerda-direita do partido e a real posição do mesmo (valores positivos significam disto rção à direita e vice-versa; v. Apêndice para mais informação sobre operacionalização das variável e respetivas fontes).

O primeiro bloco de variáveis visa testar a teoria da deslocalização aferindo a importância da ideologia e da proximidade partidária sobre o enviesamento das perceções (Modelos 1 e 2). Observa-se, neste bloco, para os dois partidos em 2008 e para o PSD em 2012, que quanto mais os respondentes se auto-posicionam à direita, mais estes partidos são percecionados enviesadamente à direita. A dummy esquerda radical mostra correlações significativas e positivas tanto para o PS como para o PSD, suportando em ambos os casos um efeito de contraste à direita. Os coeficientes positivos que colocam o PS enviesadamente à direita podem ser não só compreensíveis como expectáveis dada a natureza catch-all do PS e a sua deriva para a direita do espectro ideológico (Guedes, 2012), assim como consequência da assinatura do memorando de entendimento com a Troika em 2011. Uma maior proximidade ao PS explica, por sua vez, a prevalência de um efeito de contraste apenas em 2012: esta proximidade distorce o posicionamento do PSD para a direita da sua real posição (e o do PS para a esquerda). Por último, a dummy que reúne os que se sentem próximos dos partidos de direita é significativa apenas para o PS em ambos os anos, e de sinal negativo, o que suporta um efeito de contraste à esquerda. Estes resultados reiteram as conclusões anteriores e reportam a existência de um efeito de contraste à direita na explicação das perceções sobre a ideologia do PSD, assim como um efeito de contraste à esquerda no que respeita ao PS (embora com exceções). Estes efeitos são relativamente consistentes nos dois anos em análise, tendendo a reforçar-se em 2012 para o PSD, e a enfraquecer para o PS.

Para além da importância das variáveis ideológicas e partidárias, que confirmam de forma geral a teoria da deslocalização no que respeita ao efeito de contraste junto dos principais partidos portugueses, pretende-se confrontar estes resultados com a relevância da crise na ocorrência deste efeito. Para isso contempla-se, no segundo bloco, um conjunto de variáveis que refletem avaliações sobre a economia nacional e familiar e sobre o desempenho e responsabilidade económica do governo. As avaliações sobre a economia nacional revelam-se estatisticamente significativas, estando as avaliações positivas associadas em 2008 ao reconhecimento, tanto do PS como do PSD , à direita no espectro ideológico, sucedendo para ambos, em 2012, o oposto. A leitura fica mais clara e consistente com as expectativas se feita pela negativa: os mais pessimistas em relação à situação da economia colocam em 2012 o PS e o PSD mais à direita, sendo que os colocavam mais à esquerda em 2008. Tais resultados sugerem que a crise terá tido relevância na forma como os indivíduos veem os principais partidos portugueses, distorcendo o seu posicionamento à direita em período de políticas de austeridade de direita, implementadas pelo governo liderado pelo PSD, e das quais o PS não parece ter conseguido demarcar-se.

Apreciações mais positivas sobre o desempenho do governo PS, em 2008, explicam a sua colocação mais à esquerda; e quando sobre o governo de coligação do PSD/CDS, em 2012, explicam a colocação do PS à direita, sugerindo uma eventual insatisfação em relação ao papel do partido na oposição (embora o coeficiente seja muito fraco). As restantes variáveis deste bloco estão apenas disponíveis para 2012 e evidenciam consistentemente a importância das avaliações económicas e sobre o governo no efeito de contraste. Quanto mais negativa a avaliação da evolução da economia do agregado familiar, maior a distorção da perceção do PSD para a direita, e do PS para a esquerda. Avaliações positivas do desempenho económico da coligação PSD/CDS-PP por comparação ao anterior governo socialista explicam mais uma vez a colocação enviesada do PS à esquerda. E por último, quanto maior a atribuição de responsabilidade ao governo pela recessão económica (nesta altura, a coligação PSD/CDS-PP), maior a distorção do PS para a esquerda.

O terceiro e último bloco tem como propósito controlar o efeito dos dois primeiros, mediante a inclusão do interesse pela política, da educação, do género e da idade. Em 2012, já com a presença da Troika e sob a liderança da coligação de direita, os resultados sugerem que o interesse político e a escolaridade conduzem a um reforço do enviesamento dos dois partidos quase sempre à direita, ao arrepio da ideia de que os mais informados e instruídos distorcem menos as perceções (por exemplo Woon, 2007, pp. 12-13; Listhaug et al., 1994; Dahlberg, 2009, pp. 69-70), embora as correlações não sejam significativas em todos os casos. O género e a idade só pontualmente têm significância estatística, sendo os coeficientes muito fracos.

Considerando o conjunto das variáveis do segundo bloco, e não obstante a fraca robustez dos coeficientes e mesmo dos próprios modelos, é patente a importância dos fatores económicos na ocorrência de efeitos de contraste na perceção ideológica dos partidos(à direita para o PSD, e à esquerda para o PS, embora nem sempre neste sentido para este último), em especial depois de instalada a crise. Porém, por comparação ao primeiro bloco, este segundo bloco explica menos variância das variáveis dependentes. Contudo, os coeficientes que explicam a ocorrência de um efeito de contraste tendem a ser mais robustos após a emergência da crise económica, aparentando esta mediar as afinidades ideológicas e partidárias dos indivíduos na explicação do enviesamento percetual. Tal suposição é reforçada nos modelos que integram as interações entre estas últimas variáveis e as que avaliam o estado da economia e o desempenho do governo (modelos 3 e 4). A crise parece ter clarificado e intensificado os efeitos de contraste dos indivíduos de esquerda, colocando o PSD à direita e o PS à esquerda das suas posições reais; os indivíduos mais pessimistas em relação à situação económica do país e de esquerda radical são os que melhor explicam o enviesamento do PSD à direita em 2012 (embora o expliquem também para os restantes casos); e o eleitorado do PS reitera o efeito de contraste à direita para o PSD em 2012 (o CDS-PP evidencia um coeficiente de sentido equivalente, mas muito fraco). Estes dados reiteram a prevalência da identidade ideológica e partidária na explicação dos efeitos de contraste, isto é, da teoria da deslocalização, e suportam a ideia de os efeitos da crise mediarem e potenciarem aquelas identidades enquanto fatores de enviesamento. Estas conclusões corroboram a hipótese 3.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A teoria democrática pressupõe, de forma geral, que os eleitores votem em candidatos ou partidos políticos cujo programa melhor coincida com as suas próprias preferências políticas. As perceções dos eleitores sobre as posições dos partidos como prescrito no modelo do partido responsável, são, portanto, um importante aspeto que não deve ser descurado. Esta pesquisa teve como objetivo a análise das perceções dos eleitores sobre os partidos políticos em ­Portugal e respetivos efeitos de deslocalização, averiguando-se a importância da crise económica no padrão de causalidade do enviesamento das perceções, por comparação à teoria da deslocalização. A análise focou-se em dois momentos: antes e depois do deflagrar da crise económica (2008-2012).

Entendido como uma eventual consequência da crise económica, os partidos políticos em Portugal eram em 2009 globalmente percebidos mais perto do centro do que nos anos anteriores, observando-se em 2012 uma polarização significativa nas perceções sobre as posições ideológicas dos partidos, com correspondência à realidade, em especial junto dos partidos de direita. Esta tendência nas perceções é compreensível devido à gravidade crescente das condições de vida e ao aumento do desemprego, que potencialmente explicam a polarização dos discursos dos partidos de esquerda; enquanto os partidos de direita e centro-direita no governo se radicalizaram à direita, fruto do seu compromisso com a Troika e das políticas de austeridade que lhe estão associadas.

Os efeitos de assimilação e de contraste revelaram ser importantes na explicação da localização ideológica dos partidos portugueses pelos diversos eleitorados. Observou-se, em específico, uma tendência para a formação de um efeito de contraste à direita no percecionamento da ideologia do PSD, assim como um efeito de contraste à esquerda no que respeita ao PS. Não obstante, por vezes, a direção do contraste para o PS não corresponder ao esperado, estes efeitos revelaram consistência, tendendo a reforçar-se em 2012 para o PSD, e a enfraquecer para o PS. O resultado mais interessante desta pesquisa refere-se ao facto de as avaliações da economia e do desempenho do governo mostrarem ser relevantes na explicação dos enviesamentos percetuais, em particular do efeito de contraste à direita. Estas variáveis não são contudo mais importantes do que as afinidades ideológicas e partidárias dos indivíduos, e parecem aliás atuar como mediadoras do reforço do efeito destas últimas após a instalação da crise económica.

Os resultados destacam a importância que períodos de turbulência económica e social poderão ter na reconfiguração das perceções dos eleitorados sobre os partidos, e respetivos enviesamentos, cuja análise é relevante dadas as implicações que têm no processo de responsabilização e de representação democráticas. A pesquisa futura deverá focar-se no desenvolvimento de estudos comparados, de molde a validar as conclusões agora alcançadas.

 

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Recebido a 29-04-2014. Aceite para publicação a 10-09-2015.

 

NOTAS

1Em termos empíricos, a evolução do apoio aos partidos portugueses entre 1985 e 2012 mostra, por um lado, que os indivíduos consideram de forma crescente e consistente que os partidos são um mecanismo vital da democracia, fundamental para a participação política (ambos os indicadores na ordem dos 80% a 90% durante este período); por outro lado, a percentagem dos que afirmam que os partidos são todos iguais tem-se igualmente reforçado (situando-se em cerca de 75% em 1985 e em 85% em 2008), assim como declinou seriamente o número daqueles que admitem que os partidos políticos são o elo principal entre os eleitores, situando-se em 2012 em pouco mais de metade dos portugueses (53,9%) (as fontes destes dados são os seguintes estudos: Four Nations Study, 1985; os estudos eleitorais portugueses de 2002, 2005 e 2009; os inquéritos aos eleitores de 2008 e 2012). A apreciação dos partidos pelos portugueses é, por isso, dual, legitimando o seu papel institucional enquanto instrumentos fundamentais do funcionamento democrático, e reprovando o seu desempenho em termos pragmáticos.

2Para uma revisão da literatura sobre a validade do uso da escala esquerda-direita ver: Van der Brug e Van der Eijk, 1999, p. 130.

3Os dados foram recolhidos no âmbito do projeto “Os deputados portugueses em perspectiva comparada” (CIES-IUL; ver mais referências em Freire, Viegas e Seiceira, 2009) e do projeto “Eleições, liderança e responsabilização” (CIES-IUL; vd em: http://er.cies.iscte-iul.pt/pt-pt/node/57).

4Neste estudo de Van der Brug e Van der Eijk, aproximadamente 40% dos eleitores foram incapazes de dizer onde os partidos se localizavam na Europa em relação a assuntos políticos, e a percentagem superava os 50% na Grécia, Portugal e Espanha (1999, pp. 133-137). Como os autores reconhecem, estas diferenças podem dever-se à saliência destes assuntos no debate público nestes países. Foram alcançados melhores resultados para a dimensão esquerda-direita.

5Medido pelo partido em que o respondente votou nas últimas eleições legislativas, respetivamente as de 2005 e 2011.

6A classe social foi igualmente testada, mas não incluída nos modelos devido ao impacto negativo da sua inclusão e à sua menor relevância teórica.

Anexo

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