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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social no.220 Lisboa set. 2016
DOSSIÊ: NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE PARTIFOS E ELEIÇÕES EM PORTUGAL E NO BRASIL : COLIGAÇÕES, CANDIDATOS E PATROCINATO
Coligações partidárias em eleições proporcionais municipais: fragmentação e sucesso de candidatos com baixa densidade eleitoral
Coalitions in proportional partisan municipal elections: fragmentation and success of electoral candidates with low density
Clóvia A. Vieira de Melo* e Kelly C. Costa Soares*
*Universidade Federal de Campina Grande, Rua Aprígio Veloso, 882, Bodocongó CEP 58429-900, Campina Grande, PB - Brasil. E-mails: clovis.melo@ufcg.edu.br e kellyccsoares2407@gmail.com
RESUMO
O desenho institucional do sistema eleitoral brasileiro apregoa que os partidos políticos para ocuparem uma cadeira nas casas legislativas atinjam o quociente eleitoral, que é a razão do número de votos válidos pelo número de cadeiras existentes. Na prática, esse dispositivo funciona como uma clausula de barreira, uma vez que esse número não é fácil de ser atingido. Uma das formas de se minimizar essa dificuldade é o dispositivo institucional da coligação partidária em eleições proporcionais, a partir da máxima de que a união faz a força. Os dados deste trabalho sugerem que esse desenho gera dois problemas: maior fragmentação partidária nas câmaras legislativas, e sucesso eleitoral de candidatos com número reduzido de votos. Sendo esses dois fenómenos associados, respetivamente, a problemas de governabilidade e de representação, os quais colocam em xeque a eficiência do sistema eleitoral. Os dados referem-se aos pleitos municipais no Brasil dos anos de 2004 e 2008, para 5 565 municípios.
PALAVRAS-CHAVE: partidos; coligação; fragmentação partidária; fracionalização.
ABSTRACT
The institutional design of the Brazilian electoral system touts political parties to occupy a seat in the legislative houses to reach the electoral quotient, which is the ratio of the number of valid votes by the number of existing seats. In practice this device acts as a barrier clause, since this number is difficult to achieve. One way to minimize this problem is through the institutional arrangement of the party coalition in proportional elections, from the maxim that unity is strength. The data from this study suggest that this design creates two problems: high party fragmentation in the legislative chambers, and electoral success of candidates with a limited number of votes. Since these two phenomena are associated, respectively, with problems of governance and representation, which calls into question the efficiency of the electoral system. Data pertain to the municipal elections in Brazil in 2004 and 2008 regarding 5,565 municipalities.
KEYWORDS: parties; coalition; party fragmentation; fractionalization.
INTRODUÇÃO
As discussões sobre os desdobramentos das coligações partidárias em eleições proporcionais têm apontado problemas relativos aos níveis de governabilidade e à qualidade da representação. No atual modelo institucional brasileiro funciona a lógica multipartidária, pois na sua totalidade o sistema partidário contabilizava, até 2015, 35 partidos. Esse padrão institucional tem levado à fragmentação na arena legislativa e às dificuldades de articular a diversidade de interesses dos atores políticos.
De acordo com Lamounier (1994) e Mainwaring (1991, 2001), a democracia brasileira traça a difícil combinação entre presidencialismo, de caráter plebiscitário, e a representação proporcional (RP) de lista aberta, os quais podem levar o sistema político a uma série de entraves. Não obstante, possíveis soluções de reforma política, até então implementadas, ainda prescindem de resultados concretos para melhorar o funcionamento deste sistema político, dentre elas, o método de seleção de parlamentares para um que proporcionasse aos partidos políticos maior controlo sobre os seus membros, tanto na arena eleitoral quanto na arena legislativa. O acentuado número de partidos tem sido visto como responsável por fragmentar a representação e propiciar o aumento de custos de transação na relação executivo-legislativo. Destarte, com o legislativo fragmentado, ampliam-se as chances de obstrução do processo decisório (AMES, 2003).
O processo eleitoral brasileiro, ao pôr em vigor a representação proporcional e o sistema de lista aberta põe em funcionamento o multipartidarismo que passa a contar com uma quantidade significativa de partidos e candidatos. Com sistema de lista aberta, as disputas para os cargos do poder legislativo são tomadas por uma infinidade de candidatos. Aumentando-se assim, os custos da competição política. Não obstante, em busca de minimizar esse problema, a legislação permite que partidos encontrem estratégias para obtenção do sucesso na arena eleitoral. Para esse feito, as coligações são estratégias usuais nas eleições no Brasil. Nesse sentido, pode-se dizer que as coligações são a reunião de dois ou mais partidos para formalizar candidaturas por regras maioritárias ou proporcionais, tendo em vista a redução de custos para obtenção do sucesso eleitoral.
No Brasil, as candidaturas para os cargos de presidente, governador, prefeito e senador são efetivadas por regras maioritárias. Já as candidaturas para os cargos de deputado federal, deputado estadual e vereador, são efetivadas por regras proporcionais. Por sua vez, as coligações de candidaturas de representação proporcional têm apresentado problema de legitimidade ao viabilizar o sucesso eleitoral de candidatos com baixa densidade de votos, pois permitem em grande proporção, beneficiar candidatos, sobretudo pela regra de distribuição de cadeiras, ancorado no instituto do quociente partidário.1 Nesse caso, entende-se por candidatura de baixa densidade eleitoral, aqueles candidatos que individualmente possuem votação distante do quociente eleitoral.
Este trabalho tem como objetivo discutir estes dois aspetos das candidaturas para as câmaras municipais ao tomar como universo de pesquisa os municípios brasileiros. A unidade de análise, município, foi utilizada para identificar os padrões de fragmentação, para isso, tomaram-se os seguintes indicadores: Número Efetivo de Partidos (NEP), a Taxa de Fracionalização e o Número Nominal de Partidos. Em relação aos testes sobre os efeitos das coligações eleitorais, ao observar os candidatos com baixa densidade eleitoral tomaram-se como unidade de análise as candidaturas que concorreram aos pleitos eleitorais de representação proporcional nos anos de 2004 e 2008. Utilizaram-se como parâmetro os quocientes eleitorais de cada município, daí calculou-se a distância das votações de todos os candidatos em relação aos referidos quocientes, o que permitiu, assim, medir a densidade eleitoral de cada candidato e classificá-lo em faixas. Tal esforço metodológico possibilitou verificar a performance do sucesso eleitoral das candidaturas para vereador nos municípios brasileiros e distinguir as candidaturas coligadas e isoladas. Buscou-se, desse modo, verificar, dentre as candidaturas vitoriosas, de que modo as coligações eleitorais garantem o sucesso eleitoral de candidatos que não atingiram o quociente eleitoral.
A fonte dos dados é atribuída às informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), destacando-se as eleições municipais para vereadores nos períodos citados anteriormente. A coleta e o tratamento de dados tiveram abordagem quantitativa, os quais permitiram produzir estatísticas descritivas e inferenciais que dão sustentação à discussão.
A pesquisa possibilitou traçar um quadro geral sobre a dinâmica das eleições nos municípios brasileiros, chamando a atenção para a forma de recrutamento do poder legislativo. Pode-se considerar assim, que as investigações sobre coligações partidárias em âmbito municipal no Brasil, ainda merecem muita atenção por parte da comunidade científica. Com intuito de cobrir parte dessa lacuna, busca-se nesse artigo desvendar parte dessa realidade. Para isso, o problema de pesquisa foi construído ao levar em consideração: o número de partidos, volume de candidaturas coligadas e respetiva densidade eleitoral, bem como a proporção de candidatos por partido. Também se leva em conta o porte do município, de entre outros fatores.
O dado relevante sobre os efeitos das coligações em candidaturas proporcionais permitiu constatar que nos municípios onde existem tais arranjos, a fragmentação é de facto superior, quando comparada com outros municípios onde não há coligações. Verifica-se, então que as coligações são a janela de oportunidades para redução de custos de transação nas relações entre partidos, candidatos e eleitores. Constata-se que as coligações eleitorais são uma estratégia infalível, pois independente da densidade eleitoral, as candidaturas coligadas para o legislativo municipal apresentam sucesso eleitoral superior àquelas candidaturas de partidos isolados. Para alicerçar a reflexão, propõem-se alguns argumentos teóricos que problematizam a relação entre regras, qualidade da representação e os resultados políticos.
DESENHO INSTITUCIONAL: QUAL A MELHOR FORMA DE REPRESENTAÇÃO E ACCOUNTABILITY?
A discussão sobre os efeitos das coligações eleitorais passa pelas questões sobre as regras da competição e da qualidade da representação. Nesse sentido, há na literatura da ciência política um debate profícuo de como os processos de escolhas da arena eleitoral são articulados aos resultados das decisões políticas. A problemática propõe questionar como no regime democrático a escolha eleitoral reflete a representação de interesses dos cidadãos.
Conforme observou Powell (2001), a discussão sobre o funcionamento da democracia toma um ponto de partida normativo importante: as eleições não são apenas instrumentos democráticos, mas devem ser auxiliadas por outras organizações ou regras que impulsionam os policy makers a chamar atenção dos cidadãos (p. 4). A premissa suscita muitas discussões acerca de como as eleições podem servir para ligar os policy makers aos cidadãos. O autor sugere, então, que é promissor explorar determinadas características dos tipos de desenho institucional para visualizar a melhor alternativa para conectar os cidadãos aos seus representantes. É bem verdade que as eleições democráticas são conduzidas por determinantes constitucionais: regras maioritárias e proporcionais. Essas regras são os constrangimentos que se podem refletir no nível de efetividade do controle do cidadão sobre os representantes e os policy makers. Assim sendo, permitem tratar do quão melhor pode ser apresentada à responsabilização.
Duas visões são possíveis quando se tomam as eleições como instrumento de democracia: a) os cidadãos através de eleições escolhem os representantes que, por sua vez, escolhem os policy makers; b) através de eleições os cidadãos recompensam ou punem os incumbents. Para tanto, o desenho constitucional proporá regras para eleições e para policy making. Como resultado das regras maioritárias, o poder concentrado assume uma condição importante de dar aos cidadãos maior clareza da responsabilidade dos policy makers implementarem determinadas políticas. Isto porque aquele que foi eleito exerce o poder de policy making para atender interesses da maioria dos cidadãos que os elegeram. Por sua vez, as regras proporcionais resultam em dispersão do poder, porque as eleições trazem agentes representativos de todas as fações da sociedade para a arena da policy making. Como resultado há um complexo de barganha que dificulta o poder retrospetivo dos cidadãos deixando-os com dificuldades de visualizar de onde partem as decisões (Powell, 2001 p. 9).
A discussão de Powell segue então a seguinte direção: as eleições exercem papel fundamental na policy making, uma vez que, o processo de escolha através de regras maioritárias permite controlo prospetivo do cidadão porque é possível a identificação de propostas unificadas (mandato). Nesse sentido, o cidadão pode votar a favor ou contra o partido que vai diretamente ser responsável por determinadas políticas. No caso, as eleições devem resultar de um poder concentrado, em que a clareza da responsabilidade se torna alta, a qual, por sua vez, é extremamente importante para o cidadão avaliar os policy makers, podendo assim, exercer o seu poder retrospetivo (accountability).
As proposições de Powell assinalam que o modelo de regras majoritárias tem implicações importantes para a constituição de governos mais accountables. Não obstante, Liphart (2003) propõe uma análise diferente. Os governos formados por regras consensuais têm demonstrado, em termos práticos, melhor performance quanto à qualidade e à representatividade democráticas. Isto porque é a melhor condição para efetivar os diversos interesses sociais. O pressuposto para tal visão é a capacidade que cada cidadão tem de influenciar o governo.
Assim, os pontos que asseguram a discussão do impacto do desenho institucional para a qualidade da democracia e da representação centram-se em dois eixos: enquanto o princípio maioritário permite clareza da responsabilidade governamental, de modo que se torna factível a punição de maus governantes pela maioria (accountability); o princípio proporcional trata de dar determinadas incumbências (mandato) àqueles representantes que irão após as eleições, representar. Esse tipo confere importante papel às minorias. Neste caso, é preponderante a ênfase na delegação, uma vez que, o ato de representar seria uma ação substantiva em defesa dos interesses dos representados. Assim, o desenho institucional revela fortes implicações não só para os mecanismos eleitorais prospetivos e retrospetivos, mas, principalmente, como forma determinante para as políticas públicas (Cox e McCubbins, 2001).
A análise de Liphart diferencia os desenhos constitucionais maioritários e consensuais a partir de duas dimensões: executivo ou partido, federal ou unitário; as suas conclusões revelam que as regras eleitorais incentivam embora existam variedades a formação de maiorias legislativas, cujo resultado é a constituição de governos pluralistas de membro único. Por sua vez, as regras de representação proporcional resultam em governos de multimembros. Esses dois modelos constitucionais trazem alguns impasses notórios: se, de um lado, regras maioritárias com base na vontade de uma maioria, concentram poder, trazem à tona o problema da inclusividade; de um outro lado, regras proporcionais pautadas na representação de diversos interesses sociais, consubstanciam dispersão de poder, trazem à tona o problema da governabilidade.
Nesse sentido, como enfatiza Melo (2004) a escolha constitucional para as regras eleitorais dá-se a partir do trade off entre inclusividade e governabilidade. Por um lado, regras eleitorais com representação proporcional de multimembros, baixa magnitude distrital e baixo thersholds eleitoral, proporcionam representação de interesses diversos, o que resulta no multipartidarismo. Os efeitos desses arranjos vão indicar que a participação tem alto custo de transação. Por outro lado, embora as regras maioritárias proporcionem menos inclusividade, garantem maior governabilidade (Melo, p. 17).
Ao levar em conta esses modelos constitucionais, a busca de uma melhor alternativa pode ser orientada por um suposto normativo que se expressa na questão fundamental de quão melhor pode ser garantido o interesse coletivo. Desse modo, a representação política deverá assumir esse compromisso, sendo necessário que os mecanismos eleitorais, tanto os prospetivos quanto os retrospetivos, se tornem mais efetivos e eficazes, pois têm sido instrumentos débeis, nas novas democracias da terceira onda de democratização, como definiu Huntington (1991), especialmente da América Latina. No caso brasileiro, o sistema de representação proporcional torna-se mais problemático com a possibilidade de coligações eleitorais, pois o emaranhado de partidos, muitas vezes distantes nos seus espectros ideológicos, dificulta a relação que o eleitor estabelece com o representante.
OS EFEITOS DAS COLIGAÇÕES: DEBATE NA LITERATURA SOBRE ESTUDOS ELEITORAIS BRASILEIROS
Muitos estudos sobre o sistema eleitoral brasileiro apresentam as coligações como um dos principais problemas a contornar pela reforma política. Não obstante, a literatura sobre os sistemas partidários vem constituindo controvérsia acerca dos resultados das candidaturas por coligações. As principais questões que animam o debate dizem respeito aos efeitos negativos das regras eleitorais que contribuem para ampliar a fragmentação partidária e relativizar os critérios de recrutamento político e significado da representação. Assim, toma-se como questão teórica fundamental o baixo teor representativo das candidaturas coligadas, especialmente, em eleições proporcionais.
As discussões sobre o cenário da competição partidária do Brasil na Nova República a partir de 1985 assumem um novo viés analítico. O ponto marcante da discussão de Lima Júnior (1993) diz respeito à utilização do paradigma institucional combinado com os estudos de comportamento. Deste modo, elabora uma explicação satisfatória para os fenómenos políticos em questão. A principal colocação é a de que o formato do sistema partidário brasileiro é resultado dos diversos aspetos da legislação eleitoral, sobretudo no que diz respeito ao princípio da representação política adotado: maioritária ou proporcional; entre outros, a estrutura da escolha e a magnitude da representação.
O eixo convincente para presumir essa reflexão é o de que o comportamento dos macros e micros atores, isto é, das organizações partidárias, do eleitorado e dos políticos, assume importância crucial, quer como fator independente com consequências previsíveis para o formato e para a evolução do sistema partidário, quer como fator condicionado por outras dimensões da institucionalidade política (Lima Júnior 1993, p. 33).
Esses fatores dão forma à argumentação de Lima Júnior sobre o sistema partidário brasileiro, tomando observações de eleições, especificamente na década de 80, período que significou um momento ímpar para a história político-partidária brasileira, uma vez que se estava firmando mudanças, um tanto expressivas, na legislação eleitoral, especialmente como consequência da experiência de redemocratização política que o país vivenciava.
O significado maior para essas mudanças no quadro político nacional é tomado, não só por Lima Júnior, mas também por outras análises que tratam dos aspetos relevantes da institucionalidade política. Então, as avaliações sobre os elementos de natureza ideológica constituem, principalmente, o ponto de partida que impulsionou a reforma partidária em 1979, e conduziu, assim, a momentos sucessores com um bloco de emendas constitucionais, significando entre outras: o retorno da normalidade democrática, estabelecendo eleições diretas para todos os cargos políticos, permitindo também à volta do sistema multipartidário em todos os estados federados.
Entretanto, a princípio, a vigência desse novo sistema multipartidário é ressaltada ou vista com cautela pelos estudos sobre comportamento político, que identificam especificidades na legislação eleitoral, as quais vêm favorecer, em certa medida, alguns segmentos políticos, pois, quando da formulação das regras, criam-se fortes mecanismos para penetrar na arena eleitoral e garantir sucesso do ator individual (Mainwaring, 1991). Ou ainda, quando dão forma à liberdade dos atores de buscarem possibilidades de estratégias individuais. No caso, permitindo, de facto, a criação de um especial e distintivo fio condutor para a democracia representativa brasileira.
Não obstante, diversas críticas vêm sendo elaboradas em torno do funcionamento dos arranjos institucionais e têm acrescentado, com muita eloquência, sérias reflexões sobre o desenho dos sistemas eleitoral e partidário. Essas questões ocasionaram válidas implicações para a discussão sobre a consolidação democrática, bem como sobre os efeitos eficazes da representação política.
Entretanto, quando se refere ao sistema eleitoral, baseado no critério da proporcionalidade, Lima Júnior considera que o teor mais democrático deverá ser medido a partir do teor mais igualitário, isto é, outorgado aos eleitores, individual e coletivamente, e aos partidos. Vale dizer, um sistema representativo é mais democrático quanto mais igualitário poder sê-lo. Neste caso, deixa claro que o ideal da representação proporcional se satisfaz quando qualquer partido alcança uma proporção de cadeiras igual à de votos. Portanto, os indicadores empíricos da densidade democrática devem corresponder: à igualdade do voto no interior e através das unidades territoriais, onde a eleição é disputada e, ao grau de proporcionalidade resultante do processo de alocação de cadeiras aos partidos (Lima Júnior, 1993).
Na verdade, trata-se dos efeitos políticos advindos da lei eleitoral que merecem devida atenção, ou seja, há preceitos que exercem influência incisiva no formato do sistema partidário. Preceitos esses que se referem, mais precisamente, na abordagem de Lima Júnior, à relação entre a fórmula eleitoral e a magnitude da representação no distrito. Daí porque invoca o que afere teor democrático ao sistema de representação.
No caso dos estudos sobre coligações, há preocupação em relação às consequências da fragmentação partidária e a capacidade representativa das candidaturas em eleições proporcionais. Para entender a lógica das coligações e suas consequências no sistema político brasileiro, o debate na literatura da ciência política brasileira vem conduzindo algumas linhas de análise: entende-se como alternativa para ampliar as chances eleitorais dos partidos baseada nas estratégias para redução de custos e maximização de ganhos eleitorais. Neste caso, uma candidatura coligada passa a ser mais vantajosa, quando amplia a possibilidade de vitória sem estar em jogo a quantidade de votos. Por outro lado, uma candidatura isolada pode ser irracional porque uma grande quantidade de votos pode não garantir o sucesso eleitoral. Isto quer dizer, numa eleição proporcional, que uma coligação de dois os mais partidos pode levar um deles a ultrapassar a barreira do quociente eleitoral (Carreirão e Nascimento, 2010).
Certamente, somando ainda a esses feixes de características, a relação entre legislação eleitoral e fragmentação partidária, Nicolau (1996), observou que no período de 1988-1994 configuraram as seguintes condições: a troca de legenda no período foi responsável pelo aumento da fragmentação na Câmara dos Deputados; a permissão de coligações em eleições proporcionais favoreceu os pequenos partidos no âmbito distrital embora variassem segundo os estados contribuiu para o aumento da fragmentação no plano nacional.
Trata-se dos resultados das normas legais que tiveram efeitos negativos e abalaram o sistema político. Mas, que foram de imensa serventia à estratégia eleitoral das elites que puderam trocar livremente de legenda com o propósito de maximizar as oportunidades eleitorais, uma vez que se constituía o momento de incerteza. Assim sendo, as coligações em eleições proporcionais aconteceram para livrar os pequenos partidos do alto quociente eleitoral (Nicolau, 1996, p. 80). Neste caso, as razões favoráveis à explicação do comportamento político equivalem à identificação do conteúdo estratégico da legislação eleitoral que condiciona o sistema partidário.
Ainda para explicar a lógica das candidaturas coligadas Machado e Miguel (2008) propuseram outro argumento: as coligações além de constituírem estratégias eleitorais, permitem aos partidos agregar afinidades entre membros de um campo político e o afastamento de outros. Desta forma, possibilita entendimentos entre grupos políticos para disputar um segundo turno, principalmente para facilitar a aproximação de grupos que tenham acesso aos cargos do Estado.
Para entender a lógica das coligações à luz da racionalidade instrumental pode-se dizer que os partidos e candidatos avaliam o cenário de disputa e optam por alternativas que possam assegurar vantagens eleitorais. Com as coligações, partidos e candidatos reduzem os custos da disputa e ampliam as hipóteses dos ganhos eleitorais, uma vez que, driblam as barreiras do quociente eleitoral. Essa é uma boa medida para ter influência e acesso à máquina governamental e participação nos núcleos decisórios após os pleitos (Krause, Godoy, 2010). Todavia, as dúvidas sobre o sucesso eleitoral das candidaturas coligadas apontam fragilidades da capacidade representativa. Daí toma-se a orientação do debate chamando atenção sobre a discussão das principais questões que envolvem o sucesso eleitoral de candidaturas coligadas e sua capacidade representativa.
Já na visão de Braga (2006), o sistema eleitoral brasileiro ao condicionar o acesso à primeira cadeira à obtenção do quociente eleitoral, estimula a formação de coligações nas eleições proporcionais. Assim, o sistema passa a funcionar com cláusula de exclusão. Por sua vez, os partidos têm força eleitoral desigualmente distribuída no território nacional, e, quando não atingem o quociente eleitoral são beneficiados pelas coligações. Segundo a autora, necessita-se saber o quanto as coligações alimentam a fragmentação partidária no parlamento. Desta forma, o seu estudo demonstrou que acabar com o direito à coligação, mantendo a fórmula de distribuição de cadeiras adotadas pelas regras vigentes, prejudicaria expressivamente os pequenos partidos, o que levaria a esterilização de uma parcela considerável de votos. A alternativa seria a eliminação conjunta da cláusula de barreira, do quociente eleitoral, para adoção da regra das maiorias médias nas eleições proporcionais. Tal mudança permitiria uma distribuição de cadeira que representaria mais fielmente a vontade do eleitor, estando mais próxima do princípio proporcional. Assim, ao observar a desproporcionalidade entre votos e cadeiras, considera que a eliminação das coligações, sem um mecanismo compensatório, aumentaria a desproporcionalidade sistémica produzida pela fórmula eleitoral (Braga, 2006, pp. 234-235).
A discussão sobre o princípio representativo ao tomar a análise sobre coligação parlamentar e proporcionalidade, Braga (2006) considera que não há problemas em coligar-se, pois as coligações permitem resultados mais proporcionais. Todavia, deve-se atentar para a ausência de uma distribuição proporcional das cadeiras dentro da coligação. Isto é:
como as cadeiras obtidas por um partido coligado dependerão do posicionamento de seus candidatos na lista, partidos com votações proporcionalmente maiores podem não conseguir representação e, mais grave, a parcela considerável de eleitores que não conseguiram eleger o representante de sua preferência vai contribuir para a eleição dos outros membros da lista [Braga, 2006, p. 236].
No que tange às conclusões de Braga quanto à agenda da reforma política no sistema brasileiro, a proibição das coligações alteraria muito pouco a configuração do sistema partidário na Câmara dos deputados. Neste caso, deve-se manter o recurso das coligações porque os partidos devem organizar estratégias de sobrevivência em cada um dos níveis de disputa da federação. Segundo a autora, nesses complexos jogos de coordenação eleitoral, os partidos têm beneficiado das coligações, pois garantiram a expansão da representação parlamentar pelo território nacional. Neste aspeto, as coligações contribuíram para gerar maior grau de nacionalização dos maiores partidos.
As discussões sobre formas de mensuração da consistência ideológica das coligações têm tomado também as atenções dos pesquisadores dessa área. A ideologia do partido é entendida, dessa forma, como as ideias que orientam o programa de governo e através das quais se dão as divergências entre os partidos, no que se refere ao direcionamento das políticas públicas. Nesse sentido, Carreirão (2006) mensurou a consistência ideológica de uma coligação utilizando três critérios de combinação, os quais resultaram em: alta, média e baixa. Assim, uma coligação de alta consistência ideológica é caracterizada pela composição de dois ou mais partidos do mesmo espectro ideológico: direita-direita, centro-centro, esquerda-esquerda. Já a consistência ideológica média caracteriza-se pela composição dos espectros: direita-centro, esquerda-centro. Por sua vez, uma coligação de consistência ideológica baixa caracteriza-se pela composição dos extremos: direita-esquerda. Destarte, a classificação das coligações pode assumir as seguintes denominações: consistente, semiconsistente e inconsistente. Daí, as críticas à lógica coligacionista que consideram a tendência dos partidos de formar coligação com combinação dos espectros ideológicos extremos, como um dos principais problemas de identificação do eleitorado com os partidos.
O debate em torno dos efeitos sobre as coligações sobre o sistema político brasileiro tem avançado com bases empíricas de candidaturas em eleições proporcionais, relativas aos cargos de deputado federal e deputado estadual. Ainda é nebuloso o quadro das coligações municipais para cargo de vereador. Neste sentido, o presente trabalho propõe suprir parte dessa lacuna dos estudos sobre coligações em eleições proporcionais nos municípios brasileiros. Para tanto, apresentam-se algumas das questões já produzidas sobre coligações municipais.
A análise de Peixoto (2010) apresentou os dados sobre competição e estratégias dos partidos nas eleições municipais de 2000 a 2008 e concluiu que uma série de fatores influencia as decisões partidárias. O facto observado no sistema multipartidário brasileiro foi a pulverização dos parceiros preferenciais das coligações nos pequenos municípios. Isto é, a ampliação das bases organizacionais dos partidos ao entrarem na competição de um número cada vez maior de municípios, elevou o número de coligações inconsistentes ideologicamente. Por sua vez, tal resultado pode ser considerado porque ao penetrarem nos pequenos municípios e enfrentarem novos mercados eleitorais, os partidos flexibilizam as suas estratégias nacionais ou correm o risco de serem excluídos pelas barreiras impostas pelo quociente eleitoral (Peixoto, 2010, p. 297). Conforme a conclusão do autor, o sistema eleitoral brasileiro possui cláusulas de barreiras que proíbem os partidos que não alcançarem o quociente eleitoral de participarem da distribuição das sobras; por outro lado, permite que partidos unifiquem suas listas por meio do instituto das coligações eleitorais sem qualquer critério de distribuição de cadeiras entre os partidos (Peixoto, 2010, p. 298).
Tendo em vista ampliar o debate sobre os efeitos das coligações, o presente trabalho analisa as candidaturas em eleições proporcionais nos municípios brasileiros no período de 2004 a 2008. Busca-se mensurar em que medida as coligações condicionam a fragmentação nas Câmaras Municipais, e de que modo o desenho institucional vigente no Brasil contribui para o sucesso de candidatos com baixa quantidade de votos. Desta forma, o diálogo com a literatura deve contribuir para aprimorar mecanismos explicativos sobre o funcionamento das instituições político-eleitorais brasileiras. O estudo tem pretensão de avançar a discussão, ao apresentar os principais problemas, como as distorções do atual sistema representativo no que se refere às candidaturas coligadas em eleições proporcionais. Se a quantidade de votos obtidos pelo candidato pode não ser decisiva para obtenção de cadeira no legislativo, as regras do sistema eleitoral acabam por inviabilizar o princípio igualitário da democracia. Como observou Lima Júnior (1993), a regra da proporcionalidade para ser democrática deve manter a relação entre a quantidade de votos e a quantidade de cadeiras que um determinado partido recebe. Para aprofundar a discussão, a base empírica deste trabalho permite análise das candidaturas coligadas e isoladas para apresentar o ponto nevrálgico do sistema representativo. A questão central chama atenção para o modelo permissivo de regras de alianças que traz consequências para o caráter igualitário e democrático do voto.
COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA, FRAMENTAÇÃO E SUCESSO ELEITORAL NOS MUNICIPIOS BRASILEIROS
A OPÇÃO POR COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS COMO REGRA E NÃO EXCEÇÃO
O estabelecimento de coligação partidária em eleições proporcionais é a regra na maior parte dos municípios brasileiros. Na eleição de 2008, dos mais de 330 mil candidatos, aproximadamente 84% foram lançados por meio de partidos coligados. Esta estratégia é dominante e crescente, se comparada com a eleição anterior de 2004, visto que ocorreu um incremento na ordem de 6,44% de um período para o outro, apesar do número absoluto de candidatos ter diminuído Quadro 1). No Brasil um dos principais fatores explicativos para esse tipo de estratégia política do comportamento partidário é ampliação das hipóteses do sucesso eleitorais ao reduzir os custos da competição.
Analisando-se a distribuição dos partidos políticos nas coligações, percebe-se que há uma grande variação no tamanho das composições. Nas eleições de 2004 e 2008 formaram-se coligações que variaram no tamanho da composição de dois até quinze partidos diferentes. É de se supor, portanto, que os partidos optem pelo maior número possível de aliados no pleito eleitoral. Mas, de facto, o que se verifica é que a grande maioria das candidaturas é lançada por coligações de reduzido número de partidos, as quais em geral são compostas por dois ou três partidos (Quadro 2).
A formação de coligação é uma estratégia usual no sistema político brasileiro que provoca vários campos de entendimento sobre as suas causas e efeitos. Conforme observaram Machado e Miguel (2008), as coligações além de servirem para ampliar as chances eleitorais, servem para que os partidos políticos busquem afinidades com determinados grupos e afastamento de outros. Não obstante, outra questão plausível que se coloca ao cenário das coligações é a possibilidade de se constituir independente de perfis partidários, sejam eles relacionados com o seu tamanho, o seu tempo de existência ou mesmo o seu espectro ideológico. Em relação a esta última característica, percebe-se que entre os partidos de direita e de centro mais de 80% das candidaturas são coligadas. Esse padrão repete-se nos partidos de esquerda, com leves exceções. Destoam apenas o PCO e PSOL, e em menor escala o PSTU, que em 2004 teve uma quantidade baixíssima de candidaturas coligadas, revertendo o quadro em 2008, quando 66% de seus candidatos participaram de coligações (Quadro 3).2
Os dados das eleições de 2004 e 2008 indicam que é visível o interesse dos partidos políticos em buscarem parcerias para disputas eleitorais. Para isso, as motivações para as alianças, em certa medida, independe das peculiaridades dos próprios partidos, da localização geográfica, e de outras características. Isto porque das aproximadamente cinquenta e duas mil cadeiras ocupadas em cada um desses pleitos, mais de 80% foram resultados de candidaturas coligadas. Este dado demostra bem a importância deste modelo institucional para maximizar o sucesso eleitoral. Assim, pode-se dizer também que daquelas candidaturas que se lançaram por partidos isolados, a proporção de sucesso em 2008, por exemplo, não atingiu 12% (Quadro 4).
O sucesso eleitoral das candidaturas coligadas em grande parte é explicado pelo modelo de distribuição de cadeiras que permite a união de partidos em eleições proporcionais e a divisão dos dividendos entre os mesmos. Nesse caso, literalmente, a união faz a força. Numericamente os candidatos coligados representam aproximadamente 80% do total, o que por si só já produz um volume maior de votos, os quais serão contabilizados na distribuição de cadeiras. Além disso, os partidos coligados inserem na disputa, a maior parte dos candidatos possuidores de alta densidade eleitoral. Estes além de se elegerem por conta própria, visto que as suas votações superam o quociente eleitoral, terminam por transferir votos para os demais candidatos que fazem parte da coligação. Este aspeto é tido como negativo porque compromete a correspondência entre a força eleitoral de cada partido e a densidade de cadeiras legislativas. Isto é, permite que partidos que não atingiram o quociente eleitoral consigam representação. Os dados das eleições de 2004 demonstram que 255 dos candidatos que se elegeram por conta própria, 80,44% eram coligados, e em 2008 essa proporção atingiu 89,90%. Esse quadro torna possível e bastante compreensivo o sucesso eleitoral dos candidatos coligados apresentado no quadro 4.
A despeito do sucesso eleitoral logrado pelas coligações partidárias, este modelo contribui para gerar distorções. Como observou Lima Júnior (1993) um sistema representativo é mais democrático quanto mais igualitário poder sê-lo. Neste caso, a representação proporcional satisfaz-se quando qualquer partido alcança uma proporção de cadeiras igual à de votos. Observando a lógica das coligações, os estudos sobre o sistema eleitoral brasileiro apontam dois tipos de distorções: a primeira diz respeito à fragmentação partidária, e a segunda à eleição de candidatos com baixa quantidade de votos, o que pode afetar no limite a qualidade da representação. Estes dois aspetos serão visto nas sessões seguintes.
FRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA NOS LEGISLATIVOS MUNICIPAIS BRASILEIROS
O debate sobre a existência de coligações eleitorais e o aumento da fragmentação partidária no poder legislativo é recorrente e controverso. De um lado aborda-se o problema da governabilidade, do outro o problema da representatividade. Parte da literatura sugere que quão mais fragmentados forem os legislativos, maiores serão os problemas referentes à governabilidade (Nicolau, 1996; Lima Júnior, 1993; Mainwaring, 2001). Por outro lado, há os que defendem que a fragmentação em grande medida seria o espelho de uma realidade também fragmentada, e as coligações permitem a sua reprodução no interior das casas legislativas. Se há um sistema multipartidário, a tendência racional dos pequenos partidos é buscar aliados para obtenção do sucesso eleitoral. O dispositivo da coligação é uma alternativa para viabilizar a representação dos pequenos partidos, pois revela a diversidade dos grupos de interesses que operam no sistema político brasileiro (Braga, 2006).
O nível de fragmentação partidária no interior das casas legislativas pode ser medido pelo Número Efetivo de Partido (NEP) e pela taxa de fracionalização. Essas medidas indicam a efetividade da representação dos partidos no que concerne à ocupação de cadeiras no poder legislativo.3 A taxa de fracionalização, por exemplo, possui uma escala que varia de 0 a 1, quanto mais próximo de zero, menor será a fragmentação, por outro lado, quanto mais próximo de um, maior será a fragmentação.
Para este estudo, ambas as taxas foram calculadas para as câmaras municipais de todos os municípios do país formadas nas eleições de 2004 e 2008. Os dados estão dispostos no quadro seguinte e representam a média dos cálculos feitos para as câmaras de vereadores. Em média, para os municípios brasileiros o número efetivo de partido para o ano de 2004 foi de 4,48, enquanto a taxa de fracionalização de 0,750 para o mesmo ano. Percebe-se que esses números sofreram leves acréscimos na eleição seguinte. No mesmo quadro é possível verificar os mesmos cálculos para regiões do país e unidades federativas, possibilitando destacar diferenças entre as mesmas. O NEP e a taxa de fracionalização da Região Norte, para o ano de 2008, foram 5,29 e 0,794 respetivamente, enquanto a região Sul apresentou no primeiro indicador 4,04 e 0,725. A diferença de uma região para outra, gira em torno de 30,94% no NEP e de 9,25% na taxa de fracionalização. Isto sugere que nas eleições municipais de 2008 as câmaras municipais da região Sul do país registaram menores níveis de fragmentação partidária.
Além das regiões e unidades federativas, buscou-se verificar como os indicadores de fragmentação variam entre os distintos portes dos municípios. Descobriu-se que a fragmentação partidária, em média, se manifesta de forma mais intensa nos municípios de maior porte, o que não significa dizer que as maiores cidades individualmente possuam as maiores taxas. São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, em 2004 obtiveram, respetivamente, 6,71 e 8,01 em Número Efetivo de Partidos, enquanto Jaboatão dos Guararapes e Manaus atingiram as maiores taxas com 13,36 e 12,79.
Com o objetivo de verificar se de facto a presença de coligação partidária contribui para aumentar a fragmentação nas câmaras municipais brasileiras, buscou-se identificar municípios com e sem a presença dessas alianças eleitorais. Inicialmente, como esperado, constatou-se que na grande maioria dos municípios, as candidaturas em eleições proporcionais de 2004 e 2008 foram efetuadas por meio das coligações. Assim, pôde-se constatar e identificar as candidaturas usando as seguintes categorias de classificação: municípios com candidaturas sem nenhum tipo de coligação; municípios com candidaturas coligadas e isoladas; e por último, aqueles municípios em que todos os candidatos, sem exceção, fazem parte de alguma aliança partidária eleitoral (Quadro 7).
O exercício de identificação acima permitiu isolar dois grupos de municípios: o primeiro onde não existiram candidaturas coligadas e o segundo onde todo o universo de candidaturas foi lançado por meio de coligações. Isto permitiu um exercício comparativo, em que se buscou verificar se havia diferenças nos indicadores de fragmentação entre os dois grupos de municípios.
Os resultados indicam diferenças importantes entre os dois grupos de municípios, pois o NEP e a taxa de fracionalização são maiores naqueles municípios onde todas as candidaturas foram efetuadas por meio de coligações.4 Tomando-se como parâmetro a eleição de 2004, o NEP nos municípios os quais existem coligações supera o outro grupo em 25%. Desagregando apenas o grupo de municípios de até cinco mil habitantes essa diferença aumenta para 36% (Quadro 8). Isto sugere, portanto, que de fato as coligações partidárias contribuem para elevar o nível de fragmentação, principalmente, nos pequenos municípios. A associação entre existência de coligações, NEP e fracionalização apresentou significância estatística ao nível de 1% nos testes de correlação (Mann-Whitney) para as duas eleições.5
Ao testar a relação de causalidade entre coligação partidária e fragmentação, representada neste trabalho pelo NEP e pela taxa de fracionalização, optou-se pelo uso do modelo de regressão linear múltipla. Tanto NEP como a taxa de fracionalização são utilizadas como variáveis dependentes contínuas. Somando-se a elas duas variáveis de controlo, o log da população para o ano de 2000 e a renda per capita referente aos anos das eleições. O modelo apresentou-se estatisticamente significativo para explicar a variação dos indicadores de fragmentação em ambas as eleições (Quadro 9).
COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA E AMPLIAÇÃO DO SUCESSO ELEITORAL
Uma das distorções possíveis do desenho institucional do sistema eleitoral brasileiro, diz respeito à possibilidade de candidatos com baixa densidade eleitoral serem eleitos a partir oa somatória dos votos dos seus correligionários. No entanto, a tarefa de classificar um candidato quanto à sua densidade eleitoral não é trivial. Isto porque é possível que candidatos com baixíssima densidade eleitoral sejam vitoriosos e outros com elevada quantidade de votos não sejam eleitos. De pronto não se pode dizer que por ter sido eleito, alguém necessariamente possui boa densidade eleitoral. Necessita-se, portanto, de recursos metodológicos que estabeleça parâmetros rigorosos.
Neste trabalho optou-se pela construção de um índice que permitisse classificar o candidato quanto à sua densidade eleitoral. Inicialmente, foi calculado o quociente eleitoral de todas as eleições municipais do país. A quantidade de votos atingidos por cada candidato foi divida pelo quociente eleitoral de seu município. Com isto foi atribuído uma distância dos candidatos em relação ao quociente eleitoral, o que permitiu distribui-los num contínuo. Quanto mais próximo de zero for à votação do candidato menor a sua densidade eleitoral quanto mais distante maior. Nas eleições de 2004 essa variação ocorreu de 0% a 284% com média de 13,75% e em 2008 de 0% a 226%, e, média de 14,17%, conforme pode ser visto no quadro abaixo.
Ao evidenciar a distância das votações dos candidatos, em relação ao quociente eleitoral, categoriza-se por faixas percentuais. Para tanto, as candidaturas estão classificadas de acordo com o percentual de votos em relação ao quociente eleitoral. Verifica-se que 2,23% de todos os candidatos não obtiveram votos. A maioria dos candidatos não obteve votação superior a 10% do quociente eleitoral. Na outra ponta estão os candidatos com alta densidade eleitoral, os quais somaram em 2004 um total de 374, e em 2008 atingiram 433. Isto significa que uma diminuta fração dos candidatos consegue eleger-se por méritos próprios, e a grande maioria depende do quociente partidário. Esta constatação traz à discussão questões em torno da importância dos partidos na democracia brasileira. Embora o sistema eleitoral de lista aberta, possibilite o eleitor votar no candidato, o sucesso eleitoral depende de fatores institucionais que regulam a performance dos partidos no processo de escolha. Assim sendo, a compreensão do senso comum sobre o insignificante papel do partido, não tem evidência empírica. Se grande parte dos eleitos depende do quociente partidário, as estratégias dos candidatos são potencializadas com as coligações.
No quadro seguinte é possível verificar a filiação partidária dos candidatos com alta densidade eleitoral, que em geral se concentram nos grandes partidos. Em 2004, por exemplo, 73,50% concentravam-se em apenas cinco partidos. No entanto, há pequenos partidos que também apresentam candidatos com alta densidade de votos. Outro dado importante que deve ser observado é essa tendência de crescimento dos candidatos dos pequenos partidos com alta densidade de votos em eleições subsequentes. Destaque-se que a maioria dos candidatos com alta densidade eleitoral participa de coligações, sobretudo, entre os pequenos partidos políticos, embora em menor intensidade.6
Uma das justificações utilizadas pelos defensores da manutenção das coligações partidárias em eleições proporcionais no Brasil diz respeito às desvantagens dos pequenos partidos de se fazerem representar nos parlamentos. Os dados para as eleições de 2008 sugerem que de fato isto pode ocorrer. Aproximadamente 30% dos eleitos do PC do B, por exemplo, não atingiram 30% do quociente eleitoral. Quando se analisa os partidos de médio porte, percebe-se que os eleitos nessa faixa são em menor número, havendo, a exemplo do PDT (23,15%). Já no PMDB, apenas 16,33% figuram nessa faixa. No quadro abaixo é possível analisar o desempenho dos partidos faixa a faixa.
Na média, os pequenos partidos apresentam, proporcionalmente, número superior aos médios e grandes partidos nas faixas mais baixas de votos. Na figura 1 é possível acompanhar esse padrão. A linha dos partidos menores é superior às demais até à quarta faixa, havendo inversão nos demais, permanecendo assim até o final.
No quadro 14 estão dispostos os resultados das eleições de 2004 e 2008 por situação. Um primeiro dado é que aproximadamente 70% dos eleitos possuem menos da metade dos votos que compõe o quociente eleitoral. Apenas 7% dos eleitos atingem número superior 70% do mesmo quociente.
Os dados do quadro anterior foram desagregados por tipo de candidaturas: isoladas ou coligadas. Destacam-se apenas as candidaturas vitoriosas, permitindo com isso quantificar diferenças entre os dois grupos. Como esperado, percebe-se que as candidaturas coligadas dominam proporcionalmente o número de cadeiras, não apresentando diferenças importantes, inclusive, entre as faixas. É possível, a partir do padrão apresentado, afirmar que independentemente da densidade eleitoral dos candidatos, as suas hipóteses são maiores quando coligados.
Em grande medida, os dados do quadro anterior são influenciados pelo volume de candidatos que optam por disputar o pleito eleitoral através de coligações. Nesse caso, espera-se que candidaturas nessas condições, não só sejam maiores em quantidade, mas também logrem êxitos eleitorais.
Para minimizar a influência desse quadro desproporcional entre candidaturas coligadas e isoladas, tomam-se municípios onde o número de candidatos isolados e coligados é aproximado. Para tanto, verifica-se a existência de um padrão, ou seja, é possível averiguar de que modo as coligações exercem impacto no sucesso eleitoral dos candidatos, especialmente, entre aqueles com baixa densidade eleitoral.
Os dados do quadro 16 permitem visualizar o peso das coligações para obtenção de sucesso eleitoral dos candidatos aos cargos do poder legislativo nos municípios brasileiros. Ao tomar municípios com equivalência numérica entre candidaturas isoladas e coligadas, predomina o sucesso eleitoral dos candidatos coligados. Conclui-se então que as alianças partidárias são estratégias de excelentes efeitos, pois se pode considerar o padrão para todos os municípios do país.
Para avançar a análise acerca dos condicionantes que explicam o sucesso eleitoral das candidaturas, construiu-se modelos de regressão logística binomial, considerando a razão da variável dependente que varia entre 0=não eleito e 1=eleito (Quadro 17). Como variáveis explicativas, entraram no modelo a dummy coligação que varia entre 0=não coligado e 1=coligado, o log da população e a renda per capita do município. Este é um teste estatístico que permite analisar muitas situações de dados que envolvem predições de impacto em valores que variáveis independentes produzem sobre uma variável dependente categórica dummy. Isso significa que um teste realizado, a partir de observações feitas, pode predizer o quanto uma determinada variável independente pode ter tido impacto sobre a variável dependente, observando uma relação entre os valores do exponencial Beta, Exp(B) e o Beta B, quando houver significância estatística em relação de causalidade entre uma variável independente e uma dependente. Pode-se dizer que uma regressão logística permite explicar o efeito que cada variável independente tem sobre a variável dependente dicotómica. Porém, o modelo permite uma maior acurácia preditiva quando levado em conta o conjunto de preditores, isto é, um número elevado de variáveis independentes sem significância estatística implica na redução explicativa do modelo.
Desse modo, apresentam-se três modelos para cada eleição, os quais estão estratificados pela faixa de votos recebidos e distruibuidos também por faixa em relação à distância do quociente eleitoral. Pode-se observar no geral que a variável coligação teve impacto significativo no sucesso eleitoral do candidato. Todavia, algumas observações devem ser feitas para explicar o impacto da coligação no sucesso eleitoral de candidatos com baixa votação. Nas eleições de 2004, o dado curioso a este respeito encontra-se no modelo 2, que apresenta candidatos com votação na faixa =>0% - <=10% do quociente eleitoral, a variável coligação apresenta o valor do EXP(B) 8,9, isto que dizer que um candidato coligado, nessa faixa de votação, teve quase nove vezes mais hipótese de ser eleito do que os demais. Isto explica o quanto a coligação teve impacto no sucesso eleitoral de candidatos com baixa votação. Já observando, as eleições de 2008 há redução desse impacto. O modelo 1 todos os candidatos apresenta a variável coligação com o valor do EXP(B) 1,5, neste caso, os candidatos coligados tiveram quase duas vezes mais hipótese de sucesso eleitoral do que os candidatos isolados. Quando se passa a observar a faixa de votação do candidato em relação ao quociente eleitoral, o modelo 3 indica que os candidatos coligados na faixa de votos =>10% - <=20% apresentaram EXP(B) 1,3 de chance de sucesso eleitoral. Os resultados das regressões revelam um achado importante para entender o impacto das coligações nas eleições municipais, que é a redução dos custos e a maximização de benefícios para candidatos coligados, uma vez que é significativo o impacto da coligação nos eleitos com baixa votação. Neste sentido, a pesquisa apresenta algumas questões que podem servir como especulações para novos tratamentos e análise de dados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação teórica referente à fragmentação partidária e às eleições de candidatos com baixa densidade eleitoral nas legislativas brasileiras, resultado, sobretudo, do desenho institucional do sistema eleitoral, de facto encontra respaldo empírico neste trabalho, especificamente, no tocante às câmaras municipais.
Verificou-se que a opção pelas coligações partidárias no Brasil é a regra e não a exceção, pois na grande maioria dos municípios tal prática é recorrente, e o número de candidaturas por meio de alianças supera os 80% (2008). Esta opção manifesta-se em todos os partidos, independente do espectro ideológico ou tamanho. Tal indica que as hipóteses de sucesso eleitoral de candidaturas coligadas são consideráveis, quando se comparam com aquelas que se lançam isoladamente. Em 2008, por exemplo, observando o cenário de recrutamento das legislativas municipais, o número de cadeiras conseguidas por candidaturas coligadas superou 88%.
Ao definir as faixas de votações dos candidatos e separando-os por grupos, percebe-se que o grupo de coligados supera com grande margem o de não coligados. Ressalta-se ainda que na base estão candidaturas que possuem baixa densidade eleitoral, e são alavancadas pelas suas coligações. Destarte, pode-se considerar problemática a forma de recrutamento do Legislativo Municipal, pois há um número considerável de vereadores no Brasil, que dificilmente seria eleito sem a ajuda do quociente partidário. O quociente partidário é um dispositivo utilizado para definir se um partido tem ou não direito de constituir cadeiras no legislativo.
Assim, a permissão para formação de coligações incrementa mais ainda as hipóteses de obtenção de vitória. Também cabem nesse grupo de beneficiados aqueles advindos de pequenas agremiações partidárias. Nestes casos, os partidos importam e as coligações ainda mais. Outro aspeto curioso da realidade das coligações em candidaturas proporcionais são os efeitos da competição eleitoral devido ao grande número de partidos do sistema político brasileiro. Nota-se que as coligações são estratégias de todos os partidos para reduzir custo de transação no processo de competição que é bastante alto devido à grande quantidade de partidos e de candidatos. Até mesmo os grandes partidos procuram composição e alianças para enfrentar as incertezas da arena eleitoral.
Além dos desdobramentos eleitorais, o estudo permitiu mostrar que as coligações contribuem para a fragmentação partidária, medida nesse trabalho pelo Número Efetivo de Partidos e pela taxa de fracionalização. Quer dizer, se por um lado, as coligações diminuem os custos de transação ao aumentar as hipóteses eleitorais dos candidatos a vereador nos municípios brasileiros, por outro lado podem aumentar os custos da governabilidade devido à probabilidade de ampliação da fracionalização na arena legislativa.
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Recebido a 17-10-2014. Aceite para publicação a 07-03-2016.
NOTAS
1 O quociente partidário, em conjunto com o quociente eleitoral e o sistema de lista aberta são os métodos utilizados no Brasil para alocação de cadeiras em eleições proporcionais. O quociente eleitoral é o produto da divisão do número de votos válidos numa eleição pelo número de vagas parlamentares de um distrito eleitoral. Tal cálculo permite definir o número mínimo de votos que um partido ou coligação deve obter para ter direito a uma vaga legislativa. Já o quociente partidário é calculado a partir da divisão do número de votos válidos obtidos por um partido ou coligação pelo quociente eleitoral estabelecido previamente. Na prática, este quociente define o número de cadeiras que cada partido ou coligação terá direito no parlamento. No caso brasileiro, que se pauta no sistema de lista aberta, ocupam as vagas de um partido ou coligação os seus candidatos mais votados.
2O critério de classificação dos partidos quanto ao espectro ideológicos estão contido em Krause et al., (2010, pp. 380-382).
3 NEP é uma variável que indica grau de dispersão partidária no Legislativo, segundo a fórmula: N=1/∑pe², onde pe = percentual de cadeiras ocupadas por cada partido. A taxa de fracionalização é calculada por N=1-∑pe² (Laakso e Teegapera, 1979).
4 Para o ano de 2004, 93% desses municípios localizavam-se na faixa populacional de até 20 mil habitantes, enquanto em 2008 esse número é de 100%. No tocante ao tamanho numérico das câmaras de vereadores, a maior parte dos municípios no qual não houve candidaturas coligadas possuía apenas nove cadeiras. Houve apenas uma exceção na eleição de 2004.
5 A variável coligação partidária foi construída atribuindo-se zero para inexistência de coligação nos municípios e um para existência. O teste de correlação de Mann-Whitney é indicado para correlacionar variáveis binárias com contínuas, daí a utilização.
6Nesse trabalho o tamanho dos partidos foi classificado pela proporção de votos em relação ao total global obtidos por todos os partidos na eleição de 2008. Os partidos que obtiveram mais de 7% dos votos foram considerados grandes; de 4% a 6,99% médios; menor que 3,99% pequenos.