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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.220 Lisboa set. 2016

 

RECENSÃO

ROSAS, F., MACHAQUEIRO, M., e OLIVEIRA P.A. (orgs.)

O Adeus ao Império. 40 Anos de Descolonização Portuguesa,

Lisboa, Nova Vega, 2015, 257 pp.

ISBN 9789897500404

 

Miguel Cardina*

*Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, CES, Colégio de S. Jerónimo , Largo D. Dinis, Apartado 3087 - 3000-995 Coimbra, Portugal. E-mail: miguelcardina@ces.uc.pt

 

Não é de agora o interesse historiográfico sobre a derrocada do império colonial português e sobre os processos de descolonização política que se lhe seguiram. É evidente, porém, que o assunto tem vindo a recolher uma atenção crescente nos últimos anos, fruto de uma série de trabalhos académicos que têm contribuído para completar o conhecimento existente e para abrir novas pistas de investigação. Mas muito ainda existirá por fazer a esse nível: em primeiro lugar, porque estamos a falar de um curto mas denso período de transformações, de realinhamentos e de influências, ocorridas simultaneamente nas antigas metrópole e colónias, e que se decompõe num muito diversificado conjunto de temas e problemas; em segundo lugar, porque as rupturas então desencadeadas originaram “ondas de choque” que foram reverberando ao longo das últimas quatro décadas, e que se ­constituem como legados desse passado a carecer igualmente de observação crítica.

É por isso de assinalar a publicação de O Adeus ao Império. 40 Anos de Descolonização Portuguesa. Organizada por Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, a obra oferece-nos uma abordagem panorâmica sobre diferentes aspetos associados ao processo de descolonização política: a emergência em Portugal de um discurso e de uma prática anticolonial, antes de 25 de Abril de 1974, e os posicionamentos das diferentes forças políticas relativamente ao tempo e aos modos de descolonizar entre 1974 e 1975; a influência do quadro internacional; a construção e o percurso dos movimentos de libertação e o papel da guerra, não apenas como fator de derrocada do regime, mas também de legitimação das elites nacionalistas africanas que conduziriam os processos de independência nas antigas colónias. Evocados são também alguns impactos na antiga metrópole de uma ferida (pós-) imperial que, podendo resultar da perturbante presença do colonialismo como “nosso impensado” (Lourenço, 2014), origina por isso mesmo leituras do passado que oscilam entre o mal-estar da perda e a reatualização dos discursos da singularidade e relativa benignidade do colonialismo português.

O livro abre com uma introdução, a cargo dos organizadores, onde se regista a modelação que o tema foi recebendo em Portugal nas últimas décadas. Segue-se o texto de Fernando Rosas, que percorre o sinuoso e tardio advento do anticolonialismo nas oposições ao Estado Novo, efetuando uma genealogia que mapeia a defesa das colónias no republicanismo – de forma diferente da produzida pelo ideário estado-novista, mas no essencial impermeável, até muito tarde, a posturas anticoloniais – o reflexo disso na corrente socialista, a secundarização do tema num PCP muito marcado pelo frentismo e a afirmação tardia da centralidade do direito à autodeterminação dos povos coloniais, já no contexto da deterioração do regime, e na qual teve papel preponderante uma nova extrema-esquerda, emergente sobretudo a partir de 1970, e que transformou a guerra colonial no seu alvo principal.

Bruno Cardoso Reis regressará, um pouco mais à frente, ao tema do anticolonialismo, num texto sobre as visões portuguesas da descolonização. Analisando o posicionamento dos partidos políticos sobre a questão, explicita como, no período revolucionário, as forças políticas se distinguiram mais entre “modos de fazer” e não tanto diante da opção entre descolonizar ou não descolonizar. Ao mesmo tempo, anota as razões que levaram a que se procedesse a uma “descolonização rápida” – a necessidade de obtenção de apoio internacional para o novo regime, de realizar eleições e estabilizar um quadro partidário na então metrópole, de terminar a guerra e fazer rapidamente a transferência de poderes – que, de certa maneira, configuram uma “descolonização exemplar”, não menos caótica ou violenta do que outras, e em linha com a vontade dos partidos políticos e dos atores internacionais relevantes. Sobre estes aspeto – o do “puzzle internacional” – se debruça o capítulo de Pedro Aires Oliveira. Aqui se reenquadram os acontecimentos no friso mais largo das relações e das instituições internacionais, notando como “embora a derrocada do império português se tenha ficado mais a dever a factores de ordem endógena (a fadiga do exército perante um impasse estratégico sem fim à vista) do que a elementos de pressão exógenos (ultimatos de grandes potências ou o desgaste provocado por sanções ou boicotes), parece indiscutível que várias dinâmicas internacionais, ou até mesmo transnacionais, contribuíram para que actores influentes na política e sociedade portuguesa tomassem consciência dos riscos inerentes a uma resistência cega à descolonização” (p. 75).

Os capítulos de Malyn Newitt e de ­Norrie Mac Queen colocam o enfoque nos movimentos que levaram a cabo as lutas de libertação em África. Newitt constata, primeiramente, as diferenças de contexto entre os processos de surgimentos dos movimentos independentistas nas antigas colónias portuguesas e os surgidos no âmbitos dos colonialismos belga, francês e inglês. Nota depois a pluralidade e as rivalidades entre os distintos movimentos anticoloniais apostados em combater a presença portuguesa, mas também algumas articulações produzidas – de que a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) é a mais conhecida. Norrie Mac Queen, por sua vez, demonstra o caráter plural das lutas desenvolvidas contra o colonialismo português e produz um balanço sobre a situação militar em África em 1974, mostrando os impasses fundos em que estava mergulhada uma potência colonial que “tinha já abandonado a marcha da História” (p. 58). Desta forma, acaba no fundo por responder à velha questão – muito cara a alguma produção de timbre revisionista, admiradora da “notável proeza das armas” resultante do “modo português de fazer a guerra” (Cann, 1997) – sobre o facto de a guerra estar ou não estar perdida no momento em que se produz o golpe militar que derruba o Estado Novo.

Os textos seguintes percorrem a forma como a descolonização política e as independências se processaram nos diferentes territórios coloniais. António E. Duarte Silva examina o caso guineense, num contexto em que pesava a preponderância do PAIGC e a proclamação prévia, em setembro de 1973, da República da Guiné. Ângela Benoliel Coutinho tece as origens do partido, os conflitos entre “caboverdeanos” e “guineenses” e os acontecimentos que marcaram os anos de 1974 e 1975 no arquipélago de Cabo Verde. Amélia Souto analisa a “herança e memória” da independência moçambicana: da luta armada à transição e à aposta de erradicação dos vestígios da herança colonial, na sequência da independência, a 25 de junho de 1975. Fernando Tavares Pimenta escreve sobre Angola, detalhando os meses que precederam a assinatura do acordo de independência, em janeiro de 1975. Augusto Nascimento aborda o processo em São Tomé e Príncipe – que não teve luta armada no seu território mas onde o MLSTP se constituiu como fiel depositário da herança marxista e pan-africanista - e Fernando Augusto de Figueiredo analisa o “inacabado processo de descolonização de Timor” que, como é sabido, iria redundar numa ocupação indonésia de mais de duas décadas.

Os dois últimos capítulos regressam ao caso português. Ancorada na sua tese de doutoramento, Marta Rosales fala-nos de “retornos e recomeços”, ou seja, das experiências de desenraízamento e ressignificação dos chamados “retornados”, fazendo um retrato geral do fenómeno de repatriamento e analisando depois o caso de dez famílias provenientes de Moçambique, de origens goesas e portuguesas. A finalizar, Mário Machaqueiro interroga as memórias difíceis da descolonização. Dialogando com alguma da produção que tem surgido nas últimas décadas – da ensaística de Eduardo Lourenço ao gesto testemunhal e literário de Isabela Figueiredo e Dulce Maria Cardoso – o autor produz um texto estimulante em que reflete sobre o trauma da perda colonial e sobre a sua complicada inscrição no Portugal contemporâneo.

Definindo o objetivo de “oferecer ao público um conjunto de ensaios que permitisse situar o problema da descolonização de forma menos emotiva e desejavelmente dando conta dos avanços que a investigação histórica tem produzido” (p. 11), o livro compila estudos que, de certo modo, desenham um balanço historiográfico sobre as rupturas políticas originadas com o fim do Império ultramarino português. E isso não só é muito útil para quem pretende saber mais sobre o assunto, como se constitui num estado da arte que antecipa o que ainda se torna necessário explorar sobre os processos de descolonização e os seus múltiplos impactos.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

 

CANN, J.P. (1997), Counterinsurgency in Africa. The Portuguese Way of War, 1961-1974. Westport CT e Londres, Greenwood Press.         [ Links ]

LOURENÇO, E. (2014), Do Colonialismo como Nosso Impensado, Organização e Prefácio de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, Lisboa, Gradiva.         [ Links ]

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