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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.222 Lisboa mar. 2017

 

RECENSÃO

MIRANDA, Joana e HORTA, Ana Paula Beja (orgs.)

Migrações e Género. Espaços, Poderes e Identidades,

Lisboa, Editora Mundos Sociais, 2014, 136 pp.

ISBN 9789898536426

 

Marta Vilar Rosales*

* Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 — 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail:marta.rosales@ics.ulisboa.pt

 

Migrações e Género é uma obra composta por oito capítulos, uma introdução e uma nota de abertura. Os textos correspondem, na sua maioria, a versões revistas de apresentações feitas no quadro de um seminário internacional realizado em Lisboa, em 2010, na Universidade Aberta, onde se exploraram as dimensões de género das migrações contemporâneas em geral e, mais especificamente, das experiências imigratórias recentes em Portugal.

Os textos encontram-se organizados em três grandes blocos: Espaços, Poderes e Identidades. Estes, para além de arrumarem tematicamente os contributos dos diferentes autores, procuram sintetizar discussões plurais da temática central do livro a partir de focos mais específicos. A sua apresentação é feita pelas organizadoras na introdução, sob a forma de três núcleos de questões: 1. De que espaços partem e a que espaços chegam as mulheres migrantes? Qual a natureza e a dinâmica das suas pertenças na origem e no destino e de que forma o espaço condiciona a experiência migratória? 2. Que novos estatutos e poderes emergem e que novos espaços de intervenção se abrem à mulher migrante? 3. Quais os impactos da migração nas identidades das mulheres migrantes?

Os autores que contribuem para a obra são maioritariamente portugueses e filiados em unidades de investigação nacionais. Com exceção da introdução e dos textos assinados por Maria Manuela Aguiar e Maria Paula Meneses, os trabalhos apresentados resultam de investigações empíricas realizadas em Portugal (sobretudo em Lisboa) e na Europa.

Na primeira parte do livro dedicada à temática do espaço, Lisboa, observada na qualidade de espaço urbano cosmopolita e pós-colonial, merece particular destaque nas análises realizadas. É de realçar os contributos particularmente interessantes para a discussão das representações da cidade enquanto espaço de acolhimento migratório, a partir de olhares que privilegiam as estratégias de apropriação e as experiências de vida desenvolvidas por mulheres migrantes (Joana Miranda), a importância da ­interseção espaço/tempo no relacionamento com o espaços de origem e de destino e as avaliações que deles são feitas por quem migra (Suelda Albuquerque e Jorge Malheiros).

Os capítulos que compõem a segunda parte tratam, de modo abrangente, questões ligadas ao poder no quadro das migrações contemporâneas. Ao invés dos trabalhos da primeira parte, os dois textos não apresentam uma unidade evidente, abordando aspetos muito diversos: migração e empoderamento feminino (Lígia Évora Ferreira) e políticas de diferenciação de género no domínio da emigração portuguesa (Maria Manuela Aguiar). Este último, discute a falta de atenção dada, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista político, às questões de género ao longo dos tempos no quadro da longa e complexa emigração portuguesa, e dá conta das recentes medidas implementadas para contrariar a emigração enquanto aventura masculina e a consequente invisibilidade da mulher portuguesa no contexto das comunidades migrantes. Por se tratar de um exercício de contextualização original para a investigação da emigração portuguesa, considero este capítulo um contributo particularmente interessante e útil para esta área de estudo.

A terceira parte da obra é composta por três capítulos, igualmente diversos, que abordam a temática da identidade. No primeiro texto, Maria Paula Menezes apresenta uma reflexão sobre as migrações coloniais portuguesas partindo da sua própria experiência de vida enquanto migrante e investigadora. No segundo texto, Sofia Neves e Raquel Silva apresentam os resultados de uma investigação empírica realizada em contexto prisional com mulheres migrantes em Portugal. O último texto do bloco reflete sobre uma temática diretamente decorrente das migrações de populações islâmicas para a Europa Ocidental – o uso do véu islâmico (Juan Ignacio Castien ­Maestro). Questão mediática e alvo de acesos debates no espaço público, a temática é problematizada pelo autor que a discute à luz das representações de pudor, respeito e vergonha vividas no feminino.

Em síntese, Migrações e Género é um contributo positivo para desvendar e dar a conhecer aspetos fundamentais das migrações contemporâneas em Portugal. Do ponto de vista empírico, aprofunda a discussão de elementos específicos das experiências de quem migra no que respeita à sua relação com o espaço, com o poder e com a identidade, intersetando a sua discussão com uma variável central no estudo do social e do cultural: o género. A importância da abordagem seguida é bem explorada e enquadrada teoricamente na introdução pelas organizadoras da obra. Como referem Joana Miranda e Ana Paula Beja Horta, “as relações de género sempre se cruzaram e cruzam-se com os projetos migratórios” (2014, p. 3) devendo ser equacionadas do ponto de vista analítico e tidas em conta aquando dos retratos que se produzem sobre o movimento na contemporaneidade. Respondendo a esta premissa, a totalidade dos textos acrescenta saber sobre as migrações no feminino, explorando as especificidades das trajetórias, experiências, quotidianos e representações de uma multiplicidade de grupos de mulheres que escolhem Portugal como destino. Este enfoque não encontra, porém, correspondência quer em contributos que explorem as experiências migratórias masculinas, quer as relações entre géneros em contexto migratório. Estas, quando presentes nos diversos textos, são secundarizadas face à centralidade analítica atribuída ao género feminino. Não se tratando de uma falta, seria importante que esta opção estivesse claramente refletida no título da obra, pois Migrações e Género acolhe um leque muito mais amplo de questionamentos, práticas e dimensões do que as que aqui são abordadas.

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