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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.224 Lisboa set. 2017

 

ARTIGO

Performatividade e distinções escolares no contexto da escola pública: tendências internacionais e especificidades do contexto português

Performativity and school distinctions international tendencies and specificities of the Portuguese context

 

Maria Luísa Quaresma* e Leonor Lima Torres**

*Instituto de Estudios Sociales y Humanísticos, Facultad de Ciencias Sociales y Humanidades, Universidad Autónoma de Chile, Pedro de Valdívia, 425, Providencia, Santiago, RM, Chile. E-mail: quaresma.ml@gmail.com

**Instituto de Educação da Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. E-mail: leonort@ie.uminho.pt

 

RESUMO

Performatividade e distinções escolares no contexto da escola pública: tendências internacionais e especificidades do contexto português.Partindo de uma análise multidimensional da excelência académica, discute-se o papel dos rituais de distinção dos melhores alunos na escola pública. Com base numa metodologia multiescalar, procede-se ao levantamento de práticas de premiação adotadas em países mais próximos da ideologia neoliberal (EUA, Reino Unido, França e Chile) e também ao mapeamento dos mecanismos de distinção implementados nas escolas secundárias portuguesas. Os resultados apontam para a expansão global da ritualização das distinções, embora se evidenciem diferentes apropriações nacionais e locais, decorrentes das especificidades das escolas e do meio envolvente.

Palavras-Chave: excelência; distinção; premiação; escola pública.

 

ABSTRACT

On the basis of a multidimensional analysis, we discuss in this paper the role of the rituals of distinction of the best students attending public schools. A multiscale methodology allowed us to identify not only the school award practices implemented in some countries that embrace the neoliberal ideology (USA, United Kingdom, France and Chile), but also the distinction mechanisms promoted by Portuguese secondary schools. Results show a global expansion of the distinction’s rituals, despite the different national and local appropriations due to the school specificities and to the environment.

Keywords: excellence; distinction; award; public school.

 

INTRODUÇÃO

 

A influência da agenda neoliberal na reconfiguração do sistema educativo constitui, na contemporaneidade, um eixo de análise incontornável dos fenómenos educacionais. A expansão global desta ideologia focada no mercado, na competitividade e no empreendedorismo, designadamente nos países ocidentais e na América Latina, impulsionou diversos movimentos de apropriação (local e nacional) das políticas educativas, cuja análise não dispensa o devido enquadramento nas dinâmicas de âmbito internacional. O estudo do fenómeno da excelência escolar nas suas múltiplas vertentes (políticas, organizacionais, pedagógicas, sociais) exige a adoção de uma leitura simultaneamente heterofocada nas condicionantes mais globais e externas e intrafocada nas dimensões específicas do sistema escolar português. Partindo deste princípio geral, a abordagem em torno da excelência que temos vindo a desenvolver no âmbito de um projeto de investigação mais vasto 1 contemplou diferentes escalas e níveis de análise. Os mecanismos de distinção implementados nas organizações escolares para premiar os melhores alunos constituem uma das vertentes menos estudadas, apesar de a sua existência ter contribuído para reacender o debate em torno da missão da escola pública. O avanço progressivo do mandato (neo)meritocrático, reerguido a partir de novas formas de valorização do mérito, e as dificuldades de conciliação com a matriz democratizadora inerente à escola pública não deixaram indiferentes as direções das escolas, que em diferentes contextos e momentos manifestaram a sua resistência à introdução de processos de avaliação, competição e racionalização educativa.

Do ponto de vista da investigação sociológica, vários estudos portugueses têm vindo a colocar a tónica na difusão de políticas de prestação de contas e na primazia da educação contábil (Afonso, 2009, 2010, 2012; Lima, 1994, 1997), na difícil conciliação entre mais-melhor escola (Torres e Palhares, 2014) e na apologia crescente da excelência e performatividade académica (Antunes e Sá, 2010; Torres e Palhares, 2016). No panorama internacional, os autores franceses têm animado o debate com a publicação de alguns dos mais importantes trabalhos sobre os sentidos da missão da escola – cf. por exemplo, Laval (2004), Hirtt (2005), Van Zanten (2009), Duru-Bellat (2006, 2009), Baudelot e Establet (2009). De igual modo, nos EUA, a publicação da coletânea Equity and Excellence. Towards Maximal Learning, Opportunities for all Students (Branden, Avermaet e Houtte, 2011), reúne vários estudos que procuram aprofundar a atual situação dos sistemas educativos perante a dupla missão de promover a inclusão e a excelência. Mais recentemente, e já a uma escala global da educação comparada, renasce o interesse pelo estudo da educação das elites, evidenciado nos vários contributos publicados na obra editada por Maxwell e Aggleton (2016) e pelo trabalho de Blackmore (2016).

Uma das ideias-chave que perpassa nestes estudos aponta para a crescente pressão exercida sobre os sistemas escolares para a obtenção de resultados, mesmo que tal pareça invisível ao nível da definição das suas prioridades educativas. Ao sentirem-se empurradas para a valorização da eficácia, da excelência e da performatividade, as escolas tendem a deixar na penumbra a sua missão inclusiva e democrática. A adesão alargada das escolas a práticas de distinção dos melhores alunos constitui, como veremos, um indicador de que estamos perante uma “radicalização do mandato neomeritocrático” (Afonso, 2013) ou, nas palavras de Baudelot e Establet, de que entramos numa “cultura ansiosa do resultado” (2009, p. 9).

O presente texto elege como principal objeto de estudo as práticas de distinção académica adotadas nas instituições de ensino não superior, procurando identificar a sua amplitude e natureza educativa. Apesar de ser um fenómeno recente e pouco estudado, os rituais de distinção recobrem múltiplas manifestações carregadas de valor simbólico no processo de socialização das jovens gerações numa cultura cada vez mais performativa.

 

DESIGN METODOLÓGICO

Mobilizando o duplo enfoque acima mencionado, num primeiro momento, apresentaremos uma abordagem panorâmica e diacrónica de âmbito internacional com o objetivo de mapear algumas práticas implementadas em países cujas políticas educativas, pela sua permeabilidade em maior ou menor grau ao sistema de prestação de contas, elegeram como preocupação central as performances escolares de alunos e escolas, influenciando a estruturação de diferentes sistemas escolares, nomeadamente o português: os Estados Unidos da América, relevante pela sua centralidade no panorama internacional, pela preponderância do modelo de prestação de contas nas políticas educativas tanto de governos democráticos como republicanos (Figlio e Loeb, 2011) e pela forte tradição meritocrática; o Reino Unido, “laboratório social de experimentação e de reformas” (Ball, 2013, p. 1) orientadas pelos princípios neoliberais da mercadorização, do gerencialismo e da performatividade; a França, com uma tradição cultural e institucional mais próxima da portuguesa e que, por efeito de um poder centralizado forte, também aderiu de forma mais mitigada ao sistema de prestação de contas do que os países com elevado nível de descentralização, de que a Inglaterra é o paradigma (Broadfoot, 2000); e, finalmente, um país da América Latina que, pela intensidade das reformas educativas baseadas no mercado, é apontado como “um caso único e particular no contexto internacional” (Villalobos e Quaresma, 2015, p. 69): o Chile. Num segundo momento, focaremos a análise no contexto da realidade portuguesa, mostrando a amplitude, a extensão e as especificidades que estes cerimoniais apresentaram ao nível do território nacional no ano letivo 2013/2014, especificamente no contexto das escolas e agrupamentos com ensino secundário. Nesta secção retomaremos alguns resultados de pesquisa já apresentados em diversos eventos científicos (Torres e Quaresma, 2014; Torres, Palhares e Borges, 2014; Torres, 2015).

Os dados apresentados resultaram de uma pesquisa extensiva desenvolvida a partir de duas vias. A primeira, incidindo sobre o contexto internacional, baseou-se não só na revisão da literatura sociológica sobre o tema em cada contexto nacional, mas essencialmente na consulta de dados primários, tanto a nível macro – caso das fontes oficiais dos respetivos países ou de artigos da imprensa sobre o tema em questão – como a nível intermédio, como é o caso dos projetos educativos de algumas escolas que, nos países escolhidos, premeiam o mérito. Ainda que sem pretensões de exaustividade, procurámos mapear as principais políticas e práticas de distinção desses quatro países e contextualizar, assim, a realidade portuguesa no cenário internacional.

A segunda, relativa à abordagem da realidade portuguesa, apoiou-se na análise de conteúdo dos documentos estruturantes dos estabelecimentos ­escolares públicos com ensino secundário (projeto educativo, plano de intervenção do diretor, regulamento interno, plano de atividades e relatórios de avaliação externa) complementada com a observação das suas páginas de internet e com a análise das notícias publicadas pela comunicação social. De um total de 490 instituições com ensino secundário analisadas (395 agrupamentos de escolas e 95 escolas não agrupadas), resultou a consulta de mais de 600 documentos, com a finalidade de identificar o tipo de distinção predominante na escola pública portuguesa.

 

A PROMOÇÃO DA EXCELÊNCIA E A ADOÇÃO DE MECANISMOS DE DISTINÇÃO NO CONTEXTO INTERNACIONAL

OS PAÍSES ANGLO-SAXÓNICOS: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E REINO UNIDO

As práticas de distinção dos melhores alunos têm expressão significativa em países como os EUA ou o Reino Unido. A esse facto não será alheia a grande ênfase que é dada no mundo anglo-saxónico à excelência na educação (Gillies, 2007), num quadro marcado por um forte peso das lógicas de prestação de contas que é comum a estes dois países, unidos também pela implementação de reformas educativas tendentes a promover a melhoria dos resultados escolares (Cumming, 2012).

Com efeito, os países em análise inscrevem no centro das suas preocupações educativas os princípios da qualidade e da excelência. No Reino Unido, onde o primeiro-ministro declarou em 2011 querer “criar um sistema educativo baseado na verdadeira excelência” (Governo do Reino Unido, 2011), este último vocábulo é recorrente em documentos e programas como “Excellence and enjoyment: a strategy for primary schools”, “Centres of excellence for ITT (Initial Teacher Training)” ou “Excellence in Cities”. Nos EUA, o Departamento da Educação assume como missão “promover o rendimento dos estudantes e a preparação para a competitividade global através da excelência educativa” (Departamento de Educação dos Estados Unidos, 2015) e sucedem-se os programas para promover a excelência junto das populações mais vulneráveis à exclusão escolar, de que são exemplo a “White House initiative on educational excellence for AfroAmericans”, lançada por Obama, e a “White House Initiative on educational excellence for Hispanics” lançada ainda no governo de Bush para estimular a excelência académica do grupo minoritário mais numeroso do pais e que está entre os mais atingidos pelo insucesso escolar (Gándara e Contreras, 2009).

A publicação de relatórios profundamente demolidores sobre o estado da educação veio contribuir para que a excelência escolar se convertesse numa espécie de mantra (Gillies, 2007). É o caso, nos EUA, do relatório “A nation at risk”, responsável pelo que Berliner e Biddle (1999) consideram ser uma “crise manufaturada” da educação ao serviço de interesses políticos e económicos. No Reino Unido, a cruzada será lançada em 1968 pelos “Black Papers”, panfletos que estão na base de um novo discurso sobre o sector público abrindo-o ao neoliberalismo e ao neoconservadorismo (Ball, 2013).

Estava assim legitimada a adoção de políticas de prestação de contas que tornassem os sistemas educativos mais eficientes e mais transparentes. Nesta lógica se inscreve a introdução de “mecanismos de mercado”, ao longo dos anos 80 e 90 pelos sucessivos governos. Nos EUA, é com a lei federal “No child left behind act” que se dá o grande passo no sentido do sistema de prestação de contas. Aprovada em 2002, ela impõe a cada Estado a obrigatoriedade de definir um curriculum próprio, de implementar testes padronizados com carácter obrigatório para os alunos dos níveis 3 a 8 e da escola secundária e de estabelecer metas de progresso a atingir pelos distritos escolares e pelas respetivas escolas, sob pena de sanções que podem ir da perda de fundos federais até ao encerramento dos estabelecimentos. Mais recentemente, o governo de Obama, através do programa Race to the Top, não só intensifica o uso dos testes estandardizados, como estimula os incentivos monetários por mérito aos professores.

O sistema de incentivos e recompensas tem vindo a ser implementado em vários distritos dos Estados Unidos da América, onde as escolas passaram a estimular e premiar o bom desempenho. Recompensas de natureza variada – dinheiro, mp3 e até, para os alunos mais pequenos, “Happy Meals” patrocinados por uma cadeia de fast food (The New York Times, 2007) – são atribuídas aos alunos que se distinguem pelos bons resultados académicos, bom comportamento ou assiduidade (Raymond, 2008). Mas é nas “Charter Schools” que o sistema de incentivos/recompensas tem mais tradição, como nos diz Raymond (2008), cujo estudo nos permite compreender o modo como ele é aplicado nestes estabelecimentos de ensino. Partindo de um inquérito a 250 escolas de 17 estados norte-americanos, concluiu que 57% das 186 que responderam adotam este tipo de programa. Cerca de 40% usam um sistema de pontos convertíveis em prémios e cerca de 25% recorrem a incentivos negativos, retirando pontos ao total acumulado. A quase totalidade destas escolas (93%) premeia o desempenho académico (cumprimento das tarefas escolares, classificações, assiduidade…) e a conduta dos alunos (comportamento na aula, relação com os adultos, cidadania, relação com os colegas, esforço…), que estão sob avaliação constante em perto de metade das escolas (44,15%). É residual o número de escolas que valorizam só a dimensão académica (4 escolas) ou só a dimensão comportamental (3 escolas). Entre os prémios mais frequentes estão o ingresso em atividades, dados por 82,1% das escolas inquiridas, a atribuição de certificados de mérito (63,2%) e a oferta de artigos da papelaria da escola, como canetas e agendas (53,8%). Mais raras são as recompensas monetárias (8,5%), por razões de constrangimentos financeiros das escolas, segundo Raymond (2008).

Também o sistema educativo inglês se deixou permeabilizar pela lógica da excelência e da meritocracia. Um dos instrumentos de encorajamento e de reconhecimento do mérito escolar previsto no Reino Unido reside no “Future Scholar Awards”, também conhecido por “Dux Award Scheme”. Este prémio, que em 2013 contou com a participação de quase 800 escolas, tem como alvo os alunos que frequentam o equivalente ao 9.º ano e que se destacam pelos resultados académicos, pela capacidade de progressão, pela resistência às adversidades e pelas potencialidades para ingressar no ensino superior. A seleção do “Dux” (líder, em latim) de cada escola é feita pelos respetivos professores e o prémio consiste numa visita às instalações das mais prestigiadas universidades inglesas que, em sinergia com o Ministério da Educação, promovem uma espécie de Dia Aberto destinado a elevar as expectativas destes alunos e a encorajá-los a investir numa trajetória de sucesso nas melhores universidades do país.

A política de motivação e de recompensa parece fazer parte do ethos das escolas inglesas, que logo a partir do infantário premeiam o bom desempenho em dimensões tão variadas quanto o comportamento, o aproveitamento, a assiduidade, o esforço desenvolvido, o envolvimento nas atividades extracurriculares, ou a participação cidadã. Os alunos que se evidenciam são distinguidos, no dia-a-dia escolar, de várias formas. Algumas escolas atribuem merit stickers – uma espécie de autocolantes que as escolas podem escolher mediante consulta de catálogos disponibilizados por empresas especializadas, como é o caso da “School Merit Stickers” –, outras optam por atribuir “estrelas” (de ouro, de prata…) que, a partir de determinado número, conferem certificados de mérito (“Behaviour Discipline and Rewards Policy”) e outras ainda adotam o sistema de atribuição de pontos, que acumulados dão direito a “Bronze Postcards”, “Silver Postcards” ou “Platinum Postcards”. Há ainda a modalidade das “cartas de louvor” e da entrega de prémios em cerimónias festivas, como os anuais “Celebration Evenings” (Deputy Headteacher, 2014). O sistema de reconhecimento do mérito parece ter, aliás, grande adesão nas escolas britânicas, a avaliar pelo fenómeno de mercadorização a que dá azo e que tem expressão no aparecimento de empresas privadas – algumas com sugestivos nomes, como a Carrot Rewards – que gravitam em torno do lançamento e da venda aos estabelecimentos de ensino de sistemas online de prémios e de incentivo escolares: sistemas “mais século XXI”, segundo uma das escolas aderentes e bem mais estimulantes para os alunos, pela interatividade que permitem, do que as tradicionais modalidades. A Vivo Miles, por exemplo, lançou um produto que, apesar de envolvido em forte controvérsia, foi adotado por várias centenas de escolas secundárias (Paton, 2013). O sistema permite aos alunos fazer a gestão da sua “carreira meritocrática” mediante a consulta do seu perfil em linha – onde os professores vão lançando “pontos” (Vivos) para premiar os comportamentos – e mediante a utilização de um cartão eletrónico personalizado que lhes permite aceder à sua conta. Podem, assim, gerir a contabilidade dos pontos ganhos, que podem trocar por produtos (Ipads, bilhetes de cinema, produtos de beleza…) disponibilizados em catálogo pela empresa ou escolhidos pelas respetivas escolas (IPads, equipamentos desportivos), ou acumular para gastar posteriormente, ou doar a escolas de países em vias de desenvolvimento…

 

FRANÇA E O MODELO “SUAVE” DE ACCOUNTABILITY

 

A França também não ficou imune à pressão social sobre o desempenho académico e sobre a eficácia do sistema educativo para produzir resultados. Tal como nos EUA e no Reino Unido, ganha força a retórica da crise do sistema público de educação, que alguns estudos admitem ser fruto de uma “construção mediática e/ou política” (Hedjerassi e Stumpf, 2006, p. 98). A metáfora da “maré negra da ignorância” (De Romilly, 1984, p. 71) encontra adesão junto de muitos nostálgicos da “velha escola”, levando a que Baudelot e Establet (1989) viessem a público refutar a validade científica dos discursos sobre o abaixamento de nível das aprendizagens dos alunos franceses, apresentando resultados factuais de que “o nível sobe”. A preocupação com a qualidade das aprendizagens inscreve-se, também em França, num quadro de adesão do campo escolar ao sistema de prestação de contas, ainda que neste país ela assuma uma forma bem mais “suave” (Maroy e Voisin, 2013, p. 885) do que nos países anglo-saxónicos, excluindo as sanções e recompensas que caracterizam a sua modalidade “dura” (Maroy e Voisin, 2013, p. 885) e usando apenas os resultados das avaliações para produzir o chamado “efeito-espelho” (­Thélot, 2002), isto é, o confronto dos atores do sistema educativo com uma imagem das suas práticas de modo a poder melhorá-las caso os resultados fiquem aquém do desejado.

Tradicionalmente associada às elites e aos seletivos estabelecimentos de ensino por elas frequentadas (Mension-Rigau, 2007) – de que são exemplo as Grandes Écoles – a excelência vai afirmar-se paulatinamente, a partir dos finais da década de 90, “(…) como um componente central da reorientação da política de educação prioritária (…)” (Rochex, 2011, p. 878) destinada à população escolar mais vulnerável e cujas diretrizes vão no sentido de os estabelecimentos situados em zonas de educação prioritária (ZEP) desenvolverem “atividades educativas de excelência” (Rochex, 2011, p. 878) e criarem sinergias com prestigiadas instituições de âmbito cultural e científico de modo a estimular os bons alunos dos bairros populares. A abertura, ainda que muito tímida, das portas da prestigiada Universidade de Sciences Po aos melhores alunos das escolas ZEP marca, em 2001, um outro passo nesta política de ampliação do “acesso da jovem elite dos bairros populares à excelência” (Rochex, 2011, p. 878).

É sob a Presidência de Sarkozy, para quem o Maio de 68 teria destruído a excelência da escola meritocrática desenvolvida pelo Ministro da Instrução Pública Jules Ferry (1979-1882), que o tema ganha novo vigor. Nos discursos presidenciais, o direito à excelência na educação e na formação é apontado como um dos cinco novos direitos de cidadania, apelando-se à construção de projetos educativos fundados na qualidade e à promoção de uma escola que tenha como valores centrais o trabalho, o esforço e o mérito (Le Monde, 2006).

Uma das medidas emblemáticas da política educativa de Sarkozy, que se inscreve nesta linha de incentivo à excelência e ao mérito, prende-se com a criação dos “internats d’excellence” – escolas em regime de internato que pretendem ser “um instrumento eficaz de promoção dos alunos “com mérito” provenientes das classes populares” (Rayou e Glasman, s.d., p. 9), aos quais é oferecida a possibilidade de frequentar uma escola que lhes assegure melhores condições do que a sua para desenvolver o seu potencial académico. Assinalando a recorrência de termos como “mérito” e “potencial” nos documentos oficiais relativos aos “internats d’excellence”, Rochex (2011) denuncia a supremacia de uma “lógica da individualização e maximização das oportunidades de realização de cada um” (Rochex, 2011, p. 880) em detrimento de uma lógica coletiva de luta contra as desigualdades. De matriz psicologizante, esta perspetiva escamoteia o peso “dos fatores sociais da excelência académica” (Bourdieu e Saint-Martin , 1970, p. 149) para assentar a sua construção em fatores como os “dons”, os “talentos” e o “empenho”, assim contribuindo para alimentar a crença no carácter meritocrático da escola francesa.

A implementação, em 2013, de um “Dia Nacional do Sucesso Educativo” e a criação de um “Observatório do Sucesso Educativo” destinado a promover o intercâmbio e o trabalho cooperativo entre todos os atores envolvidos na construção do êxito dos alunos são também expressivos quanto à importância conferida pelas políticas ministeriais ao problema da qualidade do ensino, reconhecido como uma “grande causa nacional” (Ministère de l’Éducation Nationale, 2013), a justificar ampla mobilização.

Uma consulta ao site do Ministério da Educação dá-nos conta, efetivamente, de que os regulamentos internos das escolas preveem recompensas aos alunos que se distingam quer pela qualidade do trabalho desenvolvido, quer pelos esforços revelados. De acordo com esta fonte, as recompensas ficam registadas no dossiê do aluno e podem assumir formas distintas – cujos critérios de atribuição não estão identificados – que vão do “encorajamento” à “inscrição no quadro de honra”, passando pelos “parabéns” e pelas “felicitações”. Uma pesquisa não exaustiva a regulamentos internos de algumas escolas francesas e a consulta de algumas “Chartes des conseils de classe” apontam no sentido de uma menor presença do quadro de honra relativamente às três restantes menções. As escolas e as academias parecem dispor de margem de autonomia no que diz respeito a esta matéria. Assim, alguns estabelecimentos de ensino especificam as médias gerais de acesso àquelas duas últimas distinções que, a título de exemplo, se situam respetivamente nos 14 e 16 valores, como acontece no Collège Noël de Montville. Outros estabelecimentos, como o Collège Max-Dussuchal, preveem a entrega de Prémios (“Prix d’excellence”, “Prix d’honneur”), em cerimónias públicas, aos alunos que em anos consecutivos foram distinguidos pelos respetivos conselhos de turma. A imprensa local dá grande relevo a estes momentos de consagração da excelência: “O liceu reata com as tradições e o ritual” ou “Liceu Wittmer – O Liceu celebra o sucesso” são alguns exemplos de títulos de notícias, sempre acompanhadas por fotografias alusivas a estes eventos.

Um outro mecanismo de distinção da excelência, já com longa tradição em França, reside no prestigiado “Concours Général des Lycées et des Métiers”. Fundado no século XVIII, ele visa premiar e valorizar os melhores alunos e aprendizes de première e dos anos terminais dos liceus de ensino geral, tecnológico e profissional que, depois de selecionados pelos respetivos professores em função dos resultados académicos, se evidenciam em provas nacionais de grande exigência versando sobre as matérias escolares. A presença do Ministro da Educação na cerimónia de entrega destes prémios de excelência confere uma solenidade acrescida a este prestigiado evento.

 

EFICÁCIA, EFICIÊNCIA E MERITOCRACIA NA AMÉRICA LATINA: O EXEMPLO PARADIGMÁTICO DO CHILE

 

Foi em nome da eficiência e da eficácia do seu sistema educativo que o Chile se lançou, ainda nos anos 80, na “grande experiência” (Bellei, 2015) de uma reforma da educação orientada para o mercado. Decorridas mais de duas décadas, o Chile é hoje um dos países do mundo com o sistema escolar mais fortemente permeabilizado pela lógica de mercado. Os exames estandardizados, a seriação das escolas, as estruturas de avaliação das escolas e professores, as recompensas/sanções em função do desempenho inscrevem-se nessa alegada procura da qualidade do ensino pela via de uma autorregulação do mercado, a que não será alheia a debilitação do ensino público chileno (Bellei, 2015) e o elevado nível de segregação do seu sistema educativo (Mizala e Torche, 2012). Com o objetivo de reverter o estigma da educação pública foi implementada, a partir de 2011, “(…) uma rede de estabelecimentos de ensino público comprometidos com a excelência académica” (Carrasco et al., 2014, p. 7) e com o processo de mobilidade escolar e social dos jovens vulneráveis de elevado potencial e mérito escolar. Designados por Liceos Bicentenários, estes 60 estabelecimentos vieram alargar a oferta de ensino público de excelência, até então confinada a um escasso número de tradicionais Liceos Emblemáticos de Santiago do Chile, que lhes serviram de modelo e que ainda hoje continuam a caracterizar-se pelo seu elevado rendimento académico e a gozar de elevado prestígio social. Imbuídos de ideal meritocrático, estes liceus contam com um leque diversificado de práticas de distinção e de emulação, como constata Quaresma (2016) num estudo sobre estes estabelecimentos. Quadros de honra, cerimónias públicas de entrega de medalhas, louvores nas cadernetas individuais, prémios coletivos para as turmas mais assíduas são instrumentos acionados pelos Liceos Emblemáticos para premiar e estimular a excelência, em âmbitos tão diversos como o desempenho académico, o companheirismo ou a perseverança.

 

MAPEAMENTO DAS PRÁTICAS DE DISTINÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES ESCOLARES PORTUGUESAS

 

Nos últimos anos tem-se assistido a um avanço progressivo das políticas neoliberais em Portugal, muito marcado pela disseminação de diferentes modalidades de prestação de contas (programas de avaliação externa, dispositivos de avaliação internacional, avaliação de desempenho profissional, monitorização dos planos de melhoria, divulgação de rankings de escolas baseados nos resultados obtidos nos exames nacionais, reforço dos suportes informáticos de controlo), para além de outras medidas racionalizadoras, de que são exemplo a constituição de mega-agrupamentos e a implementação de um modelo de governação centrado na liderança unipessoal. Uma agenda cada vez mais focada nos resultados, que pressiona as instituições escolares à reprodução de uma cultura escolar de tipo integrador e performativo, fazendo imperar uma lógica meritocrática nos modos de gestão pedagógica e organizacional.

Embora no plano político e legislativo prevaleça o elogio dos valores democráticos (igualdade, participação e inclusão), o resultado combinado das múltiplas pressões do Estado, da comunidade e do mercado redunda no desenvolvimento de uma cultura escolar cada vez mais rendida à meritocracia. Neste jogo de difícil conciliação entre princípios e valores, a produção de resultados parece sobrepor-se às demais prioridades da organização escolar, convertendo-se num objetivo estratégico de afirmação da imagem social da escola. E é justamente nesta linha que os dispositivos de distinção académica emergem como uma prática valorizada pelas escolas, na medida em que constituem um indicador expressivo da “qualidade” do ensino e da instituição. Apesar de terem sido regulamentados na década de 1990 (cf. Despacho Normativo n.º 102/90 de 12 de setembro), só duas décadas mais tarde foram consagrados como “direitos do aluno” no Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro). Mesmo assim, entre o ato legislativo (1990) e a prática efetiva (início de 2000), os mecanismos de distinção demoraram cerca de uma década a serem implementados nas escolas, porventura, induzidos pela crescente pressão para a produção de resultados verificada com maior intensidade na transição de século.

Perante a inexistência de informação sobre os modos de apropriação institucional deste quadro normativo, procedeu-se ao levantamento dos rituais de distinção adotados nas escolas portuguesas. Dada a maior pressão para a obtenção de resultados ao nível de ensino secundário, desde logo pela introdução dos exames nacionais como critério de acesso ao ensino superior, circunscreveu-se a análise das práticas de distinção ao universo de escolas e agrupamentos de escolas com ensino secundário.

Do ponto de vista global, os resultados apontaram para uma adesão significativa das escolas às práticas de premiação dos melhores alunos (91,7%), prevendo nos seus documentos orientadores diferentes formatos e diversas formas de operacionalização da distinção: (a) nos resultados académicos; (b) nos valores e comportamentos; (c) nos resultados e nos valores e comportamentos (que designamos de distinção mista). Da leitura efetuada ao extenso corpus de informação, denotou-se uma clara tendência para a valorização da distinção mista, com cerca de 73,7% das escolas a inscrevê-la formalmente na sua ação estratégica (cf.Quadro 1). Contudo, o confronto entre o plano formal-legal (o que está previsto nos documentos) com o plano das práticas (o que é efetivamente praticado) deu conta de uma realidade significativamente diferente, revelando a presença de um ideário meritocrático na socialização dos jovens alunos. Na verdade, a análise efetuada a uma amostra de 335 escolas, onde se analisaram as práticas de distinção efetivamente implementadas, revelou que a distinção preferida foi justamente a distinção focada exclusivamente nos resultados académicos.

 

 

Os dados apresentados no quadro 2 evidenciam várias dissonâncias entre o formalmente previsto e o realmente praticado: (a) a prática efetiva da distinção mista é de 39,4%, substancialmente inferior à que foi identificada no plano formal (73,4%); (b) a prática da distinção dos alunos exclusivamente pelos resultados (48,1 %) é mais frequente do que o previsto nos documentos orientadores (18,2%); (c) a não implementação de qualquer tipo de distinção (2,4%) é, na prática, superior ao formalmente previsto (1,8%).

 

 

Para além das três modalidades de premiação do desempenho, as escolas adotam uma grande variedade de dispositivos de distinção, sinteticamente ilustrados no quadro 3. O formato preferido vai para os quadros de excelência (focados na média ponderada das classificações internas obtidas às várias disciplinas) combinados com os quadros de valor (focados nos comportamentos e atitudes), conferindo assim o estatuto de distinção mista. Apesar de a condição mínima de candidatura para integrar o quadro de excelência ser a obtenção de 16 valores (Despacho normativo n.º 102/90, artigo 5.º, ponto 5), o critério mais utilizado pelas escolas reside, na realidade, na obtenção de classificações internas superiores a 17,5 valores.

 

 

Mas, afinal, qual a importância institucional conferida às práticas de distinção? A consulta das páginas de internet das escolas permitiu aceder aos conteúdos divulgados sobre esta prática, bem como à sua visibilidade social. Com efeito, 40,3% das instituições que afirmaram distinguir os melhores alunos publicitaram esta prática no seu portal, na maioria dos casos de forma permanente e a figurar nos “destaques”. Porém, considerando o hiato temporal existente entre o momento de realização desta pesquisa (início do ano letivo) e o período de atribuição dos prémios (final do ano letivo), admite-se que a informação efetivamente disponível possa estar sub-representada (cf.
Figura 1).

 

 

A análise efetuada aos portais das escolas, complementada com a consulta às notícias publicadas nos meios de comunicação social, permitiu aferir que a grande maioria das escolas realiza uma cerimónia pública de entrega de prémios e diplomas (83%), com a presença dos alunos, dos pais e encarregados de educação, dos representantes da comunidade local e, em muitos casos, dos órgãos de comunicação social (cf. Figura 2). Contudo, a forma como este cerimonial é organizado e difundido na comunidade depende do grau de importância conferido pela direção da escola/agrupamento. Nuns casos, o evento passa despercebido entre as inúmeras atividades de final de ano letivo, noutros casos, constitui a cerimónia mais importante da instituição, quer pelo tempo dedicado à sua organização, quer pelo espaço selecionado para a sua realização, quer ainda, pela carga simbólica depositada no ato solene de entrega de prémios ou diplomas aos melhores alunos.

A presença deste ritual na maioria das escolas portuguesas evidencia o quanto os mecanismos de consagração do mérito foram apropriados pelos diversos atores escolares, sendo notável a diversidade de dispositivos ­mobilizados para reconhecer e premiar a excelência. Este primeiro mapeamento das práticas de distinção conduziu a pesquisa, num momento posterior, para a identificação de padrões e eventuais especificidades regionais.

 

NA ROTA DAS DISTINÇÕES: TENDÊNCIAS E ESPECIFICIDADES

 

Tomando os diferentes quadros de zona pedagógica (QZP) definidos pela portaria n.º 156-B/2013 como critério para agrupar as escolas/agrupamentos e identificar tendências no território nacional, ao qual se incluíram as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, observou-se, num primeiro olhar, a ausência de assimetrias regionais significativas no que respeita à previsão formal (nos documentos orientadores das escolas) de mecanismos de distinção (cf. Figura 3). Porém, uma leitura mais depurada dos dados mostra uma incidência mais elevada deste ritual em algumas regiões do país, com valores acima dos 94% (Madeira, região norte e centro interior, zonas do Alto Alentejo, Lisboa e Algarve), e uma menor adesão na região do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral.

 

 

 

 

No que respeita aos tipos de distinção, embora se verifique a preferência pela distinção mista nas várias escolas e agrupamentos do país constatou-se a presença de algumas especificidades regionais: (a) uma maior valorização da distinção focada nos resultados na Madeira (50%), no norte interior (28,2%), no centro litoral (19%) e no norte litoral (18,1%); (b) a presença singular da distinção nos valores na região do Alto Alentejo e Alentejo Central (15%); (c) a percentagem mais elevada de escolas sem mecanismos de distinção na região de Baixo Alentejo e Alentejo Litoral (13%).

Num exercício exploratório, procurou-se sinalizar algumas nuances entre as regiões, utilizando uma categorização mais agregadora que conferisse sentido a algumas tendências anteriormente identificadas. O quadro 4 sintetiza alguma da informação mais relevante, da qual salientamos algumas ideias-chave: omnipresença do tipo de distinção mista, à qual surge agregado, nas regiões Norte, Centro e Ilhas, o enfoque nos resultados; transversalidade regional de elevados níveis de previsão da distinção; fraco investimento, por parte das escolas de todo o território nacional, na publicitação destas distinções em contraste com uma forte aposta na cerimonialização; concentração regional, entre a capital e o Norte do país, das escolas com bom e muito bom desempenho nos exames nacionais; inexistência de relação linear entre o posicionamento nos dispositivos de seriação e os tipos de distinção, frequência da publicitação e cerimonialização destes rituais de distinção.

 

 

A identificação de alguns padrões regionais tem vindo a suscitar algumas pistas interpretativas já avançadas em anteriores trabalhos (Torres, 2015). Por um lado, o facto de as escolas da região nordeste ocuparem uma posição menos positiva no ranking nacional poderá ter gerado uma maior preocupação com os resultados académicos, como forma de procurar inverter a situação e, desse modo, resistir ao movimento em curso de encerramento de escolas. Por outro lado, os problemas de abandono e insucesso que atingem de forma particular as escolas da região do Alentejo poderão estar associados à centralidade atribuída aos valores inclusivos. Com efeito, os fenómenos de desertificação, envelhecimento da população e descida da natalidade verificados com particular incidência na região do Alentejo constituem fatores importantes para compreender a natureza dos problemas enfrentados pelas instituições escolares e, em articulação, a necessidade de estas organizações ajustarem a sua missão à realidade social e cultural envolvente. Outra pista interpretativa a merecer maior exploração, reside na identificação de uma certa afinidade entre o tipo de distinção praticado e a filiação político-partidária dos municípios: as regiões que mais aderem à distinção focada nos resultados parecem ser aquelas cujos municípios são maioritariamente de direita (PSD/CDS); a distinção focada nos valores incide mais nas regiões cujas autarquias são de esquerda (PS/CDU/BE). Esta linha de análise poderá ajudar, no futuro, a compreender os sentidos de apropriação da ideologia (neo)meritocrática e a força que os municípios vêm assumindo na regulação cultural das escolas.

 

CONCLUSÕES

 

As iniciativas de incentivo à excelência escolar e de reconhecimento e distinção dos melhores alunos parecem afirmar-se como parte integrante da realidade educativa quer internacional, quer nacional. A par da dinamização de concursos a nível de escola e a nível nacional em que o mérito escolar dos alunos é posto à prova, e da criação de escolas de excelência, países como os Estados Unidos da América, a Inglaterra, a França ou o Chile contam com o envolvimento das escolas e até das autoridades locais para distinguir os alunos de excelência através de prémios de natureza tão diversa como meros “Happy Meals”, menções de apreço, ou medalhas, cuja entrega se faz em cerimónias solenes que chegam a contar com a presença do próprio Ministro da Educação. Em Portugal, é também visível a adesão da esmagadora maioria das escolas e agrupamentos de escolas do ensino secundário a práticas de distinção dos melhores alunos, ainda que também operacionalizadas de formas diversas. Do ponto de vista formal-legal, é notória a preferência da maioria das escolas por distinções de tipo misto, apenas preteridas por algumas regiões, entre as quais se destaca a Madeira, onde se regista o maior peso das distinções de natureza académica. Porém, a confrontação entre este plano e as práticas efetivamente implementadas mostrou de forma clara a preferência por formas de distinção focadas apenas nos resultados académicos. Este pragmatismo não deixará de refletir a pressão sentida pelas escolas relativamente aos resultados académicos. A permeabilidade do sistema educativo português aos princípios da accountability – ainda que mais mitigada do que noutros países, como os Estados Unidos da América ou o Chile – poderá intensificar o recurso aos dispositivos preferenciais do modelo de prestação de contas, como é o caso dos testes estandardizados ou dos exames nacionais e internacionais e, de forma mais expressiva, a implementação alargada de mecanismos de distinção focados no desempenho académico. O papel de organizações internacionais, como a OCDE ou o Banco Mundial, na difusão dos postulados educativos neoliberais terá dado um forte contributo para o consenso em torno de um conceito de excelência reduzido à sua dimensão cognitiva.

A consagração formal da premiação dos resultados académicos e dos comportamentos dos alunos (distinção de tipo misto) aponta para a necessidade de as escolas públicas conciliarem, pelo menos do ponto de vista normativo, os valores de natureza democrática e meritocrática, investindo numa concetualização holística da educação (pelo menos ao nível retórico) que foi identificada em vários estudos como traço identitário das elites e dos seus estabelecimentos de ensino (Mension-Rigau, 2007), mas que terá extravasado destes redutos sociais e escolares até por exigências da sociedade, onde a família perdeu o seu protagonismo socializador, e da economia, cujos modelos de produção exigem, para serem competitivos, profissionais com um perfil de “indivíduos completos” (Tedesco, 2007). Se tivermos em consideração que, de acordo com este novo paradigma, a escola deve formar cidadãos com competências como a “capacidade de trabalhar em equipa, gosto pelo risco, sentido de responsabilidade e de disciplina pessoal, sentido de decisão e compromisso, iniciativa, curiosidade, criatividade, espírito de profissionalismo” (Tedesco, 2007, p. 59), entende-se a preocupação das escolas portuguesas em contemplar distinções de tipo não académico, mesmo que essa preocupação tenha mais expressão no plano discursivo do que no plano da praxis.

No que diz respeito aos mecanismos de distinção, prevalecem nas escolas portuguesas o Quadro de Excelência e o Quadro de Valor. Destinados a premiar, respetivamente, a dimensão académica e a dimensão de valores e comportamentos, eles serão, afinal, o resultado da reformulação do tradicional quadro de honra dos liceus de antes do 25 de Abril, de que muitos portugueses teriam guardado más recordações, por evocar a escola do fascismo e, segundo Cunha (1997), pela sua identificação com um instrumento “(…) reducionista nos seus objetivos, ideológico nos seus requisitos, elitista nos seus resultados” (Cunha, 1997, p. 103). Há também a registar, na maioria das escolas, a realização de cerimónias de entrega destes prémios e distinções aos melhores alunos – momentos de consagração pública do mérito com óbvias expectativas de servir de “exemplo” e de ter um efeito multiplicador, cuja carga simbólica se vê reforçada pela presença de toda a comunidade educativa, das famílias e também dos representantes do poder local e, em muitos dos casos, da imprensa.

Os resultados desta investigação permitem ainda identificar, através do mapeamento nacional das práticas em análise, uma transversalidade regional no que diz respeito quer à forte incidência da distinção e da cerimonialização, quer à tímida aposta na publicitação destas iniciativas. Se, por um lado, as razões subjacentes a estas tendências podem constituir uma nova pista de reflexão para futuras investigações, os sentidos que os atores educativos – alunos, professores, pais e encarregados de educação e decisores políticos – constroem sobre os instrumentos de distinção poderão ser também uma temática a aprofundar noutros trabalhos, buscando-se, assim, uma compreensão mais holística desta problemática.

 

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Recebido a 30-05-2016. Aceite para publicação a 12-01-2017.

 

NOTAS

 

1Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PTDC/IVC-PEC/4942/2012 do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho (CIEd), intitulado Entre Mais e Melhor Escola: A Excelência Académica na Escola Pública Portuguesa. Os dados relativos ao Chile resultam do projeto de investigação intitulado La excelencia académica en escuelas públicas de prestigio: perceciones, vivencias y prácticas de los atores escolares, financiado por CONICTY – FONDECYT, Iniciación Número 11140241.

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