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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.227 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018227.02 

ARTIGOS

Performance escolar: os exames do 4.º ano na TV

School performance: the 4th grade exams in television news

Manuela Ferreira*, Ana Matias Diogo**, Benedita Portugal e Melo***

*Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto. Rua Alfredo Allen - 4200-135 Porto, Portugal. manuela@fpce.up.pt

**CICS.NOVA.UAc, Universidade dos Açores. Campus de Ponta Delgada, Apartado 1422 - 9501-801 Ponta Delgada, São Miguel, Portugal. ana.is.diogo@uac.pt

***UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa. Alameda da Universidade - 1649-013 Lisboa, Portugal. mbmelo@ie.ulisboa.pt


 

RESUMO

Performance escolar: os exames do 4.º ano na TV. No quadro de um modo de regulação do sistema educativo assente na ideologia da performatividade mediante um trabalho escolar intensificado, este texto centra-se na recente experiência de reintrodução dos exames no 4.º ano em Portugal. Analisam-se as vozes de crianças, pais e professores difundidas em peças noticiosas televisivas (2012-2015), procurando perceber como se posicionam e como lidam com os exames. Os discursos revelam que os exames contaminam totalmente a vida escolar e familiar e implicam um trabalho cognitivo e emocional, por parte destes atores, visando a fabricação de alunos capazes de lidar eficazmente com a performatividade em idades cada vez mais precoces.

PALAVRAS-CHAVE: exames; crianças; 1.º ciclo; dinâmicas familiares e escolares.


 

ABSTRACT

Within the framework of a mode of regulation of the educational system based on the ideology of performativity through an intensified school work, this text focuses on the recent experience of reintroducing the exams in the 4th grade in Portugal. We analyze the voices of children, parents, and teachers found in television news pieces (2012-2015), seeking to understand how they position themselves and how they deal with the exams. Their words reveal that the examinations greatly influence the school and family life, and demand cognitive and emotional effort on the part of these actors, aiming at the preparation of pupils who are able to deal effectively with performativity at an earlier age.

KEYWORDS: exams; children; First cycle; family and school dynamics.


 

Uma das facetas da agenda neoliberal para a educação que mais preponderância tem vindo a assumir à escala global é a crescente pressão exercida sobre os sistemas escolares para produzirem resultados (Sellar e Lingard, 2014; Torres e Quaresma, 2014). Portugal não ficou imune a este contexto e, depois dos outros níveis de ensino, em 2012, foi a vez do 4.º ano ver reinstitucionalizados os exames nacionais (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho; Despacho normativo n.º 24-A/2012), o que gerou uma forte controvérsia social, amplificada pelos media. A sua posterior abolição, no início do ano letivo de 2015, não pôs, no entanto, um ponto final no aceso debate iniciado em 2012: atente-se ao relatório técnico do Conselho Nacional de Educação (CNE, 2016) ou às notícias que continuaram a circular nos media tradicionais, nas redes sociais e na blogosfera, em que voltaram a ser esgrimidos argumentos sobre os prós e os contras de existirem exames no 4.º ano (Diogo, Ferreira e Melo, 2016).

Apesar de os exames no 4.º ano terem estado em vigor durante três anos letivos, não se conhecem resultados do seu impacto na forma como os atores se reorganizaram no contexto escolar e se processou o trabalho pedagógico nas escolas. Considerando que os primeiros anos de escolaridade têm sido bastante descurados do ponto de vista científico, salienta-se o facto de ser aqui que se começam a construir as desigualdades escolares e os percursos de insucesso e abandono escolar (Justino et al., 2014) e de que poderemos estar na presença de fenómenos idênticos aos que se verificam no ensino secundário (por ex., Antunes e Sá, 2010; Neves, Pereira e Nata, 2014; Torres e Palhares, 2014). Assim, e agora que os exames do 4.º ano de escolaridade foram suspensos, este texto procura trazer alguns contributos para uma reflexão sobre o papel dos exames no 1.º ciclo do Ensino Básico, mediante a apresentação de uma pesquisa que procurou compreender como crianças, professores e pais os experienciaram.

A prática de avaliação escolar por exame nacional, hoje naturalizada nos países membros da União Europeia, expandiu-se gradual e diversamente, sobretudo a partir de 1990, e ganhou novo impulso e abrangência internacional a partir de 2000, na decorrência da participação em estudos como o PIRLS, TIMSS ou PISA (Eurydice, 2015). A implementação generalizada de exames nacionais, tendendo a coincidir com o final da escolaridade obrigatória ou com momentos de transição dos ciclos escolares, é marcante nos percursos dos alunos e compreende-se num contexto sociopolítico e ideológico mais amplo em que a educação foi identificada como uma das cinco áreas-chave da estratégia Europa 2020. Investir na educação, sinónimo de capitalizar o potencial humano disponível, voltou a ser considerado essencial para assegurar a revitalização do crescimento económico, a criação de emprego e a coesão social, necessárias para enfrentar os sucessivos choques socioeconómicos que persistem desde a crise que eclodiu em 2008.

Em Portugal, as medidas políticas educativas desenvolvidas desde a década de 1990 vinham procurando conciliar vários princípios de justiça num quadro ideológico liberal. Ao mesmo tempo que se mantinham os desígnios da modernização, do melhor posicionamento no mercado, do controlo da despesa pública e da subordinação das políticas públicas à promoção dos requisitos de uma economia nacional competitiva – o que se irá traduzir na implementação sucessiva de exames nacionais[1] e no princípio da regulação das políticas de educação pelos resultados –, produzia-se uma acentuação retórica de determinados valores, mais focalizados no diálogo e democratização, na solidariedade e justiça, na inclusão e no mercado social, na diversidade e parceria (Estêvão, 2001). Será a partir da década de 2000 que outros princípios de justiça ganham força, ainda que complexamente articulados com a ideologia da democratização, da inclusão e do neoliberalismo: o da obtenção da eficácia social da escola e utilidade da formação escolar; o da obrigação de prestação de contas e o da importância da avaliação dos sistemas educativos (Melo, 2014). Neste quadro, a reintrodução de exames no 4.º ano em 2012, com o ministro da Educação Nuno Crato, constitui o expoente máximo da assunção política da ideologia da performatividade, que progressivamente se tinha vindo impor. Dá-se assim corpo à ideia, já defendida desde os finais dos anos 90, de que a democratização da educação "não se alcança apenas pela massificação da frequência dos vários níveis de escolaridade", mas deve ser desenvolvida tendo também presente "o rigor e a qualidade do ensino e das aprendizagens enquanto condições necessárias para o renovar da confiança social na Escola e na educação" (Pacto Educativo 91, citado por Estêvão, 2004, p. 11).

A necessidade de dar conta de uma dada qualidade da educação através "de múltiplos dispositivos de controlo, de monitorização dos resultados e de racionalização de recursos" (Palhares e Torres, 2011, p. 55), prática comum nos países ocidentais (Hardy, 2015), tem-se feito acompanhar, portanto, em Portugal, de uma lógica de justificação em que a retórica da excelência e da qualidade académica e a ideologia da comparação dos resultados através de instrumentos quantificados e, por isso, supostamente neutros e objetivos, atingiu progressivamente os níveis mais precoces de escolaridade, refletindo-se, de algum modo, até na educação pré-escolar.[2]

Neste contexto, a introdução de exames constitui uma medida política que tem vindo a contribuir para o desenvolvimento de um modo de regulação do sistema educativo, baseado na performatividade (Ball, 2000 e 2003). Tal como Ball refere, a "performatividade é uma tecnologia, uma cultura e um modo de regulação, ou um sistema de 'terror' nas palavras de Lyotard, que emprega julgamentos, comparações e a exposição como meios de controlo, atrito e mudança" (Ball, 2000, p. 1), assente em "recompensas e sanções (materiais e simbólicas)" (Ball, 2003, p. 216). Para este autor, as novas tecnologias políticas não são simples veículos para uma "mudança técnica e estrutural das organizações, constituindo antes mecanismos para "reformar" professores e alterar o que significa ser professor" (idem, p. 217). Segundo Ball, a identidade profissional destes atores educativos estaria a mudar devido aos terrores da performatividade, isto é, ao aumento da pressão para a apresentação de indicadores de performance e eficiência do sistema educativo. Estaria, assim, a emergir um novo tipo de professor (e novos modos de relação entre os professores) com subjetividades e práticas reconfiguradas a partir dos valores da excelência e das pressões para a melhoria da sua produtividade.

Nesta lógica, a reintrodução de exames do 4.º ano em Portugal poderá ter efeitos não apenas na regulação e reorganização do sistema educativo, mas também nas subjetividades dos professores do 1.º ciclo em Portugal, salvaguardando as diferenças significativas que separam Inglaterra e Portugal relativamente às lógicas de mercado nos contextos educativos. Enquanto em Inglaterra já são de longa data medidas como os vouchers educativos e as sanções impostas aos estabelecimentos de ensino que não atingem as metas de progresso relativamente aos resultados escolares, em Portugal procurou-se dar passos concretos no sentido da liberalização e privatização da educação aquando do XIX Governo, sob a tutela do ministro da Educação, Nuno Crato. A radicalização do "mandato neomeritocrático" (Afonso, 2013) que se terá feito sentir neste período, poderá ter empurrado as escolas, de forma mais premente, para a valorização da eficácia, da excelência e da performatividade, "fazendo com que estas tendam a deixar na penumbra a sua missão inclusiva e democrática" (Quaresma e Torres, 2017, p. 562).

No quadro de avaliocracia (Afonso, 2014) descrito, será de admitir que em Portugal se tenha vindo a acentuar a tendência para se valorizar apenas o que é mensurável em termos de resultados escolares aferidos pelos resultados dos exames, e que as escolas se (re)orientem segundo a lógica do teaching to the test já descrita por Ball (1993, p. 107) no início da década de 90. Caso assim seja, "as escolas envolver-se-ão cada vez menos nos absorventes e exigentes processos de promoção do sucesso educativo, para se dedicarem a vistosas encenações de fabricação dos resultados", como adverte Sá, e os professores tenderão "cada vez menos a trabalhar com as crianças, para passarem a trabalhar as crianças para que estas brilhem nos testes" (Sá, 2009, p. 104). Importa, assim, saber como é que os professores portugueses equacionam a existência destes exames, os sentem e os incorporam nas suas práticas docentes. Ao respondermos a esta questão procuraremos mostrar até que ponto, e de que modos, a ideologia da performatividade se recontextualizou nas experiências profissionais docentes reportadas na TV.

Se é legítimo assumirmos que a performatividade afetará as vivências dos professores primários, fará também sentido, por outro lado, considerarmos que estes atores não serão os únicos afetados por este modelo de regulação educativa. Os resultados das pesquisas têm vindo a demonstrar o crescente envolvimento dos pais no processo de escolarização dos filhos (Quaresma, 2011; Vieira, 2015), que se traduz numa parentocracia que parece ser exercida cada vez mais precocemente (Brown, 1990; Van Zanten, 2008; Melo, Diogo e Ferreira, 2016) e em que os pais manifestam uma crescente ansiedade relativamente ao futuro dos filhos e à sua performance académica. Como é que os pais se posicionaram relativamente à existência de exames numa fase inicial do percurso escolar e prepararam os seus filhos para lidarem com eles?

Por sua vez, as crianças, circulando entre a família e a escola (Perrenoud, 1987), são atores sociais situados no centro das dinâmicas que os exames envolvem. Como é que as crianças se manifestam e reagem aos exames? Em que medida os exames afetam as suas subjetividades como alunos?

Sendo Portugal um dos poucos países europeus onde os exames foram introduzidos no 4.º ano de escolaridade, torna-se paradoxal constatar a presença de um intenso debate nos media que contrasta com a quase ausência de investigação nas ciências sociais sobre estas questões.

Num estudo anterior, de carácter exploratório, foi possível analisar a forma como se debateram, na blogosfera, os exames nacionais do 4.º ano em Portugal e os moldes em que as mães escrevem sobre essa experiência no dia-a-dia da família, tendo-se identificado práticas que apontam para uma pedagogização e curricularização do quotidiano familiar nas classes médias urbanas muito escolarizadas (Melo, Diogo e Ferreira, 2016). No entanto, muito pouco se sabe ainda a respeito das consequências deste fenómeno no quotidiano de docentes, famílias e crianças do 1.º ciclo de contextos sociais com menores recursos e oportunidades para expressarem as suas vozes nos media.

Mobilizando perspetivas teóricas da sociologia da educação, da família e da infância, procuraremos agora analisar os efeitos gerados pela introdução dos exames do 4.º ano (2012-2015) nas práticas quotidianas dos atores educativos do 1.º ciclo do ensino básico, a partir do seguinte conjunto de questões: i) quais os posicionamentos dos professores e pais relativamente aos exames?; ii) quais as expressões emocionais da pressão para a performatividade geradas pelos exames? iii) quais os reflexos dos exames nas práticas educativas parentais e escolares?

AS VOZES DOS ATORES EDUCATIVOS NA TELEVISÃO: NOTAS METODOLÓGICAS

Prosseguindo o já mencionado estudo sobre os exames do 4.º ano, em que se explorou o debate público produzido na blogosfera, no qual estavam ausentes as vozes dos professores do 1.º ciclo e as das crianças, optámos por centrar esta pesquisa num outro media, a televisão, onde também se discutiram os exames e em que foi dada visibilidade a este tipo de atores. A TV, dado o seu importante papel na construção social da realidade (Berger e Luckmann, 1966), poderá, também ela, contribuir para a afirmação da ideologia da performatividade, ao agendar o tema dos exames e ao atribuir-lhes destaque noticioso nos dias em que eles se realizaram entre 2012 e 2015. Os estudos sobre os efeitos cognitivos dos media (Saperas, 1993; Noelle-Neumann, 2002) levam-nos a formular este pressuposto e a reconhecer que o modo como a TV mediatizou os exames terá repercussões na formação da "opinião pública" a respeito deste fenómeno, o que justificaria, por si só, uma análise aprofundada. Todavia, neste artigo centramo-nos apenas na análise de conteúdo do que professores, pais e crianças de diferentes contextos sociais, económicos e geográficos disseram sobre a sua experiência a propósito dos exames na TV generalista, no período já mencionado. Não apresentaremos, portanto, dados representativos da opinião dos pais, professores e crianças do 1.º ciclo sobre os exames do 4º ano, nem uma análise relativa ao modo como foi construída a agenda televisiva sobre este assunto. Além disso, como as reportagens só incidiram sobre escolas públicas, a análise que realizamos encontra-se forçosamente limitada a este universo.

Apresentamos, sim, uma pesquisa exploratória que acede às vozes dos atores de forma mediada pela TV, o que acarreta outras limitações. Os valores-notícia (Traquina, 1993; Wolf, 1995) da televisão condicionam, desde logo, a forma como os exames se traduzem nas peças jornalísticas: o número de peças dedicadas aos exames; o local de realização das reportagens; os tipos de atores e de escolas selecionadas e o tempo de antena dedicado a cada um deles. Na TV apenas é dada a vez e a voz aos atores educativos por iniciativa, escolha e decisão do entrevistador, o que significa o posicionamento de todos eles como dependentes da seletividade, sob controlo dos questionamentos e subalternos do tempo de antena que lhes é concedido. Por outro lado, não ignoramos também como as condições em que são produzidos estes discursos televisivos (via entrevistas à porta de uma escola sem aviso prévio e tempo para se refletir na melhor resposta) condicionam as opiniões transmitidas e poderão contribuir para produzir afirmações que apenas procuram corresponder às expectativas sociais. Aliás, o simples facto de se saber que se está a ser filmado para efeitos de emissão televisiva pode, inclusivamente, suscitar comportamentos atípicos e reações forçadas. Na verdade, nos discursos televisivos analisados predominou a oralidade suscitada em condições inesperadas de face-a-face e co-presença pública. Esta oralidade, de natureza mais imediata e responsiva, foi pontuada pela reversibilidade do pensamento, por repetições e suspensões, por marcadores para-verbais e não-verbais e por não-ditos que convergem para a comunicação de significados e sentidos subjetivos nem sempre clarificadores das posições ideológicas dos atores sociais no limitado tempo que lhes é dado. As opiniões transmitidas pelos atores sociais num meio de comunicação como a TV, refletem, em síntese, as condições sociais inerentes à produção de opinião neste medium (Bourdieu, 1997).

Ainda assim, é possível considerar que a atenção concedida aos exames pela TV contribuiu para dar visibilidade às perspetivas de atores educativos habitualmente excluídos dos debates públicos sobre educação. Um dos traços do corpus de análise é, pois, a co-presença intergeracional e a abertura à participação infantil. Mesmo não sendo despiciendo que nos media televisivos a presença das vozes infantis e adultas fique integralmente a dever-se à iniciativa de outros adultos – jornalistas –, e decorra sob seu controlo nas breves entrevistas realizadas, é aqui que raparigas e rapazes do 4.º ano de escolaridade expressam, de viva voz e "a quente", os seus anseios e expectativas sobre a experiência acabada de viver, a realização de exames pela primeira vez. E é aqui também que, frequentemente, essas vozes aparecem trianguladas, por contraponto, com as dos adultos. Isto contrasta com o verificado no meio analisado em pesquisa anterior, já referenciada, a blogosfera, na qual se sublinham as implicações decorrentes da ordem geracional da sociedade (Qvortrup, 2009), em que a dependência das crianças em relação aos adultos surge traduzida na ausência de uma participação infantil direta e, por conseguinte, na sua invisibilidade social – ali, as crianças apenas são tornadas presentes em diferido e por interposta pessoa, mesmo quando o assunto lhes diz diretamente respeito, como é este o caso.

Para realizarmos esta pesquisa procedemos a uma recolha de dados através da internet, explorando os motores de busca Google, Yahoo e Bing e os portais de informação Sapo e Clix, com as expressões de pesquisa "exames nacionais do 4.º ano" e "provas finais do 4.º ano". Do total das 59 peças televisivas dedicadas a este acontecimento, no período 2012-2015, todas incidindo em escolas públicas, selecionámos apenas as peças noticiosas que foram difundidas pelos canais generalistas, os que têm maiores audiências, onde surgiram vozes de crianças e pais e/ou professores do 1.º ciclo. A análise incide, assim, sobre um corpus constituído por 34 peças (Quadro 1).

 

 

O número de peças sobre exames onde surgem vozes de crianças distribuiu-se de uma forma relativamente equitativa pelos diferentes canais de TV (Quadro 2), verificando-se, ainda assim, algumas diferenças ao longo dos três anos e no período do dia em que mais peças são transmitidas: é em 2013 e no período da tarde que surgem mais reportagens que dão visibilidade a estes atores: 18. Em 2014 já só foram transmitidas 7 peças e em 2015, 10.

 

 

Estas peças nem sempre exibem informação nova, pois em alguns casos são repetidas total ou parcialmente em diversos telejornais no próprio dia e/ou nos dias seguintes. A redundância que parece caracterizar alguma da informação produzida pela TV acentua-se quando constatamos, por outro lado, como o mesmo estabelecimento de ensino foi escolhido, por mais de uma vez, por jornalistas dos diferentes canais, como palco para as reportagens.

A presença dos pais e/ou professores, por sua vez, é menos significativa comparativamente com a das crianças, não se verificando, a este respeito, diferenças assinaláveis entre os vários canais de televisão.

O facto de os jornalistas não colocarem sempre as mesmas perguntas aos diferentes atores, em todas as peças, limitou a análise comparativa das reportagens nos diversos anos e temáticas abordadas. Por exemplo, em 2014 não foi perguntado a nenhum professor se concordava ou não com os exames. Às crianças, por sua vez, nunca foi perguntado qual o seu posicionamento sobre os exames, mas apenas como se sentiam perante a sua realização. Esta razão, associada à diferença na quantidade de peças exibidas ao longo dos três anos, levou-nos a utilizar menos excertos do ano de 2014 na apresentação dos resultados.

O quadro 3 permite-nos sublinhar, genericamente, a diversidade e abrangência em termos de categorias geracionais, papéis sociais e profissionais e distribuição geográfica dos atores educativos que expressaram as suas opiniões nas peças televisivas analisadas. Como se observa, além de professores do 1.º ciclo, crianças e pais oriundos de grupos socioculturais e espaços geográficos diversificados – ainda que a maioria das peças tenha sido produzida nas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, e algumas vezes nas mesmas escolas –, é dada visibilidade a outros atores educativos (avós e professores dos outros níveis de ensino).

 

 

No entanto, as reportagens televisivas que mostram crianças, professores e mães de contextos escolares distintos, que pretensamente procuram espelhar a diversidade regional do país, tendem a (re)produzir contrastes superficiais e estereotipados entre atores de zonas interiores e rurais e de áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa. Esta cobertura estereotipada será reflexo das orientações das redações, meios postos à disposição dos jornalistas para realizarem a cobertura do fenómeno e das suas próprias disposições profissionais, isto é, dos valores-notícia que orientam o trabalho jornalístico a que já aludimos anteriormente.

OS ADULTOS FACE AOS EXAMES DO 4.º ANO: PROFESSORES E PAIS

PROFESSORES: TODOS CONTRA OS EXAMES?

Os professores do 1.º ciclo que manifestaram a sua opinião na TV convergem maioritariamente para um posicionamento crítico face aos exames. Distanciam-se, assim, da valorização da avaliação sumativa das aprendizagens dos alunos que, objetivada na instrumentalização dos exames nacionais e na sua aclamação como expoente único de rigor e isenção, tem vindo a ser patrocinada na agenda global (Ball, 2003; Hardy, 2015) e era subscrita pela anterior tutela política que introduziu os exames do 4.º ano:

A didática requer treino, requer trabalho, requer pensamento, requer construção de coisas, percebe… E no ensino, esse tempo tem que ser dado a estes miúdos e ao professor que está com eles… Eu sou por uma avaliação contínua e nesta idade não sei o que é que isto vai adiantar… [Prof1/P30/TVI/18/05/2015/19h21].

Este posicionamento contra os exames estende-se igualmente à organização e funcionamento da escola, vendo-a como um sistema disfuncional e mal governado centralmente, identificando nas condições de realização das provas (realização do exame na escola sede do agrupamento; assinatura de um termo de compromisso por parte das crianças; uso obrigatório de esferográfica preta; proibição de esclarecimento de quaisquer dúvidas…) fatores geradores de consequências perversas no quotidiano pedagógico e escolar:

Tiveram que se deslocar. Estão num local desconhecido com colegas que desconhecem [Prof1/P8/TVI/07-05-2013/20h36].

Aí é que está o grande problema do exame! A falta de tempo para conseguir dar… o exame é em Maio! (…) Precisavam de mais tempo… [Prof1/P31/SIC/19-05-2015/13h51].

Talvez se possa afirmar que os posicionamentos críticos face aos exames dos professores do 1.º ciclo são convergentes com os dos professores de outros níveis de ensino, de acordo com o observado na blogosfera, e parecem fundar-se em dois tipos de lógicas. Por um lado, na luta pelo seu reconhecimento socioprofissional em termos das suas competências curriculares, pedagógicas e relacionais, essenciais à avaliação formativa que advogam e que se apoia na construção partilhada de processos de ensino-aprendizagem significativos. Por outro, numa atitude de defesa dos seus alunos, enquanto sujeitos da sua aprendizagem e crianças com direito a viverem infâncias irredutíveis ao ofício de aluno, que importa proteger da nefasta precocidade e intensidade a que são submetidas tendo em vista a performance académica. Esta defesa e proteção dos alunos como crianças torna-se particularmente visível no caso das professoras do 1.º ciclo, cujos depoimentos revelam preocupações e cuidados eivados de um forte pendor afetivo e maternal, como adiante se verá.

MÃES E PAIS: ENTRE "A FAVOR", "A FAVOR, MAS…" E "CONTRA"

Contrastando com o consenso que parece permear o(s) grupo(s) dos professores, o posicionamento dos pais, sobretudo das mães, face aos exames do 4.º ano, apresenta-se internamente plural e dissonante. Algumas, mais convictas, exprimem-se "a favor"; outras, mais vacilantes, procuram lidar com argumentos de sentidos, à partida, contraditórios, esforçando-se por compatibilizá-los, mesmo que subsistam dúvidas "a favor, mas…", e outras declaram-se expressamente "contra". Esta multiplicidade de posicionamentos (divergente da expressão de posições tendencialmente "a favor" encontradas na blogosfera) poderá refletir a maior diversidade sociocultural e geográfica dos pais a quem é dada voz na TV.

Muito menos prolixos do que na blogosfera relativamente à racionalização de justificações que exaltam as virtudes dos exames, alguns dos discursos dos pais e mães entrevistados revelam tanto as lógicas funcionalistas da socialização, como mecanismo de integração (Durkheim, 1984), como as de uma certa reprodução social (Bourdieu e Passeron, 1990) em que a ênfase da competição desliza para a da responsabilização:

Eu acho que é uma experiência boa para os preparar para o futuro [Mãe/P9/RTP1/10-05-2013/13h21].

Eu acho que é importante para eles. Também para haver avaliação. Para saber a forma como eles são. E, pronto, é importante. (…) Sempre houve exames. Toda a gente fez exames, como é óbvio. É só mais um teste! [Mãe/P11/SIC/10-05-2013/13h12].

O tom acrítico das afirmações, mais do que representar a naturalização da existência de exames no 4.º ano, reifica-os, e, com isso, reforça a sua consideração como imprescindíveis na fabricação de alunos que agora se requerem aptos a competir.

A descontextualização política e social dos exames e da avaliação, e a sua relocalização no âmbito das competências atribuídas à esfera familiar e às relações escola-família, parece posicionar estes pais e as suas crianças, mais do que como co-responsáveis de processos de escolarização bem-sucedidos, como seus devotos e todos eles sob apertado escrutínio. Meritocracia e parentocracia (Brown, 1990) podem então ser vistas como duas faces da mesma moeda, potenciando-se mutuamente para garantir a aquisição mínima e obrigatória de conhecimentos; uma avaliação igual e justa para todos; uma melhor qualidade das aprendizagens; um maior rigor, exigência e responsabilização de alunos, pais e professores.

Um outro grupo de mães, embora pareça reconhecer a importância da experiência dos exames como estratégia para os filhos adquirirem a endurance necessária para as crescentes exigências a que serão sujeitos na sua futura integração socioprofissional mostra-se, simultaneamente, refém da maternalização do fenómeno educativo (Hutchison, 2012; O'Brien, 2007, 2008). O seu grande dilema parece ser: como conseguir que os seus filhos obtenham os melhores resultados e lidem bem com os terrores da performatividade sem sofrerem demasiado. São estas mães que maioritariamente representam o posicionamento "a favor, mas…":

Concordo com a avaliação, agora com o exagero das preparações… e tanto preciosismo, já nem tanto… [Mãe/P21/SIC/19-05-2014/13h15].

Por um lado é bom, é uma responsabilidade… porque eles pela vida toda… vão ter de estar sempre à prova… por outro, se calhar, acho que ainda são um bocadinho pequenos…[Mãe/P32/RTP1/20-05-2015/13h33].

Em causa parecem estar também conceções de infância, criança e educação que rivalizam entre si. De um lado, o entendimento dos exames como uma inevitabilidade escolar e como uma experiência pedagógica relevante para uma necessária desinfantilização da infância, possibilitadora da sua crescente responsabilização e autonomização das dependências intergeracionais. De outro, um entendimento das crianças como seres inocentes, vulneráveis e indefesos. Nesta perspetiva, o tempo e experiências próprios da infância devem ser respeitados e adequados aos ritmos e sequências "ditados" pelas etapas do seu desenvolvimento motor, psicológico e afetivo. Defende-se ainda que estas etapas não sejam prematuramente "queimadas", ultrapassadas ou subvertidas. Ou seja, considera-se que urge proteger as crianças de constrangimentos e tensões que as privem da sua infância. Posicionar-se "a favor mas…" parece ser, então, expressão da conflitualidade e ambiguidade que se mantêm vivas entre os paladinos da conceção da criança como aluna e os que apadrinham conceções de criança fundadas nos ideais românticos e/ou nos discursos médico-psicológicos (Hendrick, 1990).

Mas encontramos também posicionamentos assumidamente contra os exames do 4.º ano entre algumas mães e pais entrevistados na TV:

Coloca uma pressão extremamente elevada nas crianças com 9, 10 anos que, nesta altura, não se justifica [Mãe/P2/RTP1/07-05-2013/20h14].

Em termos pedagógicos isto está tudo errado porque se deve construir a trabalhar… a construir homens de futuro e não sucessos de futuro [Pai/P34/TVI/20-05-2015/19h36].

Se alguns destes pais dissociam educação de escolaridade, sucesso educativo de sucesso escolar e problematizam a desumanização e o "descarnamento" que resultam da ideologia da performatividade, outros denotam uma atitude essencialmente protecionista e uma ideia de infância associada ao tempo da inocência.

Em suma, independentemente das suas posições relativamente aos exames, professores e pais esgrimem os valores que advogam para darem conta das tensões geradas pelas exigências de "mais e melhor escola" (Torres e Palhares, 2014). As suas opiniões expressam diversas conceções de infância e educação que são indissociáveis do que crêem que deveria ser o tempo da infância, o papel da escola e a função das provas escolares. Numa determinada perspetiva, defende-se que as capacidades infantis não podem ser desperdiçadas mas antes tornadas úteis porque, sendo cedo estimuladas para a performatividade e canalizadas para uma escolarização de sucesso, são preparadas para um mundo competitivo. Numa versão mais branda, entende-se que cedo devem ser expostas à prestação de provas para ganharem responsabilidade pelos seus deveres como crianças: estudarem e serem bons alunos. Numa terceira aceção, as experiências diversificadas com outros na exploração do mundo não escolar e escolar são vistas como alicerces de modos de conhecer significativos, de descoberta e realização pessoal, e de participação social que perseguem uma ideia de sucesso como humanização do indivíduo, na qual se desvaloriza a função das provas.

A PRESSÃO PARA A PERFORMANCE GERADA PELOS EXAMES: EXPRESSÕES EMOCIONAIS DE ADULTOS E CRIANÇAS

Subjacentes aos argumentos anteriormente apresentados detetam-se expressões emocionais em torno dos exames, que passaremos a desenvolver. Como veremos, as ansiedades geradas pelo medo de não se conseguir corresponder às exigências da performatividade estão muito presentes nos discursos dos professores, pais e crianças.

ANSIEDADE: OS PROFESSORES COMO VÍTIMAS E COMO CÚMPLICES

Não sendo nenhum professor indiferente aos exames, sublinha-se o laço de interdependência com os alunos e a sua radicalização em torno do exame. Alguns professores reconhecem mesmo sofrer de ansiedade e contaminar os alunos, já que esta medida política, por via dos resultados obtidos, também os coloca em causa e sob a mira dos pais, dos colegas e da sociedade em geral, expondo-os como outro dos alvos de avaliação:

Nós transmitimos alguma ansiedade aos nossos alunos porque, ao fim e ao cabo, nós também estamos a ser avaliados! A ansiedade está do lado dos pais, está do lado dos professores [Prof1/P28/RTP1/18-05-2015/13h34].

Percebe-se, neste processo de circulação da ansiedade, que a preocupação com os exames marca irremediavelmente a vida escolar, tanto mais que a sua preparação parece ser iniciada, paulatinamente, "ao longo dos anos letivos", muito antes de a criança atingir o 4.º ano. Neste sentido, os professores do 1.º ciclo revelam reações semelhantes às dos seus colegas nos outros níveis de ensino, relativamente à existência de exames e rankings escolares (Torrance, 2011), parecendo sensíveis à ideia de que a performatividade das crianças espelhará, de algum modo, a sua própria performatividade.

Colocando-se na perspetiva das crianças, e enfatizando a idade, professores e responsáveis pela gestão escolar identificam e denunciam a pressão que os exames podem exercer sobre elas, manifestando sentimentos de consternação face ao adultocentrismo com que são tratadas. De novo voltam a ser evocadas as condições de formalidade a que obedece a realização dos exames, cuja prematura disciplina e assepsia é vista como exagerada e inútil para as crianças e fator de propensão para alimentar climas de ansiedade. No posicionamento crítico dos professores que condenam a visão da criança como um homúnculo (Ariès, 1978) reforçam-se novamente interdependências entre eles e os alunos onde são visíveis atitudes que visam libertar ambos de constrangimentos institucionais e emocionais:

A professora despede-se dos alunos antes de irem para o exame, dando conselhos personalizadamente e beijinhos a cada aluno, de forma muito afetuosa [Prof1./P12/ SIC/10-05-2013, 13h15].

Depois de todos terem entrado na sala, a professora aproxima-se da porta e à distância, espreita para dentro da sala e diz-lhes: Calma, tá bem?! Calma! Reforçando com um gesto com a mão. Adeus! Faz o gesto com a mão e envia-lhes beijos. [Prof1/P22/SIC/19-05-2014/13h55].

[O diretor da escola, de braços abertos, dirige-se às crianças que estão sentadas num grande círculo à sua volta] Meus amigos! Um bom dia para todos! Gosto muito de vos ter aqui. Vai correr bem! Tudo! Muito obrigada! [Prof/P31/SIC/19-05-2015/13h51].

ENTRE A DESDRAMATIZAÇÃO E A APREENSÃO: OS PAIS

Constituindo um grupo em que coexistem posicionamentos vários face aos exames, não admira que as reações face à pressão dos exames por parte dos pais/mães entrevistados sejam, também elas, matizadas. Alguns desdramatizam os possíveis efeitos perniciosos dos exames sobre as crianças relativizando o peso que lhe é atribuído socialmente, em prol da valorização do seu conhecimento acerca das competências e autonomia das suas crianças:

Eles sabem perfeitamente o que estão a fazer. Estão tranquilos… Eles sabem pró que vão. [Mãe A/P28/RTP1/18-05-2015/13h34].

Estou tranquila. A Maria é boa aluna, preparou-se ao longo do ano, portanto, para mim os exames acabam por ser mais uma prova [Mãe B/P28/RTP1/18-05-2015/13h34].

A resiliência infantil apresenta-se como uma virtude a exercitar para que as crianças se tornem mais seguras e conscientes de si e mais auto-responsáveis. Usufruir da tranquilidade torna-se então uma espécie de recompensa por se ser bom aluno e não um direito de bem-estar essencial a qualquer ser humano. Estes pais, no seu trabalho de desdramatização parecem procurar controlar os efeitos de contaminação do clima emocional reinante sobre a sua família. Mobilizam, para isso, competências socio-emocionais e psíquicas de compostura, necessárias à manutenção pública da face (Goffman, 1993) e à naturalização do fenómeno:

Eu acho que isto é normal. Eu tentei não lhe transmitir muito stress relativamente a isto. Acho que não! Acho que é um passo e que ele tem que perceber que tem que lidar com isto! [Mãe/P30/TVI/18-05-2015/ 19h21].

Já de outra fibra moral e menos assertivos parecem ser os pais que vivem o exame dos seus filhos com ansiedade e consternação, exteriorizando uma subjetividade exaltada em que sentimentos e emoções, tornados num só, revertem para si as "dores" afetivamente projetadas nos filhos. Várias reportagens no dia do exame mostram imagens de pais concentrados do lado de fora das escolas, junto ao gradeamento, ou agarrados a ele, a olhar para dentro do recinto escolar com cara de apreensão, e que, quando entrevistados, afirmaram:

Tento não passar para ele, mas também estou um bocadinho apreensiva… [Mãe/P13/TVI/10-05-2013/13h09].

Acho que estamos nós mais nervosos que eles! [Mãe C/P28/RTP1/18-05-2015/13h34].

Para os pais/mães que dificilmente conseguem esconder a sua própria perturbação com os exames volta a ter importância o argumento da inutilidade de sujeitar precocemente as crianças a tal prova. Isso reitera a prevalência de conceções de infância em tensão – de um lado, como um tempo único, sem preço (Zelizer, 1985), a proteger e a prover com as condições e relações necessárias ao seu bem-estar pessoal, social e explicitamente, emocional; do outro, como um tempo útil e produtivo que deve ser ocupado cognitivamente e rentabilizado sem mais delongas, investindo na escolarização desde tenra idade.

ENTRE NERVOS, MEDOS E TRANQUILIDADE APARENTE: AS CRIANÇAS

Os modos como as crianças lidam com a pressão para a performatividade parecem ser processuais e indissociáveis das temporalidades que se fazem sentir diferentemente antes dos exames, no próprio dia, após o seu terminus ou aquando da publicação dos resultados. Assim sendo, antes do exame, a maioria refere:

Estou muito nervoso, porque conta para nota. É o medo de passar e não passar [CRI/P1/RTP1/07-05-2013/13h08].

Disse [à mãe quando acordou] que estava preocupada porque podia não passar e disse que senti que não estudei o suficiente para o exame [CRI/P4/SIC/07/05/2013/13h11].

Estiveste a chorar?

A menina sorri meia envergonhada e abana afirmativamente a cabeça.

Porquê?

Estava nervosa, estava nervosa!

Porque é que estás nervosa?

Vai ser o meu primeiro exame!… Não sei como é que vai correr… [CRI/P30/TVI/18-05-2015/19h21].

Sublinha-se nos discursos das crianças, o estado de intensa carga emocional que antecede e antecipa o momento do exame, dominado por expressões de ansiedade, insegurança e descrença nas suas capacidades e competências, em que "o medo de errar" e "não passar" parecem ser vistos como uma provação da qual os únicos culpados são elas mesmas. Agir com base na antecipação das consequências, culpabilizar-se pelo insucesso escolar, estudar de forma abnegada e com afinco, configuram uma espécie de panótico em cuja disciplinação (Foucault, 1975) o bom aluno se fabrica. Percebe-se também neste clima, a interdependência entre crianças e mães, aqui relembradas como confidentes e "porto de abrigo".

Não estando isentas de ansiedade, mas exibindo uma maior descontração e controlo racional, outras crianças procuram libertar-se do drama dos exames, e enfrentá-los, socorrendo-se de argumentos radicados na confiança em relação às suas próprias capacidades, essencial na construção de uma imagem distinta de si como aluno profissional, i. e. competente e eficaz:

Eu sinto-me um bocadinho nervosa, mas sei que vai correr tudo bem.

Porque dizes isso?

Porque os exames são mais um teste e é como se fosse um teste normal, não é um exame [CRI/P11/SIC/10-05-2013/13h12].

Eu não estou nervosa porque estudei! [CRI B/P1/RTP1/07-05-2013/13h08].

Outros avançam argumentos que permitem inferir alguns dos modos usados para transformarem a ansiedade em confiança e autocontrolo: nuns casos, assumindo uma atitude pragmática e racional; noutros, fazendo do estudar uma ética do trabalho, como já mencionado; noutros ainda, por via da endurance e familiarização com os exames, entretanto adquiridos pelo treino:

Não é uma questão de sorte mas de raciocínio para conseguirmos passar [CRI/P2/RTP1/07-05-2013/20h14].

Não [estou nervosa], porque já vi como é que são os exames pelo de Português e também estudei imenso e sei que me vai correr bem! [CRI/P33/TVI/20-05-2015/13h50].

Não admira por isso que, após o exame, a maioria das reações infantis oscilem entre mais ou menos alívio e satisfação:

Pensava que era muito difícil, mas depois quando lá cheguei vi que aquilo era fácil. Consegui fazer tudo na calma [CRI/P7/TVI/07-05-2013/20h33].

Muito mais aliviada! [CRI/P4/SIC/07-05-2013/13h11].

As causas para tal descompressão parecem ficar a dever-se à perceção de que as dificuldades antecipadas relativamente ao conteúdo do exame teriam sido exageradas, uma vez que o resolveram sem dificuldades:

Correu bem! O teste foi facílimo e o 1.º caderno foi muito facílimo! [CRI/P22/SIC/19-05-2014/13h55].

Correu bem. Sim, eu estava a chorar mas agora já… pronto… até foi fácil [CRI/P30/TVI/18-05-2015/19h21].

Porém, nem sem sempre assim aconteceu, e, portanto, outras crianças, referem, à saída do exame, o seu desânimo e incerteza relativamente à sua performance:

[Menina que chorava antes de entrar para a escola, entrevistada após o exame, diz:]

Correu bem.

Estás assim um bocado desanimada, o que é que aconteceu?

[A menina, sorrindo, atrapalhada:] Não aconteceu nada… [CRI A/P13/TVI/10-05- -2013/13h00].

Não foi assim como eu pensava. Foi um bocadinho pior do que o que eu fazia na escola [CRI/P7/TVI/07-05-2013/20h33].

A auto-avaliação titubeante da performance, denotando uma certa insatisfação com a prestação acabada de realizar, sugere, novamente, que para as crianças o ónus possa recair sobre si, ao mesmo tempo que reintroduzem, pelas suas vozes, os efeitos das condições de realização dos exames: a descontextualização e a estranheza, desde o ambiente institucional ao relacional, podem afetar negativamente o desempenho e a performance escolares.

Ansiedade é então a palavra que melhor descreve o clima emocional que é gerado e que circula entre professores, pais e crianças a propósito dos exames, na TV, tal como constatámos na blogosfera (Melo, Diogo e Ferreira, 2016). Expondo a dupla tensão moral e emocional que recai sobre os atores educativos, torna-se sobretudo visível na TV a densidade que a pressão em torno dos exames do 4.º ano pode atingir e o modo como, cada um à sua maneira, procura fazer-lhe face. Levar mais longe a compreensão destas formas de reatividade aos exames requer assim uma atenção particular às práticas educativas parentais e escolares que se desenvolvem no quadro das relações de interdependência entre infância, família e escola, de modo a surpreender os seus impactos.

EXAMES DO 4.º ANO: REFLEXOS NAS PRÁTICAS ESCOLARES E FAMILIARES

O acionamento de estratégias várias por parte dos atores educativos para lidarem com os exames, embora podendo conter uma boa dose de imprevisibilidade, deixaram antever, em alguns casos, um trabalho de fundo que se desenvolve em torno das práticas educativas, escolares e parentais. Estas envolvem, simultaneamente, métodos de estudo e um trabalho emocional (Hochschild, 2008) que visa a preparação para os exames, colocando em relação, quotidianamente, adultos e crianças. Este trabalho emocional pode ser definido como "o ato de tentar mudar em grau ou qualidade uma emoção ou sentimento" (idem, p. 122). Em causa estão agora os modos como, no seio das dinâmicas escolares e familiares, professores, pais e crianças (re)organizaram e alteraram os seus quotidianos e rotinas para dotarem alunos e filhos, ou estes mesmos se dotarem, com os recursos cognitivos e emocionais necessários para virem a enfrentar os exames com sucesso. Procura-se então perceber a expressão dessas transformações que antecederam a preparação para os exames, com base na análise dos discursos dos atores diretamente envolvidos num momento extraordinário que é o próprio dia de exame.

REFLEXOS DOS EXAMES NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS ESCOLARES: PROFESSORES DO 1º CICLO E CRIANÇAS

As considerações feitas pelos diversos agentes entrevistas na TV sobre o impacto dos exames nas práticas educativas escolares permitem apreender um elevado grau de mobilização demonstrado pelos professores e pelos seus alunos com vista a garantir a realização de uma prova bem-sucedida, com resultados satisfatórios para todos. Aqui, a relação trabalho escolar-tempo, explorada em termos de extensão e de intensidade, desempenha um papel apreciável:

Já fizemos muitas fichas, esta vai ser mais uma [CRI/P8/TVI/07-05-2013/20h36].

A nossa professora tem feito muitos exercícios e estudamos muito. Por isso acho que vamos conseguir [CRI/P11/SIC/10-05-2013/13h12].

A professora deu-nos bastantes testes de treino e graças a isso acho que estou preparado! (…) Estamos preparados! [CRI/P31/SIC/19-05-2015/13h51].

Através das vozes das crianças é possível vislumbrar um quotidiano escolar pautado por um trabalho pedagógico que parece ser fortemente condicionado por aquele evento final e preenchido, pelo menos a partir de um determinado momento, com atividades de treino sistemático e intensivo de preparação curricular para os exames, assentes em práticas escriturais (Lahire, 1997). Falamos da repetida realização de testes e fichas padronizadas, em muito semelhantes às provas que terão de enfrentar, e de uma possível uniformização de determinados modos de pensar e raciocinar que devem ser expressados com elevada prontidão. Este tipo de exercícios converte-se, assim, numa socialização por antecipação dos exames que assume ainda outros contornos, especialmente relevantes no caso das crianças que maiores distâncias sociais e geográficas apresentam face às dos centros urbanos:

Levámos antecipadamente as crianças à escola sede do agrupamento para se ambientarem (…) fizemos algumas atividades para eles se sentirem em casa [Prof1/P4/SIC/07-05-2013/13h11].

Cuidar de familiarizar previamente as crianças para obviar efeitos negativos da estranheza e das ansiedades parece ser o mote que orienta a ação dos professores do 4.º ano de escolaridade, fomentando uma estreita interdependência com os seus alunos relativamente aos resultados pretendidos, mas também presente no próprio dia do exame através do forte apoio emocional que lhes prestam, como já anteriormente salientámos.

A par dos processos intensivos de alunização das crianças (Matos, 2008) e de construção de um ethos de aluno profissional (Perrenoud, 1994), coexistem, assim, atitudes de suavização afetiva do momento da performance por parte destes professores. O seu pendor "maternal" contrasta com os discursos políticos da necessidade de habituação das crianças ao rigor e formalismo, e confere às relações pedagógicas que estabelecem uma face humana, nem sempre visível nos media, e que poderá ser entendida como um ajustamento de tipo secundário (Goffman, 1993) à ideologia da performatividade.

REFLEXOS DOS EXAMES NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS PARENTAIS: PAIS E CRIANÇAS

Verificámos na blogosfera algumas facetas do impacto dos exames nas práticas educativas dos pais das classes médias urbanas muito escolarizadas, sobretudo das mães. Estas mães, que valorizam os seus filhos como crianças e como sujeitos culturais, e enaltecem as vantagens de aprendizagens descoladas da cultura escolar para alcançarem o sucesso escolar, estão longe de se eximirem à vigilância, orientação e estimulação culturalmente selecionada dos seus tempos de lazer, circunscrevendo essas experiências a um determinado arbitrário cultural (Bourdieu e Passeron, 1990), cujos valores não são socialmente neutros. Subentende-se, então, que as práticas educativas daquelas famílias, independentemente de serem desencadeadas por iniciativa dos adultos ou das crianças, convergem numa preparação consciente e relativamente atempada para os exames.

Em compensação, na televisão, são as vozes infantis que se encarregam de descrever uma pluralidade de práticas educativas familiares em que se configuram diferentes graus de mobilização das crianças e dos pais na preparação para o exame, com diferentes modalidades de estudo e com diferentes usos do tempo. Umas mencionam claramente o papel dos pais no seu estudo, num acompanhamento regular ou mais pontual, revelando como a participação parental no seu processo de escolarização parece ser importante para se sentirem mais confiantes e mais bem preparadas para o exame:

Menino diz, com um ar um bocadinho envergonhado: estive a estudar, algumas partes sozinho, outras com os meus pais [CRI/P19/RTP1/19-05-2014/13h10].

Tenho estudado com a mãe e com o livro que tenho das provas dos exames. Assim treino as rasteiras e as coisas que aparecem nos exames! [CRI/P26/RTP1/16-05-2015/20h21].

Outras crianças terão estado, eventualmente, mais entregues a si próprias no estudo para se prepararem para os exames. Esse parece ter sido o caso de algumas que sugerem ter-se empenhado apenas nas vésperas do exame e em que marcas da crença religiosa, porventura reforçadas com o peso que os mitos exercem no imaginário infantil (Corsaro, 1997), se expressam na necessidade ou conforto que sentem em apelar à ajuda divina:

Estudei no fim-de-semana [antes do exame].

E para a coisa te correr bem, o que é que fizeste mais além de estudar?

Orei à santinha para me dar boa sorte! [CRI/P22/SIC/19-05-2014/13h55].

O facto de estas crianças serem oriundas de regiões mais rurais e do interior do país, leva-nos a colocar a hipótese de existir um desigual investimento e acompanhamento parental dos trabalhos escolares por parte das famílias detentoras de capitais económicos, sociais e culturais mais escassos e/ou menos valorizados socialmente, apesar de a televisão não contextualizar objetivamente a condição socioeconómica das famílias.

Não deixam, por outro lado, de ser relevantes nas peças da TV os indícios que apontam para as desiguais condições sociogeográficas que pesam sobre as crianças para frequentarem a escola e poderem realizar o exame em condições de equidade com os seus colegas da cidade. Foi justamente em algumas destas peças que a presença dos professores do 1.º ciclo mais se fez sentir: não só acompanhavam os "seus" alunos no longo percurso até à cidade, como o faziam dentro da escola, até à porta da sala do exame, e aguardavam com expectativa a sua saída. Trata-se de uma atitude que parece mesclar o cuidar imediatamente associado às funções de maternagem com um outro cuidado político relativamente à infância em que assumem a salvaguarda dos direitos destas crianças a uma educação digna.

A dimensão afetiva que envolve os momentos de tensão prévios à realização dos exames vislumbra-se nos ínfimos desvelos maternos postos em prática para minimizar a ansiedade e nervosismo das crianças:

Hoje dei-lhe um chazinho a ver se ela acalma. A ver se ela vinha mais calma [Mãe/P13/TVI/05-10-2013/13h09].

As reportagens mostram recorrentemente imagens de mães a confortar os filhos com gestos afetuosos, à entrada das escolas, sublinhando o trabalho emocional que, além dos professores, a generalidade dos pais realiza neste momento singular, tentando gerir as emoções ou agir em profundidade, através de estratégias cognitivas, corporais e/ou expressivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tal como começámos por afirmar, gerou-se em Portugal, desde 2012, um debate nos media acerca dos exames nacionais do 4.º ano, que tem alimentado o discurso que faz a apologia da performatividade por via de um trabalho escolar intensificado. Assumindo a TV como uma plataforma de acesso, ainda que exploratória, à opinião mediada dos atores sociais, analisámos, neste texto, as reações à reintrodução destes exames por parte de um conjunto heterogéneo de crianças, pais e professores, fazendo contrapontos com as que foram registadas na blogosfera (Melo, Diogo e Ferreira, 2016). Embora com visibilidades sociais muito diferentes, nos blogues essas reações abrangem as vozes de professores de diferentes níveis de escolaridade e de pais/mães das classes médias com elevadas qualificações académicas; na TV generalista, são difundidas as vozes de professores do 1.º ciclo, pais e crianças, recobrindo um maior leque sociocultural e geográfico, mas que é tendencialmente apresentado segundo dicotomias que simplificam e tornam a realidade social estereotipada.

A TV vem confirmar que o posicionamento crítico dos professores, já verificado na blogosfera, se alarga aos docentes do 1.º ciclo, sendo os seus discursos marcados pelo seu envolvimento direto na experiência dos exames. A sua discordância deve-se à valorização que fazem da avaliação contínua e às condições de realização dos exames, que consideram desadequadas à faixa etária dos alunos. A pressão para a performatividade parece ser por eles reconhecida, na medida em que consideram que os desempenhos das crianças nos exames poderão espelhar a qualidade do seu trabalho. Daí a forte carga emocional, marcada pela ansiedade, com que parecem experienciar os exames.

Já os posicionamentos dos pais/mães em relação aos exames mostram-se plurais. Para além da diversidade de condições socioeconómicas e geográficas das famílias se traduzirem em desiguais envolvimentos na preparação dos exames dos filhos, constatámos diferentes graus de adesão à ideologia da performatividade, que oscilam entre o conformismo e a oposição. Em contrapartida, na blogosfera, as mães das classes médias escolarizadas tendiam a manifestar-se "a favor", convergindo para uma naturalização dos exames e incorporando o dever de garantir o sucesso e bem-estar dos seus filhos.

As razões para se compreenderem os posicionamentos dos adultos surgem mais evidentes quando se analisam as expressões emocionais geradas pela pressão para a performatividade sobre estes atores. Sobressai, em todos eles, na TV, tal como na blogosfera, a partilha de dois problemas associados – a ansiedade suscitada pelos exames e o "como" lidar com ela sem prejuízo da performance académica –, que configuram um intenso trabalho emocional em que todos os atores são mutuamente envolvidos. Na generalidade das peças televisivas, destaca-se a importância do acompanhamento afetivo por parte dos pais e dos professores como forma de minimização da ansiedade das crianças, através de múltiplas formas, desde o acompanhamento à escola, a gestos e/ou palavras de consolo até chazinhos ou orações. A indissociabilidade entre esta dimensão emocional e a dimensão cognitiva, acionada na interdependência entre adultos e crianças, permite vislumbrar a complexidade inerente à preparação para a performance que os exames implicam, tanto no contexto familiar como no escolar.

Tendo os exames como horizonte, identificaram-se temporalidades indissociáveis de determinadas práticas de trabalho escolar que culminam com o momento da realização do exame, e cuja gestão supõe outros momentos, mais ou menos alongados e intensos, que antecedem a sua preparação na escola e em casa. São fundamentalmente estes momentos de preparação que acabam por marcar a vida escolar e por se imiscuir e invadir a vida e o lazer familiares: contrariando a ordem geracional tradicional, professores, pais e crianças reagem à pressão para a performatividade, todos eles com elevada carga emocional, seja com ansiedade e consternação, seja com naturalização e desdramatização.

Relativamente às práticas escolares, é possível observar um elevado grau de mobilização dos professores, através de um modo de trabalho intensivo para os exames baseado no treino pela resolução de fichas e testes, e complementado por uma suavização afetiva do momento da performance, que concorrem para a construção de um ethos de aluno profissional.

A incorporação da ideologia da performatividade parece refletir-se quer nas crianças que desdramatizam os exames através da construção de uma imagem de si como alunos profissionais, i. e., competentes e eficazes, quer naquelas que manifestam insegurança e descrença nas suas capacidades, em que "o medo de errar" ou "não passar" surge como uma provação na qual elas serão as grandes responsáveis.

As práticas familiares que nos chegam através da TV salientam o investimento e acompanhamento parental da escolaridade que será realizado por parte de algumas famílias, sendo sobretudo visível o forte acompanhamento emocional que dispensam aos filhos no dia da realização dos exames. Enquanto na blogosfera encontrámos a maternalização dos exames traduzida numa pedagogização/curricularização intensificada do quotidiano familiar das classes médias escolarizadas, as reportagens televisivas não fornecem dados suficientes para caracterizarmos socioeconomicamente as famílias e identificarmos o tipo de acompanhamento que efetuam do trabalho escolar dos filhos e de como os preparam para os exames. Sendo muito reduzido o número de reportagens que entraram na casa das famílias, foi essencialmente através das vozes das crianças que este acompanhamento parental foi percecionado, quando estas valorizavam a ajuda no estudo que tinham tido em casa. Ainda assim, foi possível observar nas reportagens algumas crianças que parecem ter ficado mais entregues a si próprias para se prepararem para os exames, estando, porventura, mais dependentes da presença e apoio emocional prestado pelos professores.

Nas combinações que poderão subsistir entre as agências de adultos e as agências de crianças, nas peças televisivas analisadas encontram-se adultos que agem como professores e pais/mães, professores-maternais e pais/mães-pedagogos, e ambos como mentores culturais ou camaradas das crianças, por um lado, e, por outro, crianças que agem como filhos-alunos, alunos-filhos ou filhos-crianças.

Não obstante as sinergias que possam existir em torno dos exames do 4.º ano por parte dos atores neles envolvidos, pode dizer-se que os momentos que antecedem a preparação para as provas parecem contaminar totalmente a vida escolar e familiar, segundo uma equação em que o esforço da responsabilização das crianças e o da suavização afetiva da pressão dos exames oscilam em tensão, enquanto modos de fabricação de alunos capazes de lidar eficazmente com a performatividade em idades cada vez mais precoces.[3]

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LEGISLAÇÃO

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Recebido a 14-02-2017. Aceite para publicação a 17-04-2018.

 

[1]       Os exames de 12.º ano começaram a ser realizados em 1995-1996; em 2004-2005 foram introduzidos os exames nacionais do 9.º ano, sendo em 2012 que surgem os do 6.º ano e os do 4.º ano.

[2]       Veja-se a implementação das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (1997 e 2016) em que algumas das principais justificações assentam, precisamente, em preocupações com o insucesso escolar, a sequencialidade educativa e a aprendizagem da literacia e numeracia.

[3]       As autoras agradecem os contributos dos avaliadores para o aperfeiçoamento deste artigo.

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