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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.227 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018227.04 

ARTIGOS

Agenciar raça, reinventar a nação: o Movimento Pelas Reparações no Brasil

Agitating race, reinventing the nation: the reparations movement in Brazil.

Petrônio Domingues*

*Departamento de História, Universidade Federal de Sergipe. Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, Av. Marechal Rondon, s/n, Jd. Rosa Elze, São Cristóvão - CEP 49100-000, Sergipe, Brasil. pjdomigues@yahoo.com.br


 

RESUMO

Agenciar raça, reinventar a nação: o Movimento Pelas Reparações no Brasil. O artigo tem o objetivo de fazer alguns apontamentos acerca do Movimento Pelas Reparações (MPR) dos afrodescendentes no Brasil, na década de 1990. Argumenta-se que esse movimento, além de expressar como os afro-brasileiros estavam (e estão) conectados às lutas e demandas travadas no circuito transatlântico da diáspora negra, preparou o terreno para a atual política de ações afirmativas no país.

PALAVRAS-CHAVE: diáspora africana; população afro-brasileira; reparações; ações afirmativas; movimentos sociais.


 

ABSTRACT

The article makes some notes about the Movimento Pelas Reparações (MPR) of African descendants in Brazil in the 1990s. It is argued that besides expressing how Afro-Brazilians were (and are) connected in struggles and demands waged in the transatlantic circuit of the black diaspora, this movement prepared the way for the current policy of affirmative action in the country.

KEYWORDS: African diaspora; Afro-Brazilian population; reparations; affirmative action; social movements.


 

Imagine if reparations were treated as start-up capital for black entrepreneurs who merely want to mirror the dominant society. What would really change? [Kelley, 2002, p. 133].

19 de novembro de 1993, uma sexta-feira, não foi uma data qualquer no calendário do Brasil. Na véspera do dia nacional da consciência negra, 12 pessoas resolveram promover um protesto diferente para denunciar a situação de subalternidade da população afro-brasileira. Foram almoçar no Maksoud Plaza, um dos mais sumptuosos hotéis da cidade de São Paulo. Chegando ao restaurante do hotel, pediram pratos requintados (como camarão, lagosta, etc.), champanhe francês, conversaram, comeram e beberam descontraidamente. No final, pediram a conta e esta – como já esperavam – era de valor estratosférico (aproximadamente US$700). Então ocorreu algo inédito na história do país: as 12 pessoas disseram alto e em bom som ao gerente do estabelecimento que a conta deveria ser creditada na dívida secular que a sociedade brasileira tem com todos os afrodescendentes; logo, não seria paga.

Depois de perceber que a coisa era séria e o grupo não pretendia saldar o seu débito, o maître Dorival Teixeira chamou a equipa de segurança do Maksoud e começou uma negociação polida entre os "clientes" e o hotel. A conversa foi tomando um tom mais agressivo até chegar ao contacto físico entre manifestantes e segurança, que tentava impedir a saída do grupo. Nesse momento, entre palavras de ordem ("os negros têm direitos") e cobranças dos seguranças, a confusão já estava formada no estacionamento do hotel. Foi chamada a Polícia Militar. Os manifestantes formaram um cordão para saírem juntos do hotel. Seguranças e policiais tentavam agarrá-los, para que não fugissem. O empurra-empurra arrastou-se até a Avenida Paulista, a um quarteirão de distância do hotel. Mais policiais foram acionados.

Os seguranças do Macksoud não se conformavam com a fuga do grupo, agarravam as roupas dos manifestantes e pediam que a polícia intercedesse com mais energia. O grupo lançou-se no meio da Paulista, parando o trânsito. O tenente Moreira resolveu então ordenar aos policiais que suspendessem a perseguição e depois prendessem o grupo "fora da avenida". Em vão, pois os manifestantes escaparam. Depois de tanta celeuma – o que envolveu seguranças, policias, e despertou a atenção da grande imprensa e de transeuntes –, a conta não foi paga.[1]

Os manifestantes declararam à imprensa fazer parte do Movimento Pelas Reparações dos Afrodescendentes. Mas que movimento era esse e como se organizava? Que diálogo estabeleceu com a sociedade brasileira? Uma ação de política racial tão radical e baseada no princípio da desobediência civil não se contrapunha ao denominado "mito da democracia racial"? Ou seja, o ato não questionava um dos mitos fundadores da nacionalidade? Aquele foi um protesto extemporâneo ou conectava-se ao contexto afro-atlântico de agenciamentos – na África, nas Américas e no Caribe – que evocavam direitos humanos, cidadania e ressarcimento pelos erros do passado escravista? São essas as principais questões que nortearão o artigo. Embora o movimento negro contemporâneo venha sendo objeto de crescentes pesquisas por parte de sociólogos, antropólogos, historiadores e cientistas políticos[2] não há estudos sobre o Movimento Pelas Reparações, daí a importância da presente investigação. Mostrar que, na década de 1990, alguns afro-brasileiros saíram às ruas, ocuparam o espaço público, desafiaram o status quo, polarizaram a opinião pública, para propugnar uma modalidade de ações afirmativas. Conforme asseveram os especialistas, ações afirmativas são iniciativas públicas ou privadas, se não programas que garantem (ou visam garantir) oportunidades ou outros benefícios para pessoas que pertencem a um ou mais grupos específicos. A ação afirmativa pode adquirir o sentido de reparação por uma injustiça passada, como pode referir-se às políticas públicas (do executivo ou legislativo) ou aos programas de empresas privadas que assegurem a promoção de minorias étnicas, raciais e sexuais, evitando, assim, que indivíduos de certos grupos discriminados tenham os seus direitos alienados (Moehlecke, 2002; Guimarães, 1999, pp. 153-154; Piovesan, 2005; Grin, 2010). Não se trata aqui de esgotar o assunto, mas de traçar de forma inédita e concisa aspetos da trajetória de um movimento que, embora tenha malogrado, se relacionou com os novos contornos da mobilização racial no Brasil.

Este artigo, portanto, tem o objetivo de fazer alguns apontamentos acerca do Movimento Pelas Reparações dos afrodescendentes no Brasil. Argumenta-se que esse movimento, além de expressar como os afro-brasileiros estavam (e estão) conectados aos fluxos e refluxos, aos anseios e às demandas engendrados no circuito transatlântico da diáspora negra, preparou o terreno para as atuais políticas de ações afirmativas no país, políticas que, aliás, redefiniram o racismo como patamar de problema público – processo pelo qual um problema coletivo assume um lugar na agenda das políticas públicas, com as suas causas, características, soluções e consequências sendo estudadas, debatidas e polemizadas por especialistas, movimentos sociais, ONGs, agremiações partidárias, imprensa, intelectuais, operadores do Direito, políticos, em suma, por diversos atores e autoridades da sociedade civil e do Estado (Gusfield, 1981).

A COR DA DESIGUALDADE

O Movimento Pelas Reparações não nasceu no vazio histórico. Na década de 1990, palavras e expressões do vocabulário da democracia – como direitos, cidadania e reparações pelos erros do passado – passaram a ser vergadas para o dever e o devir. O país jazia fraturado pelas desigualdades raciais, de modo que os descendentes de africanos enfrentavam uma série de obstáculos para a afirmação da cidadania. No mercado de trabalho, eles conquistaram avanços importantes, mas continuavam em posição de desvantagem frente aos descendentes de europeus. Segundo levantamento realizado pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR) na região metropolitana de São Paulo em 1998, os assalariados negros ganhavam menos que os assalariados "não-negros" [3] em condições análogas de trabalho, ou seja, com o mesmo tempo de permanência no emprego, grupo de ocupação e nível educacional. O rendimento médio dos primeiros é de R$ 553,00, que equivaliam a 56% dos rendimentos dos segundos (R$ 988,00).[4]

No campo educacional, as iniquidades raciais também se apresentavam de maneira cristalina. A escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade girava em torno de 6,1 anos de estudo; já um branco da mesma idade tinha cerca de 8,4 anos. O diferencial era de 2,3 anos de estudo. Essa disparidade era alta, sobretudo se tivermos em consideração que a escolaridade média do adulto brasileiro girava em torno dos 6 anos. Em 1999, 89% dos jovens brancos entre 18 e 25 não haviam ingressado na universidade. Os jovens negros dessa mesma faixa etária, por sua vez, praticamente não dispunham do "direito de acesso ao ensino superior, na medida em que 98% deles não ingressaram na universidade". Já a taxa de analfabetismo entre os brancos com mais de 15 anos era de 8,3%, ao passo que para os negros era de 19,8% (Henriques, 2001, pp. 26-31).

Ao analisar as desigualdades raciais no Brasil na década de 1990, tendo por base as informações extraídas das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ricardo Henriques observou que os negros levavam desvantagens em relação aos brancos em vários indicadores sociais: estrutura populacional, pobreza, distribuição de renda, educação, mercado de trabalho, condições habitacionais e consumo de bens duráveis. Os brasileiros de ascendência africana constituíam a segunda maior nação negra do mundo, ficando atrás apenas da Nigéria. Em 1999, de acordo com o PNAD, entre os cerca de 160 milhões de habitantes que compunham a população brasileira, 54% declararam-se brancos, 39,9% pardos, 5,4% pretos, 0,46% amarelos e 0,16% índios. Neste quadro, será que a pobreza – os 53 milhões de pobres e 22 milhões de indigentes – estava "democraticamente" distribuída? A resposta é negativa, tendo em vista que negros (pardos e pretos) representavam 45% da população brasileira, mas correspondiam a 64% da população pobre e 69% da população indigente. Os brancos, por seu turno, eram 54% da população total, mas somente 36% dos pobres e 31% dos indigentes. Na avaliação de Henriques, tratava-se de uma constatação "incontornável": nascer de cor "parda" ou "preta" aumentava de "forma significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre". Isto permitiria até pensar na existência de dois brasis: um branco e outro negro, sendo que o primeiro é aproximadamente 2,5 vezes mais rico do que o segundo.[5]

Examinando os números do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – que mensura a expectativa de vida, mortalidade infantil, nível de alfabetização em adultos e número de pessoas matriculadas nas escolas –, Edward Telles notou que o Brasil, em 1999, estava em 69.º lugar entre os 174 países de todo mundo. Quando o IDH, porém, é calculado levando em consideração a fator racial, o resultado é surpreendente. A população "preta" e "parda" brasileira – se contabilizada isoladamente, como um país à parte – ficaria na 108.º lugar, ao passo que a população branca, separadamente, alcançaria 0,784, posicionando-se no 43.º lugar. A expectativa de vida para brancos era "seis anos maior que para negros; a mortalidade infantil 40% menor; o nível de alfabetização de adultos brancos era 28% maior e o número de indivíduos matriculados no sistema escolar era cerca de 12% maior" (Telles, 2003, pp. 215-216).

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Portanto, consultando o IDH e outras fontes da década de 1990, o sociólogo estadunidense chegou à conclusão análoga à de Ricardo Henriques: os cidadãos brancos no Brasil formavam a maioria das classes média e alta, enquanto os negros se encontravam entre os pobres, de modo desproporcional. "A desigualdade racial é maior que nos Estados Unidos", afirmava Telles, "pois o Brasil tem uma estrutura socioeconômica mais desigual e os negros brasileiros têm menos chance de chegar ao seu ponto mais alto" (Telles, 2003, p. 216).

As assimetrias raciais não eram somente um produto dos desequilíbrios regionais, de classes e históricos, mas também um resultado da "ideologia e cultura do racismo". Na década de 1990, havia mecanismos informais que desfavoreciam os negros e privilegiavam os brancos. Os primeiros eram poucos retratados na televisão, na rádio e nos media impressos. Nesses veículos havia uma super-representação de pessoas brancas, tomadas como símbolos de progresso, modernidade, operosidade, inteligência e padrão estético de beleza. Os negros ficavam ausentes nas produções fílmicas, teatrais; nos livros didáticos, na literatura adulta e infantojuvenil e a história africana era raramente ensinada nas escolas. Naquela que foi intitulada a "mais completa análise sobre o preconceito de cor no Brasil", o jornal Folha de São Paulo constatou, em 1995, que as piadas e quadrinhas racistas continuavam vivas no imaginário nacional, como a que diz: "negro, quando não faz besteira na entrada, faz na saída" (Venturi e Turra, 1995).[6]

O MOVIMENTO PELAS REPARAÇÕES

Foi nesse cenário de injustiças sociais e de indicadores desfavoráveis aos afro-brasileiros, nos mais diversos domínios da vida política, social, económica e cultural, que um grupo de ativistas (ou aliados) do Núcleo de Consciência Negra na Universidade de São Paulo (USP) resolveu provocar o establishment e sensibilizar a opinião pública para os problemas oriundos das desigualdades raciais, do presente e do passado. Havia a consciência de que os brancos, mesmo que não fossem agentes diretos do mundo do cativeiro, eram os beneficiários materiais e simbólicos das assimetrias reconfiguradas. É verdade que, desde a abolição da escravidão, nunca se erigiram mecanismos constitucionais legais refratários aos negros; todavia, estes tinham menos possibilidades de inclusão e mobilidade sociais que os brancos. Assim, não havia motivo para os afro-brasileiros acreditarem no tratamento igualitário prometido pela lei: "as práticas sociais se encarregavam, sistematicamente, de reintroduzir a desigualdade de oportunidades" (Costa, 2006, p. 213).

O grupo insurgente era composto por 11 pessoas negras (cinco mulheres e seis homens) e uma branca.[7] O seu gesto de dar um "calote" no Maksoud Plaza não foi obra do acaso. Previamente planejada no NCN e debatida nas instâncias dos movimentos sociais,[8] tratou-se de uma ação "espetacularizada" que tinha uma dupla intenção: produzir um facto político e lançar a campanha nacional Reparações já! Eu também quero o meu. Ao que parece, ambos os intentos foram alcançados. No dia seguinte (20 de novembro de 1993) os jornais da grande imprensa, como o Diário Popular e a Folha de São Paulo, repercutiram o protesto, trazendo chamadas na primeira página.[9] E aos poucos a campanha passou a ser difundida, comentada e debatida. O seu slogan (Reparações já!) era uma alusão aos quase 400 anos de cativeiro no Brasil, "quando os africanos e seus descendentes escravizados não foram pagos pelo trabalho de construção de toda a riqueza material do país".[10]

Os ativistas que promoveram o protesto tentaram colocar em xeque a "fábula das três raças", um discurso da mestiçagem tolerante que, segundo Roberto da Matta, constitui um dos mitos fundadores da nação (Matta, 1987). Enquanto outros tipos de política racial adotados até então (como a promoção simbólica da cultura afro-brasileira, por intermédio do samba na música; da capoeira na prática desportiva e da feijoada na culinária, por exemplo) apresentavam-se como corretivos do modelo estabelecido, sem confrontar diretamente o ethos nacional, a proposta das reparações implicava reconhecer que os afro-brasileiros foram prejudicados ao longo da história e, no limite, significava admitir que esse problema não teria saída possível no interior de uma gramática cultural que retratava a nação como "cadinho de raças". Quando questionado se tinha noção que um protesto fundado no princípio da desobediência civil desafiava o "mito da democracia racial", Luiz Carlos dos Santos – uma das lideranças do Movimento Pelas Reparações (MPR) – respondeu:

Claro que tínhamos. E esse é era o nosso objetivo. Desconstruir o mito da democracia racial. E como isso aconteceria? Os jovens estudantes de Direito têm o dia 11 de agosto como o "dia do pendura". Eles comem e bebem de graça nos restaurantes da cidade [de São Paulo] e todo mundo acha legal tal atitude. A nossa estratégia foi fazer a mesma coisa no dia 20 de novembro, dia da consciência negra, sabendo que a reação de muitos setores da sociedade não seria tão simpática, como aquela que se tem com os estudantes de Direito. Podíamos inclusive ser presos por isso. Prevenimo-nos, contatando dois advogados: a professora Eunice Prudente [da Faculdade de Direito da USP] e o Dr. Celso, ligado se não me engano à Comissão de Direitos Humanos da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Como o nosso plano A deu certo, não precisamos dos serviços advocatícios. O Plano A era terminado o almoço, voltaríamos em pequenos grupos, de ônibus, para a sede do NCN, para uma breve avaliação, e de lá, iríamos, como fomos, participar dos vários eventos do Dia Nacional da Consciência Negra em São Paulo e informar aos presentes o que tinha acontecido[11]

Por essa postura tão controvertida e incomum na cultura política brasileira, os ativistas do MPR foram criticados por setores dos movimentos sociais e acusados de "agitadores", "irresponsáveis", "excêntricos", "inconsequentes" e até "contraventores". Mesmo assim, eles levaram adiante a campanha pelas reparações, que reivindicava do Estado brasileiro medidas redistributivas e o pagamento de US$ 102 mil para cada um dos afrodescendentes. Argumentava-se que devido aos "crimes, aos danos e às atrocidades" causadas pelo "infame tráfico de carne humana", o Estado brasileiro teria uma dívida não só moral, como também material com todos os descendente de escravos. O trabalho não remunerado por quase quatro séculos teria significado uma "expropriação" do africano e dos seus descendentes escravizados, os quais precisavam de ser compensados de forma pecuniária para se começar a fazer justiça em terra brasilis.[12]

No artigo introdutório do debate sobre o MPR, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 10 de outubro de 1993, Fernando Conceição – outra liderança do movimento – proclamava que os negros da diáspora se consideravam "sequestrados" históricos. Os "nossos ancestrais", afirmava ele, "não se movimentaram por conta própria pelo planeta, ao menos nos últimos cinco séculos. Eles foram caçados como animais, com os cães no seu encalço. Foram amarrados, surrados, estuprados, amontoados no lodo dos navios". A África teria sido vítima desse "sequestro histórico monstruoso", que "arrancou" do continente milhões de pessoas e "dilapidou" com suas riquezas materiais nos últimos quinhentos anos. Diante desse quadro de "usurpação", aquela liderança afro-brasileira avaliava que "o mundo branco ocidental, independentemente da forma e do sistema de governo, tinha uma dívida com a África e com os descendentes dos africanos dispersos pelas Américas e pela Europa. Essa dívida tinha de ser paga". E não de maneira simbólica, mas objetiva e materialmente.[13]

A partir da sua sede no Núcleo de Consciência Negra (na capital paulista), o MPR estruturou-se, instituindo e planeando as diretrizes programáticas. Sem a existência de cargos ou comissão diretiva, o movimento expandiu-se e adquiriu uma dimensão interestadual, com representações nas cidades de Campinas, Jundiaí e Santos (em São Paulo) e noutros Estados (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espirito Santo e Bahia)[14] Publicou o Jornal das Reparações, distribuiu boletins e panfletos, editou o Caderno pelas Reparações, produziu T-shirts nas quais se podia ler "Movimento pelas reparações!" e patrocinou uma série de atividades como palestras, encontros, shows, seminários e plenárias (em escolas, faculdades, sindicatos e entidades negras), sem considerar os atos públicos. Em 1993, o rapper carioca Big Richard gravou o seu primeiro álbum pela editora Emi-Odeon. Uma das faixas do disco chamava-se justamente "Reparações-Já":

Eu também quero o meu, pare e repare

E veja o quanto tempo nosso povo se fudeu

Vou te processar também vou te avisar que não estamos

parados e no prejuízo não podemos ficar.

Olhe para trás e veja onde o meu povo está.

Reparações Já! (bis)

Reparações Já! (bis)

Exigimos de vocês, não meia dúzia de cargos ou dinheiro talvez.

Queremos retratação por esses quatrocentos anos de judiação

Norte Sul Leste Oeste, Centro-Oeste e também para Nordeste

queremos reparações, não aturamos esta falsa abolição.

Lutamos muito mais, do que pelo direito a um prato de arroz com feijão.

Refrão

Eu sei que vocês devem estar abismados, porque falo e não fico calado;

muito menos fico parado com o ato desses (racistas otários) nunca mais!

Que deixem nosso povo em paz.

E veja a quanto tempo nosso povo se fudeu

Hoje também quero o meu.[15]

Em 1994, o advogado do MPR representou 14 pessoas – incluindo Maria do Carmo, à época com 125 anos de idade e considerada a única ex-escrava ainda viva no Brasil – e ingressou com uma ação declaratória na Justiça Federal em São Paulo, pleiteando da União o reconhecimento do direito à indemnização dos afro-brasileiros – no "valor total de US$ 6,14 trilhões. Para cada descendente de escravos, US$ 102 mil" –, que seria requerida posteriormente em ação coletiva de execução.[16] Conforme justificava Fernando Conceição naquele momento, "a situação de marginalidade vivida hoje pelos descendentes de escravos foi provocada pela forma como se deu a Abolição". Quando extinguiu a escravidão, o Estado brasileiro omitiu-se, não dando qualquer amparo aos ex-escravos. "Eles não tinham terra, casa, emprego ou escolaridade", ressaltava Conceição.[17] O valor de US$ 102 mil por afrodescendente era resultado de um cálculo estimado pela liderança do MPR, e levava em conta o suposto número de escravos que veio para o Brasil (3,6 milhões), o tempo médio de anos trabalhados por cada um (20 anos) e a renda média anual de trabalhadores dos países "desenvolvidos" (US$ 10 mil). Os salários dos países "desenvolvidos" [europeus] serviram de parâmetro porque foram estes que teriam patrocinado o tráfico de escravos. Eis a justificativa completa de Conceição, que foi publicada no jornal do movimento:

De acordo com [os historiadores] João Fragoso e Manolo Florentino, e David Mills et. al. entraram no Brasil e trabalharam como escravos 3.600.000 africanos. Considerando que cada escravo gerou, pelo menos, 3 filhos/escravos, se chega ao total de que nos quase 400 anos de cativeiro, o Brasil teve aproximadamente 30.700.000 escravos. A vida de trabalho por escravo estima-se em 20 anos. Deduz-se que o trabalho escravo representou 614.000.000 de anos de trabalho não remunerado. Pegando-se como referência o salário mínimo/anual do trabalhador nos países "desenvolvidos", que chega atualmente a US$ 10.000, conclui-se que: os beneficiados da exploração dessa mão de obra gratuita são devedores de US$ 6.140.000.000.000,00 (seis trilhões e cento e quarenta bilhões de dólares). De forma alternativa, podemos dizer que: temos hoje, no Brasil, pelo menos 60.000.000 de descendentes de africanos escravizados. Isto significa que cada descendente é credor do equivalente a 10 anos de trabalho escravo do seu antepassado. Dessa forma, conclui-se que: cada descendente tem direito a receber, individualmente, US$ 102.000,00 (cento e dois mil dólares), aproximadamente.[18]

No dia 13 de maio de 1994 – na data alusiva à abolição oficial da escravidão no Brasil – o grupo originário do MPR, acrescido de mais alguns membros, voltou ao restaurante do hotel Maksoud Plaza, a fim de criar um novo facto político e dar visibilidade ao problema do preconceito racial e da desigualdade social no país. Desta vez, porém, a coisa não correu da mesma forma.

O maître do estabelecimento aproximou-se do grupo no hall e informou que só poderiam almoçar se pagassem antecipadamente os pratos, o que provocou a indignação de Fernando Conceição. "É um absurdo, uma discriminação. Pretendemos pagar", bradou na ocasião.[19] Os integrantes do grupo esperaram cerca de 45 minutos no restaurante até que se resolvesse o impasse com o gerente, que insistia que os pedidos fossem pagos antes de chegar às mesas. O advogado José Roberto Militão, integrante do grupo, deixou então o hotel para registrar queixa de "discriminação racial" no 5.º Distrito Policial (no bairro da Aclimação). "É uma exigência descabida. Não exigem o mesmo dos estudantes que vêm aqui dar o 'pendura'", vociferou outro integrante do grupo, Luiz Carlos dos Santos.[20] O grupo finalmente decidiu pagar adiantado o valor referente às cervejas, uma garrafa de champanhe, frutos do mar e pratos de filé de peixe.

Este episódio é um indicador de como o MPR não passava completamente despercebido naquela conjuntura. Quando chegaram ao restaurante do Maksoud Plaza, os seus membros não puderam contar mais com o elemento surpresa. A campanha pelas reparações já estava entrando em voga, com as suas palavras de ordem cruzando as "fronteiras" da opinião pública, da academia e dos movimentos sociais. Para empreendê-la, o MPR buscou articular uma aliança com as forças políticas consideradas progressistas (a saber: intelectualidade, partidos de esquerda, entidades estudantis, sindicatos, OAB e ONGs internacionais). O auge da campanha ocorreu no biénio 1995 e 1996, quando o movimento angariou a atenção de agências da sociedade civil. Promoveu dezenas de debates, seminários, encontros nos estados (como Maranhão, Bahia, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro); cresceu em número de adeptos e ganhou espaço na grande imprensa, sendo objeto de reportagens nas emissoras de rádio, de televisão (como Globo, Bandeirantes, Cultura, Gazeta) e nos jornais, do Brasil (como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Diário Popular e Jornal da Tarde) e do exterior (pelo menos na Alemanha, em Portugal e nos EUA). O The Wall Street Journal, de Nova Iorque, pautou o MPR em matéria, sendo chamada publicada na primeira página do tablóide.[21] O movimento contribuiu para a popularização da palavra "reparações", que, por sinal, passou a ser utilizada por outros grupos de pressão da sociedade e pelos próprios media como sinónimo de fazer justiça por danos causados no passado.[22]

Aparentemente, nada parecia conter o avanço e fortalecimento do MPR. Essa foi a razão pela qual Fernando Conceição não conseguia ocultar o seu entusiasmo no documento de balanço das atividades do movimento em 1995: "indubitavelmente, o MPR é hoje a mais ousada e revolucionária proposta de luta do conjunto do movimento negro brasileiro". Hiperbólico, ele continuava a ponderação: "Em realidade, nenhum outro movimento social bate de frente com as estruturas arcaicas da sociedade brasileira. Mesmo o Movimento dos Sem-Terra, que também no ano passado passou a merecer maior atenção da mídia, não 'choca' mais, não é mais 'polêmico', não é mais ruptor que o MPR".[23] Não obstante os exageros de Conceição, foi naquele período que o movimento alcançou maior visibilidade pública.

Em 20 de novembro de 1995 – nas comemorações do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares –, milhares de ativistas afro-brasileiros participaram da Marcha sobre Brasília (Reiter e Mitchell, 2009) e, no meio da multidão, era possível ver a bandeira do MPR. Naquela data, foi entregue em discurso no Congresso Nacional uma minuta de projeto de lei respaldada por quase 10 mil assinaturas colhidas nos meses anteriores em vários estados brasileiros. A proposta abordava uma série de políticas de ações afirmativas – cotas no sistema educacional, no mercado de trabalho e nos meios de comunicação –, sendo a mais polémica o pagamento de uma indemnização financeira.[24] Solidarizando-se com o MPR, o então deputado federal Paulo Paim (PT) apresentou oficialmente o Projeto de Lei n.º 1239, que num dos seus artigos requeria da União a indemnização de 102 mil reais para cada descendente de escravo no Brasil: "A União pagará, a título de reparação, a cada um dos descendentes de africanos escravizados no Brasil o valor equivalente a R$ 102 000,00 (cento e dois mil reais)".[25]

Muitos setores da sociedade civil e do poder governamental opuseram-se ao MPR, reagindo com hostilidades das mais diversas. Marcelo Coelho teria sido o primeiro articulista a ocupar as páginas da Folha de São Paulo para atacar o movimento, "logo depois do almoço no Maksoud Plaza". A seu ver, "ações de protesto daquela natureza levariam ao acirramento do racismo no Brasil" (Conceição, 2005, p. 82). O jornalista Nelson Ascher publicou um artigo ("Minorias que querem demais") no mesmo órgão da imprensa, questionando a validade (e seriedade) da reivindicação de uma "indenização monetária" aos afro-brasileiros. Isto não seria mais igualdade de direitos e sim "direitos extras". Partindo desse pressuposto, Ascher desferia uma série de indagações: considerando que parte substancial da população branca das Américas chegou depois da abolição do cativeiro, o que ela teria a ver com esse problema? Se os proprietários de escravos eram uma classe pequena e restrita, devia-se condenar os descendentes dos não proprietários? Podia-se atribuir culpa coletiva a uma raça devido a crueldades cometidas por alguns dos seus membros há mais de um século? Por outras palavras, devia algum grupo ter direitos preferenciais derivados das injustiças perpetradas contra os seus ancestrais? No desfecho de seu artigo, o jornalista da Folha de São Paulo era bastante enfático:

As exigências das alas mais radicais desses grupos [minorias ou grupos sociais há muito discriminados] – num país como os EUA, não o Brasil onde a luta pelos direitos mal engatinha, se tanto – levanta a suspeita de que conquistas como a igualdade de direitos e a separação rigorosa entre o que é público ou privado já não lhes bastam. Almeja-se a aquisição de direitos suplementares garantidos por um acesso preferencial à esfera pública e justificados por sofrimentos ou injustiças ancestrais. Isso pode até ser conseguido, mas às custas do princípio da igualdade que subjaz à democracia. Direitos suplementares e acesso preferencial à esfera pública têm um nome antigo: privilégio.[26]

Para Nelson Ascher, a plataforma do MPR não significava outra coisa senão "privilégio", um mal que atentaria contra o princípio da democracia. Portanto, nada mais inadequado e ineficaz para o Brasil. Partindo do pressuposto de que havia igualdade de direitos para negros e brancos no acesso aos bens, serviços e recursos, ele não reconhecia a legitimidade da campanha que evocava "sofrimentos ou injustiças ancestrais". O debate público sobre as reparações estava instalado no país. Uma semana depois, Marta Suplicy – uma psicanalista e sexóloga que se tornou política – respondeu a Ascher em artigo ("As minorias querem muito mais") publicado na mesma coluna da Folha de São Paulo. Na sua opinião, o fruto da produção da mão de obra negra na "América" ficou para os "americanos brancos". A prerrogativa das políticas compensatórias não seria uma questão de "atribuir culpa coletiva a uma raça devido a crueldades cometidas por alguns de seus membros há mais de um século", como escreveu Ascher, e "sim de tentar fazer algo que possa contribuir para dirimir as dificuldades enfrentadas pelos descendentes de escravos". Para Suplicy, a atitude do grupo de negros – que "comeu e bebeu do melhor no Hotel Maksoud, e saiu sem pagar a conta porque esta lhe era devida por anos de escravidão" – era exagerada, embora lembrasse as atitudes das primeiras feministas quando se declararam inimigas do homem: "faz parte de uma posição radical que tende ao equilíbrio com a aquisição de maior respeito e poder na sociedade".[27]

Cerca de 15 dias depois, Fernando Conceição também procurou refutar as críticas de Ascher num artigo ("Reparação não é um privilégio") publicado no mesmo periódico. O seu argumento era de que a exigência de indemnização por parte dos descendentes de africanos escravizados tinha precedentes históricos entre os judeus, povo do qual Ascher descenderia. A construção e manutenção do Estado de Israel constituía exemplo clássico de indmenização paga pelos que infligiram sofrimento a um segmento populacional. Até hoje a Alemanha estaria indemnizando os judeus. Do mesmo modo fizeram os EUA com os descendentes de japoneses confinados em "campos de concentração" durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945): estariam a indemnizá-los com US$ 20 mil individuais. Para concluir, Conceição ponderava:

Reparar os danos perpetrados contra os nossos ancestrais, sejamos negros ou judeus, não é exigir privilégios. Os países que sequestraram do continente africano entre 20 milhões a 200 milhões de pessoas, nos 400 anos de tráfico, têm uma dívida para com a África. Foi a partir dessa mão de obra gratuita que se iniciou, efetivamente, a riqueza do mundo branco ocidental. Essa riqueza é fruto das atrocidades cometidas contra um povo, no maior genocídio ainda não reparado da história da humanidade. Genocídio e escravidão são crimes contra a dignidade humana, são crimes imprescritíveis, com repercussões através dos séculos. No Brasil, maior país escravocrata das Américas, teriam entrado 3.600.000 africanos – outro tanto morreu na travessia, nos fétidos porões dos navios negreiros As consequências disso é o status subalterno da negrada até hoje. Está na hora da sociedade brasileira, como um todo, ser cobrada. Não queremos apenas o reconhecimento e o pagamento moral desse crime. Além disso, queremos a nossa parte da riqueza que ajudamos a construir.[28]

De facto, as reparações a grupos específicos têm lastro na história. O mais célebre caso beneficiou os judeus que, por causa horrores cometidos pelo nazismo, foram (ou estão sendo) ressarcidos, tanto por parte da Alemanha (em mais de 58 bilhões de dólares) quanto pela Áustria e pela Suíça. Os japoneses – confinados arbitrariamente em campo de isolamento pelo governo dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial – foram indemnizados. Estima-se que cada japonês, descendente dos que sofreram nos campos de isolamento, recebeu US$ 20 mil, a partir de uma lei (Civil Liberties Act) aprovada no Capitólio em 1988 e sancionada dois anos depois. Dadas às perseguições, espoliações e chacinas, algumas nações indígenas na América do Norte foram ressarcidas materialmente. Os esquimós do Alasca também o foram, num bilião de dólares (Kelley, 2002, pp. 113-114).[29] Enfim, os casos análogos poderiam alongar-se, mas os listados aqui são suficientes para mostrar as fontes de inspiração do Movimento Pelas Reparações dos Afrodescendentes. Longe de ser inédita, tratava-se de uma política pública que já tinha sido adotada em outros países, e mesmo no Brasil[30] Entretanto, Nelson Ascher não conseguia concebê-la nesses termos. O jornalista da Folha de São Paulo, Geraldo Magela Quintão (o então advogado-geral da União) e a maior parte da opinião pública não aprovavam a campanha do MPR, por várias razões. Diziam que era "descabida"[31] e o afro-brasileiro não precisava de filantropia, nem esmola. Outros diziam que jamais se sujeitariam a receber "migalhas" por parte do Estado brasileiro. Alguns afirmavam que esta ideia era alienígena, incompatível com a "especificidade do nosso racismo sui generis".[32]

Até fações do movimento negro e operário mostraram relutância face à campanha[33] e, em algumas circunstâncias, passaram a tratá-la com chacotas. Vale a pena aqui mencionar o artigo publicado no Jornal do Sintusp – órgão de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da USP –, no qual lideranças afro-brasileiras e sindicais acusavam a proposta de reparações de "oportunista", "de caráter lotérico", de "negociação de balcão, onde cada preto passa no caixa e recebe um bolinho de dinheiro". "Anote esta frase", diziam aquelas lideranças, "quem quer dinheiro? Esta é a propaganda. Dinheiro sem as dificuldades de ter que elaborar, de ter que compreender o sistema e lutar pela sua transformação, sem a necessidade de uma compreensão política".[34]

É verdade que a plataforma das reparações não era revolucionária à luz das categorias analíticas marxistas, mas não nos parece que tinha um sentido alienante. No âmbito da sociedade brasileira, ela conferia visibilidade à questão do negro e chamava à atenção para a necessidade de ampliação da cidadania e dos direitos humanos desse contingente populacional. Em termos da identidade nacional, a proposta das reparações representava uma potencial ameaça à ideologia da democracia racial e, em última instância, apontava a necessidade de reinventar a "comunidade imaginada" chamada Brasil (Anderson, 2008).[35] Quando entrevistado, Luiz Carlos dos Santos revelou que o MPR também queria mudar o "paradigma" do discurso militante. Em vez de cristalizar o negro como "objeto vitimizado apenas, queríamos colocar a cara preta de parcela significativa da população brasileira nas páginas de política, economia, ciência e cultura, mostrando e ocupando o lugar de sujeitos/protagonistas na história do país".[36] Pari passu em que referenciava a agência histórica do protagonismo afro-brasileiro, o MPR inscrevia-se no processo de formação do movimento negro e da construção das suas políticas raciais – um processo contínuo de fazer-se, desfazer-se e refazer-se na experiência, em conexão com as demandas contingenciais em escala tanto local/regional quanto transatlântica, afrodiaspórica.

É nesse sentido que a defesa das reparações se transmutou em instrumento catalisador de uma nova política racial. Antes, porém, de desenvolver esse argumento, vejamos como Paul Gilroy define o Atlântico Negro: um sistema articulado de fluxos e refluxos, deslocamentos, reterritorializações, contatos, trocas e empréstimos envolvendo as populações da diáspora africana e seus descendentes na América, no Caribe e na Europa na era moderna; seria uma estrutura de comunicação transnacional em que tais populações se influenciam reciprocamente, por meio de estilos político culturais, códigos estéticos, ideias, expectativas, discursos, reivindicações, projetos, sempre numa relação dialógica entre o local e o global (Gilroy, 2001).

Tratando-se do MPR, este foi de facto influenciado pela agenda das lides antirracistas do circuito transatlântico. É tanto que o movimento traduziu e publicou no seu jornal a declaração da First Pan-African Conference on Reparations em Abuja (Nigéria) e ainda veiculou na coluna "Pan-African", na edição de dezembro de 1993, o anúncio de que: "O MPR no Brasil começa a contatar entidades pelas reparações no exterior. Planeja-se uma viagem de integrantes do movimento aos Estados Unidos e troca de informações com a Organização pela Unidade Africana".[37] Segundo o historiador Wolfgang Döpcke, a ideia de compensar as vítimas do tráfico de escravos data já dos "primórdios do pensamento pan-africanista na diáspora, desde o fim do século XIX". Nos Estados Unidos, a exigência de ressarcimento pelo sofrimento durante 350 "anos de exploração da mão de obra escrava sem remuneração" manteve-se como um "elemento central" do pensamento negro (dentre outros, de Martin Luther King, de Malcon X e do The Black Panther Party for Self-Defense) e, subsequentemente, "dos movimentos sociais e de direitos civis" dos anos 1960 (Döpcke, 2001, p. 27).

Uma das propostas pioneiras de reparações raciais foi elaborada sob os auspícios da "Queen Mother" Audley Moore. Figura importante do radicalismo afro-americano, ela começou a sua militância como devota admiradora do movimento de Marcus Garvey. Nos anos 1930, aderiu ao Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA), sem contudo jamais ter abandonado o nacionalismo negro. Na década de 1950, fundou a Universal Association of Ethiopian Womens e, na década seguinte, lançou o African-American Party of National Liberation. Como indica Robin Kelley, ela lançou a questão das reparações em 1962, formando o Comité das Reparações dos Descendentes de Escravos (Reparations Committee of Descendants of US Slaves) no ano do centenário da Proclamacão da Emancipacão. O seu agrupamento postulava do governo federal o pagamento de quinhentos triliões de dólares aos afro-americanos, para serem distribuídos entre as quatro gerações seguintes, como forma de recompensa pela escravidão e pelo regime do Jim Crow. No entanto, foi o "Black Manifesto", articulado em 1969, o primeiro projeto sistemático de reparações que emergiu no movimento afro-americano. O documento surgiu quando James Forman – um líder negro socialista do Student Nonviolent Coordinating Committee (SNCC) – foi convidado para falar na Conferência Nacional Negra de Desenvolvimento Económico. Na ocasião, ele lançou o "Black Manifesto", que requeria 500 milhões de dólares em indemnizações a serem pagas pelas "white Christian churches". Argumentava que as instituições religiosas dos brancos participaram e tinham beneficiado da "exploração racista e capitalista do povo negro". Para Forman, 500 milhões de dólares era uma quantia "irrisória" (pela sua estimativa, esse valor, se distribuído, daria 15 dólares por afro-americano), mas ele acreditava que esse dinheiro, ainda assim, poderia ser investido na construção de um "novo movimento revolucionário e no fortalecimento da luta política dos negros e de suas instituições económicas" (Kelley, 2002, pp. 119-121).

Nas décadas de 1980 e 1990, a ideia das reparações disseminou-se nos EUA, resultando na fundação de múltiplos grupos dedicados à causa (National Coalition of Blacks for Reparations in America; Black Radical Congress; Transafrica, December 12th Movement; Nacional Black United Front) e na proliferação de livros, artigos e debates públicos que abordavam os aspetos históricos, económicos, políticos, legais e morais de uma questão tão controversa.[38] O Congresso Nacional norte-americano, em face da pressão levada a efeito principalmente pelos seus membros negros, discutiu em várias ocasiões projetos de lei sobre "desculpas, indenizações e monumentos de homenagem às vítimas do tráfico e da escravidão". A questão ganhou mais destaque no final dos anos 1990, quando importantes líderes do movimento de direitos civis, "inclusive [o pastor e político] Jesse Jackson, e amplos setores da sociedade americana, passaram a apoiar tais reivindicações". Louis Farrakhan e os seus militantes falavam em "holocausto negro", tipificando a escravidão como o "most horrendous holocaust in human history" (Döpcke, 2001, p. 27).

A ideia de pagamento de indemnização pelos males da escravidão foi também esboçada em África (sobretudo Nigéria e Gana)[39] e nos países do Caribe. Com indivíduos e grupos dessas localidades mantendo intercâmbio com o movimento dos afro-americanos, a ideia ganhou musculatura e traduziu-se na criação de entidades, como a "Afrikan World Reparations e Repatriation Truth Commision (AWRRTC), no Gana, e a "Nigerian Civil Society", liderada Moshood Abiola, um chefe político nigeriano. Mais do que fóruns específicos, uma rede de articulação transnacional foi montada. Por iniciativa de Abiola, um grupo – composto por eruditos, representantes governamentais e agentes sociais procedentes da África, da América, da Europa e do Caribe – reuniu-se em Lagos (Nigéria) no final do ano de 1990. Depois de discutir a questão da reparação pelo colonialismo e pelo escravismo e ser ventilada a proposta de cancelamento da dívida externa da África, de devolução dos "tesouros tradicionais roubados" (bens, artefatos e obras de artes) e reconhecimento do tráfico transatlântico de escravo como um crime contra a humanidade, foi instituído um comité internacional.[40]

A Organização da Unidade Africana (OUA) decidiu criar uma estrutura operacional voltada para tratar do assunto em 1992, capitaneada por um comité de eminentes autoridades políticas, personalidades públicas e cientistas sociais (Group of Eminent Persons), além de um secretariado executivo. Naquele contexto, foram organizados vários eventos sobre a reparação africana – Abuja, Nigéria (1993); Quidah, Benin (1999); St. Louis, EUA (1999) e Accra (capital de Gana), também em 1999 – e a questão ganhou dinâmica própria de um grupo de pressão internacional, encarregado inclusive do grande projeto A Rota do Escravo, um estudo patrocinado pela UNESCO para elucidar os factos que estiveram envolvidos em três séculos do "infame tráfico de carne humana" na rede transatlântica. O projeto buscava definir detalhadamente as quantidades, as tramas, as circunstâncias e as responsabilidades sobre o tráfico e a escravidão. Em 1999, uma comissão africana sobre o assunto adotou a Declaração de Acra, na qual países africanos exigiam o pagamento de US$ 777 bilhões pelo tráfico negreiro. Segundo essa declaração, a reparação devia ser paga por "todos os países e pelas instituições da Europa Ocidental e das Américas que participaram do comércio de escravos e do colonialismo e que deles tiraram proveito".[41]

No Caribe e região, surgiram vários grupos para discutir o assunto desde a década de 1980. Apoiando-se em informações históricas e legais, líderes de países – como Jamaica, Barbados, Trinidad e Tobago, Haiti, Guiana e Suriname – estudaram a possibilidade de reclamar aos antigos impérios coloniais europeus (particularmente Inglaterra, França e Holanda) reparações pelo uso de trabalho forçado de africanos e pelo "genocídio" dos indígenas. Aliás, a Comunidade do Caribe (CARICOM) anunciou, há pouco tempo, que moveria uma ação dessa natureza no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia. Não existe consenso sobre a matéria.[42] Já nos EUA, as lideranças do movimento pelas reparações preconizam a necessidade de os afro-americanos elegerem políticos comprometidos com a aprovação de uma lei no Congresso, obrigando o Estado a pedir desculpa pela escravidão e a indemnizar os descendentes de escravos. Calcula-se que deveria ser paga uma soma na casa dos triliões de dólares aos descendentes da diáspora africana naquele país (Martin e Yaquinto, 2007)[43]

Foi, assim, na esteira dessa mobilização no circuito do Atlântico Negro que, no Brasil, alguns grupos começaram a discutir o assunto. É interessante notar que, embora fazendo parte desse circuito, o setor hegemónico do movimento afro-brasileiro insistia até esse instante em não encampar as políticas reparatórias, divergindo ou negligenciando as reverberações de tais políticas à escala internacional. Isso sinaliza como a história do Atlântico Negro – constantemente marcada pelos movimentos em prol da emancipação, autonomia e cidadania das populações afrodiaspóricas – propicia um meio para reexaminar os problemas de nacionalismo, posicionamento político, identidade e memória histórica (Gilroy, 2001).

A linguagem, as permutas de experiências e as teias políticas da "metadiáspora" assumem uma dimensão multilateral, porém os seus significados, as suas negociações e apropriações adquirem um carácter local, configurando o que Kim Butler denomina de "minidiásporas" (Butler, 2007). Aprioristicamente, não se atribui legitimidade às demandas forjadas na esfera transnacional. Estas têm, primeiro, de vencer as resistências democráticas ao nível nacional, antes de serem convertidas em intervenções públicas efetivas. Decerto eventos mundiais, como conferências de cúpulas, "campanhas internacionais ou o envolvimento de atores transnacionais de peso, como as fundações filantrópicas norte-americanas, influenciam os ânimos políticos no interior do país. Esses fatores contam, contudo, como codeterminantes que não substituem os mecanismos nacionais de tomada de decisão" (Costa, 2006, pp. 222-223). Ou seja, os processos de formação do posicionamento em âmbito nacional continuam a ser a principal garantia de legitimidade para as decisões políticas.

RESSIGNIFICANDO POLÍTICAS RACIAIS

Com a atomização interna e o isolamento político cada vez mais crescente, o MPR foi arrefecendo, esvaziando-se, e foi praticamente sepultado no último quartel da década de 1990. Alguns dos seus militantes ainda fundaram o "Comitê Pró-Cotas para Negros na USP" e realizaram uma série de manifestações no campus universitário, como a "crucificação" de um ator negro, um "despacho para Exu" na porta da Reitoria, a queima de uma barreira de pneus no portal principal da USP, sem falar de pichações nos muros do campus.[44] Na fase inicial, a proposta de cotas (ou reserva de vagas) para negros na universidade pública também causou controvérsias diversas. Sem embargo, essa nova modalidade de ações afirmativas foi aos poucos ganhando respaldo no movimento social e suplantou a retórica das compensações pecuniárias. Isto no Brasil, pois, no âmbito global, inclusive na América Latina, a questão das reparações tomou destaque (e proporções) sem precedentes (Mazrui e Mazrui, 2002; Mosquera e Barcelos, 2006; Howard-Hassmann e Lombardo, 2008; Johnston e Slyomovics, 2009; Brophy, 2008).

Na III Conferência da ONU contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban (África do Sul), em 2001, os países africanos reclamavam dos EUA, de alguns países europeus e até mesmo do Brasil, o pagamento de uma indemnização pela escravidão, pelo tráfico de seres humanos e por outras injustiças do passado. Mas não havia consenso. Afinal, de que forma foram os africanos afetados pela escravidão? Quem deveria ser responsabilizado pelo pagamento da indemnização? Que tipo de pesquisa histórica deveria ser feita para determinar o que aconteceu durante os mais de três séculos de comércio de seres humanos? Como poderia ser aquilatada a compensação financeira pela destruição de civilizações? Quem teria o direito de receber tal pagamento? Eram muitas as perguntas e poucas as respostas convergentes para uma questão tão complexa, espinhosa e traumática.[45] Talvez tenha sido por isso que algumas vozes, em vez de indemnização pecuniária, preconizavam o perdão da dívida externa dos países africanos, forma de reparação que, além do cunho moral, seria mais exequível. Outras vozes, como a do senegalês Doudou Diène (diretor do projeto da UNESCO A Rota do Escravo), argumentavam que o ressarcimento financeiro era secundário. Antes que esta questão fosse pautada, era necessário que houvesse reparação moral ou ética e reparação histórico-científica. "A reparação moral ou ética", postulava Diène, "é a base para qualquer outro esforço. Queremos que o tráfico de seres humanos seja reconhecido como crime contra a humanidade pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Pleiteamos a admissão da tragédia e do crime por toda a comunidade internacional".[46]

No Brasil, Ubiratan Castro de Araújo também advogava ideia similar ao argumentar que os males decorrentes da exploração e violência do escravismo, sofridos pelos africanos e seus descendentes, não poderiam jamais ser objeto de uma negociação que levasse "a algum tipo de indenização pecuniária individualizada. O sacrifício de Zumbi, de Manoel Faustino e de Pacífico Licutan não tem preço". Este tipo de reparação daria aos "escravizadores e seus descendentes uma quitação definitiva, uma espécie de 'lavagem de consciência'. Preferimos continuar sempre credores". Em lugar de indemnização monetária, o historiador afro-baiano propugnava a "reparação moral da memória dos que padeceram a escravidão", e a implementação de amplos programas governamentais de carácter compensatório. Não obstante, o direito à compensação deveria ser "entendido como um direito difuso", ou seja, nada de impulsionar políticas públicas focando exclusivamente a população afrodescendente ou orientar-se tão-somente pelo critério racial (Araújo, 2001).

As contradições, ambivalências e narrativas retóricas também compareciam ao debate, quando não serviam para anunciar os sinais dos novos tempos. A perspetiva de reparação económica – para as injustiças históricas derivadas da captura e escravização de africanos no Brasil – foi suplantada pela de reconhecimento ético, legal, político e cultural. Noutros termos, a plataforma das reparações materiais minguou no cenário nacional, porém, caso se considere que "reivindicar reparações é trazer à luz de toda população negra do mundo as injustiças ainda não ressarcidas ao longo da diáspora" – como ventilou um ativista afro-brasileiro (Malachias, 1993, p. 13) –, a ideia de reparações, em vez de enfraquecer, adquiriu um novo formato, ressignificando-se no cenário da política racial brasileira nos alvores do terceiro milénio.[47]

De volta ao MPR. Pode-se dizer hoje – cerca de duas décadas depois da sua extinção – que ele contribuiu para a inflexão na política racial do movimento negro brasileiro. Ainda que as políticas compensatórias fossem conhecidas pelo menos desde os anos 1960, a partir da experiência norte-americana, e já fizessem parte de certa maneira do repertório de reivindicações do movimento negro desde os anos 1980 (Moehlecke, 2002), foi somente no contexto da década de 1990 que se puderam construir as condições de sistematização e legitimidade de tais políticas. Se a proposta que vingou como eixo da luta do movimento não foi a de indemnização em dinheiro aos afro-brasileiros pelo sofrimento dos seus antepassados durante a escravidão, mas sim a de quotas raciais, tal proposta foi gestada no bojo do princípio que rege o das reparações.[48]

"A meu ver" – declarou Paul Regnier – o MPR não se "extinguiu". As ideias que ele trouxe para a pauta estão "brotando todos os dias na sociedade brasileira". E a "adoção de cotas pelas Universidades Federais, assim como a institucionalização de secretarias de reparações, tanto a nível nacional, estadual e municipal podem ser vistas como desdobramento do MPR".[49] Regnier faz uma interpretação triunfalista (e exagerada) do papel do MPR no transcurso da história do tempo presente no Brasil. Com efeito, o almoço de protesto no Maksoud Plaza pode ser lido como um marco simbólico nas hostes antirracistas. Independentemente de se concordar ou não com aquele método de contestação, o episódio relacionou-se com o novo momento histórico de renegociação da identidade nacional e de rearticulação do movimento negro,[50] na medida em que pavimentou, ou mesmo impulsionou em São Paulo, e mais tarde no resto do Brasil, o debate em torno das políticas reparatórias ou – como ficaram mais popularizadas – das ações afirmativas, especialmente na sua versão mais extrema e polémica, o programa de quotas para negros.

Para finalizar este artigo, uma última ilação. Há décadas, os intelectuais e ativistas do movimento negro fazem denúncias e lideram campanhas contra o racismo, o que levou a sociedade brasileira a olhar para si própria com menos condescendência em relação à situação racial (Alberto, 2011). Tal objetivo, de certo modo, foi alcançado; agora chegou a vez de a sociedade civil dar uma resposta à altura, incorporando as demandas antirracistas na agenda nacional. A discussão acerca das ações afirmativas, da qual as políticas de reparações fazem parte, entrou decididamente na ordem do dia. A novidade que isso representa na história do Brasil é a projeção do racismo como problema público – problema público não porque simplesmente diversos atores, segmentos e agências passaram a falar da questão, mas porque pôs em foco as alternativas de futuro da nação e porque em torno dela estão figurados e tematizados os desafios da cidadania e da construção democrática. Embora o racismo seja hoje reconhecido e debatido no plano da sociedade civil e do Estado, está longe de ter sido resolvido. Daí o dilema colocado: como fazer para superar esse problema? Que tipo de políticas se fazem necessárias para tornar o Brasil um país mais igualitário e democrático, inclusive no que se refere às distorções de origem racial? Não existem soluções mágicas, nem empreendimentos demiúrgicos. Qualquer programa de ações afirmativas inspira-se numa nova noção de justiça e direitos humanos, em que a distribuição dos bens e recursos é tão importante quanto a questão da dignidade e do respeito pelos grupos que tentam mudar o imaginário sobre o lugar que ocupam na sociedade (Piovesan, 2005; Lehmann, 2017). Uma ação justa deve respeitar uma certa relação de igualdade. Essa noção de justiça bidimensional, que abrange demandas tanto em termos redistributivos como de reconhecimento, alarga a sua conceção usual de modo a associá-la aos princípios democráticos (Neves, 2005). Afinal, as lutas pelo reconhecimento devem andar entrelaçadas com as lutas pela ampliação da cidadania numa sociedade.

 

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Recebido a 24-02-2017. Aceite para publicação a 15-02-2018.

 

[1]       "Militantes negros dão 'pendura' no Maksoud". Folha de São Paulo (São Paulo, 20-11-1993): Caderno, pp. 3-12.

[2]       Sobre o antirracismo e o movimento negro no Brasil contemporâneo, ver, entre outros, Alberti e Pereira (2007), Andrews (2007, 227-237), Contins (2005), Crook e Johnson (1999), Domingues (2007), Fry (2005), Grin (2010), Hanchard (1999; 2001), Munanga (1996), Pereira e Silva (2009), Santos (2009), Pereira (2013).

[3]       Para toda a pesquisa, o INSPIR adotou um critério de classificação racial no qual a população "não-negra" agrupava os brancos e amarelos; já a população "negra" agrupava os pretos e pardos.

[4]       Mapa da população negra no mercado de trabalho. Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial. São Paulo, DIEESE, 1999, pp. 28-36.

[5]       Mapa da população negra no mercado de trabalho. Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial. São Paulo, DIEESE, 1999, p. 11.

[6]       Sobre as desigualdades raciais na década de 1990, ver ainda Andrews (1992), Guimarães e Huntley (2000), Hasenbalg e Silva (1992), Lovell (1991) e Reichmann (1999).

[7]       Cláudia Silvério (professora), Dilma Pereira (microempresária), Fernanda Lopes (estudante de mestrado em Biologia na USP), Jane Makebe (modelo), Suzana Santos (estudante de graduação em Ciências Sociais na USP), Luiz Carlos dos Santos (jornalista, professor e estudante de mestrado em Ciências Sociais na USP), Fernando Conceição (jornalista e estudante de mestrado em Ciências da Comunicação na USP), Arnaldo Lopes (funcionário da USP), Ederaldo Nascimento (estudante de graduação na FATEC), Milton Pereira (estudante de graduação na FATEC), Valdenir (estudante de Direito na PUC) e Paul Regnier (francês, estudante de pós-graduação no LMD/Paris VI e pesquisador na USP).

[8]       De acordo com Arnaldo Lopes, quatro meses antes do ato no Maksoud Plaza ocorreu um seminário na sede do NCN sobre "reparações", no qual apareceram cerca de 80 pessoas, de vários grupos e organizações do movimento social. No dia do ato houve um debate na Faculdade de Direito (USP), no Largo do São Francisco (centro de São Paulo), sobre o assunto, mas, quando foi apresentada a ideia de "darmos um calote no Maksoud Plaza" para lançar o movimento → em prol das reparações, a maioria das pessoas presentes declinou e "mesmo assim fomos em frente". Entrevista do autor com Arnaldo Lopes da Silva, em 17 de abril de 2012. Silva, 55 anos, nasceu e reside em São Paulo. Era um dos coordenadores do Núcleo de Consciência Negra na USP e funcionário da universidade na época do protesto no Maksoud Plaza.

[9]       Folha de São Paulo (São Paulo, 20-11-1993, p. 1).

[10]      O Estado de São Paulo (São Paulo, 19-11-1993, A16).

[11]      Entrevista do autor com Luiz Carlos dos Santos, em 23 de fevereiro de 2012. Santos, 59 anos, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, mas radicou-se em São Paulo. Jornalista e professor universitário, foi Coordenador do Núcleo de Consciência Negra na USP e um dos fundadores do Movimento Pelas Reparações, na década de 1990.

[12]      Caderno pelas Reparações. São Paulo, Núcleo de Consciência Negra na USP, 1993. Sobre o tráfico transatlântico de escravos, que importou de África milhões de pessoas, ver, entre outros, Behrendt, Richardson e Eltis (2000), Conrad (1985), Klein (2004), Rodrigues (2005) e Rediker (2011).

[13]      O Estado de São Paulo (São Paulo, 10-10-1993): Caderno Especial. Intitulado "Indenização para os sequestrados da África", o artigo foi ampliado e republicado no Caderno pelas Reparações. São Paulo, Núcleo de Consciência Negra na USP, 1993. A antropóloga Francine Saillant relata que, no que diz respeito à questão das reparações no Brasil nos anos 1980, um "dos fatos mais marcantes que tiveram impacto no imaginário do movimento negro e da sociedade brasileira em geral" foi a ação conduzida por Fernando Conceição, um "jovem estudante da Universidade de São Paulo". Acompanhado de alguns colegas, ele entrou num "restaurante chique da cidade. O grupo se serviu dos melhores pratos e vinhos, e cada um saiu sem pagar ostentando a camiseta na qual se podia ler 'Movimento pelas reparações!' " (Saillant, 2009, pp. 207-208). Infelizmente, a antropóloga canadiana não é exata no seu relato. Não há dúvida de que a ação no "restaurante chique da cidade" causou repercussão, tanto no movimento negro como na opinião pública, mas ela ocorreu no ano de 1994 e não na década de 1980. Quanto a Fernando Conceição, a sua ação fez parte de uma decisão coletiva e ele não se tratava de um "jovem" na ocasião. Era mestrando em Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo e possuía 35 anos.

[14]      Entrevista do autor com Arnaldo Lopes da Silva, em 17 de abril de 2012.

[15]      "Rap das Reparações". Jornal das Reparações (São Paulo, dezembro 1993, p. 4).

[16]      "Escravidão pode custar caro ao país". Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, 13 maio 1994, p. 6). Ver também "Movimento pede US$ 6,1 tri para indenizar descendentes de escravos". Folha de São Paulo (São Paulo, 13 maio 1994): Caderno Cotidiano 3-8; "Ação pede indenização para os negros do Brasil". O Estado de São Paulo (São Paulo, 14-12-1994, A-16).

[17]      Folha de São Paulo (São Paulo, 13-05-1994, Caderno Cotidiano, pp. 3-4).

[18]      "Valor da indenização por descendente de escravo no Brasil". Jornal das Reparações (São Paulo, dezembro 1993, p. 2). Sobre as estimativas do tráfico transatlântico, o consenso historiográfico atual aponta 4,7 milhões o número de africanos escravizados que veio ao Brasil (Borucki, Eltis, Wheat, 2015).

[19]      "Negros festejam abolição em hotel 5 estrelas". Folha de São Paulo (São Paulo, 14-05-1994, Caderno Cotidiano, pp. 3-7).

[20]      "Negros festejam abolição em hotel 5 estrelas". Folha de São Paulo (São Paulo, 14-05-1994, Caderno Cotidiano, pp. 3-7).

[21]      A chamada da matéria dizia: "Seeking equality. A racial 'democracy' begins painful debate on affirmative action". O texto é assinado por Matt Moffett, o então correspondente do jornal na América Latina. The Wall Street Journal, Nova Iorque, 06-08-1996, p. 1).

[22]      O Estado de São Paulo (São Paulo, 25-031996, A-2); O Estado de São Paulo (São Paulo, 17-06-2001, A-19).

[23]      Correspondência de Fernando Conceição aos comités estaduais do Movimento Pelas Reparações dos afrodescendentes, em 10-01-1996, p. 1.

[24]      "Movimento propõe indenização". Folha de São Paulo (São Paulo, 21-11-1995, pp. 3-11; "A luta pelas reparações".Ìrohìn (Brasília, jan./jun. 1999, p. 10).

[25]      Projeto de Lei n.º 1239, de 21 de novembro de 1995 (Do Senhor Paulo Paim). Garante a reparação com indemnização para os descendentes dos escravos no Brasil. Diário da Câmara dos Deputados (Brasília, 11-01-1996, p. 371).

[26]      "Minorias que querem demais". Folha de São Paulo (São Paulo, 27-02-1994, Caderno Mais!).

[27]      "Minorias querem muito mais". Folha de São Paulo (São Paulo, 06-03-1994, Caderno Mais! 6-3).

[28]      "Reparação não é um privilégio". Folha de São Paulo (São Paulo, 13-03-1994, Caderno Mais! 6-3). Quando Fernando Conceição qualificava as "atrocidades" cometidas contra a África e contra o seu povo como "crime", seus argumentos assemelhavam-se aos de Eugene Genovese: "a forma como a América branca recebeu os negros – trazidos para cá em ferros e criados na escravidão e num regime de opressão racista – representa, sobretudo, a comprovação de um dos maiores crimes da história". No seu livro A Terra Prometida, o respeitado historiador estadunidense procurou "representar os escravagistas não como monstros e sim como seres humanos com sólidas virtudes pessoais". Isto, entretanto, não os isentaria "à condenação" pelos crimes perpetrados. Os escravagistas "dominavam um sistema social iníquo, do qual tiravam proveito; quaisquer que tenham sido as atenuantes, as ressalvas ou as minúcias da situação, foram eles, por fim, os responsáveis por seus atos" (Genovese, 1988, pp. 11-12).

[29]      Para referências bibliográficas acerca das reparações dos judeus e japoneses e da maneira pela qual tais precedentes podem servir de base para as proposições dos afrodescendentes, consultar Pross (1998), Brooks (1999), Laremont (2001), Howard-Hassmann (2004a e 2004b).

[30]      No que concerne ao Brasil, o Estado indemnizou (ou vem indemnizando) os descendentes dos soldados que participaram da Segunda Guerra Mundial em Itália, bem como das "vítimas" – prisioneiros políticos, mortos e desaparecidos – do período da ditadura civil-militar (1964-1985). As demandas por reparações – como forma de uma recompensa moral, legal e política para aqueles que sofreram a perda da vida, liberdade, propriedade ou mesmo identidade cultural – multiplicaram-se ao longo do tempo, diversificando os seus sentidos, contextos e significados. A pesquisadora canadiana Rhoda E. Howard-Hassmann desenvolveu o sítio na internet Political Apologies and Reparations (http://political-apologies.wlu.ca/about.php), onde apresenta cerca de uma centena de pedidos (ou casos) de reparações e de perdão no mundo, atinentes às várias comunidades. Consultar ainda Greiff (2008) e Johnston e Slyomovics (2009).

[31]      Em março de 1995, Geraldo Magela da Cruz Quintão, o advogado-geral da União, respondeu à inquirição impetrada pelo MPR na Justiça Federal e teria declarado ser "descabida" a ação que visava responsabilizar o Estado brasileiro pelo sistema escravista e consequente prejuízo dos ex-escravos e seus descendentes, sob a alegação de que a cobrança deveria ser feita a Portugal e a Inglaterra, pois teriam sido esses "dois países os únicos e principais responsáveis pelo escravismo no Brasil". "A luta pelas reparações". Ìrohìn (Brasília, jan./jun. 1999, p. 10).

[32]      Sobre as controvérsias suscitadas pelo MPR na grande imprensa, ver ainda "Da nação ao triunfo das tribos". Folha de São Paulo (São Paulo, 27-03-1994, Ilustrada 6-13); "Em defesa do homem branco". Folha de São Paulo (São Paulo, 03-04-1994, Caderno Mais! 6-3).

[33]      Paul Regnier informa que, dois dias após o ato no Maksoud Plaza, o "movimento negro organizou uma plenária no Memorial da America Latina, em São Paulo". Em virtude da repercussão do ato, "a pauta foi mudada e Juarez [Tadeu, uma liderança negra] convidou o MPR para explicar este ato aos participantes do encontro". Fernando Conceição "participou da mesa, na qual ele sofreu uma sequência de ataques por parte de todos os membros ali reunidos". Entrevista do autor com Paul Denis Etienne Regnier, em 28 de junho de 2012. Regnier, 45 anos, nasceu em França, mas acabou por se radicar no Brasil. Participou da Coordenação do Núcleo de Consciência Negra na USP e foi um dos fundadores do Movimento Pelas Reparações, na década de 1990. Atualmente é professor e vive em Salvador (BA).

[34]      Jupiara Castro, Nelson Moraes, Lênin Pires e Henrique Cunha foram as lideranças afro-brasileiras e sindicais que escreveram o artigo "Reparações, trabalho, escravismo e racismo". Jornal SINTUSP (São Paulo, outubro, 1995, p. 10).

[35]      Como adverte corretamente Edward Telles, a postura do movimento negro "põe em risco a própria essência da nação brasileira. […] Enquanto a ideia de nação foi construída a partir do conceito de um povo unificado e racialmente tolerante, forjado pela miscigenação, o movimento negro apresenta uma visão contrária, baseada em identidades fortes, para fazer oposição ao racismo e à desigualdade racial" (Telles, 2003, p. 323).

[36]      Entrevista do autor com Luiz Carlos dos Santos, em 23 de fevereiro de 2012.

[37]      "Pan-African". Jornal das Reparações, São Paulo, dez. 1993, p. 1.

[38]      Sobre o tema das reparações aos afrodescendentes nos Estados Unidos, há uma gama significativa de artigos, coletâneas e livros publicados, com argumentos favoráveis e contrários à ideia. Consultar, entre outras referências, Bittker (1973), Verdun (1993), Vermeule e Posner (2003), Salzberger e Turck (2004), Martin e Yaquinto (2007) e Brophy (2008).

[39]      Quanto à discussão das reparações na África, ver Abiola (1992), Osabu-Kle (2000), Adi (2007), Howard-Hassmann (2004a e 2004b) e Howard-Hassmann e Lombardo (2008).

[40]      "África quer reparação pelo colonialismo". Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, 17-12-1990, 1º. Caderno – 6).

[41]      Folha de São Paulo (São Paulo, 13-05-2001, Caderno Mundo A-22).

[42]      Sobre o debate e as controvérsias das reparações no Caribe e região, ver Biondi (2003), Gifford (2007), Howard-Hassmann e Lombardo (2008), Beckles (2007; 2013) e Paschel (2016).

[43]      "Ação nos EUA quer reparação por escravidão". Folha de São Paulo (São Paulo 27-03-2002, Caderno Mundo-12).

[44]      "Questão racial". Jornal do Brasil (Rio de Janeiro 13-06-1997, p. 10); "Também quero meu dinheiro, das Reparações!". Ìrohìn (Brasília, ago./set. 2005, p. 13).

[45]      Após acirrados debates na III Conferência da ONU, foi redigido um documento final de compromisso. Para Döpcke, as ilações deste documento atinentes ao tráfico transatlântico de escravos já provocaram as mais diversas interpretações – de uma "vitória" dos europeus (uma vez que desculpas explícitas e indemnizações não foram pedidas) até celebrações de ONGs, que vêem na condenação do tráfico como crime contra a humanidade, um fundamento jurídico para se abrir processo de indemnização na justiça. Uma coisa parece certa: "a questão de reparações pelo sofrimento e danos causados pelo tráfico transatlântico de escravos está longe de ser encerrada e manterá um grande peso no cenário da política internacional – influenciando as relações Norte-Sul – e nos discursos da política interna nos Estados Unidos" (Döpcke, 2001, pp. 26-27).

[46]      Folha de São Paulo (São Paulo, 13 maio 2001, Caderno Mundo A-22).

[47]      A despeito de o MPR ter sido extinto na década de 1990, ainda é possível encontrar militantes afro-brasileiros que defendem a ideia das reparações financeiras. Em 13 de maio de 2005, a então vereadora do município de São Paulo, Claudete Alves da Silva Souza (PT), protocolou no Ministério Público Federal uma representação, postulando da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão o ajuizamento de ação civil para "condenar a União a indenizar os negros afro-brasileiros, eleitores e residentes de São Paulo, pelos danos materiais e morais causados no processo de escravidão, bem como nos processos de abolição e pós-abolição com repercussões atuais aos negros". O valor estipulado da compensação seria de R$ 2.076.000,00 (dois milhões e setenta e seis mil reais). Três meses depois, a vereadora afro-brasileira mudou de opinião e passou a sustentar que a medida mais adequada era a constituição de um Fundo Público, destinado ao patrocínio de ações afirmativas em benefício dos descendentes de escravos brasileiros. Em 3 de agosto de 2006, o procurador Sérgio Gardenghi Suiama concluiu o seu extenso parecer. Nenhuma das duas proposituras foi acatada. Relatório final da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão. Autos n.º 1.34.001.002546/2005-74. Procuradoria da República no Estado de São Paulo. Ministério Público Federal. Em 2008, Claudete Alves publicou um livro denunciando o Estado brasileiro pelos "crimes da escravidão e violação dos direitos humanos" e voltou defender a necessidade de "ações reparatórias para sanar os males causados pelo processo de escravismo no país" (Alves, 2008).

[48]      Em texto publicado recentemente, Francine Saillant afirma: "A ideia de se reparar as sequelas deixadas pela escravidão encontrou uma certa audiência em textos deixados, por exemplo, pelo líder Abdias do Nascimento (1980), nas imagens das manifestações do movimento [negro] em diferentes cidades do Brasil nos anos de 1980 a 2000 deixadas pelo fotógrafo social Januário Garcia (2006), nas visões compartilhadas por líderes do movimento estudadas por Alberti e Pereira (2008) e Contins (2005). Porém, ainda não se pode falar de um movimento por reparações; seria um abuso de linguagem. Apenas nos anos 2000 ocorre uma "virada" no movimento, levando à articulação de pedidos de reparação na forma de ações afirmativas" (Saillant, 2016, p. 38). É escusado dizer que Saillant está equivocada. Como a experiência do MPR e seus desdobramentos atestam, antes dos anos 2000 frações do movimento negro brasileiro já articulavam e propalavam pedidos de reparação.

[49]      Entrevista do autor com Paul Denis Etienne Regnier, em 28 de junho de 2012.

[50]      Conforme asseveram Valter Silvério e Thais Moya, o que "está em jogo [na discussão sobre a ação afirmativa com critério racial no Brasil] é a possibilidade de uma redefinição dos valores, objetivos e características que compõem a sociedade em que queremos viver. Dito de outra forma, o debate sobre a ação afirmativa com critério racial coloca em xeque o 'pacto social' brasileiro vigente e abre espaço para a elaboração de um outro, com novas possibilidades de tratamento das diferenças sociais que aqui convivem" (Silvério e Moya, 2009, p. 246).

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