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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social no.229 Lisboa dez. 2018
https://doi.org/10.31447/as00032573.2018229.08
ARTIGOS
Dinâmicas locais de apoio e resistência à conservação da biodiversidade: uma perspetiva das representações sociais
Local dynamics of support and resistance to biodiversity conservation: a social representation perspective
Carla Mouro*, Paula Castro*
* CIS-IUL, ISCTE-IUL, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal, carla.mouro@iscte-iul.pt, paula.castro@iscte-iul.pt
RESUMO
O nível local é aquele em que a perda de biodiversidade pode de facto ser travada. No entanto, a literatura recente tem-se centrado principalmente no conflito entre as esferas legal e local e tem olhado pouco para as dinâmicas locais de resposta às leis de conservação. Esta pesquisa multi-método em zonas Natura 2000 no interior alentejano (1) compara o uso de representações sociais complexas e híbridas - que acomodam simultaneamente argumentos de apoio e contestação às leis - por residentes proprietários e não proprietários e (2) analisa as relações entre as representações, os grupos que as mobilizam e a intenção de apoiar publicamente as leis na esfera pública local. Discutem-se consequências da pesquisa para a mudança social para a sustentabilidade.
Palavras-chave: representações sociais híbridas; conservação da biodiversidade; mudança social; resistência.
ABSTRACT
The local level is where biodiversity loss can be stopped. However, current literature has focused mainly on the conflicts between the legal and local spheres, without paying much attention to the local dynamics in the response to biodiversity conservation laws. This multi-method research, which took place in Natura 2000 sites in the interior Alentejo, Portugal, (1) compares the use by landowners and other residents of complex, hybrid social representations - which simultaneously accommodate arguments in support of and contesting the laws; and (2) analyzes the relationships between representations, the groups that mobilize them, and the intention to publicly support the laws at the local sphere. We discuss the consequences of our findings for social change toward sustainability.
Keywords: hybrid social representations; biodiversity conservation; social change; resistance.
Introdução
Uma parte substancial do território rural português está atualmente inserida na Rede Natura 2000, uma rede de sítios protegidos cuja regulamentação visa assegurar a conservação da biodiversidade nos vários Estados-membro da União Europeia. Traduzidas para legislação nacional com implementação ao nível local, estas leis, redigidas a partir principalmente dos contributos científicos da ecologia (Rosa e Silva, 2005), conflituam em alguns aspetos com valores e práticas locais (Castro e Mouro, 2011, 2016; Dinnie, Fischer e Huband, 2015; Paavola, 2004; Sumares e Fidélis, 2009). As tensões que resultam deste encontro entre as esferas legal e local têm originado respostas locais variadas às leis de conservação, onde muitas vezes se conjugam o apoio e a resistência à aplicação da lei (Anderson, Ford e Williams, 2017; Hovardas, Korfiatis e Pantis, 2009; Mouro e Castro, 2012). Esta combinatória de apoio e resistência pode, no entanto, assumir diferentes formatos consoante o modo como os grupos locais são ou não diretamente afetados pelas leis e consoante as dinâmicas que se estabelecem entre estes grupos. Uma pesquisa anterior mostrou, por exemplo, que a atitude face às áreas protegidas dos residentes que lidam mais diretamente com as imposições destas leis, como os proprietários (Mouro e Castro, 2010) ou os que dela dependem economicamente (Bonaiuto et al., 2002), surge associada a uma forte identificação com o lugar, enquanto nos outros residentes esta associação é menos expressiva. Isto significa também que é comum coexistirem ao nível local diferentes, e por vezes divergentes, representações sobre o uso do território e recursos naturais (Anderson et al., 2017), e que é necessário aumentar o conhecimento sobre como estas representações coexistem e são negociadas e usadas pelas comunidades locais (Batel e Devine-Wright, 2015, p. 317). Este conhecimento pode ser útil na (re)definição de políticas e leis de conservação para que estas sejam mais capazes de dialogar com e integrar diferentes conhecimentos, expectativas e interesses (Anderson et al., 2017), contribuindo para políticas mais adaptadas ao contexto de implementação (Pinto-Correia, Gustavsson e Pirnat, 2006).
Todavia, embora existam já estudos a ilustrar a variedade de posições das comunidades locais face a esta rede de sítios protegidos e às leis que a regulam, esta relação tem sido explorada principalmente a partir do conflito entre os níveis institucional/legal e local (Abecasis et al., 2013; Delicado et al., 2012, 2015; Paavola, 2004; Sumares e Fidélis, 2009). Os consensos e controvérsias dentro da esfera local, bem como os processos psicossociais que sustentam estas dinâmicas e as suas consequências para o rumo da mudança posta em curso pelas leis são aspetos ainda pouco estudados (Batel e Devine-Wright, 2015). E no entanto, o enfoque sobre este nível é determinante, uma vez que é ao nível local que a batalha pela conservação da biodiversidade será ou não ganha (Bryan, 2012, p.91) e que a direção da mudança depende em muito do envolvimento das comunidades locais e do diálogo estabelecido com o conhecimento local na sua diversidade (Anderson et al., 2017; Pinto-Correia, Menezes e Barroso, 2014). A pesquisa que aqui apresentamos pretende então identificar e comparar argumentos usados por dois grupos locais afetados de modo distinto pelas leis de conservação - proprietários e não proprietários. Adicionalmente, pretende-se analisar como os argumentos usados se posicionam face à esfera legal e no âmbito das relações entre grupos na esfera pública local.
Para tal, recorremos à abordagem das representações sociais, que estuda a forma como novas ideias e valores entram nas sociedades e são apropriadas e transformadas pelos grupos que as compõem (Moscovici, 1988; Vala e Castro, 2013). Para esta abordagem, a comunicação e interação com o Outro - nos grupos sociais, comunidades, sociedades - é determinante para a mudança na representação e na ação (Castro e Mouro, 2016; Devine-Wright, 2009; Elcherot, Doise e Reicher, 2011; Jovchelovitch, 2007). Pressupõe-se então que, para angariarem apoio e se fixarem na esfera local, as novas ideias e valores precisam de ser conversadas e debatidas entre os grupos na comunidade e que, portanto, as relações entre os grupos locais intervêm na integração de novas ideias com as já existentes (Jaspal, Nerlich e Cinnirella, 2013; Jovchelovitch, 2007; Vala e Castro, 2013). Nesta pesquisa pretende-se analisar se proprietários e não proprietários, sendo afetados de modo distinto pelas leis, usam conteúdos representacionais também distintos para definir um projeto para o nível local (Bauer e Gaskell, 2008) que o aproxima ou afasta dos imperativos que a esfera legal lhe propõe.
Na resposta local às inovações legais (Castro, 2012), o recurso a representações complexas híbridas (Jovchelovitch, 2007), onde são conjugadas ideias contrárias, emerge como particularmente útil, uma vez que permite simultaneamente valorizar o que a esfera legal propõe como correto e contestar as leis com base em conhecimentos e interesses locais (Castro e Batel, 2008). Isso também possibilita aos grupos sociais moldar versões específicas da sua relação com as leis onde contestam a sua aplicação sem desrespeitar as normas societais (Buijs et al., 2012; Castro e Mouro, 2011, 2016; Jaspal et al., 2013). No contexto português, estudos recentes evidenciam a conjugação ao nível local de argumentos de acordo com as leis de conservação com argumentos que contestam a sua aplicação (e. g., Mouro e Castro, 2012; Pereira et al., 2014), no entanto não foi ainda estudado se estes padrões híbridos de argumentação são diferentes para grupos locais que são mais e menos afetados pelas leis.
Neste artigo temos então como primeiro objetivo averiguar se residentes proprietários e não proprietários recorrem ambos a padrões híbridos de argumentação que combinam ideias contrárias entre si. Iremos analisar também o nível de consenso angariado pelos vários argumentos, averiguando que argumentos transcendem o nível de “interesse do grupo” para se tornarem “um projeto da comunidade” (Bauer e Gaskell, 2008).
Um segundo objetivo visa examinar se as representações híbridas e a sua circulação na comunidade preveem a intenção de apoiar publicamente as leis. A distinção entre representação e ação é fundamental para compreendermos a adesão aos imperativos de conservação, uma vez que estes dois níveis nem sempre estão alinhados entre si (Bertoldo, Castro e Bousfield, 2014). Além disso, escolhemos ações raramente examinadas pela pesquisa sobre conservação da biodiversidade, que simultaneamente implicam o reconhecimento perante o Outro na comunidade de uma posição favorável à lei e que são praticáveis pelos vários grupos locais.
Para responder a estes dois objetivos adotámos uma abordagem multi-método. No primeiro estudo, examinámos a partir de entrevistas semiestruturadas (1) que argumentos de apoio e contestação emergem como consensuais e não consensuais nos discursos dos dois grupos aqui comparados e (2) se ambos os grupos utilizam padrões híbridos de argumentação. O segundo estudo analisa, através de um inquérito, a associação entre argumentos consensuais e não consensuais (identificados no primeiro estudo) e a intenção de proprietários e não proprietários apoiarem publicamente as leis.
Na próxima secção iremos primeiro situar o contexto da pesquisa e identificar os contributos da abordagem das representações sociais para analisar a mudança social impulsionada por novas leis, incidindo especificamente sobre a proteção da biodiversidade. Em seguida serão apresentados os objetivos específicos, método e análises do Estudo 1. Com base nas conclusões deste estudo, apresentamos os objetivos específicos, método e resultados do Estudo 2. Por fim, discutimos as consequências dos padrões de apoio e resistência encontrados para a mudança social para a sustentabilidade.
A Rede Natura 2000 ao nível local - o contexto de pesquisa
A Rede Natura 2000 é atualmente uma das principais e mais ambiciosas iniciativas para parar a perda da biodiversidade no espaço europeu[1], cobrindo uma extensão de cerca de 20 % deste território. Apesar de manter uma forte ancoragem na ecologia como fonte de conhecimento para a decisão sobre o quê e como proteger (Rosa e Silva, 2005), a criação desta rede de sítios protegidos introduziu alguma mudança no paradigma até então vigente, o da proteção da natureza em “reservas naturais” (Bryan, 2012). A Rede Natura cobre assim também (e principalmente) propriedade privada em áreas rurais, ambicionando a “que os espaços [nela] incluídos sejam espaços vividos e geridos de uma forma sustentável” (ICNF)[2], e tendo com isso envolvido e afetado de forma direta e indireta diferentes atores e grupos locais (Castro e Mouro, 2011; Dinnie et al., 2015).
A pesquisa que aqui apresentamos acompanhou o projeto LIFE Estepárias (LIFE07/NAT/P/0000654)[3], que decorreu entre 2009 e 2012. Este projeto foi desenhado para melhorar as condições de habitat de aves estepárias características do Alentejo (abetarda, sisão e peneireiro-das-torres), nas Zonas de Proteção Especial (ZPE) Natura 2000 de Castro Verde, Vale do Guadiana e Mourão/Moura/Barrancos. Várias das suas intervenções no terreno contaram com a colaboração de proprietários locais e várias ações de comunicação tiveram como público-alvo os residentes nestas zonas.
Uma análise da receção local da Rede Natura, e destes projetos de intervenção, não pode deixar de considerar que estas leis limitam em vários aspetos a relação das comunidades com o território, por exemplo, ao restringirem a construção de infraestruturas e habitações ou o tipo de cultura agrícola a adotar. Os proprietários são dos residentes mais diretamente afetados pelas restrições e alterações impostas (Dinnie et al., 2015; Mouro e Castro, 2010; Castro e Mouro, 2016), embora se possa considerar que estas leis afetam globalmente a relação das comunidades locais com os usos do território (Castro e Mouro, 2011). Neste contexto, os valores e práticas que estas leis promovem nem sempre convergem com as perspetivas de desenvolvimento das comunidades locais e os seus usos anteriores do território (Carolino, 2010; Castro e Mouro, 2011, 2016; Figueiredo, 2009; Pinto-Correia et al., 2006, 2014; Sumares e Fidélis, 2009). Assim, em Portugal, como em vários outros Estados-membro (Alemanha, Stoll-Kleeman, 2001; Grécia, Hovardas et al., 2009; Reino-Unido, Dinnie et al., 2015), estas leis têm sido alvo de críticas e de alguma contestação, tornada audível nomeadamente através da imprensa regional (Castro et al., 2012; Hovardas e Korfiatis, 2008).
Não obstante, a relação das comunidades locais com as leis de conservação é complexa e variada, sendo a contestação às leis frequentemente conjugada com um apoio genérico às mesmas (Hovardas et al., 2009; Mouro e Castro, 2012; Sumares e Fidélis, 2009). Mesmo em contextos onde a designação de novas áreas protegidas Natura 2000 reúne elevado e consensual apoio da comunidade, são tornados evidentes também motivos relativos ao trabalho e ao quotidiano destas comunidades que imprimem nas respostas locais alguma resistência a estas leis (Abecasis et al., 2013). Esta hibridização pode, no entanto, assumir diferentes contornos consoante o modo como os grupos são afetados pelas leis. Ser afetado de forma direta ou indireta pelas leis pode constituir um fator de diferenciação entre os modos de representação a nível local, permitindo por exemplo distinguir as atitudes de diferentes grupos locais face às leis de conservação (Bonaiuto et al., 2002; Mouro e Castro, 2010). No entanto, encontramos ainda poucos estudos que adotem esta perspetiva comparativa e que analisem como os grupos locais moldam e fixam conteúdos representacionais e assim orientam a resposta local às novas leis. No contexto português, Pereira e colaboradores (2014) examinaram os posicionamentos de atores locais relativamente à criação do Parque Natural da Ilha do Pico, também inserido em Rede Natura 2000. As suas análises mostraram uma conjugação entre argumentos de apoio e contestação face à designação desta zona protegida, sendo os últimos mais numerosos e mais específicos. Este estudo, no entanto, não analisou se existiram diferenças entre grupos locais.
Outros estudos, realizados junto de comunidades inseridas em zonas Natura 2000 no Alentejo e Algarve, inquiriram residentes proprietários e não proprietários relativamente à sua posição face às leis de conservação (Mouro, 2011). Os proprietários expressaram posições mais elaboradas face às leis, havendo uma associação mais forte entre as representações e a adesão a práticas de conservação neste grupo do que nos não proprietários (Mouro e Castro, 2010). Este resultado, indicativo de uma maior capacidade dos proprietários de elaborar sobre as leis e sobre as práticas de conservação por elas propostas, pode no entanto dever-se ao facto de algumas das práticas avaliadas serem mais específicas deste grupo. Para compreender melhor quer este grupo mais afetado por estas leis, quer as posições dos residentes que não sendo diretamente afetados constituem também a esfera pública local onde a relação com as leis é debatida e negociada, na presente pesquisa adotámos também esta distinção - entre residentes proprietários e não proprietários - para examinarmos, no Estudo 1, os padrões argumentativos presentes nos discursos dos dois grupos.
ESTUDO 1 - a construção do apoio e da resistência às leis nos discursos locais
Este primeiro estudo tem como objetivos examinar se nos discursos dos dois grupos locais aqui comparados, proprietários e não proprietários, podemos encontrar um padrão representacional híbrido - conjugando ideias contrárias como o apoio às leis e a contestação da sua aplicação concreta - e que formato específico ele assume em cada grupo. Para tal, serão realizadas análises comparativas dos conteúdos e processos representacionais que membros de cada grupo mobilizaram em entrevistas individuais.
Em termos de conteúdos, pretende-se averiguar como os argumentos usados se posicionam face a dois temas recorrentes nos debates acerca das novas leis de conservação. O primeiro tema trata da reconfiguração das áreas rurais, de zonas produtivas para zonas protegidas e de lazer (Corson et al., 2014; Figueiredo, 2009; Paavola, 2004). Introduz o dilema entre a definição do rural enquanto zona de produção agrícola, com uma orientação para valores de desenvolvimento económico, vs. zona de usufruto da paisagem, onde as atividades humanas privilegiadas são o turismo e o lazer.
O segundo tema remete para a conceção de público que prevalece nas interações dos peritos e instituições com as comunidades locais, nomeadamente se e em que moldes o público deve ser incluído em decisões que o afetam. Esta conceção organiza-se em torno de duas imagens (negativas) dos públicos por parte dos organismos oficiais (Castro e Mouro, 2016): (1) considerá-lo como pouco interessado e/ou defendendo exclusivamente interesses próprios (Stoll-Kleeman, 2001), e portanto transgredindo a norma de envolvimento cívico (Castro e Mouro, 2016); e/ou (2) como ignorante relativamente às matérias em decisão (Delicado et al., 2012), e portanto deficitário a nível epistémico (Castro e Mouro, 2016; Dinnie et al., 2015).
Em termos de processos, pretendemos examinar o nível de consenso angariado pelos argumentos apresentados por cada grupo, de modo a averiguar se algum dos grupos emerge como mais capaz de moldar as posições locais face às leis tornando os seus argumentos “um projeto da comunidade” (Bauer e Gaskell, 2008). Iremos também comparar a frequência com que proprietários e não proprietários usam os vários argumentos de apoio e resistência às leis de conservação para apurar se o padrão de argumentação híbrido já encontrado em estudos nacionais anteriores (Mouro e Castro, 2012; Pereira et al., 2014) assume características que permitem diferenciar os grupos locais. Uma vez que os proprietários são mais diretamente afetados pelas leis de conservação, antecipamos que mobilizem mais argumentos de contestação às leis do que os residentes não proprietários.
Assim, e em síntese, este estudo averigua, (a) a nível de conteúdos, se os argumentos mobilizados por proprietários e não proprietários legitimam ou questionam ideias e práticas propostas pela esfera institucional/legal, e, (b) a nível de processos, (1) que argumentos de apoio e contestação emergem como consensuais ou não consensuais nos discursos dos dois grupos e (2) se o padrão de argumentação híbrida difere, em termos do balanço entre argumentos de apoio e contestação, para os dois grupos.
Método
Participantes
Foram realizadas 38 entrevistas individuais a residentes nas três ZPE Natura 2000 intervencionadas no projeto LIFE Estepárias (37 % da ZPE de Castro Verde, 32 % da ZPE do Vale do Guadiana e 32 % da ZPE de Mourão/Moura/Barrancos). Do total de entrevistados, 55 % (n = 21) eram proprietários de terrenos na zona (67 % eram grandes proprietários, de áreas superiores a 100 hectares), percentagem equivalente para as três ZPE (χ2 (6) = 0,979, n. s.). Os entrevistados tinham atividades nas áreas de gestão dos recursos naturais (agrícola, n = 14; cinegética, n = 8), ou ligadas ao poder local (n = 3), a associações de desenvolvimento local (n = 4) e ao ensino (n = 3), entre outras atividades (n = 6).
Os participantes tinham idades compreendidas entre os 27 e os 70 anos (com 58 % entre 41 e 55 anos), e eram maioritariamente do sexo masculino (95 %). Em termos de escolaridade, 40% completaram entre 4 e 9 anos de formação e os restantes 60 % completaram o 12.º ano ou grau superior. A distribuição dos participantes é equivalente para as três zonas geográficas por grupo etário (χ2 (4) = 0,077, n. s.) e nível de escolaridade (χ2 (2) = 0,127, n. s.). Proprietários e não proprietários também não se diferenciam por idade (χ2 (1) = 3,273, n. s.) ou escolaridade (χ2 (2) = 3,225, n. s.).
Procedimento
Os participantes foram numa primeira fase selecionados a partir de uma lista de entidades locais e sequencialmente recrutados recorrendo ao método de seleção por bola de neve. O enquadramento dado ao participante referia que o estudo se inseria num projeto de conservação das aves estepárias da região, e que a entrevista pretendia compreender melhor como era viver e trabalhar naquela região. As entrevistas tiveram a duração média de 50 minutos (Min: 12; Máx: 112) e foram transcritas integralmente. O material textual resultante serviu de base a uma análise de conteúdo (Bauer, 2002) que visou identificar argumentos de apoio e de contestação à conservação da natureza e às políticas e leis que a regulam. Foram consideradas como unidades de análise todas as expressões relativas ao tema em investigação às quais fosse possível atribuir um sentido argumentativo (e. g. “Se não se conservar, as gerações que vêm a seguir terão muitos problemas a curto prazo”, “há falta de rentabilidade com tantos condicionalismos”). As designações atribuídas aos argumentos de apoio e de contestação, elencadas na próxima secção, emergiram da análise dos dados. Posteriormente, foi registada numa base de dados em spss a presença ou ausência de cada argumento em cada uma das entrevistas. As codificações foram revistas por dois elementos da equipa de investigação e os desacordos resolvidos caso a caso.
Partindo desta codificação, realizaram-se duas análises:
(1) por argumento: comparou-se a prevalência dos argumentos em cada grupo - proprietários e não proprietários. A contagem dos argumentos visou classificar cada argumento como consensual ou não-consensual, sendo considerados consensuais os argumentos com frequência equivalente nos dois grupos.
(2) por entrevista: contabilizaram-se os argumentos de apoio e contestação usados por cada participante. Esta análise visou determinar se ambos os grupos (a) recorrem a representações híbridas, i. e., usam argumentos quer de apoio, quer de contestação e (b) se o fazem na mesma proporção.
Estas análises são apresentadas de forma detalhada na próxima secção, ilustrando os argumentos identificados, o nível de consenso que estes angariam, e como estes argumentos se organizam em padrões híbridos, que combinam apoio e contestação.
Análises
Foram identificados cinco argumentos de apoio e cinco argumentos de contestação à conservação da natureza e leis que a regulam (Quadro 1). Considerando o total de participantes, e relativamente aos argumentos de apoio, o mais frequente (61 %) remetia para a “Proteção das espécies” em termos genéricos, onde se incluíram expressões como “Evita a extinção das espécies”, “Mantém o equilíbrio de todas as espécies”. Com percentagens bastante inferiores, foram salientadas também a importância da conservação da biodiversidade a nível local/regional, quer numa vertente económica (“fonte de recursos para a região”, 37 %, e. g. favorece observação de aves no âmbito do turismo de natureza), quer numa vertente simbólica (“protege características da região”, 26 %, e. g. abetarda ou olival tradicional como símbolos que singularizam a região). Os argumentos menos referidos foram a conservação da biodiversidade enquanto garantia de “bem-estar humano” (13 %) e com uma “função estética ou lúdica” (13 %).
Na comparação entre os grupos não encontrámos diferenças estatisticamente significativas, excetuando uma diferença marginal no primeiro argumento, mais mobilizado pelo grupo de não proprietários (cf. Quadro 1). No global, estes resultados indicam que os vários argumentos de apoio identificados são conhecidos pelos dois grupos locais e estão em circulação na esfera pública local, ainda que nesta amostra apenas o argumento de proteção das espécies assuma um carácter mais consensual.
Relativamente aos argumentos de contestação (Quadro 1), três deles foram mencionados pela maioria dos entrevistados. Estes referem-se à “necessidade de envolvimento local” nas decisões (79 %, e. g. “ninguém se dignou a ir falar com proprietários ou agricultores”), à ideia de que a conservação da natureza vem “dificultar o desenvolvimento económico” das comunidades (74 %, e. g. “não poder abrir estradas que ligam povoações”) e ao “desajustamento das políticas” ao contexto local (71 %, e. g. “Se não mobilizar a terra ela enche-se de mato e depois não dá pastagens”) que torna os objetivos de proteção da natureza difíceis de concretizar. Outros dois argumentos ocorreram com menos frequência, referindo a “tensão global-local” (13 %, e. g. “Faz sentido pensar em conservação da natureza neste concelho e não só, em todos os concelhos e em todos os lados”[4]) e a “incontrolabilidade dos fenómenos naturais” (11 %, e. g. “Para manter o agricultor tradicional que não danifica a natureza é preciso que haja a queda pluviométrica normal”).
Comparando os dois grupos (cf. Quadro 1), foram principalmente os proprietários (86 %) quem referiu o desajuste nas políticas de conservação (vs. 53 % dos não proprietários, Kruskal-Wallis p < .05), diferenciando-se assim também pela mais frequente mobilização de conhecimento local específico (associado ao tipo de solo, culturas, etc.) para contestar a implementação das práticas propostas pelas leis. O argumento relativo à tensão global-local foi utilizado exclusivamente pelos proprietários (24 % vs. 0 % dos não proprietários, Kruskal-Wallis p < .05).
Em suma, o primeiro tipo de análise - por argumento - mostrou que são mobilizados pelos entrevistados argumentos quer de apoio, quer de contestação às leis, um padrão característico de representações híbridas. Adicionalmente, as comparações entre os dois grupos estudados evidenciaram que estes se assemelham no uso de argumentos de apoio e se diferenciam no uso de argumentos de contestação, mais frequentes nos proprietários.
Para o segundo tipo de análise - por entrevista -, contabilizámos o uso dos argumentos em cada entrevista, de modo a examinar se estas apresentavam de forma sistemática conteúdos representacionais contrários entre si. Esta análise, realizada com o software spss versão 20.0, mostrou que na quase totalidade das entrevistas (95 %) foi usada uma combinatória de argumentos de apoio (min = 0[5]; máx = 4) e de contestação (min = 1; máx = 4). No entanto, em média foram usados mais argumentos de contestação (m = 2.47; dp = .95) do que de apoio (m = 1.50; dp = .83). Esta diferença é estatisticamente significativa apenas no caso dos proprietários (ver Figura 1), que em média usam duas vezes mais argumentos de contestação do que de apoio (mapoio = 1.28; dp = .72; mcontestação = 2.76; dp = .99; Kendalls Coef. p < .000) por entrevista; no caso dos não proprietários, os valores encontrados são estatisticamente equivalentes (mapoio = 1.76; dp = .90; mcontestação = 2.12; dp = .78; Kendalls Coef. n. s.).
As diferenças entre os grupos são também significativas: em média os proprietários recorrem a uma variedade menor de argumentos de apoio (Kruskal-Wallis p < .10) e maior de argumentos de contestação (Kruskal-Wallis p < .05) do que os não proprietários (cf. Figura 1).
Discussão
As análises efetuadas ilustram a circulação nas comunidades locais estudadas de representações sociais híbridas, onde coexistem argumentos de apoio e de resistência às leis de proteção da biodiversidade. Este padrão é semelhante para os dois grupos de residentes aqui comparados, embora sejam de assinalar também algumas diferenças entre eles. Vamos começar por discutir os aspetos em que os grupos convergem.
Na dimensão de apoio às leis, destacou-se a elevada mobilização de um acordo genérico com a proteção das espécies, que remete para o valor intrínseco da natureza, em contraste com a muito reduzida adesão aos motivos de bem-estar, usufruto e lazer como justificação para as leis de conservação. Este resultado indica que o apoio em geral às leis de conservação é conjugado com um afastamento do que as leis propõem como alternativa à visão produtiva do rural (Figueiredo, 2009) e que poderia eventualmente integrar uma perspetiva multifuncional da paisagem com contributos para a conservação das espécies (Pinto-Correia et al., 2014). Assim, embora cerca de um terço dos entrevistados associe a conservação da biodiversidade à proteção de características e recursos locais, não é ainda visível nestes resultados um projeto local que simultaneamente ancore nos valores de conservação e supere a dicotomia produção vs. lazer.
Além disso, entre os obstáculos à proteção da biodiversidade identificados, os argumentos mais comuns - a falta de envolvimento da comunidade e os constrangimentos ao desenvolvimento que impõe - são mencionados em uníssono pelos dois grupos locais. Podemos portanto considerar que há um conjunto de argumentos de apoio e contestação às leis de conservação que emerge de forma transversal nos discursos locais aqui analisados e que se organiza para reivindicar o envolvimento das comunidades locais na (re-) definição das leis e ancorar a definição do rural nos valores de desenvolvimento e progresso mais do que nos de bem-estar e lazer.
Também se encontraram diferenças entre os dois grupos. O discurso dos proprietários congregou mais argumentos de contestação do que de apoio às leis, enquanto nos não proprietários os dois tipos de argumento foram usados em número equivalente. Verificou-se também que os proprietários inquiridos recorreram a um leque maior de argumentos de contestação do que os não proprietários, tendo-se identificado um argumento usado exclusivamente pelos proprietários, o relativo à tensão entre os níveis global e local (ver também Mouro, 2011). Estes resultados indicam haver uma construção da resistência às leis mais elaborada por parte dos proprietários, grupo que se diferencia também pelo uso de mais argumentos ancorados em conhecimento específico e localizado para salientar desajustes ao contexto local no que é proposto pela lei.
Em suma, este primeiro estudo ilustra o recurso, por parte das comunidades locais afetadas por estas leis, a representações híbridas das leis de conservação. Ele indica que estas representações assumem um elevado grau de partilha nos discursos locais aqui estudados e, em alguns casos, também diferenciam os grupos aqui comparados. Esta diferenciação mostrou como os formatos argumentativos usados estão ajustados a inscrições sociais que refletem diferentes níveis de relação com as leis: os proprietários, grupo mais diretamente afetado pelas leis de conservação, mobilizaram mais argumentos de contestação e ancorados em conhecimento local específico (Dinnie et al., 2015) do que os não proprietários. Assim, e apesar das limitações ao nível da amostra usada, que era maioritariamente masculina e com elevada escolaridade, as análises realizadas corroboram a importância de comparar grupos locais afetados distintamente pelas leis.
Uma outra forma de avaliar as consequências das representações em circulação para a mudança ou resistência às leis consiste em averiguar o papel dos argumentos usados na intenção de apoiar as mesmas leis na esfera pública local. O segundo estudo pretende, assim, mapear a relação entre as representações, os grupos que as mobilizam e a adesão a ações públicas na comunidade, recorrendo a uma amostra alargada dos residentes nas comunidades rurais inquiridas.
ESTUDO 2 - Representações e ações públicas na esfera local
Neste estudo avaliamos se os argumentos identificados no Estudo 1 contribuem para prever a adesão a ações públicas locais de apoio às leis, testando se este contributo difere para argumentos mais e menos consensuais, i. e., usados pelos dois ou apenas um dos grupos estudados: proprietários e não proprietários. No caso dos argumentos consensuais, assumimos que eles materializam projetos comuns a ambos os grupos e antecipamos que tenham um papel similar na intenção de proprietários e não proprietários de apoiar as leis. Por sua vez, para argumentos não consensuais, que veiculam reivindicações mais específicas de um dos grupos, espera-se encontrar diferenças entre os dois grupos. Mais concretamente, e porque os proprietários mostraram ter maior capacidade de uso destes argumentos, espera-se que um argumento não consensual seja melhor preditor da intenção de apoiar publicamente as leis no grupo de proprietários do que nos outros residentes.
Assim, e por outras palavras, prevemos que haja um efeito de moderação do grupo local na relação entre argumentos e intenção de apoiar publicamente as leis quando se trata de argumentos não consensuais, mas não para os argumentos consensuais. Iremos averiguar isto para os dois argumentos consensuais mais frequentes nas entrevistas, um de apoio, a “proteção das espécies”, e outro de contestação, a “necessidade de envolvimento local” nas decisões institucionais. No caso dos argumentos não consensuais, o Estudo 1 identificou apenas argumentos de contestação e optámos pelo que emergiu como exclusivo dos proprietários e que acentua a “tensão global-local”. Para este argumento, prevê-se que quanto mais os proprietários minimizem a gravidade dos problemas ambientais ao nível local, em comparação com o nível global (Lima e Castro, 2005), menor será a sua disponibilidade para apoiar publicamente as leis.
A proposta acima pressupõe que a (re)construção de significados - neste caso, sobre a conservação da biodiversidade e as leis que a regulam - ocorre não apenas nas relações entre a esfera legal e a esfera local, mas também nas dinâmicas locais através da procura de informação e conversação com outros na comunidade (Devine-Wright, 2009). Neste segundo estudo vamos então examinar como o nível de exposição dos residentes à diversidade de argumentos em circulação (Elcheroth et al., 2011) intervém na sua decisão sobre a ação. Concretamente, avalia-se como a procura de informação sobre as leis contribui para prever a intenção de as apoiar publicamente, explorando se esta associação difere para os grupos aqui comparados. O facto de a maioria dos argumentos identificados no Estudo 1 serem comuns aos dois grupos inquiridos leva-nos a antecipar que a procura e troca de informação sobre estas leis sejam processos com um papel similar sobre a intenção de apoio em ambos os grupos.
Finalmente, importa definir as ações públicas a considerar. Estudos anteriores em zonas Natura 2000 no Alentejo e Algarve (Mouro, 2011) mostraram haver uma associação mais forte entre representações e a adesão a práticas de conservação no grupo dos proprietários, comparando com não proprietários. No entanto, como referimos acima, estes resultados poderiam ser explicados pelo facto de algumas das práticas avaliadas nestes estudos serem mais específicas do grupo de proprietários. De facto, a pesquisa sobre a receção às leis de conservação tem-se debruçado muitas vezes sobre a adesão (1) a práticas próprias de determinados grupos, como é o caso das práticas agrícolas (Carolino, 2010; Mouro e Castro, 2010) e piscatórias (Delicado et al., 2012), ou (2) a práticas que expressam uma posição de desacordo face às leis, como a intenção de protesto (Mouro, 2011). Assim, na presente pesquisa selecionámos ações de apoio público às leis que podem ser tidas pela comunidade em geral - de que são exemplo petições a favor das zonas protegidas -, o que nos permite comparar a relação entre representação e disponibilidade para a apoiar as leis em diferentes grupos locais.
Em suma, neste segundo estudo pretendemos averiguar como (1) argumentos consensuais e não consensuais e (2) a procura de informação na comunidade (3) contribuem para prever a intenção de aderir a ações públicas de apoio às leis que possam ser colocadas em prática por ambos os grupos aqui estudados.
Método
Participantes
Realizou-se um inquérito telefónico a 600 residentes, com 18 ou mais anos, nas três áreas de intervenção do projeto já referidas. A amostra era assim composta por 225 participantes da zona de Castro Verde (38 %), 152 do Vale do Guadiana (25 %) e 223 da zona de Mourão/Moura/Barrancos (37 %). O método de amostragem utilizado foi o da representatividade por quotas, com base nas proporções encontradas no ine (Censos, 2001) para as categorias Sexo, Idade e Situação profissional por freguesia.
A maioria dos participantes (54 %) era do sexo feminino. A média de idades para o total da amostra rondou os 49 anos (dp = 18 anos) e, quanto à situação profissional, 50 % dos participantes no inquérito estava no ativo. O tempo de residência na localidade era em média de 35 anos. Um terço dos participantes tinha até à escolaridade primária completa, outro terço completou entre cinco e nove anos de escolaridade e o último terço tinha escolaridade superior ao 9.º ano. As três zonas apresentam uma distribuição semelhante dos participantes por grupo etário (χ2 (10) = 6.642, n. s.), situação profissional (χ2 (2) = .510, n. s.), tempo de residência (f (2,599) = 1.270, n. s.) e nível de escolaridade (χ2 (8) = 7.342, n. s.).
A percentagem de proprietários, 28.3 % da amostra (n = 170), era também equivalente para as três zonas. Destes, 40 % eram proprietários de terrenos com dimensões co mpreendidas entre os 10 e os 250 hectares. Procedeu-se à comparação das características sociodemográficas de proprietários e não proprietários, para averiguar possíveis diferenças estruturais entre os grupos. Verificou-se não haver diferenças significativas por grupo etário (χ2 (5) = 10.495, n. s.) e níveis de escolaridade (χ2 (6) = 9.496, n. s.). O grupo de proprietários era composto por menos mulheres (43 % vs. 58 %; χ2 (1) = 11.323, p < .01) e por mais pessoas no ativo (58 % vs. 47 %; χ2 (1) = 5.925, p < .05) do que o grupo de não proprietários.
Procedimento
Os dados foram recolhidos com recurso a um questionário estruturado. As variáveis e os itens utilizados no estudo são apresentados de modo detalhado no quadro 2 e operacionalizam as seguintes dimensões de análise:
(a) Argumentos consensuais na comunidade: de apoio (“proteção das espécies”) e de contestação (“necessidade de envolvimento local” nas decisões)
(b) Argumento não consensuais na comunidade: de contestação (“tensão global-local”)[6]
(c) Procura de informação que permite aceder à diversidade de representações a circular na comunidade
Estas variáveis foram consideradas como preditoras da intenção de apoio público às leis de conservação (Quadro 2).
Resultados
Realizou-se uma regressão múltipla tendo como variável critério a intenção de apoiar publicamente as leis. Nesta análise foi testado o efeito moderador do grupo local sobre a relação entre as variáveis preditoras (Quadro 2) e a intenção de apoio. Esta análise foi efetuada controlando o papel das variáveis sociodemográficas correlacionadas significativamente com a variável critério, nomeadamente a escolaridade dos participantes (r = -.08, p < .05) e a extensão dos terrenos indicada pelos proprietários (r = -.24, p < .000). As moderações foram colocadas no último passo do modelo, recorrendo ao método step-wise de modo a serem apresentadas apenas as interações estatisticamente significativas. É o resultado deste último passo que apresentamos no Quadro 3.
Globalmente, o conjunto de variáveis em análise contribuiu para explicar cerca de 35 % da variância das respostas relativas à intenção de apoio público às leis (Quadro 3). Tal como esperado, o contributo dos argumentos consensuais - “proteção das espécies” e “necessidade de envolvimento local” - para um maior apoio público às leis não se diferencia por grupo local.
Também como esperado, o argumento não consensual, relativo à “tensão global-local”, assume um peso distinto consoante o grupo, sendo significativo o efeito de moderação previsto (b = -.129, p < .001). Este argumento tem impacto apenas na intenção dos proprietários, que estão menos dispostos a aderir a ações públicas de apoio às leis de conservação quando desacentuam a gravidade dos problemas ambientais locais face aos globais (b = -.245, p < .000). No caso dos não proprietários, esta relação não é estatisticamente significativa (b = -.019, n. s.).
A procura de informação tem um papel positivo na intenção de apoio (b = .333, p < .000), que não se diferencia por grupo local. Assim, quanto maior a procura de informação e exposição à diversidade de ideias a circular na comunidade, maior a intenção dos residentes de aderir às ações públicas de apoio.
Discussão
Este segundo estudo examinou como conteúdos representacionais que angariam diferentes graus de consenso nos discursos locais contribuem para a intenção de apoiar publicamente as leis de conservação. Os resultados evidenciaram que argumentos consensuais têm um papel similar nas decisões de proprietários e não proprietários, o que corrobora a proposta de constituírem elementos partilhados das representações em circulação. Por sua vez, o argumento não consensual, que diferenciou os grupos no Estudo 1, teve aqui um peso significativo também apenas nas escolhas do grupo que o mobilizou, os proprietários. Este era um argumento de contestação, o que reforça a conclusão já avançada no estudo anterior de que é no grupo de proprietários que encontramos um formato de resistência mais elaborado face às leis de conservação.
Além disso, explorámos o contributo de processos representacionais orientados para a procura e troca de informação na comunidade para a intenção de adotar ações de apoio às leis. O resultado encontrado indica que a conversação sobre as zonas protegidas favorece ações públicas de apoio às leis e que este processo é similar para os dois grupos. Assumindo que estes são processos determinantes para que a mudança nas representações e práticas ocorra (Devine-Wright, 2009; Elcheroth et al., 2011), este resultado mostra que os debates sobre as leis a nível local podem ter um papel muito relevante no apoio às políticas públicas.
Em suma, este segundo estudo, no qual inquirimos uma amostra alargada das comunidades locais, corrobora resultados do estudo anterior e reforça a importância de comparar diferentes grupos locais para melhor compreender o ritmo e a direção da mudança. Não obstante, a comparação aqui efetuada partiu de grupos definidos a priori, não esgotando a possibilidade de haver outras distinções igualmente úteis (e. g. caçadores e gestores de caça, Dinnie et al. 2015) para diferenciar a forma como, dentro das comunidades, as pessoas respondem às políticas de conservação. Além disso, por constrangimentos no tempo de aplicação, foram usados indicadores com poucos itens, o que torna relevante replicar os resultados obtidos com medidas mais robustas.
Conclusões
Esta pesquisa pretendeu contribuir para caracterizar as dinâmicas locais de apoio e resistência às leis de conservação da biodiversidade nas comunidades residentes em zonas Natura 2000, comparando grupos locais que são afetados de modo distinto por estas leis: proprietários e não proprietários. Apesar de ser ao nível local que a perda da biodiversidade pode efetivamente ser travada, a relação das comunidades locais com as leis que regulam a rede Natura tem sido examinada principalmente a partir do conflito entre os níveis institucional/legal e local (Abecasis et al., 2013; Delicado et al., 2012, 2015; Paavola, 2004; Sumares e Fidélis, 2009), tendo havido pouca atenção às dinâmicas entre os vários grupos que compõem a esfera local.
Procurando contribuir para colmatar esta lacuna na literatura, os dois estudos apresentados centraram-se sobre processos psicossociais que sustentam dinâmicas locais e compararam proprietários e não proprietários a comunicar sobre as novas leis. Corroborando estudos anteriores (Mouro e Castro, 2012; Pereira et al., 2014), o padrão argumentativo identificado, em grande medida partilhado pelos dois grupos, concede um apoio genérico às leis enquanto reivindica maior envolvimento da comunidade na redefinição das mesmas e projeta como um objetivo importante para o futuro da comunidade o desenvolvimento económico. O consenso que estas representações híbridas angariam a nível local sugere que os grupos se coordenam para expressar um projeto comum para as suas comunidades (Corson et al., 2014), que neste caso resiste às reconfigurações do espaço rural de zonas produtivas para zonas (exclusivamente) de lazer e bem-estar (Figueiredo, 2009), e que lhes confere um papel ativo nas decisões sobre o seu futuro (Castro e Mouro, 2016; Dinnie et al., 2015).
Identificámos também indicadores de uma resistência mais elaborada e consistente por parte dos proprietários. Concretamente, este grupo recorre a mais argumentos de contestação e a uma estratégia de desacentuar a necessidade de conservação ao nível local (ver também Mouro e Castro, 2012) que não emergiu nos não proprietários. Neste sentido, os proprietários apresentaram-se como o grupo com maior capacidade de mobilizar diferentes tipos de argumento face à aplicação das leis. Como ficou patente nesta pesquisa, uma das consequências para a mudança social desta configuração representacional, composta por mais elementos de resistência, é a de tornar mais complexa a relação entre as representações e a intenção de apoio às leis neste grupo. Por outras palavras, pelo facto de terem posições face às leis mais complexas, com mais fatores a intervir na sua decisão de atuar em defesa das leis, torna-se mais difícil prever e incentivar o apoio às leis no grupo de proprietários.
A adoção de uma abordagem comparativa e multi-método contribuiu para avançar na compreensão destas dinâmicas locais. Por um lado, no seu conjunto, a pesquisa realizada mostrou que os proprietários são o grupo que mais recorre a argumentos de resistência e contestação, embora se verifique que estes argumentos são em grande medida conhecidos pelos outros residentes, sugerindo uma mobilização dos dois grupos em torno de um projeto comum. Conhecer as expectativas e interesses do nível local pode ajudar a estabelecer diálogos entre visões alternativas e (re)criar políticas e leis mais adaptadas ao contexto e incentivando o envolvimento local na geração de soluções (Anderson et al., 2017; Pinto-Correia et al., 2006). Um exemplo desse contributo para a conservação da biodiversidade poderá passar pela manutenção/ criação de paisagens multifuncionais, um formato de gestão do território que ancora em características contextuais e em conhecimento local; no entanto, a manutenção de uma visão produtivista do território (visível no Estudo 1) pode colocar em causa o sucesso deste tipo de solução (Pinto-Correia et al., 2014). Neste sentido, seria também relevante, em estudos futuros, averiguar o modo como as dinâmicas locais afetam e são afetadas pelas representações e ações relativas a outras políticas que incluem regulamentação para a conservação da biodiversidade na paisagem rural, como a Política Agrícola Comum.
Por outro lado, esta pesquisa contribuiu também para destacar a importância da conversação e exposição à diversidade de argumentos em circulação a nível local para a decisão de apoiar políticas públicas. Assim, as interações locais podem contribuir para disseminar e consolidar a expressão de resistência a novas leis de conservação - como ilustrámos no Estudo 1 e Carolino (2010) tinha também sugerido relativamente às políticas agro-ambientais -, mas também ter um papel positivo na adesão às ações de apoio público às leis (Estudo 2).
Em suma, conhecer os conteúdos e processos que organizam os encontros na esfera pública local permite-nos compreender melhor quais os promotores de negociação e transformação das representações e ações locais (Batel e Devine-Wright, 2015; Jovchelovitch, 2007). Examinar consensos e a expressão de formas híbridas de argumentação contribuiu para identificarmos os elementos que, num determinado momento, mais concorrem para o apoio e resistência locais à direção apontada pelas leis. E também para refletirmos sobre o facto de que um acordo genérico com as leis, que se apresenta destituído das vivências locais, encerra em si mesmo possibilidades de resistência. No caso da rede Natura 2000, este pode ser um indicador de como as fronteiras entre o social e o natural, instituídas e reificadas nas leis por exemplo através do dilema produção vs. lazer, dificultam a emergência de discursos, narrativas e práticas locais alternativas, que consigam ir para além desta dicotomia.[7]
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Recebido a 15-01-2016.
Aceite para publicação a 15-06-2018.
[1]http://ec.europa.eu/environment/nature/natura2000/index_en.htm
[2] http://www.icnf.pt/portal/naturaclas/rn2000
[3] http://www.lifeesteparias.lpn.pt/
[4] A designação usada remete para um processo psicossocial estudado em psicologia ambiental, que consiste no balanço entre a preocupação ambiental expressa quando considerados os níveis local e global (Lima e Castro, 2005). O argumento identificado neste estudo manifesta preocupação com o nível local, mas faz depender a aprovação da regulamentação para este nível da sua generalização para um nível mais global, assumindo assim um registo de resistência às novas leis - e é por isso considerado um argumento de contestação. Já em pesquisa anterior o padrão aqui encontrado - expressar a mesma (moderada) preocupação com os níveis local e global - emergiu como característico de quem adota uma visão do mundo individualista, que se afasta de uma resolução de problemas ambientais com base em regulamentação e alteração de comportamentos (Lima e Castro, 2005).
[5] Dois dos participantes não referiram argumentos de apoio.
[6] Embora os itens usados não estejam necessariamente operacionalizados na estrutura típica de argumentos, adotámos a mesma designação do Estudo 1 de modo a mais facilmente estabelecer ligações interpretativas entre os dois estudos.
[7] Esta pesquisa, alojada no cis-iul [uid/psi/03125/2013] sob coordenação da segunda autora, foi parte integrante do projeto LIFE Estepárias “Conservação da Abetarda, Sisão e Peneireiro-das-torres nas estepes cerealíferas do Baixo Alentejo”. Foi financiada a 75 % pela Comissão Europeia [LIFE07/NAT/P/654] e por uma bolsa de pós-doutoramento à primeira autora [poch/sfrh/bpd/93564/2013]. A lista de beneficiários e co-financiadores do projeto pode ser consultada em http://www.lifeesteparias.lpn.pt/.