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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.230 Lisboa mar. 2019

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2019230.07 

ARTIGOS

Os jornalistas portugueses sob o efeito das transformações dos media. Traços de uma profissão estratificada

Portuguese journalists under the influence of media transformations.

João Miranda*, Rui Gama**

* Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Rua Augusto Filipe Simões 33 - 3000-457 Coimbra, Portugal.

** Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Colégio de S. Jerónimo - 3004-530 Coimbra, Portugal, rgama@fl.uc.pt


 

RESUMO

O presente estudo procura contribuir para uma atualização da investigação focada na realidade socioprofissional do jornalismo português, em face do contexto de reconfiguração do mercado dos media. Com base num inquérito por questionário realizado em 2015 entre os jornalistas portugueses, que contou com 806 respostas válidas, constata-se um aprofundamento das tendências de recomposição social e de corrosão das condições laborais, identificadas em análises precedentes. Através da aplicação do método de Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas foi possível segmentar a amostra em cinco conjuntos distintos, corroborando a noção de uma profissão estratificada segundo aspetos de poder, estatuto e segurança económica e laboral.

Palavras-chave: comunicação social; jornalistas; cultura profissional; AFCM.


 

ABSTRACT

Traits of a stratified profession. This study contributes to an update of the research focused on the socio-professional reality of Portuguese journalism, given the context of transformation of the media market. Based on a questionnaire survey carried out in 2015 among Portuguese journalists, which had 806 valid responses, an increase of social reconstitution and deterioration of work condition trends is acknowledged. By applying the Multiple Correspondence Analysis method, it was possible to segment the sample into five distinct groups, corroborating the notion of a profession stratified according to aspects of power, status, and economic and labor security.

Keywords: Media; journalists; professional culture; MCA.


 

O jornalismo encontra-se no século XXI perante uma complexa encruzilhada que atinge diferentes dimensões da atividade. Em face de um reenquadramento do mercado - motivado pelas dinâmicas concorrenciais da emergência de novos produtos digitais e por um progressivo quadro de financeirização das estruturas da informação -, o jornalismo tende, por um lado, a ser vítima dessas mesmas estratégias e, por outro, a reorientar-se no sentido de lógicas mais coincidentes com pressupostos administrativos e comerciais. Assim, são replicados mecanismos de moderação de despesas, onde se inclui a reformatação da oferta jornalística, a aposta em práticas produtivas menos dispendiosas ou a redução de custos com pessoal (Mosco, 2009; Meyer, 2009; Siapera, 2013). A par de um encerramento massivo e contínuo de títulos [1] , em Portugal esta conjuntura de transformação do campo jornalístico encontra-se bem patente no quadro de alterações das circunstâncias de trabalho dos jornalistas (Garcia, 2009; Garcia e Graça, 2017; Matos, 2017).

Inseridos à partida num contexto profissional historicamente ambíguo e fragilizado (Fidalgo, 2009; Waisbord, 2013; Örnebring, 2016), os jornalistas portugueses veem o domínio da sua atividade ser progressivamente invadido por uma lógica de debilitação e erosão das condições de trabalho, onde se acentuam situações de despedimento, baixos índices salariais e substituição de vínculos laborais permanentes por fórmulas de contrato mais instáveis, onde se pautam os falsos recibos verdes e as práticas contínuas de estágios profissionais e extracurriculares não remunerados (Graça, 2009; Lima, 2009; Baptista, 2012; Bastos, 2014; Pacheco e Freitas, 2014).

Neste cenário, o conjunto de tendências que marcou o processo de recomposição das redações no período pós-transição democrática - crescimento do número de jornalistas, rejuvenescimento profissional, feminização e aumento da formação (Garcia, 2009) - tende a abrandar, se não mesmo a inverter-se.

Tomando estes pressupostos, este artigo pretender recentrar o enquadramento de uma profissão internamente segmentada. Esta análise será fundamentada nos dados fornecidos pela Comissão Profissional da Carteira de Jornalista e, sobretudo, nos resultados de um inquérito aos jornalistas (desenvolvido entre novembro de 2014 e fevereiro de 2015), onde se evidenciam uma matização das tendências identificadas.

MUDANÇAS NA RECOMPOSIÇÃO DAS REDAÇÕES

O elemento mais óbvio da mutação do processo de recomposição das redações é explícito numa inflexão da expansão constante, ainda que irregular, do contingente de jornalistas, que marcou sobretudo os anos 80 e 90. A par de um tímido crescimento permanente de profissionais, identificado por Sobreira (2003) durante o período ditatorial, é sobretudo após 1974 que ocorre um alargamento exponencial do contingente de jornalistas. [2] Trata-se de uma expansão que, mais do que linear ou contínua, obedece a intervalos “que refletem, sobretudo, processos decorrentes das alterações políticas e das transformações no universo dos media e na estrutura das empresas de imprensa” (Garcia, 1994, p. 69).

Este movimento de alargamento estanca, contudo, a partir de meados dos anos 2000, período a partir do qual se inaugura um quadro relativamente contínuo de decréscimo de profissionais (Baptista, 2012). Partindo dos dados detidos pela CCPJ, Rebelo et al. (2011) identificam a existência, em 2006, de 7402 jornalistas, um número que em 2009 decresce para 6917. Segundo dados da CCPJ, em 2014 contavam-se 6240 profissionais. [3]

A conjuntura do decréscimo do número de jornalistas manifesta-se tão mais relevante quando se observa corresponder a uma linha de abandono da profissão que deixou de ser exclusiva dos setores mais envelhecidos, para incluir também as franjas mais jovens (Pacheco e Rebelo, 2014). Neste sentido, o principal fator do processo de recomposição social do jornalismo português, assente numa renovação constante do quadro de profissionais, tende a ser ameaçado por uma rutura patente numa retração do mercado de trabalho, na imposição de diferentes óbices no ingresso profissional ou mesmo na desistência precoce dos recém-ingressados (Pacheco e Freitas, 2014). Com efeito, como refere Garcia (2009), o corpo profissional do jornalismo português carateriza-se durante o último quarto do século XX como bastante jovem [4] , resultado, por um lado, do conjunto de ingressos massivos na profissão e, por outro, de uma tendência relativamente transversal para um abandono precoce. Não obstante o abrandamento destas dinâmicas de rejuvenescimento profissional, os dados da CCPJ exprimem um universo de jornalistas ainda relativamente jovem, onde, em 2014, a maioria se enquadrava nos estratos abaixo dos 50 anos de idade, e onde 42,3 % possuía menos de 40 anos. Um número, porém, distante dos 57,3 % identificados por Rebelo et al. (2011) em 2006. Cingindo esta análise aos titulares de CPJ, identifica-se uma variação de menos 12,9 % de jornalistas com menos de 40 anos entre 2006 e 2014.

Esta esfera de enfraquecimento do rejuvenescimento profissional implicará o próprio fenómeno de recomposição de género das redações, sobretudo imbricado num processo de progressiva feminização [5] a partir das gerações mais jovens. Como observavam Rebelo et al. (2011) nos dados de 2006, é nos estratos etários abaixo dos 40 anos que se evidencia a vaga de feminização do jornalismo e uma tendência para a recomposição de género nas redações. Segundo os dados de 2014, disponibilizados pela CCPJ, as mulheres compunham 53,9 % do total de profissionais com menos de 40 anos. Conquanto se sugira uma alteração desta tendência de feminização do jornalismo, com base no fenómeno do abandono de jovens jornalistas, importará notar que a problemática do decréscimo do contingente profissional assume uma relativa similitude entre géneros: uma comparação entre o total de detentores de título profissional em 2004 e 2014 demonstra uma diminuição de 18,5 % de homens e 17 % de mulheres. Como notam Salim (2008) e Subtil e Silveirinha (2017), releva-se também que este processo de paridade nas redações, em termos de género, assume ainda pouca expressão nas esferas de estatuto e poder, implicando os próprios aspetos da remuneração e mobilidade profissional.

Interdependente destes dois processos de recomposição está o fenómeno do aumento do credencialismo escolar dos profissionais, assente num movimento de acesso ao exercício da profissão progressivamente coincidente com contextos de obtenção de licenciatura ou mesmo mestrado. Longe dos 48,1 % de jornalistas com grau ou frequência universitários que Garcia (1994) identifica em 1992, os dados da CCPJ, sobre 2014, inscrevem esta fração nos 67,2 % (v. Quadro 1). Diferentes fatores podem explicar este quadro de alteração, como a própria democratização do ensino superior; a circunstância de, após a readequação dos cursos ao Processo de Bolonha, o estágio curricular se encontrar, generalizadamente, apenas disponível na frequência do mestrado; e a própria proliferação de cursos de comunicação e jornalismo durante o final do século XX (Pinto, 2004). [6]

 

 

ACESSO À PROFISSÃO

A problemática do credencialismo é particularmente crítica no campo do jornalismo, porquanto encerra a discussão entre uma perspetiva que entende o jornalismo como meio de fruição da liberdade de imprensa e uma visão que tende a advogar a imprescindibilidade de um maior fechamento. De resto, a condição de acesso à profissão foi um dos temas de maior controvérsia aquando da última alteração fundamental do Estatuto do Jornalista (Silva, 2007), colocando-se então em dúvida a obrigatoriedade do grau académico superior, assim como a imprescindibilidade do estágio, como condição para o acesso à profissão.

Mecanismo obrigatório de ingresso na profissão, os estágios (na vertente curricular, mas sobretudo no plano profissional) merecem aqui especial relevo, enquanto ponto nevrálgico da reconfiguração dos arquétipos da empregabilidade do jornalismo português. Aliado a um paradigma de progressivo esvaziamento das redações e precarização dos contratos de trabalho dos jornalistas, o ritmo crescente de admissões de estagiários surge como estratégia de substituição de profissionais com muitos anos de serviço por jovens com menos experiência e, sobretudo, com menor remuneração (Fidalgo, 2008). Num universo caraterizado por uma relação assimétrica entre a oferta e a procura de emprego, e a existência de um vasto exército industrial de reserva, constituído por uma “força de trabalho jovem, recém-saída das universidades e necessitada de emprego a qualquer custo” (Fidalgo, 2009, p. 166), esta nova lógica conduz também à reconfiguração do esquema de contratualização dos já jornalistas, que veem os seus vínculos substituídos por novas modalidades de empregabilidade. Estas dúvidas verificam-se ainda mais prementes quando se colocam sobre a tónica dos estágios não remunerados, isto é, os estágios curriculares [7] , e, principalmente, os estágios profissionais de curta duração. Novamente, os resultados dos inquéritos recentes, focados na temática (Miranda, 2012; Rebelo et al., 2014), indicam uma certa transversalidade na prática de estágios extracurriculares e não remunerados.

CONDIÇÕES LABORAIS

No contexto de remodelação do quadro contratual do jornalismo, a questão dos estágios não remunerados assume, assim, particular pertinência, não só como estratégia de ingresso na profissão [8] (Graça, 2009), mas enquanto modelo transfigurado de vínculo laboral, assente em práticas de repetição contínua de estágios (Garcia, Marmeleira e Matos, 2014).

A problemática referida é, porém, apenas mais uma marca de um processo de reconfiguração do enquadramento laboral do jornalismo português. Um processo pautado por uma erosão das condições de trabalho e dos direitos sociais dos seus profissionais, a que não é alheia a conjuntura sistémica do jornalismo, observada na introdução desta análise, cujas consequências se repercutem em diferentes dimensões da atividade.

Um dos aspetos mais públicos desta reestruturação do mercado de trabalho, e que ajuda a explicar as dinâmicas de decréscimo do contingente de profissionais, refere-se a um esvaziamento das redações, assente num agravamento dos números de desemprego e, mesmo, despedimento (Baptista, 2012; Bastos, 2014). Um estudo frequentemente mencionado, desenvolvido pelo Sindicato dos Jornalistas (2012) a partir dos dados da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, dava conta da entrada de 566 [9] novos pedidos de subsídio de desemprego entre 2007 e 2011. [10]

Todavia, esta dimensão do desemprego deve ser observada, por um lado, segundo o paradigma de um crescente exército industrial de reserva, formado por jovens licenciados, e, por outro, a partir de um progressivo quadro de flexibilização das condições de vínculo e da relação salarial (Pacheco e Freitas, 2014). Se já no estudo de 1997 cerca de um terço dos respondentes referia estar contratado a prazo, ou não pertencer aos quadros (Garcia, 2009), os indicadores obtidos em inquéritos mais recentes [11] sugerem uma proliferação da contratação através de fórmulas temporárias e mais instáveis, bem como de baixos índices salariais. Esta mesma tendência é identifica em vários relatórios do Sindicato dos Jornalistas e em diversos relatos dos profissionais - a título de exemplo, esta problemática atravessou grande parte das intervenções do 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, realizado em janeiro de 2017. É, aliás, particularmente exemplar observar que o 2.º e o 4.º pontos da Resolução Final aprovada no encontro se refiram respetivamente a uma “dimensão reduzida das redações com os despedimentos, precariedade, baixos salários e falta de tempo” e a situações de “falsos estágios, os falsos recibos verdes e os falsos contratos de prestação de serviço” (4CJP, 2017).

Como observa Pacheco (2012, p. 113), vale a pena ainda observar que tende a ser o grupo dos jovens aquele que é mais exposto aos efeitos desta corrosão dos contextos laborais. [12] Sobretudo, como já se verificou, inseridos num mercado de jornalismo progressivamente contraído e reformatado, “maior é a dificuldade para aceder a um lugar e maior também é a probabilidade de se ficar numa situação precária”. Uma consequência óbvia deste fenómeno manifesta-se numa generalização da vontade, e mesmo concretização, do abandono progressivamente prematuro do jornalismo (Pacheco e Freitas, 2014). Um efeito menos claro e, também, menos direto infere-se no aprofundamento das clivagens internas da profissão.

UMA PROFISSÃO ESTRATIFICADA

A caraterização do jornalismo como uma profissão socialmente estratificada no seu interior não é uma perspetiva completamente recente nem singular ao jornalismo. Neveu (2005) e Rieffel (2005), por exemplo, salientam como historicamente a profissão se estruturou segundo diferentes níveis de segmentação interna. Concomitamente, diferentes estudos realizados em diferentes países têm confirmado essa estratificação, tendo por base critérios de prestígio, estatuto profissional, segurança laboral, remuneração, formação, ou êxito profissional.

Já em 1993, através de uma análise de clusters sobre os resultados do I Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, Garcia e Castro (1993) ensaiam uma segmentação da profissão alicerçada em quatro conjuntos: jornalistas em início de carreira (17,86 %), com 3 a 5 anos de antiguidade na profissão e níveis remuneratórios relativamente reduzidos; “aspirantes ao jornalismo” (15,48 %), caraterizado essencialmente por estagiários, com menor antiguidade e com rendimento mais baixo; jornalistas de elite pertencentes a uma geração intermédia (39,29 %), onde se encaixam jornalistas com 6 a 15 anos de exercício profissional, alguns exercendo cargos de chefia; e os jornalistas de elite com mais antiguidade na profissão (27,38 %), geralmente associados a cargos de direção.

Também tomando como base os resultados do I Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, Correia (1997) estrutura o grupo profissional do jornalismo em três conjuntos distintos: um grupo de elite, formado por jornalistas com maiores níveis de antiguidade e/ou de escolaridade; um grupo correspondente aos estagiários e colaboradores, caraterizado por um baixo índice de antiguidade na profissão; e um grupo intermédio (maioritário) de jornalistas, não pertencentes à posição de chefia.

A estrutura proposta por Garcia e Castro, relativamente ao I Inquérito, acabaria por ser substancialmente corroborada pela aplicação de uma nova análise tipológica aos resultados do II Inquérito Nacional (Garcia e Silva, 2009). Novamente fundamentada sobre quatro frações, a disposição então proposta pelos autores compreendia um grupo relativo aos “jornalistas executantes” (45,5 %), que, na generalidade, não ultrapassa os 40 anos, que possui o ensino obrigatório e com salários abaixo de 1250 euros; um grupo concernente aos “jovens jornalistas”, essencialmente licenciados, com uma grande margem de indivíduos com menos de 29 anos; o grupo de “jornalistas credenciados” (20,9 %), com formação elevada, mais idoso e com salários acima dos 755 euros; e, finalmente, o grupo dos “jornalistas dirigentes” (10,4 %), sobretudo homens, com elevados escalões salariais e baixos níveis de formação.

Mais tarde, utilizando o método de Análise de Correspondências Múltiplas e com base nos dados detidos pela CCPJ, Rebelo et al. (2011) encontravam também uma disposição tripartida da profissão, onde 41,3 % corresponde aos jornalistas e editores com mais antiguidade, menor nível de formação e onde se encontra a maioria dos responsáveis editoriais; 44 % inclui jornalistas mais jovens e com educação superior; e 14,7 % diz essencialmente respeito aos jornalistas com menos de 30 anos, formação superior e baixa participação em cargos de responsabilidade.

Independentemente do modelo de estruturação interna que cada um dos estudos ou propostas sugere, fica claro que as suas fronteiras assentam, para lá das óbvias causas de natureza tecnológica ou funcional, em fatores relativos ao estatuto, autoridade ou capacidade económica. Fatores cujo desfecho redunda “ora em lógicas de precariedade laboral, ora em formas de consolidação da inserção profissional, ora ainda em estratégias de manutenção ou conquista do governo dos media” (Garcia e Silva, 2009, p. 129).

DESCRIÇÃO METODOLÓGICA

Compreender de forma mais aprofundada e atualizada a realidade socioprofissional do jornalismo português, e as expetativas e atitudes dos jornalistas, depende de um conjunto de informação complementar, impossível de reunir pela fraca diversificação dos dados detidos pela CCPJ e a falta de atualidade dos resultados do I e II Inquéritos Nacionais aos Jornalistas (respetivamente, 1990 e 1997). [13] Neste sentido, os dados apresentados e discutidos ao longo desta análise derivam dos resultados obtidos num inquérito aplicado ao universo dos titulares de Carteira Profissional de Jornalista, Título Provisório de Estagiário e Cartão de Identificação de Equiparado a Jornalista. [14] Aplicado, entre novembro de 2014 e fevereiro de 2015, por via online - com recurso à plataforma LimeSurvey - entre os contactos de correio eletrónico detidos pela CCPJ, o inquérito conheceu um total de 1066 respostas. [15] Por motivos de incompletude do questionário, foram excluídas 260 respostas, obtendo-se desta forma um resultado final de 806 respostas admitidas. A aplicação de um teste de qui-quadrado entre os dados obtidos e os dados do universo, nos campos disponíveis pelos registos da CCPJ, revelou a inexistência de diferenças estatisticamente significativas entre a amostra e a população.

Não obstante o inquérito ser composto por cinco grupos de questões [16] e 90 perguntas principais (84 questões fechadas e 6 abertas [17] , que resultaram em 112 variáveis de análise), os resultados aqui discutidos cingem-se apenas aos dois primeiros conjuntos.

Já aqui se observou, o jornalismo configura uma profissão estratificada em conjuntos representantes de contextos e perfis-tipo demarcados. Os estudos classificatórios de Garcia e Castro (1993), e Garcia e Silva (2009), sugerem mesmo uma configuração tipológica bastante definida em torno de critérios de formação e estatuto profissional, mas também de situação laboral. Este estudo procura também prosseguir esta análise de classificação, apontando para o estabelecimento de tipologias de inserção dos jornalistas no contexto socioprofissional, assentando essa categorização em variáveis associadas às realidades sociográficas e laborais dos profissionais. Assim, a informação recolhida foi submetida a uma Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas (AFCM), onde foram introduzidas como variáveis ativas a representação sexual, níveis e áreas de formação escolar, antiguidade na profissão, passado laboral, situação profissional, estatuto, vínculo e níveis remuneratórios. A AFCM consiste num modelo que possibilita estudar a relação entre variáveis nominais e ordinais [18] , permitindo representar essas variáveis num conjunto pequeno de dimensões (Lebart, 1994; Carvalho, 2008; Pestana e Gageiro, 2008). Este processo fornece “a síntese do conjunto inicial de dados em diversos eixos fatoriais que representam indivíduos que partilham as mesmas caraterísticas” (Baganha, Ferrão e Malheiros, 1999, p. 156). Posteriormente, procedeu-se a uma análise dos object scores, limitando esta observação às quatro primeiras dimensões oferecidas pela análise. Deste método obtiveram-se cinco grupos distintos, com níveis relevantes de uniformidade interna assente, sobretudo, na representação do estatuto profissional.

SEGMENTAÇÃO DA AMOSTRA

Importa notar que, à margem da definição de um novo quinto grupo (referente aos profissionais que não exercem), a natureza dos perfis-tipos observados nesta análise não difere substancialmente da já encontrada na bibliografia precedente (Garcia e Castro, 1993; Garcia e Silva, 2009). No entanto, ressalva-se a singularidade do protagonismo que as dimensões do estatuto e vínculo profissional assumem na construção tipológica da segmentação relativamente ao relevo dos fatores de antiguidade ou escolaridade dos estudos anteriores.

Com um índice de object scores bastante demarcado dos restantes indivíduos, em todas as dimensões, surge o conjunto mais pequeno da amostra, que inclui o segmento da classe profissional em início de carreira, isto é, os jornalistas inseridos em modelos de estágio curricular ou profissional. Correspondente a um grau etário mais jovem e com menor tempo de atividade profissional, este conjunto é também caraterizado pelos índices salariais mais baixos e vínculos laborais bastante balizados. [19]

No campo oposto, e com um fator de coesão combinado sobretudo com o estatuto profissional, o quarto conjunto profissional define o segmento relativo à chefia editorial, cujo enquadramento assenta, essencialmente, em modelos contratuais mais seguros e altos níveis de remuneração. Não obstante, subjaz dentro deste segmento uma fatia muito reduzida, sobretudo ligada aos meios regionais impressos e online, que desempenha a sua atividade de forma graciosa, independentemente do modelo contratual.

Com maior expressão dentro da amostra, o segundo e o terceiro conjunto assemelham-se em termos de estatuto, compreendendo repórteres e redatores, jornalistas de imagem, editores ou colaboradores permanentes. Diferem entre si sobretudo no vínculo laboral assumido - enquanto o conjunto 3 se encontra delimitado a modalidades contratuais mais estáveis, os indivíduos do conjunto 2 encontram-se dispersos entre fórmulas mais precárias - e na situação salarial - mais baixa entre os profissionais do conjunto 2. Com menor relevo, figuram ainda outras disparidades sociográficas: o conjunto 2 é, no seu cômputo, mais jovem e possui menor experiência profissional.

Também com object scores bastante discriminados, o quinto conjunto agrupa os detentores de título profissional que não se encontram a desenvolver atividade jornalística. Predominantemente mais envelhecido, este conjunto possui uma margem relevante de indivíduos com maiores níveis de antiguidade na profissão.

Concluindo, da análise tipológica da segmentação da amostra obtida no inquérito desenvolvido entre os jornalistas portugueses resultam os seguintes conjuntos: Conjunto 1 - Aspirantes; Conjunto 2 - Executantes (situação profissional mais vulnerável); Conjunto 3 - Executantes (situação profissional menos vulnerável); Conjunto 4 - Dirigentes; Conjunto 5 - Não exerce (v. Quadro 2).

 

 

DEMONSTRAÇÃO DE TENDÊNCIAS

Conquanto os resultados totais do inquérito indiquem uma tendência para confirmar as vertentes socioprofissionais observadas anteriormente, um dos elementos mais evidentes da análise destes dados refere-se, como já se discutiu, a uma estratificação destas dimensões segundo diferentes segmentos da amostra. Uma decomposição determinada por aspetos referentes ao enquadramento profissional e laboral dos inquiridos, mas também ao quadro de perceções sobre a profissão e, inclusive, a aspetos sociográficos como o género ou a idade.

CARATERIZAÇÃO SOCIOGRÁFICA

A distribuição geral da matriz etária da amostra pende para acompanhar as conclusões já evidenciadas por Rebelo et al. (2011), isto é, de uma profissão que, não obstante uma configuração relativamente jovem, possui atualmente fraca representação entre os setores mais novos, concentrando-se assim sobretudo entre os 30 e os 50 anos. O exercício de estratificação da idade (v. Quadro 3) permite encontrar alguns desfasamentos na representação etária segundo os grupos identificados, que se constituirão fundamentais no sentido de entender a esfera de relação entre este indicador e a situação profissional dos jornalistas. Para lá de uma óbvia representação de um C1 mais jovem e de um C4 mais envelhecido, salienta-se a disparidade etária entre os dois conjuntos de executantes - 62,9 % do C2 situa-se nos escalões entre os 21 e 40 anos, enquanto 63,9 % do C3 possui entre 31 e 50 anos.

 

 

A distribuição dos índices de antiguidade profissional reitera as linhas gerais concernentes à questão da idade: 57,3 % do C2 é jornalista com menos de 14 anos de experiência e 60,2 % do C3 possui entre 15 e 29 anos de experiência. Destaca-se, contudo, o facto de 14,8 % do C1 referir estar na profissão há mais de três anos, 7,4 % há mais de cinco.

Também a distribuição por género dos conjuntos corrobora as principais linhas já observadas. Por um lado, é identificável um contexto de relativa feminização dos grupos mais jovens: enquanto o C1 é composto por 70,4 % de mulheres jornalistas e o C2 por 46,7 %, no terceiro conjunto esta fração restringe-se a 39,4 %. Por outro, a predominância masculina do conjunto referente aos cargos diretivos (74,1 %) patenteia no âmbito desta amostra o quadro de falta de acesso por parte dos segmentos femininos da profissão às posições de responsabilidade editorial, descrito por Salim (2009) e Subtil e Silveirinha (2017).

Os resultados relativos às habilitações académicas dos inquiridos indiciam um panorama de alguma forma transversal de formação superior. Na estratificação dos graus de ensino segundo os conjuntos observados (v. Quadro 4), identifica-se uma distribuição relativamente proporcional entre os diferentes grupos - embora, entre os três grupos intermediários, a detenção de graus superiores de ensino seja ligeiramente superior dentro do C2. Enfatiza-se também uma margem já relevante de detentores de mestrado pós-Bolonha e a profusão dentro do C1 de elementos com grau de licenciatura ou superior, sugerindo-se assim a formação superior como modo de ingresso na profissão. Esta hipótese é corroborada pela identificação das áreas científicas de formação dos inquiridos com grau superior, onde 64,1 % referem deter licenciaturas nas áreas da comunicação e jornalismo.

 

 

PERCEÇÕES SOBRE O ACESSO À PROFISSÃO

A relativa assimetria referente ao contexto de habilitações académicas entre os conjuntos mais fragilizados e os conjuntos com maior segurança, mas também o quadro de distribuição etária e de antiguidade profissional, poderá fundamentar alguma disparidade relativamente à esfera de conceções sobre os modelos que devem orientar o acesso ao exercício do jornalismo. Todavia, a imprescindibilidade da detenção do título profissional tende a ser unanimemente aceite entre os diferentes conjuntos observados [20] - ainda que se manifeste algum nível de discordância entre o C1 (14,8 %) e o C2 (12,7 %). Consonância também evidente relativamente à aprovação da ideia da obrigatoriedade do estágio para o ingresso na profissão: do total da amostra, apenas 14,4 % refere ser contra a ideia.

Aprofundando, contudo, o campo de perceções sobre a relação entre a substancialidade da detenção de graus específicos e o acesso à profissão revela-se uma maior matização de opiniões entre os diferentes conjuntos, evidenciando-se entre os grupos mais jovens uma maior valorização da habilitação académica, enquanto elemento imprescindível para o exercício do jornalismo. Entre o primeiro conjunto, apenas 7,4 % rejeita a ideia da obrigatoriedade da detenção de formação superior para o exercício, uma fração que atinge os 30 % entre o C2; 34,6 %, no C3; e 41,2 % no C5. O quarto conjunto é o que mais objeta a ideia, com uma rejeição que atinge os 51,9 %. Este quadro de disparidade é ainda mais acentuado relativamente à conceção da licenciatura especializada nas áreas do jornalismo como critério de acesso à profissão. Se, entre o primeiro conjunto, 66,7 % dos elementos concorda com a ideia, 55,4 % do C2 admite estar contra essa conceção, assim como 56,9 % do C5, 65,4 % do C3 e 68,1 % do C4.

Não obstante a atual conjuntura sistémica do jornalismo tender a desacelerar os processos de rejuvenescimento profissional, os dados sobre as habilitações académicas dos inquiridos - assim como o cruzamento deste com outros indicadores referentes à entrada na profissão - delineiam uma reconfiguração dos modos de acesso à profissão, progressivamente fundada num modelo de formação superior. [21] Neste mesmo sentido, situando-se o quadro concetual que considera os pressupostos do credencialismo escolar como critério de ingresso na profissão nos conjuntos mais jovens, sugere-se uma própria reformatação do quadro ideológico da profissão no sentido da valorização de estratégias organizacionais assentes em critérios de delimitação de fronteiras ou mesmo fechamento social da profissão. [22]

SITUAÇÃO PROFISSIONAL E CONDIÇÕES LABORAIS

Evidencia-se já, na discussão prévia, o papel central que a variável do estatuto profissional representa na construção dos diferentes perfis-tipo estipulados nesta análise. Esta relação aparece na distribuição dos estatutos profissionais dos indivíduos pelos conjuntos definidos (v. Quadro 5).

 

 

Embora se verifique uma divisão algo proporcional, dentro dos conjuntos, das diferentes tipologias de media onde os inquiridos desenvolvem atividade, é pertinente verificar o peso que os jornalistas televisivos assumem no terceiro conjunto. Da totalidade dos repórteres de televisão, 51,8 % insere-se neste grupo. Inversamente, os jornalistas da imprensa e da rádio estão presentes sobretudo no conjunto referente às situações laborais mais vulneráveis - 43,6 % e 50,6 %, respetivamente. [23]

No âmbito do quadro total da amostra, um dos resultados mais críticos, no que concerne à problemática das condições laborais, refere-se a que metade dos inquiridos, que desenvolve atividade, menciona praticar jornalismo inserido em lógicas contratuais não permanentes - uma conjuntura, que comparativamente aos elementos apresentados pelos I e II Inquéritos Nacionais, revela um quadro amplo de erosão da segurança laboral. Retomando a discussão já iniciada no ponto sobre a segmentação da amostra, a distribuição de vínculos laborais assumidos pelos conjuntos observados [24] (v. Quadro 6) revela um contexto onde é particularmente entre o C2 que se manifesta uma profusão de situações de precariedade contratual, sobretudo pautada por um grupo de 47,4 % que desempenha funções segundo lógicas de prestação de serviços.

 

 

Também a relação salarial dos inquiridos assinala resultados bastante críticos e distantes da realidade identificada por Garcia (2009) em 1997, quando apenas 24,2 % referem auferir rendimentos acima de 1500 euros brutos mensais e 55,4 % mencionam receber abaixo dos 1000 euros ilíquidos. Novamente, a desagregação destes índices pelos conjuntos identificados (v. Quadro 7) patenteia profundas assimetrias entre os diferentes grupos, encontrando-se mais uma vez entre os primeiros conjuntos os elementos mais expostos a frágeis condições de trabalho.

 

 

Se estes diferentes indicadores apresentam um quadro relativamente amplo de deterioração das circunstâncias segundo as quais os jornalistas desenvolvem a sua atividade, a concentração dos índices mais críticos de insegurança contratual e baixa remuneração entre os conjuntos sobrerrepresentados pelos estratos mais novos corrobora a tendência identificada por Pacheco (2012) de serem os setores mais jovens da profissão os mais expostos aos fatores de precariedade. Paralelamente, a composição eminente feminina dos conjuntos mais fragilizados insinua também um desequilíbrio inerente aos efeitos de desgaste das condições e segurança de trabalho, assente num contexto de disparidade de género. [25]

Esta linha de distribuição é, de resto, relativamente transversal a todo o contexto do enquadramento laboral dos diferentes conjuntos. É sobretudo entre o C2 que se identificam maiores níveis de desenvolvimento de atividade jornalística em meios de comunicação exteriores ao grupo empresarial com que os inquiridos detêm o contrato principal: 29,5 % (11,1 % no C1, 17,1 % no C3 e 22,9 % no C4). Com as devidas exceções do C4 e C5 [26] - respetivamente 25,2 % e 56,9 % -, é também neste conjunto que se encontram maioritariamente os elementos que referem desempenhar uma outra atividade profissional que não o jornalismo: 21,7 % (11,1 % no C1 e 17,1 % no C3). Também com a exceção do C5 - com 58,8 % -, o segundo conjunto é novamente o grupo de jornalistas ativos onde se verifica o maior número de experiências de situações de despedimento: 32,5 % (7,4 % no C1, 27,9 % no C3 e 22,9 % no C4). [27] Conquanto se consubstancie numa fração bastante reduzida, é particularmente reveladora a existência de experiências de despedimento no jornalismo entre os inquiridos do primeiro conjunto, composto eminentemente por diferentes tipos de estagiários. Este indicador vai, contudo, ao encontro dos dados referentes à distribuição dos índices de antiguidade profissional do primeiro grupo, onde 14,8 % deste conjunto refere possuir mais de três de anos de experiência.

Ainda sobre os estágios, interessará notar que, do total da amostra, 40,8 % dos inquiridos admite ter realizado pelo menos um estágio profissional ou extracurricular não remunerado. Novamente, é entre os primeiros conjuntos que este contexto é mais manifesto: 55,6 % no C1, 50,5 % no C2, 41,2 % no C5, 34,6 % no C3 e 27,4 % no C4. Com efeito, esta disparidade pode ser explicada pela estrutura de distribuição etária dos diferentes grupos. Mas este indicador evidencia traços de desestruturação da relação contratual do jornalismo, alicerçados em fórmulas gratuitas de trabalho, assentes na expetativa do ingresso na profissão. Esta tendência é ainda mais clara quando observada à luz das motivações que conduzem os inquiridos a estes modelos de contratação. Enquanto entre o C4 e o C5, as razões dos respondentes para ingressarem num estágio não remunerado se prendem sobretudo com as possibilidades de adquirir experiência profissional e enriquecer o currículo profissional, nos restantes grupos observa-se uma relativa simetria entre este quadro de motivações e a expetativa de integrar os quadros do órgão de comunicação.

Este último cruzamento de indicadores, referentes à experiência de estágio e ao quadro de motivações, acompanha o conjunto de leituras que identifica nestas fórmulas profundamente inseguras de trabalho uma fórmula de ingresso na profissão. Ao mesmo tempo, partindo do exercício de identificação de situações de despedimento e longos períodos de experiência, sugere-se que não só o estágio possa também obedecer a estratégias de reingresso na profissão, como ainda possa de facto inscrever-se num processo de reformatação das fórmulas tradicionais de contratualização.

CONCLUSÃO

Tomando como referência o complexo contexto de reconfiguração do panorama da informação e do jornalismo na passagem do século XX para o século XXI, o presente artigo procurou enquadrar a realidade contemporânea do exercício do jornalismo e do quadro profissional portugueses, a partir dos dados disponibilizados pela CCPJ e, sobretudo, a partir dos resultados de um inquérito aos jornalistas.

Estes dados sobre o universo analisado tendem a corroborar as linhas já avançadas em vários estudos anteriores, onde se evidencia, antes de mais, um progressivo quadro de esvaziamento do contingente de profissionais, contribuindo para um abrandamento, ou mesmo inversão, das dinâmicas que sustentaram os diferentes caminhos da recomposição social das redações no período pós-transição democrática: rejuvenescimento constante do corpo profissional, crescentes níveis de formação e progressiva feminização.

O aprofundamento destas caraterísticas, através dos resultados do inquérito que serviu de base empírica a este artigo, fornece uma realidade bastante crítica, onde a generalização dos baixos rendimentos e a proliferação dos vínculos precários constituem os traços mais evidentes de um quadro de corrosão das condições laborais. Quadro esse também presente na reformulação dos arquétipos de contratação, alicerçado na profusão de modelos mais instáveis.

Ao mesmo tempo, identifica-se um claro pendor para uma assimetria da esfera dos efeitos e perceções das diferentes tendências observadas dentro da própria amostra. Uma disparidade que imbrica não só na dimensão da capacidade económica e estatuto, mas também no plano da idade e do género.

Apesar da esfera de relativa mudança do contexto sociográfico da profissão, resultante da mutação dos aspetos orientadores da recomposição das redações - onde se relevam as marcas do abandono, mas também de maiores níveis de escolaridade e de contração das disparidades na representação de género -, a matriz de segmentação profissional evidenciada ao longo desta análise tende a prosseguir as linhas identificadas no ensaio de estratificação sobre a amostra do II Inquérito Nacional (Garcia e Silva, 2009). Com efeito, onde em 1997 o nível de escolaridade surgia como eixo de definição da matriz da segmentação profissional, o contexto de disparidades aqui apresentado tende a relevar aspetos mais coincidentes com critérios relacionados com a idade ou a experiência profissional. Distingue-se, todavia, uma estrutura de compartimentação bastante idêntica à avançada por Garcia e Silva (2009), onde, a par de um novo conjunto referente aos elementos não ativos, as principais variações se referem sobretudo à dimensão sociográfica - particularmente, à representação de género e habilitações académicas de cada conjunto. Neste contexto de segmentação e diferenciação interna, fundado em categorias de poder, estatuto e segurança económica e laboral, agudizam-se, portanto, os problemas de profissionalização e de definição identitária do coletivo já identificados por Garcia e Silva (2009), e que se encontram profundamente imbricados nas lógicas de precariedade, condições de acesso à profissão e regulação dos meios. [28]

 

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Recebido a 14-03-2016.

Aceite para publicação a 07-11-2017.

 

[1] Por exemplo, uma análise dos relatórios de atividades e contas do Instituto da Comunicação Social e Entidade Reguladora para a Comunicação Social permite perceber que, desde 2003, o número de registos de cancelamento de empresas e títulos de comunicação tem permanentemente superado o número de registos de inscrição.

[2] A título de exemplo, Sobreira (2003) identifica, nos documentos do Sindicato Nacional dos Jornalistas, a existência de 273 jornalistas, em 1955. Segundo dados do Sindicato dos Jornalistas e CCPJ, em 1990 (Garcia e Silva, 2009) existiam 2374 portadores de título profissional e, em 1997, 4247.

[3] Importa notar que, no seu levantamento, Rebelo et al. (2011) incluem os detentores de título profissional, título de estagiário e título de colaborador especializado - este grupo correspondendo a uma média de 1 % do universo de jornalistas observado pelos autores. O despacho n.º 22266/2009 veio integrar este último título num grupo mais vasto de carteiras de colaborador. No decorrer desta investigação, e à medida que se tomava conhecimento sobre o objeto de estudo, entendeu-se que este novo grupo corresponde a uma realidade bastante matizada, em que a participação permanente e remunerada na atividade corresponde apenas a uma pequena franja. Desta forma, e relacionada com o âmbito central da presente investigação, foi tomada a opção de retirar este grupo do universo de análise e, paralelamente, de incluir o grupo dos detentores de título de equiparado a jornalista, o qual corresponde a 2,5 % do universo de jornalistas observados, na sequência do inquérito realizado em 2014. Assim, e durante o restante artigo, os números considerados para 2004 e 2009 deverão compreender o universo dos três títulos então observados e a realidade de 2014 o universo agora analisado. Não obstante, atendendo apenas ao conjunto de titulares de Carteira Profissional de Jornalista, a evolução do número de jornalistas pode ser observada segundo os seguintes valores: 2006 - 6767; 2009 - 6216; 2014 - 5756.

[4] Em 1987, 72,7 % dos jornalistas possuíam menos de 45 anos e, em 1990, 70,1 % possuíam menos de 44 anos (Garcia, 1994).

[5] Em 1987, a taxa de feminização da profissão situava-se 19,8 % (Oliveira, 1988) e, em 2004, nos 41,4 % (Rebelo et al., 2011). Em 2014, era de 40 %. O fenómeno da feminização do jornalismo português é, de resto, identificado neste mesmo texto de Paquete de Oliveira, a que se juntam posteriormente os contributos de Garcia (1994; 1997) e Subtil (2000 /2009).

[6] Embora seja uma variável de aplicação recente, no levantamento dos dados disponibilizados pela CCPJ sobre os jornalistas nascidos após 1975, Pacheco e Rebelo (2014) encontraram uma predominância de indivíduos com formação nas áreas da comunicação e jornalismo.

[7] Sobre a questão dos estágios curriculares, veja-se as dúvidas levantadas por diferentes organismos reguladores relativamente à legitimidade do desempenho de funções jornalísticas por parte dos estagiários (ERC, 2007; 2008; CCPJ, 2008).

[8] No inquérito de Rebelo et al. (2014), 504 em 515 respondentes, referem ter realizado um estágio profissional, 126 respondentes indicam já ter realizado dois estágios, e 54 mais de três.

[9] 342 destes referentes apenas a dez grupos empresarias, no triénio 2009-2011 (SJ, 2012).

[10] A real dimensão do desemprego no jornalismo é, porém, uma realidade complexa de quantificar. Se por um lado, como o indicam por exemplo os resultados do inquérito de Miranda (2012), existe uma margem relevante de jornalistas a desenvolver atividade à margem dos registos da CCPJ, por outro, a problemática do desemprego articula-se amplamente com o paradigma dos “falsos freelancers”. Isto é, jornalistas desempregados que, na esperança de encontrar trabalhos ocasionais, ou devido ao estigma do desemprego, preferem declarar-se freelancers a dar conta da sua situação profissional.

[11] No inquérito de Rebelo et al. (2014), apenas 49,9 % dos respondentes refere possuir um contrato permanente. Dos 20,8 % que mencionam trabalhar por conta própria, 75,7 % dizem fazê-lo por ter dificuldade em conseguir um contrato de trabalho. Embora relativamente a um universo e a uma amostra bem mais reduzidos, no inquérito de Miranda (2012), 46,1 % dos inquiridos admitem estar inserido em lógicas contratuais não permanentes. Contudo, num inquérito dirigido aos jornalistas online, Bastos (2008) encontra uma fração de 92,5 % de inquiridos com vínculo estável.

[12] Conquanto não existam ainda em Portugal estudos que permitam conhecer aprofundadamente esta dimensão, diferentes relatórios sobre a situação internacional ou sobre a situação dos Estados Unidos - como são exemplo os reports do GMMP (2015) e do WMC (2015) - indiciam uma disparidade de género em termos da relação salarial, mas também das condições laborais, onde as mulheres jornalistas tendem a ser particularmente prejudicadas.

[13] De facto, existem vários inquéritos dirigidos aos jornalistas portugueses desenvolvidos após o virar do século e que conheceram resultados - Bastos (2008), Lima (2010), Miranda (2012), Cardoso et al. (2012) ou Rebelo et al. (2014). Contudo, devido à especificidade da amostra ou das questões desses mesmo questionários, verificou-se a necessidade de proceder ao presente inquérito.

[14] Universo de 6240 indivíduos. Inquérito desenvolvido no âmbito do trabalho de uma tese de doutoramento centrada nos desafios que se colocam ao jornalismo contemporâneo, com ênfase na proposta de novos modelos de autorregulação profissional.

[15] Compete referir que do total de e-mails enviados, com a referência ao inquérito, 210 falharam a chegada ao seu destinatário.

[16] “Dados sociográficos”, “Remuneração e situação profissional”, “Caraterização das rotinas produtivas”, “Expetativas e atitudes” “Meios de regulação”.

[17] Das seis questões abertas, cinco referem-se a critérios inteiramente objetivos, como a idade, antiguidade profissional ou número médio de horas de trabalho.

[18] Quando transformadas em variáveis qualitativas.

[19] Contudo, pontuam-se casos, entre os estagiários profissionais, de níveis relativamente elevados de antiguidade na profissão.

[20] Ainda sobre a questão do título, a quase totalidade dos conjuntos 2,3 e 5 é detentora de Carteira Profissional de Jornalista. No C1, 77,8 % refere possuir Título Provisório de Estagiário e o restante detém título profissional. No C4, 74,1 % possui CPJ e 25,2 % Cartão de Identificação Equiparado a Jornalista. Já relativamente ao contexto dos elementos que admitem não auferir vencimento, conquanto ocorra sobretudo entre titulares de cartão equiparado e que desenvolvem outra atividade, persistem alguns casos de detentores de título profissional que referem não desenvolver outra atividade.

[21] A título de exemplo, em 1997, apenas 14,6 % dos inquiridos referia ter acedido à profissão através de um estágio realizado no âmbito de um curso superior da área da Comunicação Social e do Jornalismo (Silva, 2000).

[22] De resto, as tendências, sobre a perceção dos profissionais relativamente ao quadro de acesso à profissão aqui identificadas, sobretudo as relacionadas com a formação superior e com a obrigatoriedade do estágio, são também corroboradas pelo quadro de conceções identificado no primeiro inquérito dinamizado pela Obercom (Lima, 2010).

[23] É interessante que no quadro de estratificação ensaiado por Garcia e Silva (2009) se identifica também esta tendência de uma maior presença dos profissionais da televisão no grupo mais seguro e dos jornalistas de imprensa nos conjuntos mais fragilizados.

[24] Importa notar que a correlação entre vínculo, tipologias de media e a sua distribuição, tipologia de carteira e desenvolvimento de outra atividade que não o jornalismo, explica que a margem de elementos do quarto conjunto que presta serviço se refere a responsáveis editoriais de meios online nacionais e regionais, e de imprensa regional, metade dos quais com título de equiparado, e 45,5 % desenvolve outra atividade. Neste sentido, sugere-se que apenas uma parte destes elementos corresponderá a diretores que desenvolvem o jornalismo como segunda atividade.

[25] Ambas as tendências são corroboradas pelo cruzamento entre os diferentes indicadores referentes à situação profissional e condições laborais, e os indicadores da idade e sexo.

[26] Enquanto o C5 se refere aos elementos que não exercem jornalismo, o C4, como já se constatou, é consideravelmente representado por titulares de equiparado, sugerindo-se, portanto, o jornalismo como ocupação secundária desses inquiridos.

[27] Concerne, no entanto, observar que a expressão da dimensão do despedimento entre o C2 obedece mais à caraterização insegura, do ponto de vista laboral, do grupo do que à sua sobrerrepresentação juvenil. Aliás, entre os inquiridos com menos de 40 anos, 20,4 % enfrentou situações de despedimento, e entre os respondentes com menos de 30, 13,3 % experienciou situações de despedimento.

[28] Este trabalho é enquadrado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através da bolsa de doutoramento FCT SFRH/BD/87020/2012.

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