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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social no.234 Lisboa mar. 2020
https://doi.org/10.31447/AS00032573.2020234.05
ARTIGOS
O processo de formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social em Portugal
Forming intersectoral partnerships for social innovation in Portugal
Michele Andréia Borges1
https://orcid.org/0000-0002-2817-119x
Gertrudes Aparecida Dandolini2
https://orcid.org/0000-0003-0867-9495
António Lucas Soares3
https://orcid.org/0000-0001-5853-5137
1 Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Reitor João David Ferreira Lima, Trindade, Florianópolis — cep 88040-900, SC, Brasill. .micheleandborges@gmail.com
2 Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Reitor João David Ferreira Lima, Trindade, Florianópolis — cep 88040-900, SCc, Brasil. ggtude@gmail.com
3 Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência, INES-TEC. R. Dr. Roberto Frias — 4200 Porto, Portugal. als@fe.up.pt
RESUMO
O objetivo deste artigo é descrever o processo de formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social em Portugal. A abordagem metodológica utilizada foi o estudo qualitativo de múltiplos casos por meio de uma análise triangulada das fontes de coleta de dados. Obteve-se como resultado um conjunto de categorias inter-relacionadas que explicam o processo de formação das parcerias: formação dos parceiros, meios de identificação, motivação dos parceiros para formar a parceria, critérios para formar a parceria, fatores determinantes, facilitadores e dificuldades do processo de formação. A partir da descrição foi possível discutir as implicações desse processo e fomentar algumas estratégias de apoio ao desenvolvimento de parcerias intersetoriais para iniciativas de inovação social.
Palavras-chave: parcerias intersetoriais; inovação social; iniciativas sociais; identificação e formação de parceiros.
ABSTRACT
The purpose of this article is to describe the process of forming intersectoral partnerships in social innovation initiatives in Portugal. The methodological approach used was the qualitative study of multiple cases through a triangulated analysis of the data. This resulted in a set of interrelated categories explaining the formation process of the partnerships: formation of the partners, means of identification, motivation of the partners to form the partnership, criteria for forming the partnership, determining factors, facilitators, and training process. We discuss the implications of this process and foment some strategies to support the development of intersectoral partnerships for social innovation initiatives.
Keywords: intersectoral partnerships; social innovation; social initiatives; identification and acquisition of partners.
Introdução
A recente visibilidade das inovações sociais está associada ao seu potencial na resolução dos problemas e desafios sociais, bem como nos resultados já alcançados. O crescimento sustentável, a garantia de emprego, o aumento da capacidade competitiva (Howaldt e Schwarz, 2010), o crescente número de organizações sem fins lucrativos que desenvolvem atividades económicas para apoiar a sua missão social, o surgimento de uma variedade de mercados e projetos empresariais de base não mercantis, que visam a resolução de problemas sociais, e as oportunidades de crescimento para a inovação e experimentação derivados do atual ambiente de recessão global (Sanzo et al., 2015) são fatores essenciais que explicam a importância da inovação social na sociedade do conhecimento.
Assim, a inovação social tem-se mostrado uma alternativa viável tanto para resolver as demandas sociais locais e os grandes desafios globais como também para incitar mudanças sistémicas (mudanças nas atitudes e valores; estratégias e políticas; estruturas e processos organizacionais), sob a ótica da sustentabilidade na sua tríplice dimensão (social, ambiental e económica), a envolver o governo, as empresas e, sobretudo, a sociedade civil (Hubert, 2010).
O relatório sobre as estratégias de crescimento da União Europeia - Europa 2020, relacionadas com as iniciativas de inovação, declara que:
A inovação social é um novo campo importante que deve ser estimulado. Trata-se de explorar a engenhosidade de instituições de caridade, associações e empreendedores sociais para encontrar novas maneiras de atender às necessidades sociais que não são atendidas adequadamente pelo mercado ou pelo setor público. Também pode ser sobre explorar essa mesma engenhosidade para provocar as mudanças comportamentais necessárias para enfrentar os principais desafios da sociedade, como as mudanças climáticas. Além de atender às necessidades sociais e enfrentar os desafios da sociedade, as inovações sociais fortalecem as pessoas e criam novas relações sociais e modelos de colaboração. Elas são, portanto, inovadoras em si mesmas e desenvolvem a capacidade da sociedade para inovar [Comissão Europeia, 2010, p. 21].
Nesse contexto, Hubert (2010), no relatório Empowering People, Driving Change: Social Innovation in the European Union, afirma que “num momento de grandes restrições orçamentais, a inovação social é uma maneira eficaz de responder aos desafios sociais, mobilizando a criatividade das pessoas para desenvolver soluções e fazer melhor uso de recursos escassos”.
Entre os países da União Europeia, Portugal tem sido profundamente afetado pela crise mundial. Santos (2013) afirma que as medidas tomadas não têm colaborado com a diminuição do problema da pobreza: “Portugal está aprisionado numa crise de austeridade e é o país europeu onde as medidas de austeridade mais afetam os pobres” (Santos, 2013, p. 90). O autor acrescenta ainda que o setor social português demonstrou que os modelos vigentes de ajuste para tratar a desigualdade de renda, embora apresentem alguns resultados positivos, não são suficientes para dar conta da complexidade do problema, carecendo com urgência de “novas formas de gestão social baseadas em novos desenhos sociais criativos” (Santos, 2013, p. 86).
A crise económica de Portugal desdobra-se em várias frentes, em particular no desemprego, que aumenta o fosso da pobreza e ainda gera outros problemas: “no caso dos jovens universitários é recorrente o desejo de partir para outro país em busca de melhores condições” (Casaqui, 2014, p. 73).
Mesmo com as dificuldades em impulsionar iniciativas e políticas para lidar com os problemas sociais (Santos, 2013), Portugal tem surpreendido nos últimos anos com “uma profusão de concursos e estímulos ao empreendedorismo social” (Casaqui, 2014, p. 75).
O projeto denominado Mapa de Inovação e Empreendedorismo Social (MIES), nascido em 2012, visa aproximar o empreendedorismo e a inovação social das pessoas em geral.
As iniciativas de inovação social mapeadas pelo projeto MIES apresentam uma característica em comum: o alicerçamento de parcerias com diversos setores da economia. Essa característica vai ao encontro de um movimento mundial na formação de parcerias intersetoriais. Austin (2000, p. 69) afirmou que “o século XXI será uma era de interdependência acelerada. A colaboração entre organizações sem fins lucrativos, corporações e governos intensificar-se-á”. Van Tulder et al. (2016, p. 1) confirmam que “milhares de parcerias intersetoriais estão atualmente em andamento ou estão sendo consideradas ou desenvolvidas”.
No entanto, como é que as iniciativas mapeadas no projeto MIES têm formado e consolidado as suas parcerias de modo a fortalecer as relações sociais e a colaboração entre os diversos agentes socioeconómicos, aumentando a capacidade de inovar e gerar valor social para a sociedade e contribuindo para os esforços da União Europeia na estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo?
Visando responder a essa pergunta de pesquisa, o objetivo deste artigo é descrever o processo de formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social em Portugal, mapeadas pelo projeto MIES, com o intuito de gerar algumas reflexões sobre esse processo e apoiar o desenvolvimento e fortalecimento das parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social.
Inovação social
O campo da inovação tem-se transformado ao longo dos anos. Depois da Revolução Agrícola, quando se forma o padrão de exploração, ele passa pela fase de regulamentação, ampliação e aperfeiçoamento de padrões tecnológicos na Revolução Industrial, até atingir a fase de integração, inovação e combinação dos padrões na Revolução do Conhecimento (Di Serio e Vasconcellos, 2009).
Mas foi na era industrial que a inovação como campo de estudo teve a sua ascensão, com o trabalho pioneiro de Schumpeter, Teoria do Desenvolvimento Económico, no qual a inovação se configura por uma transação comercial que envolve uma invenção (ideia, esboço ou modelo) para um novo ou melhorado artefato, produto, processo ou sistema, e que, assim, gera riquezas (Schumpeter, 1985). Assim, a utilização de novas tecnologias passou a ser considerada como possibilidade de crescimento económico (Baraldi e Vico Mañas, 2010), impulsionando uma série de gerações de inovações tecnológicas.
No entanto, movimentos sociais expressivos colaboraram para o nascimento de um novo conceito de inovação que tem “um caráter coletivo e uma intenção que não só gera, mas também visa, transformações das relações sociais” (André e Abreu, 2006, p. 125). De acordo com Lévesque (2002), esses movimentos sociais expressivos foram:
• O movimento contre-culturel (1968-1975), que faz oposição ao modelo dominante de consumo e de produção em massa.
• O movimento Estado-mercado (1975-1985), que impulsionou inovações para superar a crise na relação entre a coordenação do Estado e a coordenação do mercado e a articulação do desenvolvimento económico e do desenvolvimento social.
• O movimento de mutações e reconfigurações do Estado (1990-2000), em que ocorreu a emergência de novas formas de regulação, de novas modalidades de coordenação e de novos modos de governança, ou seja, a emergência de uma nova configuração do capitalismo.
A partir dos anos 2000, o conceito de inovação social surge como resposta aos grandes desafios da sociedade moderna, na medida em que as inovações tecnológicas ou de mercado já não são suficientes, por si só, para dar conta dos desafios globais como as alterações climáticas, a epidemia mundial de doenças crónicas e as desigualdades sociais (Murray, Caulier-Grice e Mulgan, 2010).
A visibilidade das inovações sociais relaciona-se também com a capacidade de gerar valor social, isto é, de criar benefícios ou reduções de custos para a sociedade, por meio de esforços para atender às necessidades e problemas sociais, de forma que vão além dos ganhos privados e benefícios gerais da atividade do mercado (Phills Jr., Deiglmeier e Miller, 2008).
Assim, agentes sociais como investigadores, instituições sociais e agentes de políticas públicas têm-se envolvido na teorização da inovação social, de modo coerente com as suas práticas sociais inovadoras. Em decorrência disto, encontra-se uma série de definições de inovação social. Mas o que se ganha e o que se perde com essa multiplicidade de definições?
Se por um lado a falta de uma definição precisa e amplamente aceite causa incertezas sobre o que de fato são as inovações sociais, como elas passam a existir e o que se pode esperar delas (Anderson, Curtis e Wittig, 2014), por outro, a personalização das definições pelos agentes sociais revela e representa a diversidade cultural, intelectual e o contexto social, político e económico no tempo e no espaço.
Assim, o que está em questão é o debate contínuo em busca de um alinhamento das dimensões e das características que são essenciais para a compreensão do conceito de inovação social.
Nessa perspetiva, Edwards-Schachter, Matti e Alcántara (2012) procuraram sistematizar as características identificadas em 76 definições de inovação social. Os dados dos autores revelam-nos algumas características convergentes dessas definições como: o empoderamento e desenvolvimento de capacidades de grupos desfavorecidos; a participação e colaboração das pessoas na tomada de decisões e processos de governação local; o alcance de resultados voltados para a melhoria do bem-estar social, sustentabilidade, inclusão social e qualidade de vida de grupos e não apenas de particulares; e o protagonismo de indivíduos, movimentos sociais, organizações do terceiro setor, empresas e Estado no desenvolvimento de iniciativas de inovação social e na relação entre esses atores sociais como forma de colaboração e cooperação.
Parcerias e redes intersetoriais
Fazendo uma retrospetiva das instituições sem fins lucrativos, essas organizações surgiram na sociedade pela ausência de respostas do Estado aos problemas sociais e pela falta de empatia do mercado para trabalhar de maneira híbrida os seus objetivos: lucro e “bem-estar” social. Entretanto, a sobrevivência das instituições sem fins lucrativos depende muitas vezes da captação de recursos tangíveis e intangíveis para se manterem sustentáveis. Esta lógica de existência acaba por fomentar estratégias para atrair entidades parceiras que apoiem a missão da instituição sem fins lucrativos (Di Domenico, Tracey e Haugh, 2009).
Para além dessa lógica, os desafios sociais do século XXI têm estimulado o desenvolvimento de parcerias não somente para obtenção de recursos sob uma ótica assistencialista, mas de complementaridade de recursos, em que ambas as instituições ganham com a formação da parceria.
No setor empresarial, a crescente pressão para serem socialmente responsáveis tem levado as empresas a promoverem iniciativas sociais no âmbito da Responsabilidade Social Corporativa (RSC), unindo esforços por meio da colaboração com o terceiro setor para obter uma aproximação maior da realidade social e potenciar a legitimidade local (Di Domenico, Tracey e Haugh, 2009).
Por sua vez, o Estado tem criado como estratégia aliar-se a entidades do terceiro setor e setor empresarial como forma inovadora de produzir bens públicos (Van Tulder et al., 2016).
Mediante esse cenário, a formação de parcerias entre os setores tem-se intensificado e muitas organizações passaram a envolver-se numa rede de parceiros intersetoriais em vez de formar parcerias pontuais.
A abrangência das parcerias intersetoriais e das redes que se constituem vai além de organizações formais do terceiro setor, setor empresarial e Estado. Nelson e Zadek (2002) e Provan et al. (2012) incluem nessa lógica de parceria as pessoas e as comunidades. O que vai ao encontro do que essencialmente é definido como uma rede: um conjunto de elementos chamados normalmente de “nós” ou atores, com conexões entre eles, que são chamadas ligações, conforme Newman (2003) e Barabási (2009).
Essa configuração em rede é impulsionada por fatores como a necessidade de flexibilização das organizações, como consequência do crescente processo de competição e instabilidade que exige das empresas velocidade e adaptabilidade, ou pela necessidade de estabelecer elos ou trocas com outras organizações por conta da assimetria de recursos tangíveis e intangíveis ou pela busca de uma melhor performance organizacional e inovação. Há ainda a formação de redes intersetoriais com intuito de legitimar as suas ações perante as exigências sociais ou pelo motivo de reciprocidade, que enfatiza a cooperação, colaboração e a coordenação entre organizações, em vez de dominação, poder e controlo. Nesta perspetiva, os atores que compõem a rede intersetorial buscam ou estabelecem interesses e objetivos comuns.
A formação de redes intersetoriais é viabilizada tanto por fatores estruturais quanto por fatores sociológicos. No que tange aos fatores estruturais, Castells (1999) aponta a conectividade, capacidade estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos entre os seus componentes, e a coerência, na medida em que há interesses compartilhados entre os objetivos da rede e dos seus atores. Já Marcon e Moinet (2000) destacam como características estruturais das redes intersetoriais os recursos a trocar (informação, conhecimento e insumos), a infoestrutura, a qual os autores definiram como o conjunto de regras de funcionamento e ética que deverá ser observado entre os membros da rede, e a infraestrutura, que compõe os meios práticos de ação (orçamento, material, comunicação, conexão eletrónica, etc.). Sobre os fatores sociológicos, Crozier e Friedberg (1993) e Marcon e Moinet (2000) corroboram que as redes intersetoriais ocorrem sobre um campo de ação coletivo estruturado, ou seja, a criação da rede não ocorre em “terreno nu” e, portanto, a forma dessa rede é contingente às características do campo de ação coletivo dentro do qual ela pretende operar. A rede é o centro do processo de aprendizagem coletivo que se opera dentro do campo de ação coletivo; dessa forma, o campo de ação evolui sem cessar ao ritmo da aprendizagem que ocorre entre os seus atores. Ou seja, o todo é maior do que a soma das partes.
Embora não haja um modelo universal de rede, algumas experiências com a formação de redes intersetoriais possibilitaram orientar conceptualmente tipologias de redes. Marcon e Moinet (2000) orientam essas tipologias quanto ao nível de formalidade e verticalidade da rede.
O nível de formalidade da rede tem como extremidades: redes formais, em que se estabelecem formas contratuais entre os atores envolvidos na rede, e, do outro lado, as redes informais, baseadas numa comunicação e num entendimento entre as partes por conivência.
O nível de verticalidade tem como extremidades: redes verticais, que são caracterizadas por terem uma estrutura hierárquica clara. No extremo oposto encontram-se as redes horizontais, que são formas cooperativas de redes, nas quais cada ator mantém a sua independência, mas opta por coordenar certas atividades específicas, de forma conjunta.
Provan e Kenis (2008) estabelecem uma tipologia a partir da governança da rede. Os autores apresentam a governança compartilhada, governança líder e um modelo de Organização Administrativa da Rede (OAR).
A governança compartilhada é uma forma de governança em que todos os participantes se envolvem na sua gestão, ou seja, não há uma entidade de governança separada e única. Assim, a gestão é comummente descentralizada e esse tipo de rede depende exclusivamente do envolvimento e comprometimento de todos os participantes ou de um subconjunto significativo que compõe a rede, pois esses participantes são eles próprios responsáveis pela gestão das operações e relações internas e externas da rede. A governança compartilhada é determinada, normalmente, pela simetria dos participantes na tomada de decisões e na gestão das atividades da rede. Embora não haja uma entidade administrativa formal, algumas atividades administrativas e de coordenação podem ser realizadas por um subconjunto de toda a rede e, em teoria, esta atua coletivamente e nenhuma entidade a representa como um todo.
No extremo oposto à governança compartilhada, encontra-se o modelo de governança líder. Esse tipo de governança está relacionado, principalmente, com as redes verticais, que possuem uma hierarquia bem definida. Assim, as características predominantes da governança líder são a gestão centralizada e a assimetria de poder, isto é, as principais atividades e decisões-chave são coordenadas por uma única organização, ou seja, a organização líder.
Uma terceira forma de governança de rede é o modelo de Organização Administrativa da Rede (OAR). Esse modelo prevê uma entidade administrativa separada, criada especificamente para governar a rede e as suas atividades. Além disso, essa entidade pode estar representada por um indivíduo, facilitador da rede, ou por uma forma organizacional mais complexa, com diretor executivo, equipas de apoio e diretorias que operam num escritório da rede. No modelo de governança OAR, a interação entre os atores da rede continua a existir normalmente; no entanto, a coordenação e a tomada de decisões-chave são centradas na OAR.
Os tipos de redes e a sua governança estabelecem-se a partir do campo de ação coletivo no qual as redes estão inseridas. Isso não significa que não possam ocorrer mudanças nessas tipologias. A rede é dinâmica, portanto a partir da aprendizagem contínua que nela se estabelece, novas configurações podem formar-se de acordo com as necessidades e mudanças no campo de ação coletivo.
Procedimentos metodológicos
Para alcançar o objetivo proposto neste artigo, optou-se por uma abordagem qualitativa a fim de explorar e descrever o significado que os participantes atribuem ao problema investigado, que é de caráter subjetivo e social (Creswell, 2010).
À luz da abordagem qualitativa, adotou-se a estratégia de estudo de caso que tem o intuito de responder ao “como” e ao “porquê” da ocorrência de determinado fenómeno. Além disso, optou-se pela realização do estudo de múltiplos casos em vez de um estudo de caso único (Yin, 2010), com o intuito de obter uma robustez maior da amostra do estudo sobre a unidade de análise, que são as parcerias intersetoriais dentro do contexto das inovações sociais.
Seleção dos casos
Selecionaram-se os casos com base na estratégia de amostragem por critérios. Segundo Gray (2012, p. 149), na amostragem por critérios “a amostra é selecionada com base no foco principal do estudo, de onde todos os casos escolhidos devem atender a esse critério”. Assim, os critérios estabelecidos foram: (a) iniciativas consideradas como inovação social e (b) iniciativas de inovação social que contenham uma rede de parceiros.
Identificaram-se as iniciativas de inovação social em Portugal no Mapa de Inovação e Empreendedorismo Social (MIES) e no Centro de Inovação Social do Porto. Assim, para fins deste estudo, adotou-se compulsoriamente a definição de inovação social do MIES, que define inovação social como “iniciativas que resolvem problemas sociais/ambientais negligenciados com elevado potencial de transformação positiva na sociedade, desafiando a visão tradicional e utilizando modelos de negócio inovadores com potencial de crescerem e/ou de se replicarem noutro local geográfico” (MIES, 2015).
Ao todo, 20 iniciativas de inovação social aceitaram participar na pesquisa; destas, 12 estão vinculadas à região Norte de Portugal. As regiões Centro e Alentejana têm igualmente quatro casos estudados.
As iniciativas pertencem a 11 áreas de intervenção social, de acordo com a classificação do MIES (IES, IPAV, 2015):
• Ambiente, preservação e reciclagem (três iniciativas).
• Desenvolvimento comunitário, agrícola e indústria alimentícia (três iniciativas).
• Envelhecimento ativo e/ou apoio ao idoso vulnerável e/ou combate ao isolamento (três iniciativas).
• Apoio a portadores de deficiência (duas iniciativas).
• Desenvolvimento de competências (duas iniciativas).
• Iniciativa lúdica e/ou cultural e/ou desportiva (duas iniciativas).
• Alívio da pobreza (uma iniciativa).
• Desenvolvimento de jovens (uma iniciativa).
• Empregabilidade e/ou empreendedorismo (uma iniciativa).
• Saúde (uma iniciativa).
• Turismo inclusivo (uma iniciativa).
As iniciativas da região Norte que fazem parte deste estudo têm impacto social ao nível local e nacional, em países de língua oficial portuguesa e ao nível internacional (outros países). As iniciativas da região Centro têm impacto social ao nível local, regional e nacional. As iniciativas estudadas pertencentes à região do Alentejo têm impacto social somente ao nível local.
O ano de início de funcionamento das iniciativas estudadas varia de 1976 a 2013, sendo a maior parte delas (16 iniciativas) compreendidas no período de 2007 a 2013.
Os beneficiários das iniciativas são convergentes para as suas áreas de intervenção; desse modo, esta pesquisa apresenta um estudo com diversos tipos de beneficiários (idosos, jovens em situação de vulnerabilidade, indivíduos em situação de pobreza, indivíduos com deficiência, escolas, comunidades, etc.).
As soluções propostas visam o desenvolvimento de metodologias ou técnicas para resolver uma demanda social ou ambiental, ações integradas que envolvem a prestação de serviços para comunidade, criação de produtos com impacto social e ambiental e ações de formação e sensibilização da comunidade.
O Apêndice A apresenta um quadro completo com as características de cada uma das 20 iniciativas estudadas, que estão identificadas por I01 a I20.
Coleta de dados
Realizou-se a coleta de dados integralmente em Portugal, no período de outubro de 2015 a setembro de 2016, a qual se executou com base em três fontes de dados: documentos, entrevista e questionário.
Obtiveram-se os documentos ao longo da fase de coleta de dados, que consistiram em relatórios, protocolos de parceria e informações constante nos sites e redes sociais das iniciativas. Os procedimentos de seleção dos documentos ocorreram por meio de busca na web e pela partilha de documentos via representante das iniciativas estudadas. Com relação à seleção das informações constantes nos documentos e relevantes à pesquisa, utilizou-se o método de análise documental que consiste na “representação condensada da informação, para consulta e armazenamento” (Bardin, 2011, p. 52).
As entrevistas visaram centrar a coleta dos dados sobre a experiência própria do participante no que tange aos aspetos concretos e simbólicos a respeito do problema de pesquisa. As entrevistas foram do tipo semidiretiva, isto é, com perguntas abertas, aderentes ao objetivo da pesquisa, que guiam o entrevistador ao longo da narrativa do entrevistado. Participaram dessa etapa 20 gestores, um por iniciativa de inovação social estudada, sendo seis homens e 14 mulheres. Além disso, dos 20 entrevistados, 10 são os próprios idealizadores do projeto, sete são os responsáveis pelo projeto desde a sua origem e três são gestores representantes da entidade promotora da iniciativa. A realização das entrevistas ocorreu no período de janeiro a abril de 2016, nas modalidades presencial e virtual. As entrevistas tiveram uma média de 45 minutos cada. Todas elas foram gravadas e posteriormente transcritas com o auxílio do software de análise de dados qualitativos MAXQDA®.
Concebeu-se o questionário com os seguintes objetivos: (i) obter mais uma fonte de dados referente à confiabilidade de algumas informações constantes nos documentos e entrevistas; e (ii) aprofundar os assuntos abordados neste estudo. O questionário elaborado teve como principal pilar teórico o Framework de Avaliação de Rede de Parcerias para a Mudança Social, do Centre for Social Innovation do Canadá (Malinsky, Lubelsky, 2010) e o Guia de Parceria de Desenvolvimento EQUAL da Comissão Europeia (2004). O questionário é caracterizado como semiestruturado, uma vez que possui questões fechadas, com escala nominal e escala tipo Likert, e questões abertas, e foi submetido aos mesmos participantes da fase de entrevista; no entanto, a adesão ao questionário foi parcial. Dos 20 entrevistados, 13 responderam ao questionário.
Análise dos dados
Utilizou-se a estratégia analítica por meio da triangulação das múltiplas fontes para analisar o conjunto de dados. Quando se utiliza essa estratégia, as descobertas e conclusões são resultados da convergência das várias fontes utilizadas (Yin, 2010).
Para triangular os dados utilizou-se a metodologia de Análise de Conteúdo Temático-Categorial de Bardin (2011). A organização da análise de conteúdo ocorreu a partir da execução das fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (Bardin, 2011), com auxílio da ferramenta de análise de dados qualitativos MAXQDA®.
Resultados
Emergiram como resultado da análise de conteúdo temático-categorial as seguintes categorias: formação das parcerias, meios de identificação dos parceiros, motivação dos parceiros para formar a parceria, critérios que os parceiros devem atender para formar a parceria, fatores determinantes que levaram os parceiros a firmarem a parceria e facilitadores e dificuldades do processo de formação dos parceiros.
Com o intuito de organizar e mostrar as relações entre as categorias, elaborou-se um modelo esquemático que representa o processo de formação dos parceiros das iniciativas de inovação social estudadas (Figura 1).
As secções a seguir explicam o modelo esquemático por meio das categorias que representam o processo de formação das parcerias intersetoriais no contexto das iniciativas de inovação social estudadas.
Categorias: formação da parceria, meios e motivação
As parcerias intersetoriais constituíram-se da seguinte forma:
• O contacto intencional da entidade promotora, ou seja, quando a entidade promotora da iniciativa entra em contacto com um potencial parceiro.
• O contacto dos parceiros, isto é, quando organizações ou pessoas entram em contacto com a iniciativa a fim de formar a parceria.
• Candidatura ou concurso são parcerias que se formam a partir de um processo de seleção promovido pelo parceiro em potencial. Essas parcerias têm como característica organizações cuja missão é apoiar iniciativas sociais. É o caso das parcerias com centros de inovação social e com fundações de amparo a projetos sociais.
• Parceiros preexistentes são entidades ou pessoas que são ou foram parceiros da entidade promotora noutros projetos da instituição.
• Ao acaso são parcerias que se formam sem intenção, por meio de relações casuais, por exemplo a partir de um evento ou de uma situação informal, em que há partilha de informação entre as partes, criando-se a possibilidade de firmar a parceria.
• Organização ou pessoa intermediária são parcerias que se formam por meio de uma organização ou pessoa que faz, intencionalmente, a intermediação entre a entidade promotora e outras pessoas ou organizações.
Essas formas de constituição das parcerias não são excludentes dentro de uma iniciativa. As iniciativas fazem uso dessas diversas formas para constituir as parcerias. No entanto, a análise de conteúdo temático-categorial indicou que a forma predominante da formação das parcerias dá-se por meio do contacto intencional da entidade promotora da iniciativa. Nessa situação, os meios utilizados para identificar os potenciais parceiros variam entre: (a) o mapeamento das entidades, de acordo com as intenções existentes na parceria; (b) indicação de pessoas ou entidades parceiras; ou (c) rede pessoal da entidade promotora da iniciativa, em que se faz a análise das pessoas da própria rede pessoal que pode de alguma forma atuar na iniciativa.
Por outro lado, há parcerias que são formadas pelo contacto do parceiro com a entidade promotora da iniciativa. Das oito iniciativas que mencionaram essa forma de constituição, apenas duas têm essa forma como predomínio. Essas duas iniciativas têm em comum uma grande quantidade de parceiros clientes, isto é, parceiros cuja atuação predominante é o consumo dos produtos comercializados pelas entidades promotoras da iniciativa de inovação social. A formação dessa rede de parceiros clientes tem como objetivo disseminar e escalar a iniciativa a fim de alcançar a sua missão social. No caso da iniciativa I01, essa missão consiste em permitir a integração do maior número possível de daltónicos, facilitando o seu dia a dia sempre que a cor for um fator de identificação, de orientação ou de escolha. No caso da iniciativa I02, a missão é aumentar as competências pessoais, sociais e profissionais de pessoas em risco de exclusão social através do desenvolvimento de peças de ecodesign que surgem da reutilização de materiais desperdiçados pelas empresas.
Os meios pelos quais os potenciais parceiros identificaram as iniciativas estão relacionados (i) com a visibilidade da iniciativa nos media (ao nível local, regional ou nacional, a depender do impacto já alcançado) e redes sociais; (ii) com o chamado “boca a boca”, isto é, uma pessoa ou entidade que conheceu a iniciativa e repassa esse conhecimento a outras; e (iii) com as apresentações públicas em eventos, fóruns, concursos, que aguçaram o desejo das organizações em formar parcerias com essas iniciativas.
Os motivos que levaram as organizações ou pessoas a entrar em contato com as iniciativas foram, principalmente, o reconhecimento do impacto social. Há também a busca pelo valor social e ambiental dos produtos ou serviços oferecidos pelas iniciativas, o reconhecimento de que os custos do produto ou serviço são reduzidos em face dos benefícios, a visibilidade positiva pelo envolvimento com iniciativas sociais e a realização pessoal. Nesse último caso, a participante de uma das iniciativas explica que as parcerias que se estendem nessa lógica são parcerias mais pontuais, em âmbito individual, e que não têm um papel ativo no desenvolvimento da iniciativa, no sentido de alcançar impactos sociais e ambientais de longo prazo.
Categoria: critérios
Os critérios para a identificação dos parceiros referem-se aos requisitos essenciais a que os parceiros devem atender para que a parceria seja firmada. Nesta categoria identificaram-se, no discurso dos representantes de cinco iniciativas, os seguintes critérios.
Laicidade: relacionada com a formação de parcerias com entidades que sejam laicas ou que tenham uma postura laica.
Alinhamento dos valores: valores convergentes entre a entidade promotora da iniciativa e o parceiro.
Tomamos o cuidado de ter entidades que não choquem interesse. Que os valores e objetivos sejam convergentes [Representante da Iniciativa I03 entrevistado na pesquisa].
Nós tentamos sempre entrar em contacto com empresas que estejam alinhadas com os nossos valores [Representante da Iniciativa I19 entrevistado na pesquisa].
Confiança: refere-se à confiança mútua entre a entidade promotora da iniciativa e o parceiro.
Ou nós temos confiança nos parceiros ou então nós não incluímos como um dos nossos parceiros [Participante da Iniciativa I10].
Estrutura física: refere-se à capacidade do parceiro em possibilitar uma estrutura física adequada para receber os beneficiários da iniciativa de inovação social.
Analisaram-se, também, por meio de questionário, os critérios instituídos no documento intitulado “Guia para as parcerias de desenvolvimento EQUAL”, da Comissão Europeia (2004, p. 17). Os critérios publicados no guia são:
• Reputação: se são capazes de executar o plano e se têm experiência de trabalho na área da iniciativa social.
• Legitimidade: se as organizações estão mandatadas pelos seus membros para tomarem decisões relativas ao trabalho da parceria. Se as pessoas que as representam têm poderes para atuar em seu nome.
• Competências e recursos: o que elas podem oferecer. Têm competências e recursos financeiros sólidos.
• Complementaridade: se as competências e recursos permitem à parceria preencher uma lacuna e se serão um apoio ao seu trabalho - algo que os outros não podem oferecer.
• Generalização e integração: se os decisores políticos e os beneficiários da iniciativa social estão suficientemente representados/relacionados na parceria para que o seu impacto seja duradouro. Se foram identificados atores da mudança e pessoas que fazem avançar a agenda.
• Motivação: se veem a parceria como um avanço ou se estão motivados para trabalhar em parceria.
Todos os critérios mencionados obtiveram pelo menos a frequência de uma iniciativa - considerando a amostra de 13 iniciativas respondentes ao questionário. No entanto, quando se trata do grau de relevância, o critério competências e recursos foi o que obteve os maiores graus (relevante e muito relevante). Em segundo lugar, ficaram os elementos legitimidade e motivação. E, em terceiro lugar, ficou o elemento complementaridade.
Categoria: fatores determinantes
Os fatores determinantes referem-se aos fatores que levaram os parceiros a firmarem a parceria com as iniciativas de inovação social estudadas. Nesse sentido, determinaram-se duas categorias de fatores: subjetivos e concretos.
No que se refere aos fatores subjetivos, identificaram-se: (a) empatia com a iniciativa (b) sentimento de responsabilidade social (c) confiança na iniciativa, no projeto, e nos valores da entidade promotora, e (d) fator afetivo, retratados nos trechos a seguir:
As pessoas apaixonaram-se por um propósito que depois transcende a própria parceria e que pode ser bom para ambas, que têm um propósito muito maior e acredito que isso terá sido o que fez com que a maior parte das parcerias se concretizassem [Representante da Iniciativa I07 entrevistada na pesquisa].
Eu acho que todos os parceiros que se envolveram neste projeto é porque mexeu com eles [Representante da Iniciativa I13 entrevistada na pesquisa].
Os fatores concretos estão relacionados com os benefícios (ganhos) que o parceiro obterá com a realização da parceria. Identificaram-se os seguintes benefícios: (a) valor económico, relacionado com a comissão nos produtos, retorno económico pela comercialização de produtos diferentes e por atrair um novo nicho de mercado - este fator está associado às parcerias do setor empresarial; (b) valor social, relacionado com o cumprimento da missão social de organizações públicas ou sem fins lucrativos; e (c) visibilidade, no sentido de ganhar uma imagem positiva por estar associado a uma iniciativa social.
Categoria: facilitadores e dificuldades na formação das parcerias
Em relação à categoria Facilitadores, obtiveram-se 64 segmentos de textos extraídos das entrevistas e questionário aplicados às iniciativas estudadas. Os segmentos estão representados por 28 códigos (facilitadores). A figura 2 apresenta os facilitadores.
A missão social da iniciativa, o reconhecimento dos benefícios com a formação da parceria, o caráter inovador da iniciativa, a possibilidade de se inserir numa rede de parceiro e a reputação da iniciativa são os cinco facilitadores mais frequentes.
Por outro lado, identificaram-se 11 dificuldades no discurso de cinco iniciativas distintas:
(1) falta de parcerias no início do projeto, para a criação conjunta de ideias;
(2) morosidade em estabelecer parcerias com instituições públicas, por vezes um processo mais difícil do que aquele que envolve parcerias com instituições privadas;
(3) necessidade de algum compromisso financeiro para formar a parceria;
(4) tempo necessário para consolidar as relações de confiança e, assim, concretizar a parceria;
(5) número reduzido de pessoas, por parte da própria entidade promotora da iniciativa, destinadas à equipa do projeto na realização de estratégias para adquirir mais parceiros;
(6) representante da organização em potencial que encara a entidade promotora como concorrente;
(7) representante da organização em potencial que não percebe vantagem em formar parcerias com outras instituições, por considerar que as parcerias não são boas;
(8) representante da organização em potencial que considera “já saber de tudo” e que, portanto, não precisa de parceiros;
(9) medo do novo;
(10) algumas crenças e valores das pessoas;
(11) discurso versus prática, ou seja, quando estes são divergentes.
A respeito da última dificuldade apresentada, o participante de uma das iniciativas afirma que:
Algumas entidades que supostamente em Portugal deveriam focar-se nesta questão social ou deveriam preocupar-se com esta questão e que simplesmente, como se diz no Brasil, não estão nem aí [Representante da Iniciativa I10 entrevistada na pesquisa].
Discussão
Pode-se constatar, com base nas representações analíticas das iniciativas investigadas, que as parcerias se constituem numa rede de colaboração e apoio à entidade promotora da iniciativa. Porém, na maioria das iniciativas estudadas, essas redes não são formais - no que se refere à rede como um todo, e não na formalidade dos atores (nós da rede), que varia de acordo com cada ator. Essa informalidade acaba por ter implicações na estrutura de governança da rede e na avaliação dos resultados da parceria.
No que se refere à governança da rede, pode-se constatar que a coordenação, que envolve as atividades de planeamento e gestão estratégica da iniciativa, é basicamente restrita às entidades promotoras. Isso não significa que todas as iniciativas estudadas tenham uma tomada de decisão imposta e/ou um sistema de gestão centralizado, mas que essa tomada de decisão democrática ocorre mais no âmbito das atividades e ações operacionais do que no nível estratégico da iniciativa. Em relação à gestão descentralizada, ela está mais associada à autonomia de determinados tipos de parceiros para gerenciar a dinamização das atividades no território local ou em outros territórios.
Quanto à avaliação das parcerias, esta depende mais dos resultados diretos e de curto prazo dos objetivos e atividades estabelecidos para cada parceiro ou tipos de parceiros do que dos impactos sociais de longo prazo como resultado da parceria que, nesse caso, requerem o estabelecimento de objetivos sociais bem definidos para a rede de parceiros.
Por outro lado, a descrição do processo de formação das parcerias intersetoriais investigadas nesta pesquisa evidenciou uma maturidade no estabelecimento de objetivos operacionais e de atuação dos parceiros na constituição dessas relações, em especial objetivos associados à complementaridade e/ou à obtenção de recursos tangíveis e intangíveis.
A complementaridade de recursos que as iniciativas buscam nos seus parceiros está normalmente relacionada com o capital social e relacional, por meio da partilha de informações e boas práticas, na disseminação das informações e resultados da iniciativa, na articulação da entidade parceira com outras entidades, na mediação com os beneficiários, no reconhecimento da qualidade das atividades, na articulação das atividades com outras entidades semelhantes (de modo a evitar sobreposição de atividades), na sensibilização e capacitação dos beneficiários e na institucionalização da iniciativa.
Todavia, as iniciativas objetivam complementar recursos referentes também ao capital intelectual, incluindo como parceiros entidades que possam apoiar o acompanhamento científico e a validação do projeto (como, por exemplo, as universidades e os centros de investigação), o planeamento de estratégias e operacionalização de atividades de forma conjunta, a criação de novos produtos, processos, metodologias ou serviços e a promoção de ações de inovação.
Além disso, algumas iniciativas complementam recursos relacionados com o capital humano para execução de tarefas essenciais à iniciativa e ao capital manufaturado (infraestrutura física, equipamentos, materiais). Citando como exemplo uma das iniciativas estudadas, esta necessita do apoio das lojas parceiras, de espaço físico e recursos humanos, para escoar os seus produtos de modo ético e sustentável. Outro exemplo, é o caso de uma das iniciativas que identifica parceiros que possam oferecer serviços para o turismo inclusivo e, com isso, suporta o modelo de intervenção social da entidade promotora.
A descrição do processo de formação das parcerias intersetoriais possibilitou ainda evidenciar uma série de elementos e características que podem ser um apoio ao desenvolvimento dessas parcerias.
Neste sentido, as iniciativas podem fazer uso do seu conhecimento agregado como estratégia no processo de formação das parcerias, como demonstra o caráter inovador da iniciativa e o rigor científico e/ou prático da solução proposta; explicitar o conhecimento da solução proposta em forma de metodologia, pois isso evidencia a capacidade dos gestores da iniciativa em estruturar, sistematizar e organizar o conhecimento, para que ele seja partilhado e replicado, e demonstrar os resultados, parciais ou integrais, da solução proposta, de modo a gerar credibilidade e confiança à iniciativa.
A análise empírica demonstrou ainda a capacidade das iniciativas na negociação das parcerias por meio de ações como mostrar os benefícios tangíveis e/ou intangíveis para ambos os lados da parceria, as chamadas parcerias “ganha-ganha”; enfatizar a participação pelo cumprimento da missão social da própria organização parceira, principalmente nos casos de organizações do terceiro setor e do setor público; mostrar que podem trabalhar de forma complementar tanto em relação aos recursos tangíveis quanto aos intangíveis, e evidenciar, para os futuros parceiros e principalmente para os beneficiários, o potencial da iniciativa para melhorar a condição de vida das pessoas e/ou do meio ambiente; demonstrar que as parcerias ajudam na redução de custos sociais, principalmente quando se trata das organizações do setor público e do Estado, e que propiciam a melhoria mútua das práticas da organização; mostrar que há um retorno económico pela visibilidade positiva ou pelo alcance de um novo nicho de mercado, ou ainda pela comissão nos produtos, principalmente quando se articula parceria com setor empresarial e com profissionais autónomos; e evidenciar que a parceria pode assegurar recursos.
Conclusão
Este artigo faz parte de um estudo mais amplo sobre a dinâmica das parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social e buscou apresentar uma descrição destes processos em Portugal.
A compreensão do processo aqui estudado contribui para a desmistificação de que em projetos sociais seja duvidoso negociar benefícios para ambas as partes na formação das parcerias, principalmente quando envolve organizações do setor empresarial. Os benefícios para ambas as partes ajudam a envolver os atores, mas significam mais do que isso ao inserirem-se num contexto de parcerias colaborativas, em que se ganha aprendizado que ajuda a romper determinados preconceitos.
Por exemplo, se uma organização empresarial tem a oportunidade de se envolver com uma iniciativa social cujo público-alvo são pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social, esse envolvimento cria a possibilidade de ela olhar de outra forma para essas pessoas, passando a ser um vetor de desenvolvimento de novas ações sociais que modifiquem essa situação. Isso faz com que se passe dos conceitos de responsabilidade social que têm como cerne as obrigações legais com a sociedade, para um conceito de empoderamento, em que todos fazem parte de um ecossistema social e são responsáveis por uma sociedade melhor.
Portanto, a formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social propicia mudanças na forma como as pessoas e organizações atuam na sociedade e faz com que se sintam responsáveis pelos problemas e desafios sociais. Obviamente, há um longo caminho a ser percorrido; todavia, essas iniciativas mostraram que, ao invés de apostar na desconfiança, é necessário incentivar a confiança, de modo que a atuação conjunta possa romper com determinados paradigmas.
Sendo assim, este estudo possibilita que outros pesquisadores, pessoas ou organizações façam uso dos resultados para refinar as suas práticas de desenvolvimento de parcerias no contexto das iniciativas de inovação social.
Como toda a pesquisa, esta possui também as suas limitações. Nela se realizou a descrição do processo de formação de parcerias intersetoriais somente pela perspetiva da entidade promotora e do seu gestor. Uma análise mais robusta da rede, envolvendo a perspetiva dos parceiros, seria relevante para os resultados da pesquisa.
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Recebido a 30-09-2017. Aceite para publicação a 12-07-2019.
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