Introdução
A criação e gestão de marcas territoriais revelam uma tendência global e uma plataforma de comunicação peculiar, ao mesmo tempo em que são inseridas práticas sociais centradas no território. Por meio da marca territorial são reveladas relações de poder, disputas simbólicas, múltiplas faces do território, interesses dos atores sociais e expõem-se os instrumentos estratégicos utilizados na gestão das cidades (Almeida, 2018).
A cidade pode ser vista de diferentes formas, dentre elas como palco de vivência e interação (Sousa e Ribeiro, 2014) e como território vivido ( Raffestin, 1993). O contexto da cidade digital estratégica apresenta aplicações de recursos da tecnologia da informação no âmbito da gestão municipal, gerando interação com os cidadãos (Rezende, 2012; 2018). Entende-se a cidade digital estratégica como um projeto de cidade que inclui quatro componentes ou subprojetos: a) estratégias da cidade; b) informações da cidade para os cidadãos e gestores; c) serviços públicos; d) tecnologias da informação na cidade. Neste sentido, tanto a interação quanto a comunicação são elementos que estão presentes nos constructos marca territorial e cidade digital estratégica. Ambos os constructos abrangem os paradigmas da competitividade, modelos de desenvolvimento, conjunto de atores sociais, gestão urbana e reputação no sentido de imagem dos territórios.
Destacam-se os problemas de pesquisa: compressão tempo-espaço (Harvey, 2005); existência de um mapa global de lugares (Anholt, 2010; Vela; Portet e Algado, 2014); criação de ativos relacionais interligados numa rede de atores sociais (Flores, 2006; Geertz, 2008; Jaguaribe, 2011; Lucarelli, 2018); o uso e a apropriação simbólica do território (Haesbaert, 2016; Raffestin, 1993); o contexto de reterritorialização (Santos, 1996); novas formas de repensar a cidade a partir da homogeneidade e heterogeneidade e a utilização de dinâmicas culturais na valorização das identidades locais (Canclini, 1998a, 1998b; Barreira, 2007), bem como o esforço em gerar uma imagem urbana que os insere numa produção ativa que leva à competição (Fortuna, 1999). Os fatores expostos apresentam um quadro de competitividade territorial que se vale do simbólico e do planeamento urbano-estratégico como instrumentos que viabilizam a fluidez dos discursos e os interesses dos atores sociais.
O artigo questiona a forma como as estratégias da marca territorial e dos subprojetos de cidade digital estratégica podem ser utilizadas como recursos estratégicos urbanos contemporâneos. A metodologia da pesquisa ressalta um estudo de caso na cidade de Porto, em Portugal, que em 2014 criou a sua primeira marca territorial, a Porto, apresentando traços de uma cidade digital.
As justificativas da pesquisa englobam a percepção de que as marcas territoriais carregam em si um arcabouço de valores e crenças que revelam o discurso e interesses de um dado conjunto de atores sociais. Esta estrutura apresenta ainda uma linguagem comunicacional peculiar, que difunde interesses por meio de estratégicas planeadas. A competividade territorial é gerada a partir de um conjunto de ideias centrais sobre a cidade (Anholt, 2010), discursos dos atores sociais (Almeida, 2018), disposição de eixos estratégicos ( Canelón S., 2009) e padrões simbólicos (Holt, 2005; Geertz, 2008; Semprini, 2010), bem como o sentimento de pertença (Geertz, 2008; Hall, 2016). Todos esses fatores levam a uma reflexão organizada sobre a cidade e o espaço vivido.
Tem-se, assim, uma cidade mais visível (Jaguaribe, 2011) atravessada por uma marca territorial (Almeida, 2018) que se vale da identidade dos lugares para criar o seu núcleo (Aaker, 1996; Konecnik e Chernatony, 2013), tal como se faz em produtos mercadológicos. Porém, neste caso, o produto em questão é o território, o que traz complexidade ao processo produtivo de cunhar uma marca desta natureza. É proposta uma interação que se baseia em subprojetos singulares (componentes) que constituem a cidade digital estratégica (Rezende, 2012; 2018).
Tanto a marca territorial quanto a cidade digital estratégica utilizam a estrutura do planeamento estratégico para sugerir reflexões sobre a cidade. Todavia, utilizam artifícios diferentes para constituírem os seus planos coletivos. A marca de natureza territorial quando é compreendida pelas suas potencialidades de articulação multiescalar e dimensional fomenta diferentes tipos de desenvolvimento (Vela; Portet e Algado, 2014; Almeida, 2018).
Desta forma, a originalidade desta pesquisa está na análise das relações entre marca territorial e cidade digital estratégica, tomando-as como instrumentos urbanos contemporâneos que proporcionam reflexões articuladas e estratégicas sobre a cidade. Respalda-se esse olhar no conjunto de variáveis investigadas que abordam discussões sobre a identidade dos territórios, gestão pública urbana, tipos de desenvolvimento, visões de mundo dos atores sociais, estratégias utilizadas para viabilizar discursos, e usos e apropriações dos territórios. O estudo é inédito ao propor a relação entre ambos os constructos investigados, aprofundando-os cientificamente, bem como ao considerar a cidade digital estratégica uma marca territorial genérica.
Fundamentação teórica
Place branding e marca territorial
É necessário diferenciar marca territorial de place branding, salientando que os dois conceitos são utilizados como sinónimos tanto na literatura académico--científica, quanto na prática de mercado. No entanto, a marca territorial é o produto de uma gestão territorial, o place branding, sendo ainda distinta de logotipo. Este último (logotipo) é a representação gráfica da marca, não sendo a marca propriamente dita. Assim, criar um logotipo que alude a um determinado território não é o mesmo que criar uma marca territorial que possui uma gestão específica (place branding). Separam-se estes três termos: marca territorial, logotipo e place branding para melhor compreensão do que Almeida (2018) chamou de marca territorial no âmbito do desenvolvimento territorial-regional. Nessa perspectiva, a marca territorial faz referência à criação de valor simbólico articulado por um conjunto de atores que muda com o tempo, pois os seus interesses também mudam no longo prazo. Apresenta a articulação dos atores sociais presentes num mesmo território no uso e apropriação das identidades territoriais, valendo-se da cultura como matéria-prima e elemento nuclear da marca de natureza territorial. Para Almeida (2018), a forma como essa marca é utilizada leva a considerá-la um ativo territorial significativo para o território e para a região.
Neste sentido, vai-se além da lógica económica, trazendo reflexões, tais como: reterritorialização (Santos, 1996), destruição criativa urbana (Perulli, 2012), sentimento de pertença por meio da cultura (Geertz, 2008; Hall, 2016), imaginário urbano no contexto global (Jaguaribe, 2011), mercantilização das cidades (Vainer, 2002; Sanchéz, 2003; Jaguaribe, 2011), representação dos territórios (Vela; Portet e Algado, 2014) e, por fim, as relações e articulações das marcas territoriais como produto cultural no âmbito do Desenvolvimento Regional (Almeida, 2018). Incorpora-se ainda a este conceito as narrativas sobre o território e as estratégias para fixá-las, interna e externamente, inserindo-a na gestão urbana por meio de temáticas municipais: planeamento urbano, planeamento estratégico, marketing ou divulgação, cultura e turismo.
Enfatiza-se que o conceito de marca territorial está incluído no contexto das relações de poder dos atores sociais e presente, simultaneamente, em dois processos, um produtivo, e outro criativo. Almeida (2018) encontrou ainda a presença de elementos que se sobressaem, tais como: 1) marca; 2) território; 3) articulação estratégica; e, 4) territorialidades (poder da marca territorial).
Marca territorial e estrutura
Quatro elementos constituem a marca territorial. O primeiro deles é a marca em si, levando às diferentes funções que expõem a evolução do conceito. A saber: identificação de produtos (Aaker, 1996); exposição simbólica (Pinho, 1996; Holt, 2005); referência em categorias de produtos (Jones, 1999); geradora de relacionamentos (Gobé, 2002); separação entre produto e marca (Tavares, 2003); parte da identidade do consumidor (Semprini, 2010); conjunto de impressões (INPI, 2019) e inserida nos discursos dos atores sociais (Almeida, 2018).
A marca pode ser visual, verbal ou mista. Quando visual apresenta um símbolo que a representa; quando verbal ou discursiva vale-se do seu aspecto nominativo, e quando mista, apresenta ambas as situações (INPI, 2019), tendo maior poder de persuasão. No caso da marca de natureza territorial, o seu núcleo abarca as diversas percepções sobre um mesmo território (Anholt, 2010; Vela; Portet e Algado, 2014; Almeida, 2018), possuindo uma gestão específica, o place branding (Anholt, 2010; Almeida, 2018).
O segundo elemento é o conceito de território que apresenta interpretações distintas. Portanto, faz-se coerente no caso das marcas territoriais a perspectiva de Raffestin (1993), que o vê como espaço vivido atravessado por relações de poder dos atores sociais, ao mesmo tempo em que é definido e delimitado em múltiplas dimensões. Complementarmente, compreende-se a existência de dois territórios, um dado, e outro construído (Pecqueur, 2005). Nos dois tipos, observam-se espaços de estratégias dos atores sociais (Flores, 2006) e uma rede complexa de articulações e relações de poder entre os atores (Almeida, 2018).
O uso da articulação estratégica é outro elemento presente nas marcas territoriais, criando e organizando uma plataforma de comunicação específica que leva à persuasão de uma promessa de valor e ao núcleo da marca. A marca aproxima as associações simbólicas das pessoas alinhadas aos interesses dos atores (Tavares, 2003). Por fim, as territorialidades, no plural, remetem para o uso da marca territorial no território (Almeida, 2018). Para Santos (1978), o valor de uso do território é construído socialmente, sendo resultante de interesses históricos dos atores sociais. Remete para o que Raffestin (1993) chama de território vivido e Haesbaert (2007) denomina de apropriação simbólica do território, confirmando a complexidade engendrada nas marcas de natureza territorial. A forma como os atores cunham uma marca ao território revela a sua compreensão sobre o conceito, planeamento e gestão da marca territorial e sobre a compreensão do próprio território.
Cidade digital estratégica
Diferentemente do conceito de cidade digital convencional e de cidade inteligente (ou smart city), a cidade digital estratégica, conceito criado por Rezende (2012), pode ser entendida como a aplicação dos recursos da tecnologia da informação na gestão do município e também na disponibilização de informações e de serviços públicos aos cidadãos, a partir das estratégias da cidade. É um projeto mais abrangente do que oferecer apenas internet aos cidadãos por meio de recursos convencionais de telecomunicações. Vai além de incluir digitalmente os cidadãos na rede mundial de computadores. Tem como base as estratégias da cidade para atender aos objetivos das diferentes temáticas municipais. É dividida em quatro subprojetos: estratégias municipais (para alcançar os objetivos do município); informações municipais (para auxiliar nas decisões dos cidadãos e dos gestores do município); serviços públicos (para ampliar a qualidade de vida dos cidadãos); e aplicações dos recursos da tecnologia da informação (Rezende, 2012; 2018). Trata-se de um conceito consolidado há mais de uma década (Almeida e Rezende, 2021).
Para a sua implantação adequada, exige a elaboração dos projetos: planeamento estratégico do município (PEM) com os objetivos e estratégias do município por meio das funções ou temáticas municipais; planeamento de informações municipais (PIM); e planeamento da tecnologia da informação (PTI) do município, prefeitura e organizações públicas municipais envolvidas. Os modelos de informações das funções ou temáticas municipais são os principais produtos do projeto PIM que são pré-requisitos para o planeamento dos sistemas de informações (SI) e sistemas de conhecimentos (SC) municipais e respetivos perfis de recursos humanos necessários (RH), seja dos gestores locais, dos servidores municipais ou dos munícipes ou cidadãos. O projeto PTI possibilitará o planeamento dos recursos da tecnologia da informação (TI) e respectivos serviços municipais oferecidos pelo município aos munícipes (Rezende, 2012; 2018).
Cidade digital estratégica e a articulação de subprojetos (componentes)
As estratégias da cidade constituem o subprojeto que norteia o conceito de cidade digital estratégica, entendida como um meio para atender os objetivos dos atores sociais na posição de gestores municipais (Rezende, 2012). Apresenta fatores que têm a finalidade de orientar as decisões, sendo um instrumento necessário e essencial para trabalhar as distintas realidades dos municípios (Ansoff, 1988). Ao mesmo tempo, visa repensar a cidade no que tange ao seu futuro, interligando o processo decisório com os resultados almejados (Mintzberg e Quinn, 2001); com a proposta de uma gestão participativa (Salvi, 2016); com a compreensão da tecnologia de informação utilizada como estratégia para uma administração mais efetiva (Gallaugher, 2018), e com o alinhamento e interação entre gestão pública e cidadãos (Cunha, 2010).
As estratégias também podem abarcar a identificação, compreensão e solução de problemas coletivos no âmbito urbano e rural (Grossi, 2015), e podem pressupor decisões efetivas (Oliveira, 2005). O conceito de cidade digital estratégica inclui a aplicação da tecnologia da informação viabilizada por meio de estratégias que levam à interação dos cidadãos com a gestão urbana. O seu principal componente (ou subprojeto) é a estratégia advinda da ciência da administração (Rezende, 2018) que é mais abrangente do que a elaboração e viabilização do planeamento estratégico (Wright; Kroll e Parnell, 2000). Por este ângulo, diz-se que sem estratégia não é possível constituir a cidade digital estratégica e, tampouco, o próprio planeamento municipal.
Outro subprojeto é a informações da cidade, de forma a proporcionar a construção de simulações de cenários e oportunidades (Rezende, 2012), podendo ser entendida como dados úteis à sociedade (Laudon e Laudon, 2007). Informações e conhecimento são termos distintos, porém essenciais à tomada de decisões. Schünke (2013) ressalta que as informações podem advir, por exemplo, de um registo de eventos e notícias numa página virtual (website) do município, possibilitando interação com a gestão pública municipal.
Os serviços públicos têm relação com os serviços oferecidos pelo governo municipal. São exemplos de serviços públicos: a educação pública; a polícia; a saúde pública; os transportes públicos; e as telecomunicações (Meirelles, 2013). England, Polissero e Morgan (2012) destacam quatro pontos fundamentais no serviço de caráter público: a eficiência; a eficácia; a equidade e a capacidade de resposta. Para Rezende (2012), os serviços públicos são diferentes da informação disponibilizada aos cidadãos, pois requerem interação por meio de serviços eletrónicos. Assim, vai-se além de informar algo, sendo necessária a interação que leva a uma comunicação peculiar. O serviço é público porque atende as necessidades da população, direcionando-se a uma coletividade e ao seu bem-estar (Kohama, 2012).
Por fim, o subprojeto tecnologias da informação na cidade contribui para a agilidade dos processos decisórios da gestão pública e relaciona-se com os dispositivos que tenham a capacidade de tratar dados e informações (Cruz, 2000) por meio de recursos tecnológicos e computacionais. Possui: hardware, dispositivos e periféricos; software e os seus recursos; sistemas de telecomunicações; gestão de dados e informações (Rezende e Abreu, 2013) e possibilita a reflexão sobre o formato que as pessoas dão à tecnologia, seus efeitos e usos sociais (Castells e Cardoso, 2005).
Aspectos metodológicos da pesquisa
O método de pesquisa enfatizou um estudo de caso na cidade de Porto, em Portugal (Yin, 2015). É um estudo de natureza qualitativa e aplicada que utiliza a pesquisa bibliográfica no aprofundamento do marco teórico sobre marca territorial e cidade digital estratégica. As técnicas da pesquisa foram qualitativas nas descrições e na análise das variáveis do protocolo de pesquisa (Gil, 2002; Lakatos e Marconi, 2007).
A pesquisa decorreu em três fases: (1) aprofundamento dos constructos investigados; (2) coleta de dados e (3) análise de dados em três momentos: a) análise por variável da marca territorial; b) análise por variável da cidade digital estratégica; e c) análise comparativa entre os constructos, marca territorial e cidade digital estratégica, bem como entre as suas variáveis. Uma análise complementar foi feita utilizando-se a metodologia do tripé de branding (Almeida, 2015) para averiguar a relação entre os constructos. Esta análise complementar incluiu a avaliação de três elementos basilares do processo de branding: identidade, posicionamento e plataforma comunicacional da marca.
A abrangência da pesquisa contemplou a cidade de Porto, em Portugal, escolhida pelo critério de conveniência e acessibilidade de dados (Gil, 2002).
A unidade de observação destacou a pesquisa documental como técnica de coleta de dados (Gil, 2002). Os documentos analisados foram: a) o relatório da Câmara Municipal do Porto anexado no seu site e portal oficial; b) o manual de identidade visual da marca; c) os vídeos disponibilizados na internet sobre a marca Porto; d) releases encontrados nos media sobre a marca; e) materiais gráficos da marca territorial criada em 2014 e ativa até ao momento.
Para o protocolo de pesquisa, investigaram-se dois constructos: a) marca territorial, e b) cidade digital estratégica (Triviños, 1987) e respectivas macrovariáveis ou variáveis. O primeiro constructo considerou a análise de 10 variáveis: usos e apropriação do território; processos de decisão; tipos de marca territorial; características da marca; atores sociais; relações entre os atores sociais; valor da marca para a cidade; tripé de branding; estratégia da marca; e implantação da marca. O segundo constructo analisou 5 variáveis: existência de projeto de cidade digital estratégica; estratégias da cidade; informações da cidade; serviços públicos municipais; e tecnologias da informação na cidade. Visa-se expor as relações entre marca territorial e cidade digital estratégica, respondendo qualitativamente às questões expostas. Assim, para a análise das relações entre marca territorial e cidade digital estratégica foram contempladas 6 variáveis: relações conceptuais entre os dois constructos; presença de elementos similares; usos no planeamento urbano; repensar articulado da cidade; confusão conceptual; e estratégias utilizadas.
O período de desenvolvimento da pesquisa decorreu entre janeiro a setembro de 2019, abarcando a colecta de dados o período entre 2014 a 2019.
Quanto à caracterização do Porto, em 2014 a cidade desenvolveu a sua primeira marca territorial, possuindo um reconhecimento internacional e servindo de caso de sucesso para a constituição de novas marcas desta natureza. Apresenta um portal online (website) complexo que pressupõe interação entre gestão pública e cidadãos. A unidade observação do estudo refere-se à cidade do Porto, em Portugal, cuja população em 2011 era de 237.531 habitantes numa área de 41,42 km² (INE, 2011), subdividida em sete freguesias: União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde; União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória; União das Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos; Bonfim, Campanha, Paranhos e Ramalde (INE, 2011; IGP, 2013; DR, 2013).
Análises da marca Porto
A origem da cidade remonta a 200 a. C. quando era chamada de Portus Cale, tornando-se mais tarde a capital do Condado Portucalense, formação inicial de Portugal. É uma cidade reconhecida mundialmente pelo seu vinho e arquitetura contemporânea e antiga, bem como pelo seu centro histórico, considerado Património Mundial (UNESCO-Portugal, 1996).
A área metropolitana do Porto abrange 17 municípios, totalizando 1 757 413 habitantes numa área de 1900 Km2. Apresenta uma densidade populacional de aproximadamente 1098 hab/km², sendo a 13.ª área urbana mais populosa da União Europeia e a segunda mais populosa de Portugal (NUTS III, 2011; INE, 2011). O núcleo populacional mais urbanizado do Porto forma, com os concelhos vizinhos de Vila Nova de Gaia e de Matosinhos, a chamada Frente Atlântica do Porto (Expresso, 2013). É uma cidade com elevado grau de industrialização na zona litoral da região Norte, onde que se localizam boa parte dos grupos económicos do país. Nesta região está sediada a Associação Empresarial de Portugal, sendo a única região portuguesa que exporta mais do que importa (CCDRN, 2018; Expresso, 2013).
Em 2014, a cidade do Porto criou a sua primeira marca territorial advinda do poder público local por meio de um concurso destinado aos designers. A solicitação no briefing do referido concurso era de que o passado e o futuro da cidade fossem retratados visualmente. Solicitava a inclusão de versões da marca para o poder público e privado como parte de um sistema específico. O slogan da marca “O Porto é o Porto. Ponto.” já havia sido enfatizado no briefing, não sendo criado junto com a marca, mas uma exigência na fase inicial do concurso. A marca Porto, lançada em 29 de setembro de 2014, teve como criador o designer Eduardo Aires. A imagem gráfica da marca utilizou um sistema peculiar de comunicação universal (Porto.pt, 2014). Expõem-se as relações de poder contidas na marca territorial e as suas articulações: “E nós - Câmara, institucional, formal - queremos confundir-nos com o Porto. E quanto mais nos confundirmos com a cidade, mais temos a ganhar” (Porto.pt, 2014). Esse “[…] confundirmos com a cidade” remete para o que Haesbaert (2007) chama de poder simbólico intangível.
A construção social, geradora de reputação do território, articulada estrategicamente por meio de uma marca, faz parte do conceito de marca territorial proposto por Almeida (2018). Dois processos distintos estão incluídos, produção e criação, mas são complementares no que tange à construção da marca territorial. Ressalta-se que uma única marca não dá conta da pluralidade de identidades presentes no território. Assim, pode-se afirmar que os territórios podem ter não apenas uma, mas diversas marcas, entre orgânicas e planeadas, que disputam espaços simbólicos entre si.
As marcas são oriundas das narrativas e compreensões dos atores sociais sobre e no território no decorrer do tempo, tendo relação com o uso e a apropriação do território (Santos, 1996; Haesbaert, 2007). Segundo Almeida (2018), o planeamento de uma marca territorial envolve muito mais do que somente o seu design, mas por meio da marca planeia-se e articula-se o território, independente da escala espacial, sendo considerado um planeamento estratégico da cidade com um caráter criativo. A marca, nesta perspectiva, assume a função de mediação entre o território e os atores sociais.
Outra prática recorrente é o uso de rankings urbanos para gerar reputação entre as cidades (Almeida, 2019). Encontraram-se indícios de que a marca Porto recorre a este dispositivo estratégico, que a posiciona como uma marca territorial de reconhecimento internacional. Aprofundando-se a análise, pode-se dizer que uma marca nesta posição revela paradigmas entre o local e o global, tendo que atender a ambos os interesses, além daqueles advindos do espaço vivido e do seu conjunto de atores sociais.
Ao analisar as notícias/releases sobre a cidade (Porto.pt, 2014; 2019) percebeu-se a construção da marca associada ao desejo dos articuladores da marca no reconhecimento internacional de forma planeada. Em 2014, havia somente duas notícias sobre a marca e uma delas afirmava que a “Marca Porto já corre o Mundo”. O seu lançamento ocorreu em setembro e a notícia mencionada é do mês de novembro. Para merecer esse grau de reconhecimento global seria necessário um grande esforço de comunicação, dificilmente alcançável em apenas dois meses. No entanto, notícias deste tipo fortaleceram o posicionamento da marca ao longo do tempo (Porto.pt, 2016a; 2016b).
Em 2015, o primeiro aniversário da marca constituiu motivo para fixar os valores e crenças dos discursos dos atores sociais sobre a cidade de Porto. Desta forma, de maio a outubro foram veiculadas 7 notícias que expunham: a distinção como a melhor marca de 2014 na Europa; a nova estratégia da marca; a presença da marca num canal televisivo; a marca em Luxemburgo; e, releases sobre o seu aniversário. No ano seguinte, em 2016, destacaram-se 3 notícias: uma sobre a análise da marca feita por uma revista internacional, outra sobre o seu segundo aniversário e sobre o prémio internacional conquistado em Madrid (Porto.pt, 2016).
Em 2017, a notoriedade concentrou-se num ciclo de palestras que colocou a marca Porto como sujeito que organizou essa atividade e nas notícias saídas noutra revista, na qual se afirmava que a marca se ancorava numa cidade imaginada. Em 2018, apareceu apenas referenciada numa revista Suíça. Já 2019, foi o período em que mais se concentraram notícias: destaque numa conferência de design no Médio Oriente; atração de investidores; promoção da marca no Médio Oriente; duas notícias sobre eventos locais, envolvendo a marca; e uma publicação internacional em que a marca Porto aparecia como protagonista (Porto.pt, 2016).
A marca da cidade de Porto é uma marca de natureza territorial considerada um caso de sucesso nas áreas de design, branding, comunicação e place branding. Apresenta ações planeadas geridas por um conjunto de atores, em particular o poder público local. Essas ações deram origem às estratégias que posicionaram a marca na contemporaneidade. Trabalha-se com o conceito de multiplicidade e pluralidade por meio de um conjunto de ícones (pictogramas) que representam aquele território. Esses símbolos iconizados valem-se da cultura como fio condutor e argumento estratégico, planeados e articulados por atores sociais para fixar os valores embutidos na marca. A hipótese de Almeida (2018) de que a marca territorial é uma construção social em que a cidade é discutida por meio de uma marca, cujo papel é o de mediar a relação entre atores e territórios, confirma-se também no caso do Porto.
Não se encontraram indícios da existência de marcas territoriais anteriores à atual e, tampouco, de que exista a intenção de a substituir por outra. Um dos motivos para que a marca permaneça com a sua forma original é, na Europa, a compreensão de que esta possui um cunho institucional, enquanto na América-Latina, o seu caráter é sobretudo promocional, vinculado, portanto, a certa efemeridade (Semprini, 2010).
O poder público local mantém uma posição hegemónica, viabilizando os seus projetos, crenças e ideologias por meio do uso da marca territorial como instrumento da gestão urbana e ativo territorial estratégico. Ao criar uma marca territorial, o Porto insere-se num mapa globalizado de lugares. O destaque da marca leva a refletir sobre o uso de rankings de marcas territoriais (Almeida, 2019) e de como esse recurso gera ou fortalece a reputação territorial. Pode-se pensar numa economia de reputação, porém, vinculada aos territórios e não aos produtos e serviços mercadológicos (economia de reputação territorial).
Relações entre marca territorial e cidade digital estratégica
Tanto a marca territorial quanto a cidade digital estratégica podem ser consideradas instrumentos estratégicos na gestão urbana contemporânea. O conceito de marca territorial apresenta uma construção social baseada na intangibilidade do poder simbólico, tendo a cultura um papel fundamental na geração da reputação e articulação estratégica no, para e além do território.
A primeira variável investigada revela que a cidade de Porto é usada e apropriada pelos seus atores sociais de forma simbólica, ocorrendo o mesmo no seu formato físico (tangível) por meio das ações do poder público. Recorre--se a um conjunto específico de ícones que representam partes do território e da sua cultura para viabilizar traços selecionados da cidade. Embora os ícones elencados na marca não remetam para a memória de outras épocas, percebe-se a presença de uma identidade construída e consolidada por certo conjunto de atores. A identidade dos azulejos portugueses subtilmente engendrada na marca indica a apropriação simbólica do espaço por meio da identidade cultural e territorial, interferindo na forma como o espaço é percebido e produzido.
A marca Porto delimita um espaço específico e subtrai outras partes do território (os mais vulneráveis social e economicamente), sendo um espaço criado e delimitado pelos atores sociais e que expõe relações de poder ( Raffestin, 1993). É o que se constata com os poucos comentários encontrados na internet de que a cidade de Porto era mais do que o seu aspecto cultural, e do caso de plágio em relação à marca da cidade de Berlim, comentários que indiciam disputas de poder, estando a marca no centro dessas discussões. O facto de haver um caso de plágio divulgado pela imprensa internacional revela os vestígios da competitividade (multiescalar) entre os territórios, competitividade simbólica, mais ampla do aquela que incide apenas sobre as características físicas ou turísticas. Segundo Farinós (2019), não há forma de um território concorrer com outro, visto que todos os territórios são distintos entre si.
Os processos de decisão expõem que o cenário ideal para a construção de uma marca territorial ocorre quando existe a participação de um amplo conjunto de atores sociais que discutem o território. Há duas formas de construir o território: a partir de processos de decisão top down ou bottom up (Pecqueur, 2005). No caso aqui em análise, foram os gestores públicos que iniciaram, desenvolveram e articularam a marca deste território, através de um processo de decisão visivelmente top down. No entanto, pode dizer-se que se enquadra também num processo bottom up, por ter possibilitado a participação dos designers na criação dessa marca. Apesar de mínima e seletivamente, trata-se de uma forma de inserir a sociedade civil neste processo e de uma gestão específica baseada no place branding que origina um produto coletivo peculiar, a marca territorial.
Na análise sobre os tipos de marca territorial confirma-se que esta vai além da sua logotipia e representação visual, que é maior do que apenas alguns dos seus elementos, sendo relacionável como um organismo vivo, em constante desenvolvimento (Almeida, 2018). O logotipo é apenas a parte visível da marca, havendo outros fatores que a constituem, mas não são tão visíveis. A marca Porto foi planeada e elaborada estrategicamente por meio de narrativas e elementos visuais que permitem a viabilização dos interesses dos atores envolvidos. Este tipo de marca é influenciado por narrativas anteriores, especialmente as históricas, delimitadas pelo poder público local, e fomenta o sentimento de pertença à comunidade local. Em certa medida, é uma marca orgânica, visto que ampara o discurso da própria cidade que foi se consolidando ao longo do tempo.
Entre as características da marca prevalece a cor azul, solicitação dos gestores públicos locais na fase do briefing. Duas versões foram desenvolvidas: uma nominativa, em que aparece somente o nome da cidade com o uso de um ponto final, e outra, em que estão elencados pictogramas que remetem para as partes do território. O conceito da marca engloba a ideia de que a cidade de Porto é tudo isso e ponto. A identidade visual da marca utiliza um sistema de ícones que também foi requisito no referido concurso. A narrativa sugere duas cidades: uma moderna, que está ativa num mundo globalizado, e outra histórica que valoriza as suas crenças.
Observa-se a presença de três grupos amplos de atores sociais (Almeida, 2018) no processo produtivo da marca da cidade de Porto: emissor; disseminador; perceptivo. A amplitude desses grupos demonstra graus diferentes de participação dos atores sociais em cada etapa do processo produtivo da marca e na articulação multiescalar. Salienta-se que os tipos de grupos de atores sociais (emissor, disseminador e perceptivo) se referem aos graus de participação dos atores sociais e não necessariamente à quantidade de atores sociais presente na construção da marca (Almeida, 2018). Assim, o grupo emissor corresponde aos atores que se envolveram na criação da marca e nas suas estratégias (poder público local e designers). O segundo grupo, o disseminador, envolve os atores que beneficiaram da marca, disseminando-a no e além do território (designers, rede hoteleira, setor turístico, publicitários). Já o terceiro, grupo, o perceptivo, remete para as percepções sobre o território advindas do jogo de imagens e identidades criadas para a marca (tem relação com a audiência interna e externa sobre um mesmo espaço, aqui podem ser encontradas as tensões entre os atores sociais).
No que tange às relações entre os atores sociais, a maior participação no processo de produção da marca Porto advém, como já referimos, do poder público local, havendo menor participação da sociedade civil. As relações investigadas revelam uma parceria entre os atores mais do que um embate simbólico com outras marcas. Uma hipótese para esta parceria são os prémios que a cidade tem recebido e que a posicionam como um caso de sucesso no mundo. Não se encontraram indícios da presença de Porto num ranking de marcas territoriais que justificasse a criação da marca. Possivelmente, um dos gatilhos mentais tenha sido a necessidade de inserir a cidade num mapa global de lugares, ao mesmo tempo que lhe conferia certo valor da marca para a cidade.
A metodologia do tripé de branding (Almeida, 2015) apresenta o processo de gestão estratégica da marca sob três fatores básicos: identidade, posicionamento e plataforma de comunicação. A identidade da marca Porto está ancorada num sistema de pictogramas que organiza visual e verbalmente as narrativas sobre a cidade. O seu posicionamento atém-se a uma promessa de valor, em que a cidade é maior (simbolicamente), plural e diversa e para isso utiliza o conceito “Porto é muito mais e ponto”. O ponto final utilizado como parte integrante da logotipia da marca é um recurso para abarcar o “todo” da cidade: “O Porto é o Porto. Ponto. Acabou” (Porto.pt, 2014). A plataforma de comunicação da marca remete para um sistema complexo de usos e aplicações que praticamente “veste” a cidade com a marca.
A estratégia da marca insere uma parte da sociedade na sua criação, os designers. Outra articulação foi inscrever a marca em concursos internacionais de designers para, ao mesmo tempo, a divulgar globalmente. Há uma fala bem organizada sobre a cidade que aponta para um consenso na elaboração e implantação da marca. Possibilita perceber que os atores sociais discutem o espaço urbano, simbólica e tangivelmente. Inclusive a marca está inserida como ativo territorial significativo e presente no planeamento dessa cidade portuguesa.
A discussão sobre os subprojetos (componentes) de cidade digital estratégica fez-se em torno de cinco variáveis. A primeira, a existência de um projeto de cidade digital estratégica, visualiza por meio da análise do site da cidade de Porto que há uma gestão articulada que integra as ações da administração pública e o envolvimento dos cidadãos no atendimento das suas questões. O visual da página inicial da homepage apresenta a marca territorial na sua versão verbal, a identidade visual da marca de Porto e em evidência a cor azul. Utilizar a totalidade da marca no site da Câmara Municipal de Porto é coerente visto que o poder público local foi o seu principal articulador. O website divide-se num menu superior principal que fica ativo durante a navegação do internauta: cidade, câmara, contactos, compras públicas, editais, transparência, taxa turística, mapa porto, mapa do sítio e legislativas 2019. Cada um desses tópicos subdivide-se noutros, tornando o mapa do site complexo entre tópicos fixos e flutuantes.
Destaca-se o link “Revisão PDM” que apresenta o plano diretor municipal, a sua revisão, forma de participação e notícias. Neste link consta que “O Plano Diretor Municipal (PDM) é um instrumento legal fundamental na gestão do território municipal. O PDM define o quadro estratégico de desenvolvimento territorial do município, sendo o instrumento de referência para a elaboração dos demais planos municipais” (Porto.pt, 2019). Refere-se que o “[…] atual sistema legal prevê dois momentos obrigatórios de envolvimento dos cidadãos, sem prejuízo do seu direito de, a todo o momento, apresentarem sugestões ou solicitarem esclarecimentos sobre o processo”. Porém, enfatiza ainda que esses momentos são insuficientes e desajustados (Porto.pt, 2019).
Os documentos analisados levam a considerar o Porto como uma cidade digital estratégica informal, visto que atende aos critérios propostos por Rezende (2012). Para atender aos objetivos elencados pelos gestores públicos valeu-se do uso de estratégias da cidade no longo prazo. Encontraram-se indícios de um repensar estratégico integrado no processo decisório que tem orientado as ações da cidade, sendo a marca territorial também um guia norteador dessas ações e pensamentos.
As informações da cidade no site do Porto tornam os dados úteis aos cidadãos e mostram certo grau de preocupação com a abrangência das informações, ampliando-as por meio do recurso de voz eletrónica, em que o internauta pode ouvir, ao invés de ler as informações sobre a sua cidade. Percebe-se que o site é um meio estratégico para se adquirirem informações, registando eventos e notícias locais. As informações sobre a cidade encontradas nesta investigação são positivas e coerentes com a criação da marca Porto e a proposta de cidade digital estratégica.
O portal do Porto dispõe de serviços públicos municipais aos quais se tem acesso gratuito pela internet. A pesquisa documental indicou preocupação da gestão pública local para que os cidadãos estejam informados por meio dos serviços online disponibilizados. Assim, o conjunto de atividades e serviços ofertados pela Câmara de Porto mostra empenho em satisfazer as necessidades da população portuense, sendo positiva sua aplicação.
Observa-se a presença de recursos de tecnologias da informação na cidade por meio da disponibilização de informações aos cidadãos. Destaca-se o “Balcão Virtual”, que contém 41 serviços viabilizados pela tecnologia da informação aos cidadãos e 30 serviços disponíveis para as empresas. Um exemplo de serviço que o “Balcão virtual” dispõe aos cidadãos é o de pagamento de taxas e impostos (Porto.pt, 2019).
Análises das relações entre marca territorial e cidade digital estratégica
A investigação desta pesquisa identificou as relações entre os constructos pesquisados e permitiu constatar que ambos podem ser tomados como recursos urbanos contemporâneos. Possibilitou ainda reflexões teóricas e empíricas sobre essa relação, que tem a estratégia como guia norteador. Por fim, apresentamos uma análise comparativa entre as variáveis.
A primeira relação encontrada foi a conceptual. Nota-se que os conceitos investigados têm origem em estratégias engendradas no âmbito da gestão pública, gerando relações de poder entre os atores sociais. Entre os elementos que compõem a marca territorial, o mais evidente é a estratégia, sendo este também destacado no conceito de cidade digital estratégica. Também foram encontradas diferenciações entre os conceitos. A marca territorial advém da pressão de inserir os territórios num mapa global de lugares ou de estar inserido numa economia de reputação territorial. Já a cidade digital estratégica surge de uma pressão mais local do que global. O exposto na análise das variáveis permite considerar que os conceitos de Almeida (2018) e Rezende (2012; 2018) se aplicam à cidade de Porto.
Observa-se a presença de elementos similares entre os conceitos investigados. Enquanto a marca territorial remete para o território, para os atores estratégicos, e para os interesses estratégicos e relações de poder, a cidade digital estratégica está mais próxima dos subprojetos (componentes), funções ou temáticas municipais, estratégias, informações, serviços públicos e tecnologia da informação. No entanto, os elementos que predominam no conceito de marca territorial também integram o conceito de cidade digital estratégica, concebendo vínculos entre os conceitos. Encontrou-se ainda que a marca territorial e a cidade digital estratégica são confundidas com outros conceitos similares, como: place branding e marketing territorial, e smart city e cidade digital, respetivamente.
No que tange aos usos no planeamento municipal, os conceitos inserem-se no contexto da gestão pública de diferentes formas. Revelam a articulação de estratégias dos atores sociais no uso e apropriação do território, gerando reconhecimento sobre e no território. No caso do Porto houve a preocupação de inserir a marca territorial no planeamento estratégico municipal, tendo em vista que a marca Porto serve de guia norteador para as estratégias da cidade, influenciando o reconhecimento em múltiplas escalas daquele território (do local ao internacional). O projeto da marca tem uma construção de longo prazo, mesmo sendo esta a primeira marca territorial da cidade. Este modo de ver a marca territorial vai ao encontro de Almeida (2018), que salienta que um projeto deste porte se contrói a médio e longo prazo, levando em conta a realidade, identidade, culturas e os discursos dos atores sociais.
A marca Porto expõe uma temporalidade e escala espacial maior do que a maioria das marcas da América Latina, estando a sua compreensão atrelada mais ao caráter institucional do que ao promocional (curto prazo). Também se percebe que tanto a marca territorial, quanto a cidade digital estratégica, se destinam a um território específico, nesse caso às partes da cidade de Porto.
O repensar articulado sobre a cidade revela as estratégias dos atores sociais no uso e apropriação do território com certo caráter oficial por advir da gestão pública. Vai ao encontro de quatro eixos (Rezende, 2018): participação dos cidadãos; estrutura; reflexão sobre a cidade; articulação de interesses compartilhados. A investigação sobre a relação entre marca territorial e cidade digital estratégica enquanto instrumentos urbanos contemporâneos são relativamente novos, havendo pouco referencial teórico sobre ambos. A pesquisa confirmou que a marca territorial e a cidade digital estratégica proporcionam reflexões coletivas sobre o território, sendo esta uma articulação dos atores sociais que serve também de instrumento de decisão.
Há certa confusão conceptual da cidade digital estratégica com smart city ou cidade digital, e marca territorial com mero logotipo aplicado ao território ou com o próprio conceito de place branding, que trata da gestão da marca, sendo a marca o objeto dessa gestão. Ambos os conceitos investigados apresentaram relações entre si e indicativos da sua influência na dinâmica do território, estando inseridos na gestão pública.
As estratégias utilizadas nas marcas territoriais criam e articulam estratagemas que geram imagem/reputação do território, independente da sua escala espacial, a partir de um conjunto de atores sociais que se alteram com o tempo. Quando esse conjunto de atores muda, a perspetiva e o discurso sobre o território também sofrem alterações. Neste sentido, a investigação das marcas territoriais pode ser utilizada para averiguar os discursos, usos e apropriações do território ao longo do tempo.
Quando as marcas de natureza territorial surgem a partir do planeamento estratégico formam o posicionamento da cidade em múltiplos âmbitos. É um pensar articulado que advém de uma pressão global, para que os territórios estejam num mapa global de lugares. Ao mesmo tempo, a criação de uma marca territorial não é o caminho, mas um dos caminhos ou caminhos complementares para refletir sobre o planeamento estratégico dos municípios. Sendo ou não oriunda da gestão municipal, observa-se que o desenvolvimento da marca territorial é sempre parte de uma gestão, seja ela formal ou informal. Embora a monitorização e a avaliação das marcas sejam procedimentos recomendados pelos profissionais na área do branding e do marketing, não foram encontrados dados que atestem que a marca Porto utilize esses instrumentos para permanecer atualizada ao longo do tempo.
Conclusão
Tanto a marca territorial quanto a cidade digital estratégica podem ser utilizadas como instrumentos contemporâneos auxiliares na gestão pública e ativos territoriais que revelam o tipo de desenvolvimento dos municípios. Ambos os constructos investigados expõem as singularidades da cidade. As formas como as pessoas interagem localmente sustenta-se na cultura que, no que lhe concerne, age como um eixo estratégico na tomada de decisões do poder público local. A cultura ainda está inserida na construção e manutenção da marca territorial; e na forma como os subprojetos (componentes) da cidade digital estratégica são articulados. Este cenário reforça as relações entre os constructos investigados.
O objetivo de analisar as relações entre marca territorial e subprojetos de cidade digital estratégica como recurso estratégico urbano contemporâneo foi alcançado integralmente. Para tanto aprofundou-se o marco teórico sobre marca territorial e cidade digital estratégica, detalhando os elementos que os compõem e averiguando as relações entre ambos.
Os resultados obtidos fazem sobressair a presença da variável de pesquisa, estratégia, nos dois constructos. A pesquisa revelou que ambos podem ser tomados como significativos instrumentos urbanos contemporâneos, que expõem interesses e articulações dos atores sociais em múltiplas escalas e dimensões. Destaca-se, ainda, que os dois conceitos sejam vistos na perspectiva da mediação entre atores sociais, no território que produzem e vivenciam (marca territorial) e entre a gestão pública e os cidadãos (cidade digital estratégica). Na marca da cidade de Porto foram evidenciadas relações de poder delimitadas por certo conjunto de atores sociais, sendo ainda a cidade o palco de experiências e interações quotidianas.
Mostra os usos e as apropriações do território pela marca territorial e pelo planeamento da cidade digital estratégica. Ao mesmo tempo, confirma que a cidade digital estratégica também pode ser visualizada como uma marca territorial de caráter genérico, padronizando nomenclaturas. O andamento do estudo ratifica a existência de relações entre os conceitos investigados, expondo dois processos de decisão: top down e botton up. Destaca que a marca territorial pode impulsionar projetos de cidade digital estratégica e vice-versa. É salientado que as marcas são mais do que meros logotipos aplicados aos territórios, demandando manutenção ao longo do tempo. Ambos os constructos promovem um repensar estratégico sobre o território, podendo estar inseridos no ordenamento territorial e serem compreendidos como políticas públicas.
No que se refere às contribuições do estudo, destacamos a confirmação de que a cidade do Porto possui uma marca territorial ancorada numa gestão específica (place branding) complementada com a implantação de um projeto de cidade digital estratégica informal. Possibilitou o aprofundamento de conceitos relativamente novos, revelando-os como fenómenos urbanos contemporâneos. Igualmente, expôs uma temporalidade e escala espacial maior do que a generalidade das marcas territoriais da América Latina, estando a sua compreensão vinculada mais ao caráter institucional (longo prazo) do que ao promocional (curto prazo).
Contribui para as decisões da gestão pública quando oferece instrumentos estratégicos que auxiliam na tomada de decisões das administrações públicas, proporcionando reflexões sobre a cidade. Para o Grupo de Pesquisa em Cidade Digital Estratégica, do qual ambos os autores fazem parte, permite a visualização de relações (novas) entre marca territorial e cidade digital estratégica, ampliando os diálogos interdisciplinares. No território vivido dá oportunidade aos cidadãos que os fenômenos averiguados possam oferecer uma cidade melhor para viverem.
O exposto nesta pesquisa leva à confirmação de graus distintos de relação entre os constructos investigados, expondo as articulações dos atores sociais no território e a forma como o produzem e o organizam (gestão pública). Pode ser utilizado como recurso estratégico que promova um repensar estruturado sobre a cidade, posicionando-a globalmente e gerando reputação territorial ancorada nos seus aspectos tangíveis e intangíveis.
Sugere-se que novas pesquisas possam emergir deste estudo de caso com vista a apontar a existência de outras marcas territoriais genéricas e as reflexões organizadas sobre as cidades por meio das suas gestões públicas.
A relevância desta pesquisa prende-se com a exploração de novos instrumentos urbanos que auxiliem na tomada de decisões, podendo esses recursos ser utilizados isoladamente ou em conjunto, atendendo às necessidades dos cidadãos e do próprio território. Quando se visa melhor qualidade de vida, pode-se propor também outros recursos que ampliem a efetividade da gestão pública municipal. Para isso, os conceitos devem ser alargados e propostas outras relações.