A Internet tem vindo a ganhar importância no desenvolvimento da vida social, transformando-se num dos principais meios de comunicação e interação. Contudo, alguns grupos, como o dos idosos, têm ficado à margem da revolução digital.
Os estudos sobre adultos mais velhos têm identificado um conjunto de características sociodemográficas, económicas e de saúde destes indivíduos, como determinantes da utilização da Internet. Além destas caraterísticas, as relações familiares podem afetar consideravelmente a utilização desta tecnologia particularmente em países com tradições familiaristas, tais como Portugal. Este trabalho visa, precisamente, analisar o papel da família na utilização da Internet por portugueses de 50 e mais anos, numa perspetiva de género.
O presente estudo incide sobre uma amostra de 1657 indivíduos (747 homens e 910 mulheres), inquiridos no âmbito do projeto SHARE (Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe) e que representam a população portuguesa de 50 e mais anos.
Os resultados obtidos, através de análises de regressão logística binária, evidenciam o distinto contributo da família para a utilização da Internet por cada um dos géneros. Mais concretamente, constata-se que quanto maior o número de filhos, maior a frequência de contactos, assim como uma maior distância geográfica entre a residência dos indivíduos de 50 e mais anos e respetivos filhos está associada a maior probabilidade de utilização da Internet pelo género feminino. Mas nenhuma associação foi encontrada entre os referidos fatores e a probabilidade de utilização da Internet pelo género masculino. Por outro lado, foi ainda possível constatar que a probabilidade de as mulheres que residem com um cônjuge/companheiro(a) utilizarem a Internet é menor do que a das mulheres separadas, divorciadas ou viúvas. Estes resultados apontam para o papel distinto desempenhado pela família no que diz respeito à utilização da Internet por homens e mulheres de 50 e mais anos.
Os resultados deste estudo salientam a importância das políticas públicas na redução das desigualdades entre géneros relativamente à utilização da Internet e na promoção de uma sociedade mais inclusiva.
Introdução
O rápido desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) oferece aos indivíduos oportunidades sem precedentes, mas nem todos delas usufruem. Com efeito, a sociedade Pós-Moderna encerra novas desigualdades relacionadas com o acesso e utilização da tecnologia que têm justificado o aumento significativo da atenção prestada à divisão ou fratura digital e seus potenciais efeitos (Cruz-Jesus, Oliveira, & Bacao, 2012).
Os estudos identificam os adultos mais velhos, os jovens pouco escolarizados e as pessoas pertencentes ao quartil inferior de rendimentos como os grupos mais vulneráveis à exclusão digital (Bucy, 2000; Hüsing & Selhofer, 2004). Este fosso digital tem sido considerado muito preocupante no caso dos idosos, uma vez que constituem um grupo de importância numérica crescente.
De acordo com a teoria da Modernização, segundo a qual se propõe explicar a mudança que ocorreu no estatuto e papéis dos idosos em função do grau de industrialização (Dias, 2012), numa sociedade marcada pela mudança acelerada e pelo progresso tecnológico, os mais velhos são caracterizados como indivíduos resistentes à inovação e à utilização das tecnologias (Doll et al., 2007). Em Portugal, a utilização da Internet por este grupo da população continua a constituir um importante desafio dado o reduzido número de utilizadores que o integram (INE, 2017; Silva, Delerue Matos e Martinez-Pecino, 2017), pelo que é importante conhecer os fatores que afetam a utilização da Internet, de modo a evitar a marginalização dos adultos mais velhos. Com efeito, a tecnologia está cada vez mais associada à realização de tarefas inerentes ao quotidiano destas pessoas (Dias, 2012; Neves, Amaro e Fonseca, 2013), como comunicar, realizar compras, marcar consultas no Serviço Nacional de Saúde, realizar procedimentos administrativos, entre outras. A importância do conhecimento das determinantes da utilização da Internet pelos indivíduos mais velhos reside ainda no facto de a sua utilização na segunda metade da vida estar associada a uma maior qualidade de vida (QdV) (Silva, Delerue Matos e Martinez- Pecino, 2018), a sentimentos de maior bem-estar ( Antonucci, Ajrouch e Manalel, 2017; Chopik, 2016; Neves e Amaro, 2015; Russell, Campbell e Hughes, 2008) e de menor solidão (Silva, Delerue Matos e Martinez-Pecino, 2020).
A literatura científica tem posto em evidência algumas das determinantes da adoção e utilização da tecnologia (Neves e Amaro, 2015). Muitas pesquisas sobre grupos etários mais velhos têm apontado para o facto de as características sociodemográficas, económicas e de saúde destes indivíduos condicionarem a utilização da Internet (Carpentere Buday, 2007; Choi e Dinitto, 2013; Demoussis e Giannakopoulos, 2006; Dias, 2012; Eastman e Iyer, 2004; Friemel, 2014; Lee, Chen e Hewitt, 2011; Luijkx, Peek e Wouters, 2015; Rosenthal, 2008; Selwyn, Gorard e Furlong, 2003; Wilson, Wallin e Reiser, 2003). Tendo em consideração que as relações familiares são consideradas muito importantes para os indivíduos, autores como Van Biljon e Renaud (2008) recomendam que os modelos explicativos de acesso e utilização da Internet integrem variáveis relacionadas com este tipo de relações. Para os adultos mais velhos, em particular, a família assume grande importância (Bowling, 1995) por, entre outras funções, providenciar suporte e contribuir para a integração social dos indivíduos (Kohli, Künemund e Ludicke, 2005).
A utilização da internet por indivíduos de 50+ anos: o papel da família
Os estudos no âmbito da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) têm enfatizado a importância de todos os elementos envolvidos nos processos de adoção e utilização da tecnologia, rejeitando o determinismo tecnológico (Madsen e Kræmmergaard, 2016; Xie, 2003) e salientando a capacidade de agência dos adultos mais velhos neste tipo de processos (Peine, 2019). Referenciais teóricos, como a teoria do Ator-Rede (TAR), destacam a importância das interações entre indivíduos nos processos de utilização da tecnologia (Latour, 2005), apontando para a relevância daquelas que são estabelecidas entre atores sociais influentes, como é o caso dos familiares próximos (Tatnall, 2014). Também Bakardjieva (2005) salientou a importância das redes sociais próximas nos processos de adoção e utilização da Internet, desenvolvendo o conceito de “warm expert”. De acordo com Bakardjieva (2005) os “warm expert” são pessoas com conhecimentos e competências informáticas (especialistas informais) que desempenham um papel muito importante no apoio à utilização das tecnologias de informação e comunicação por pessoas com conhecimentos tecnológicos reduzidos. De acordo com a mesma autora, estes atores sociais estabelecem uma mediação entre o universo tecnológico e a situação concreta do utilizador da tecnologia com quem mantêm um relacionamento pessoal próximo (Bakardjieva, 2005, p. 99).
Este papel é geralmente desempenhado pelos membros mais jovens da família (Taipale, 2019). Com efeito, as pesquisas sobre grupos etários mais velhos têm destacado a importância do papel desempenhado por familiares próximos (Lüders e Gjevjon, 2017; Olsson e Viscovi, 2018), tais como os filhos (Olsson e Viscovi, 2018).
Os adultos mais velhos preferem recorrer aos “warm expert” do que a profissionais formais no processo de adoção e integração da tecnologia no seu quotidiano (Olsson e Viscovi, 2018). Com efeito, num contexto em que a importância destes atores sociais tem aumentado, Taipale (2019) refere-se ao “Warm Expert 2.0” para representar estes especialistas informais que, cada vez mais, auxiliam os membros mais velhos da família na utilização e gestão da tecnologia (Taipale, 2019).
O papel da família na adoção e utilização da tecnologia pelos mais velhos tem também sido enfatizado por diversos outros estudos empíricos (Martinez-Pecino, Delerue Matos, e Silva, 2013; Neves, Franz, Munteanu e Baecker, 2018; Russell et al., 2008; Silva, 2019; Sanday Tsai et al., 2017; Van Biljon e Renaud, 2008).
No mesmo sentido, os diversos quadros teóricos na área do envelhecimento que remetem para a existência de uma restruturação das redes sociais à medida que as pessoas envelhecem (Antonucci, Ajrouch, e Birditt, 2014; Carstensen, 1995; Charles e Carstensen, 2010; Khan e Antonucci, 1980) destacam o papel crescente que a família assume sobre elas. Apesar de ser um processo de restruturação dinâmico, heterogéneo e fortemente relacionado com o percurso de vida (Cornwell, Laumann e Schumm, 2008), o processo de envelhecimento caracteriza-se, em geral, pelo reforço das relações familiares dos indivíduos (Mollenhorst, Volker e Flap, 2014; Shaw et al., 2007). Também os contextos de migração ou de distanciamento geográfico de familiares instigam os mais velhos a recorrer à Internet com o objetivo de assegurarem a comunicação e a preservação dos laços sociais (Antonucci et al., 2017; Neves et al., 2018). Neste âmbito, a Internet tem figurado, em Portugal, como uma tecnologia que permite estabelecer interações, mesmo que de forma indireta, entre os mais velhos e seus familiares (Neves e Amaro, 2015; Silva, 2019). De facto, as pesquisas científicas têm evidenciado o efeito de compensação da Internet, ou seja, a sua capacidade de atenuar alguns fatores geralmente associados à idade (Neves, 2015), como, por exemplo, a redução da dimensão das redes sociais por perda de alguns dos seus elementos. Simultaneamente, a Internet potencia o impacto positivo das redes sociais na qualidade de vida (QdV) dos portugueses de 50 e mais anos (Silva et al., 2018).
As relações familiares condicionam o acesso e uso da Internet. Com efeito, os cônjuges são frequentemente retratados como capazes de se influenciarem mutuamente de forma positiva, ainda que, com alguma frequência, os homens não apoiem as suas esposas na compra de equipamento tecnológico (Luijkx et al., 2015). Os países do Sul da Europa apresentam algumas especificidades nesta matéria, pois, contrariamente ao que acontece na maioria dos países europeus, a ausência de cônjuge é favorável à adoção e utilização da tecnologia (Peacock e Künemund, 2007).
Os filhos e os netos também têm sido considerados importantes agentes de motivação para a utilização da tecnologia (Lindsay, Smith e Bellaby, 2007; Luijkx et al., 2015; Martinez-Pecino et al., 2013; Neves e Amaro, 2012; Neves et al., 2018). Os netos têm-se destacado pelo papel positivo que desempenham no processo de familiarização dos avós com a tecnologia (Neves e Amaro, 2012, 2015; Delerue Matos e Neves, 2012). Já o papel assumido pelos filhos tende a ser mais limitado (Eynon e Helsper, 2015; Rebelo, 2015). Se alguns estudos sublinham o facto de estes incentivarem a utilização da tecnologia (Russell et al., 2008), outros acrescentam que não auxiliam posteriormente no processo de familiarização com o equipamento, o que desencadeia sentimentos de frustração nos mais velhos (Silva, 2019).
A literatura científica assinala a importância dos estudos sociológicos sobre a relação entre a família e a tecnologia (Barbosa e Casimiro, 2018). Em Portugal, a importância da família tem sido reforçada por diversos trabalhos relativos à utilização da Internet pelas pessoas mais velhas (Dias, 2012; Martinez-Pecino et al., 2013; Neves e Amaro, 2012, 2015; Silva et al., 2018). Contudo, permanece pouco explorada a importância que assumem, a este nível, membros específicos da família, tais como cônjuges e filhos. Por outro lado, é sobejamente conhecida a existência de diferenças de género nos papéis desempenhados pelos indivíduos no seio da família (Aboim, 2007; Aboim e Wall, 2002; Wall et al., 2010) e a importância do género enquanto preditor das trajetórias de vida dos adultos mais velhos, em Portugal (Wall e Aboim, 2015). Simultaneamente, tem sido também fortemente salientada a importância das questões de género nos processos de utilização da tecnologia (Bimber e Barbara, 2000; Dias, 2012; König et al., 2018; Silva, 2019). Contudo, faltam estudos que tenham simultaneamente em conta o impacto das relações familiares e do género na utilização da Internet, em Portugal. Este artigo visa precisamente analisar o papel da família na utilização da Internet por portugueses de 50 e mais anos, numa perspetiva de género.
Metodologia
Este estudo incidiu sobre 1657 indivíduos portugueses (747 homens e 910 mulheres), inquiridos no âmbito do projeto SHARE (Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe) em 2015 (vaga 6) e que representam a população portuguesa, não-institucionalizada, com 50 e mais anos.
Os questionários em CAPI (Computer Assisted Personal Interviewing) foram aplicados presencialmente por entrevistadores devidamente formados. Informação adicional sobre a metodologia do estudo SHARE pode ser consultada nos manuais de metodologia do projeto (Malter e Börsch-Supan, 2013, 2017).
As análises estatísticas foram realizadas com o software SPSS, versão 25. Em primeiro lugar, realizaram-se análises descritivas. Para avaliar a interdependência entre duas variáveis qualitativas utilizou-se o teste do Qui-Quadrado. Procedeu-se também à comparação de médias através de testes t de Student para amostras independentes. Os resultados destes testes foram complementados com medidas de magnitude de efeito (Cohen’s d/Phi), pois, entre outros motivos relacionados com a potência do teste e com a probabilidade de erro tipo I, as amostras de grandes dimensões podem conduzir a resultados estatisticamente significativos mesmo que as diferenças entre os grupos sejam reduzidas (Marôco, 2014, p. 248). A interpretação dos resultados foi baseada em Cohen (1988).
Num segundo momento, realizou-se uma regressão logística binária (método Enter) para cada um dos géneros, de forma a analisar o papel da família na utilização da Internet por portugueses de 50 e mais anos. Com este objetivo, construiu-se um primeiro modelo que permite avaliar o contributo das características sociodemográficas e de saúde para a utilização da Internet. A este modelo foram posteriormente adicionadas as variáveis relacionadas com a família. Este segundo modelo permite estimar o contributo de algumas das características da estrutura e dinâmica familiares para a utilização da Internet.
Variáveis consideradas na análise
Variável relativa à utilização da Internet: variável dicotómica que permite distinguir os indivíduos que recorreram a esta tecnologia pelo menos uma vez nos últimos sete dias para enviar ou receber e-mails, procurar informações, fazer compras ou para qualquer outra finalidade (1) dos indivíduos que não a utilizam (0). Esta variável tem o estatuto de variável dependente na análise de regressão logística binária, sendo a resposta afirmativa (1) a categoria de referência.
Variáveis relacionadas com a família: situação conjugal: (1) “casado(a) ou em união de facto a residir com um cônjuge/companheira(o)” ou (0) “solteiro(a), viúvo(a), divorciado(a) ou casado(a) a viver separado(a) do(a) marido/esposa”; número de filhos; idade dos filhos; frequência média de contactos durante o último ano com os filhos (escala de (1) “nunca” a (7) “diariamente”); distância geográfica entre a residência do próprio e a residência dos filhos (escala de (1) “no mesmo alojamento/casa” a (8) “mais de 500 quilómetros de distância”).
Outras variáveis sociodemográficas e económicas: idade; anos de escolaridade, autoperceção de stress financeiro: (1) “grande dificuldade” ou “alguma dificuldade” em suportar as despesas mensais e (0) “facilidade” ou “muita facilidade” em fazer face às despesas mensais; participação em atividades sociais: (1) participação em pelo menos uma das seguintes atividades: realização de trabalho voluntário ou de caridade; frequência de um curso ou formação; frequência de uma associação desportiva, social ou de outro tipo; participação numa organização política ou relacionada com a comunidade; leitura de livros, revistas ou jornais; realização de jogos com palavras e números com palavras-cruzadas ou Sudoku; realização de jogos de cartas ou outros jogos como o xadrez, ou (0) sem participação nas atividades anteriores; utilização do computador no local de trabalho: (1) utilização do computador ou tablet no exercício da profissão atual ou anterior e (0) não utilização do computador em contexto profissional.
Variáveis de saúde: sintomas depressivos avaliados pela escala EURO-D, distinguindo-se (1) os indivíduos com sintomas significativos de depressão, ou seja, que obtiveram uma pontuação igual ou superior a 4 pontos na escala EURO-D de 12 itens (Prince et al., 1999) e (0) os indivíduos que obtiveram pontuações inferiores na mesma escala; limitações físicas: número de limitações na realização das dez atividades seguintes: caminhar 100 metros, estar sentado cerca de duas horas; levantar-se de uma cadeira depois de estar sentado durante algum tempo; subir vários lanços de escadas sem descansar; subir um lanço de escadas sem descansar; inclinar-se, ajoelhar-se ou agachar-se; colocar ou levantar os braços acima do nível dos ombros; puxar ou empurrar objetos grandes; levantar ou carregar pesos com mais de 5 quilos; apanhar uma moeda pequena que se encontra em cima de uma mesa. A pontuação final corresponde ao número de limitações físicas, mencionadas por cada indivíduo.
Resultados
Quem são os utilizadores da internet com 50+ anos, em portugal?
Em Portugal, apenas ¼ dos adultos de 50 e mais anos, aproximadamente, utiliza a Internet (27,2%). O recurso a esta tecnologia é mais frequente no género masculino (31,3%) do que no feminino (23,8%)1. Estas evidências reforçam as conclusões de outras pesquisas, que enfatizam a possibilidade dos papéis de género offline influenciarem o comportamento online (Dias, 2012) e, neste sentido, a utilização da Internet refletir a realidade prática das circunstâncias da vida quotidiana (Helsper, 2010).
No Quadro 1, podem observar-se as características dos utilizadores e não--utilizadores da Internet, de acordo com o género. Os homens e as mulheres que a utilizam são mais jovens do que os seus homólogos não-utilizadores e apresentam, em média, um número de anos de escolaridade superior. A maioria dos entrevistados declarou viver uma situação financeira negativa, mas os homens e as mulheres que utilizam a Internet encontram-se numa situação ligeiramente melhor, afirmando conseguir fazer face às despesas mensais com alguma facilidade.
No que diz respeito à saúde mental e física, as mulheres e os homens que não utilizam a Internet tendem a apresentar mais sintomas depressivos e mencionam claramente um número superior de limitações físicas.
A participação em pelo menos uma das atividades sociais descritas anteriormente caracteriza os utilizadores da Internet. No mesmo sentido, o uso de um computador em contexto laboral foi notoriamente mais frequente no grupo dos homens e mulheres que recorrem à Internet.
As mulheres que utilizam a Internet têm filhos com idades mais jovens e estão mais predispostas a manter contacto regular com eles, mas distinguem-se apenas marginalmente das que não utilizam a Internet no que diz respeito ao número de filhos, contando com 2,02 filhos, em média, enquanto as não-utilizadoras têm 2,26 filhos.
Também os utilizadores da Internet do género masculino se distinguem marginalmente dos não-utilizadores, no que diz respeito ao número de filhos, apresentando os primeiros um número de filhos (2,02 filhos, em média) ligeiramente inferior ao dos não-utilizadores (2,24 filhos, em média). No género masculino, não foram observadas diferenças significativas entre utilizadores e não-utilizadores da Internet no que diz respeito às restantes características relativas à família.
Por fim, residir com um cônjuge/companheiro(a) não distingue utilizadores de não-utilizadores da Internet, em qualquer dos géneros.
A importância dos cônjuges e filhos na utilização da internet por homens e mulheres de 50+ anos
Considerando apenas o impacto das variáveis sociodemográficas e de saúde na utilização da Internet (Quadro 2, modelo 1)2, conclui-se, à semelhança de outros estudos, que quanto maior a escolaridade maior a propensão para a utilização da Internet, enfatizando, assim, a importância da educação no acesso à Internet em idades mais avançadas (Carpenter e Buday, 2007; Friemel, 2014; Gilleard e Higgs, 2008; König et al., 2018; Neves et al., 2013; Peacock e Künemund, 2007; Selwyn et al., 2003; Silva et al., 2017; Yu et al., 2016). Idênticos resultados foram encontrados em pesquisas sobre populações-alvo pertencentes a outros grupos etários, em Portugal (De Almeida Alves, 2008).
Em Portugal, a baixa escolaridade tem contribuído para que a falta de competências digitais seja considerada, em alguns estudos, um dos principais motivos da reduzida utilização da Internet por indivíduos de idades mais avançadas (Martinez-Pecino et al., 2013), sendo mesmo reconhecida no Acordo de Parceria proposto por Portugal à Comissão Europeia (conhecido por Portugal 2020), como o principal entrave da adesão dos mais velhos à Internet.
Na esfera da saúde, a existência de sintomas depressivos não está associada à utilização da Internet mas as limitações físicas (por exemplo, ao nível da mobilidade e motricidade fina) constituem um obstáculo à sua utilização, tanto para os homens, como para as mulheres (Carpenter e Buday, 2007; König et al., 2018; Lissitsa e Chachashvili-bolotin, 2015). Este resultado põe em evidência a importância e a necessidade de desenvolvimento de tenologias com designs inovadores que as tornem acessíveis aos que possuem uma ou mais limitações físicas (Carpenter e Buday, 2007).
Os homens que participam em pelo menos uma das atividades sociais, mencionadas anteriormente, tais como trabalho voluntário, frequência de um curso de formação, etc. apresentam três vezes mais chances de utilizar a tecnologia (OR = 3,146; 95% IC 1,253 - 7,898) do que aqueles que não o fazem. Já no caso das mulheres, a participação neste tipo de atividades não está associada à utilização da tecnologia. Os padrões de socialização de cada um dos géneros e o papel atribuído aos homens na sociedade (Hess, 1979, 1982) poderão explicar que, em idades mais avançadas, estes estejam mais propensos do que as mulheres a participar em atividades sociais (Arpino e Bordone, 2017; Bukov et al., 2002; Mascherini et al., 2011), recebendo motivação para a utilização de tecnologia.
O uso de um computador na atividade profissional figura também como uma importante determinante da utilização da Internet. Os homens que usam ou usaram um computador no exercício da sua profissão apresentam uma probabilidade 5 vezes maior de utilizar a Internet (OR = 5,302; 95% IC 2,74 - 10,26). As mulheres seguem a mesma tendência, com sete vezes mais chances de utilizar Internet quando fizeram uso da tecnologia na atividade profissional (OR = 7,689; 95% IC 3,572 - 16,551). Este resultado sublinha a importância deste contexto na adoção e aprendizagem das novas tecnologias (Dias, 2012; König et al., 2018).
Com a inclusão no modelo de algumas características da estrutura e dinâmica familiares (Quadro 2, modelo 2)3, a relação entre os fatores sociodemográficos, económicos e de saúde e a utilização da Internet mantém-se idêntica enquanto algumas das caraterísticas da família se revelam importantes para o uso desta tecnologia, mas apenas no género feminino. Com efeito, a corresidência com o cônjuge ou companheiro(a) demonstrou constituir um entrave à utilização da Internet pelas mulheres, com aquelas que vivem em casal a apresentarem menos 61,1% de probabilidades de utilizar a Internet do que as que se encontram noutra situação conjugal (OR = ,389; 95% IC: ,173 - ,874). Este resultado poderá estar relacionado com o facto, também evidenciado noutros estudos (Peacock e Künemund, 2007), de que os homens tendem a desincentivar as suas esposas/companheiras a adquirirem equipamento informático (Luijkx et al., 2015). Além disso, estes estudos sublinham o papel da mulher na família e o facto de as desigualdades de género tenderem a prevalecer em idades avançadas (Hank e Hendrik, 2007; Perista, 2016; Szinovacz, 2000; Wall et al., 2010; Wall e Aboim, 2015), colocando as mulheres numa situação desfavorável (Wall e Aboim, 2015).
Os laços intergeracionais, nomeadamente com os filhos, também influenciam a utilização da tecnologia pelas mulheres de 50 e mais anos. Mais concretamente, quanto maior o número de filhos, maior a probabilidade de as mulheres utilizarem a Internet (OR = 1,482; 95% IC; 1,113 - 1,973). Também a frequência de contacto com os descendentes está positivamente associada à utilização da tecnologia no género feminino (OR = 1,584; 95% IC; 1,007 - 2,491). Finalmente, quanto maior a distância geográfica entre as suas residências e as residências dos filhos, maior a probabilidade de as mulheres utilizarem a Internet (OR = 1,241; 95% IC; 1,019 - 1,512).
Embora o projeto SHARE não permita analisar em profundidade o papel dos filhos nesta matéria, os resultados obtidos apontam para o facto de as interações estabelecidas com estes constituírem um fator importante e positivo para a utilização da tecnologia, sublinhando resultados de estudos anteriores que identificam a manutenção e promoção das relações sociais com os filhos como um estímulo à utilização da tecnologia pelas mulheres (Casado-Muñoz et al., 2015). Os resultados desta pesquisa reforçam ainda a importância potencial da Internet como meio de comunicação entre os indivíduos, permitindo estabelecer e reforçar os seus laços (Chopik, 2016; Heo et al., 2015; Russell et al., 2008), sobretudo em contextos em que os indivíduos se encontram distantes geograficamente (Antonucci et al., 2017). Muito embora a Internet não elimine completamente os efeitos da distância geográfica que separa os indivíduos, possibilita a construção de campos sociais partilhados (Wilding, 2006), criando maiores oportunidades de demonstração de sentimentos e de preocupações com a família (Heo et al., 2015).
As diferenças de género encontradas neste trabalho, no que diz respeito à influência dos filhos e características desta relação na utilização da Internet, podem estar relacionadas com o facto de, em idades avançadas, as redes sociais das mulheres serem de maior dimensão (Cornwell, 2011; Hampton et al., 2009; Schwartz e Litwin, 2018) e integrarem mais familiares (Hampton et al., 2009; McPherson et al., 2006), especialmente filhos.
Os resultados apontam também para a hipótese de os filhos desempenharem o papel de “warm experts”, sobretudo com as mães. Esta hipótese tem ainda em conta o facto de as mulheres, mais do que os homens, tenderem a fomentar a interdependência entre os vários membros da família (Aboim, 2007). A utilização da Internet pelas mulheres parece ser, assim, mais dependente do papel dos “warm experts” do que a sua utilização pelos homens.
Os resultados anteriores corroboram as conclusões de outras pesquisas segundo as quais, em idades mais avançadas, as mulheres mencionam, mais do que os homens, fatores familiares como motivações para as alterações na utilização da Internet (Chiu e Liu, 2017). Reforçam, ainda, as evidências dos estudos da Sociologia da família que identificam a existência, em Portugal, de uma estrutura familiar muito pautada pela associação da mulher ao seu papel de mãe (Aboim, 2007).
Finalmente, sublinhe-se que, de acordo com os resultados deste estudo, a idade não explica a probabilidade de homens e mulheres utilizarem a Internet, contrariamente ao que acontece noutras pesquisas (Gilleard e Higgs, 2008; König et al., 2018; Morrell et al., 2000). Também a perceção financeira negativa, que a literatura relaciona, geralmente, com menor probabilidade de utilização da tecnologia (Carpenter e Buday, 2007; Choi e Dinitto, 2013; Friemel, 2014; Gilleard e Higgs, 2008; König et al., 2018; Silva et al., 2017) não constituiu uma determinante da utilização da mesma, quando se controlam as caraterísticas socioeconómicas, familiares e de saúde dos indivíduos.
Considerações finais
Este estudo concorre para a discussão sobre o papel dos cônjuges e dos filhos na utilização da Internet pelos mais velhos, concluindo que a família afeta de forma diferenciada a utilização da Internet por homens e mulheres de 50 e mais anos, em Portugal. Evidencia a importância dos papéis sociais de género e da familiarização precoce com a tecnologia durante o exercício da atividade profissional para a utilização da Internet em idades avançadas.
Esta pesquisa apresenta, no entanto, algumas limitações. A principal prende-se com a escassez de informação existente no projeto SHARE sobre a utilização da Internet. Com efeito, o projeto compreende apenas uma pergunta sobre a utilização versus não-utilização da Internet, o que impossibilita que se discriminem os diferentes usos desta tecnologia (König et al., 2018). Também a escassez de variáveis relativas à estrutura e dinâmica familiares impede uma análise mais aprofundada do papel da família na utilização da Internet pelos portugueses de 50+ anos. Recomenda-se, assim, a inclusão de novas questões sobre a utilização da tecnologia e a recolha de informação adicional sobre a família em projetos futuros.
Apesar destas limitações, este estudo permite apresentar também recomendações para as políticas públicas. A primeira prende-se com a necessidade de integrarem uma perspetiva de género, tendo em conta as iniquidades das mulheres face à tecnologia. A segunda recomendação aponta para a importância das medidas políticas adotarem uma perspetiva de percurso de vida, fomentando a aprendizagem ao longo da vida, de modo a evitar a marginalização digital em idades avançadas e a capacitar os indivíduos mais velhos para uma utilização adequada da tecnologia.