Na introdução do seu livro, João Fábio Bertonha conta-nos como, ainda bastante jovem, foi tomado pela curiosidade de saber quem era Plínio Salgado depois de ter encontrado uma pichação numa parede da cidade de Itatiba que glorificava aquele que o autor ainda não sabia ter sido o líder do Integralismo brasileiro. Com uma ironia que não escapa a Bertonha, várias décadas depois, é ainda à mesma pergunta que o historiador tenta responder no livro Plínio Salgado: Fascismo e Autoritarismo no Brasil do Século XX: quem foi, afinal, Plínio Salgado? O resultado desta demanda, que para o autor representou um trabalho de vários anos de investigação, é uma obra que encerra bastante interesse não só para o público brasileiro, mas também para o leitor português que queira compreender melhor o universo dos autoritarismos do período entre guerras e dos que se lhe seguiram.
Ao longo de cerca de 400 páginas, Bertonha relata-nos por ordem cronológica os principais acontecimentos e fases da vida de Plínio Salgado, sem nunca negligenciar a importância do contexto nacional e internacional em que o líder integralista se movia. Como é referido pelo autor, o que mais lhe interessa é a “relação entre o homem e o político Plínio Salgado e o mundo em que ele viveu e como essa interação afetou esse mundo” (Bertonha, 2020, p. 29). Dividido em quatro partes, o livro começa por nos apresentar na primeira delas, que se intitula “O Intelectual e o Político (1895-1932)”, um Plínio Salgado de origens relativamente modestas, mas com pretensões de ascensão social e a ambição de se tornar um destacado intelectual e escritor. É-nos também relatado o início da sua atividade política no Partido Republicano Paulista e, posteriormente, na Legião Revolucionária de São Paulo e na Sociedade de Estudos Políticos. Aquando da fundação desta última, Salgado era já um político em busca de uma solução radical para o Brasil e havia já tido um encontro com Benito Mussolini durante uma viagem ao continente europeu, em 1930.
Contudo, é na segunda parte desta obra, intitulada “O ponto fulcral de uma vida: o Integralismo (1932-1938)”, que encontramos as páginas de maior interesse para o leitor, uma vez que são dedicadas ao período da vida de Salgado que lhe granjeou a fama e que o próprio mais tarde passou a ver como o ponto alto da sua existência, isto é, o período em que liderou a Ação Integralista Brasileira (AIB). Ao invés de se preocupar com a descrição dos eventos políticos relacionados com o Integralismo, Bertonha pretende antes analisar a personalidade do seu líder e a forma como ela determinou o destino deste movimento antidemocrático. Assim, é-nos dito que a visão ideológica de Salgado foi sempre dominante no Integralismo, tendo as outras correntes de se adaptar a ela. O pensamento pliniano, que se centrava na necessidade de realizar uma revolução espiritual e anti-materialista no Brasil, servia, pois, para dar unidade e coesão a um movimento relativamente heterogéneo e com diversas fações (como as de Barroso e Reale), dessa forma impedindo que ele se tornasse num mero aglomerado de correntes contrastantes. O último capítulo desta segunda parte, relata-nos as relações de Salgado com Getúlio Vargas, líder do Estado Novo Brasileiro, com o qual o chefe integralista, depois de um aparente entendimento inicial, acabou por entrar em disputa declarada. Foi o desfecho infeliz desta contenda que levou Plínio Salgado à prisão e, mais tarde, ao exílio em Portugal.
As últimas duas partes intitulam-se “Um político em busca de uma nova oportunidade de poder” e “O colaborador da Ditadura Militar, a morte e a sobrevivência simbólica (1963-1975)”. A primeira delas mostra-nos um Plínio Salgado em busca de uma nova identidade política e que nos inícios dos anos 40, ainda no exílio, aparentemente abandonou os aspetos mais radicais da sua ideologia e a reconfigurou de maneira a apresentar-se como um líder católico, conservador, mais próximo do salazarismo português do que da Itália fascista, mas capaz de aceitar a democracia. Foi como político conservador que Salgado regressou ao Brasil e fundou o Partido de Representação Popular, nunca abandonando o objetivo de alcançar o poder. Bertonha, contudo, aborda com algum ceticismo a transformação ideológica de Salgado, assumindo que ela pudesse ter sido mais motivada pela necessidade de adaptação aos novos tempos do que por uma genuína convicção. Por fim, a quarta e última parte do livro descreve os esforços em vão realizados por Plínio Salgado com o objetivo de consolidar o seu poder e influência durante a Ditadura Militar, e termina relatando os seus dias finais, antes da sua morte, a 8 de dezembro de 1975.
Feito o resumo do livro de João Fábio Bertonha, importa referir que, como o autor reconhece, o número de obras sobre o Integralismo e Plínio Salgado tem aumentando nos últimos anos. Contudo, tal não retira o interesse e a importância desta obra, uma vez que Bertonha revela ter um conhecimento aprofundado do seu biografado e da época em que ele viveu. Assim, o livro faz uso de um grande número de fontes primárias bem como de uma extensa bibliografia secundária, com a qual o autor constantemente dialoga e da qual se serve para enriquecer as suas reflexões. Entre os pontos mais fortes do livro, é pertinente destacar dois, o primeiro dos quais remete para o entendimento daquilo que, para o autor, é uma biografia histórica, isto é, uma biografia que seja capaz de “examinar questões maiores através da vida do biografado” e que seja capaz de “mostrar a significação histórica de uma trajetória de vida” (p. 30).
Longe de escrever um livro que se esgote em informação anedótica sem valor histórico ou no qual o seu biografado surja como uma figura distanciada da época em que viveu, Bertonha estuda a vida política de Salgado no âmbito das direitas brasileiras e procura entender estas últimas através de uma análise da primeira. O líder integralista surge perante o leitor como um indivíduo inserido nas lutas políticas e ideológicas do seu tempo e que interagia com o contexto em que se movia, sendo por este influenciado, mas contribuindo também para o alterar. Em suma, o Plínio Salgado que aparece nestas páginas é “um homem que influenciava o mundo a seu redor, mas era limitado por este em suas escolhas” (p. 132). Esta abordagem tem também a vantagem de impedir que o autor caia numa versão idealizada da vida de Salgado e permiti--lhe, por exemplo, analisar criticamente as interpretações que tendem a percecioná-lo como um indivíduo que esteve desde sempre talhado para liderar o Integralismo. O Plínio Salgado do livro de Bertonha é, portanto, um político que evolui e passa por diferentes fases consoante o ambiente histórico que o rodeia e as possibilidades que este lhe oferece.
O segundo ponto forte a destacar é a utilidade que o livro poderá ter para aqueles que procuram estudar o fascismo e o autoritarismo através de uma abordagem comparativa ou transnacional, uma vez que o autor carateriza a AIB como uma organização que, no que toca à sua identidade, se inseria no universo mais alargado dos fascismos e parece estar de acordo com a tese de Hélgio Trindade (2001), segundo a qual os elementos ideológicos da AIB resultaram de um misto de influências estrangeiras com uma base de sustento nacional. De igual modo, Bertonha não se esquece de mencionar a identificação por parte dos integralistas com movimentos estrangeiros semelhantes, bem como as influências, a manifestações de solidariedade e as trocas intelectuais que tiveram lugar entre o seu líder e figuras de relevo de fora do Brasil. O Plínio Salgado que surge nestas páginas é também, como se vê, um político que nunca está desligado do contexto internacional da sua época e que não pode deixar de ser por ele influenciado. Contudo, e ainda que tal não seja suficiente para retirar ou diminuir o interesse e importância do livro, este poderia tornar-se ainda mais pertinente se o conceito de “direita radical” introduzido pelo autor nas primeiras páginas fosse complementado com a referência explícita a tipologias mais complexas, das quais a mais conhecida é a de Stanley Payne (1995), que distingue entre o autoritarismo conservador, a direita radical e o fascismo propriamente dito. A referência a esta tipologia por certo possibilitaria uma reflexão mais aprofundada sobre aquilo em que consiste a direita e o fascismo e de que forma o Integralismo e Plínio Salgado neles se inserem. Contudo, a ausência desta referência não prejudica a qualidade da obra pois o autor consegue enquadrar o percurso de Plínio Salgado num cenário nacional e internacional em que as várias direitas simultaneamente se combatiam e influenciavam entre si, ao mesmo tempo que alguns padrões de interação se repetiam em diferentes países.
As observações aqui feitas destinam--se a esclarecer em que medida esta é uma obra de leitura relevante para um público português interessado em saber mais sobre os autoritarismos do entre guerras. Assim, conclui-se que, em conjunto com o livro de Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto (2020) sobre a história do Integralismo brasileiro, esta biografia pode ser lida com bastante proveito por quem pretender aprofundar o seu conhecimento sobre o fascismo brasileiro e alguns capítulos podem mesmo ser o ponto de partida para futuros estudos que insiram o caso brasileiro numa abordagem transnacional da difusão de ideias autoritárias no período entre guerras.