Introdução
Os desafios que as organizações enfrentam com a concorrência à escala global e a intensificação das inovações tecnológicas contribuem para alterar as modalidades de prestar trabalho, as relações laborais, e sujeitar os trabalhadores muitas vezes a cenários de grande pressão e instabilidade (Molino, Cortese e Ghislieri, 2019). Com efeito, a par do avanço tecnológico, as pessoas trabalham cada vez mais fora do local e horário laboral, aumentando assim os incentivos e oportunidades para investir profissionalmente (Ng, Sorensen e Feldman, 2007), e estar disponíveis vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana (Lichtenstein et al., 2019).
Neste contexto, o workaholism tem sido definido como a preocupação incontrolável e constante com o trabalho, que implica direcionar quotidianamente grande parte da energia e do esforço para o mesmo, descurando assim outras áreas como a vida familiar, a saúde e o lazer. É apelidado de vício comum dos tempos modernos, incluindo nos países da Europa Ocidental, onde se verifica um desenvolvimento exponencial das novas tecnologias e disponibilização da Internet, o que permite às pessoas manterem-se ininterruptamente conectadas ao trabalho (Molino, Cortese e Ghislieri, 2019).
A análise do workaholism em contextos profissionais e organizacionais específicos assume particular relevância analítica, pois só assim se podem entender os processos multidimensionais que o caraterizam e o perfil dos atores e os fatores que contam nesses processos. A advocacia ao situar-se num ambiente fortemente competitivo (Thornton, 2016) favorece a emergência e o desenvolvimento de workaholism (Collier, 2014). Este artigo incide precisamente sobre o exercício profissional da advocacia, procurando medir o workaholism através do Work Addiction Risk Test (WART) - uma ferramenta de autoavaliação sobre dimensões relativas a tendências compulsivas, falta de controlo, comunicação prejudicada e autoabsorção, incapacidade de delegar e autoestima (Ravoux et al., 2018) - junto de uma amostra por conveniência de advogados com prática societária, e discutir como estas manifestações de workaholism autorreportado se relacionam com variáveis demográficas e profissionais.
O artigo inicia-se com um enquadramento teórico sobre o workaholism e sua relação com o exercício profissional da advocacia. Após a caraterização da metodologia operacionalizada na pesquisa empírica, segue-se a apresentação e análise dos resultados à luz da literatura científica. Por fim, as considerações finais dão conta das principais linhas conclusivas e de pistas de investigação futura.
Enquadramento teórico
Workaholism: conceito, características
Várias concetualizações acerca do fenómeno do workaholism têm vindo a ser desenvolvidas na literatura científica ao longo do tempo. Oates (1971) é reconhecido como o autor que cunhou o termo workaholism, para se referir a um tipo de comportamento que ele pessoalmente observou em si próprio, algo semelhante ao comportamento do alcoolismo, dado o carácter compulsivo e a ausência de controlo, semelhante a outros vícios (Lichtenstein et al., 2019; Luque, 2017; Moreno Jiménez et al., 2005; Rego et al., 2015).
Robinson (1998) sugeriu que o workaholism constitui um transtorno obsessivo-compulsivo, caracterizado pela preocupação excessiva pelo trabalho, em detrimento de outras áreas da vida (componente comportamental), resultado da incapacidade de regular e controlar os seus próprios hábitos (componente cognitiva).
A pesquisa realizada por McMillan et al. (2002) demonstrou que existe uma correlação fraca entre as horas trabalhadas e o workaholism, pelo que o critério das horas trabalhadas não é suficiente para definir o workaholic, mas sim o fundamento associado ao comportamento que se traduz no trabalho excessivo (Aziz e Moyer, 2018; Ng, Sorensen e Feldman, 2007).
Ng, Sorensen e Feldman (2007) defendem que a definição do workaholism integra três dimensões: a comportamental (os workaholics dedicam muitas horas ao trabalho, e tal implica a desafetação de outras dimensões da vida); a cognitiva (os workaholics pensam constantemente no trabalho, mesmo quando não estão a trabalhar); e a afetiva (os workaholics apreciam o ato de trabalhar e a dedicação de longas horas ao trabalho, em detrimento do tempo dedicado à vida pessoal, sentindo culpa e ansiedade quando não estão a trabalhar).
Schaufeli, Taris e Bakker (2008) definem os workaholics como indivíduos que trabalham com muito mais esforço do que é pedido e esperado, olvidando completamente outros deveres e papéis da vida. Neste sentido, Schaufeli et al. (2009) concetualizam o workaholism tendo por base duas dimensões: a tendência para trabalhar excessivamente e a tendência para trabalhar compulsivamente. Trabalhar excessivamente representa a dimensão comportamental, pois os workaholics tendem a dedicar uma quantidade excessiva de tempo e energia à sua atividade profissional, trabalhando além do que é exigível. Trabalhar compulsivamente, por sua vez, representa a dimensão cognitiva e indica que os workaholics estão obcecados com o trabalho e pensam constantemente no seu trabalho, mesmo quando não estão a trabalhar.
A dedicação excessiva ao trabalho pode determinar a aproximação ao conceito de envolvimento no trabalho. Com efeito, a maioria dos autores considera que o workaholism retrata um tipo de comportamento de trabalho hostil, enquanto o comprometimento no trabalho ilustra o comportamento dos indivíduos com hábitos de trabalho saudáveis (Aziz e Moyer, 2018). A distinção entre os dois conceitos não é fácil, pois a fronteira entre ambos revela-se ténue e podem existir pontos em comum, na medida em que tanto os trabalhadores compulsivos como os comprometidos trabalham durante longas horas. A principal diferença reside na razão justificativa do comportamento excessivo, porquanto os trabalhadores comprometidos trabalham muito porque gostam do trabalho e são completamente apaixonados por isso; já os trabalhadores workaholics podem encarar o trabalho como algo que precisa de ser feito, independentemente de gerar ou não satisfação (Caesens, Stinglhamber e Luypaert, 2014; Schaufeli, Taris e Bakker, 2008).
Face à diversidade de concetualizações em torno do workaholism, importa reter que o conteúdo do conceito remete para o ato de trabalhar além do que é exigível (para lá de necessidades organizacionais ou económicas básicas), associado ao pensamento constante no trabalho, em detrimento de outras esferas da vida.
Workaholism: preditores, consequências
A literatura científica examina questões relacionadas com variáveis demográficas, traços disposicionais, e fatores organizacionais (trabalho, ambiente laboral) suscetíveis de promover o desenvolvimento do workaholism (Liang e Chu, 2009; Ng, Sorensen e Feldman, 2007).
No que respeita à relação entre workaholism e variáveis demográficas, Snir e Harpaz (2006) consideram que os homens possuem maior propensão para se tornarem workaholics relativamente às mulheres. Em sentido contrário, Clark et al. (2016) referem que as variáveis demográficas não apresentam relações significativas com o workaholism, asseverando que os homens não revelam maior propensão para se tornar workaholics do que as mulheres.
Muslim et al. (2016) concluíram que quanto mais elevado for o nível de escolaridade, maior será a probabilidade de o sujeito desenvolver workaholism.
Um estudo desenvolvido por Pinheiro e Carlotto (2018) revela que, quanto mais elevada é a idade do trabalhador, menor é o trabalho compulsivo. Segundo os autores, estes resultados podem dever-se ao facto de os trabalhadores mais jovens tenderem a investir fortemente no início da carreira e à medida que consolidam o seu percurso profissional passarem a trabalhar de uma forma mais equilibrada e a prestar mais atenção a outras dimensões da vida.
Os traços disposicionais ocupam um papel de destaque, já que a presença acentuada de alguns deles pode aumentar a predisposição para o workaholism (Ng, Sorensen e Feldman, 2007). A literatura destaca a autoestima, definida como o grau em que um membro da organização acredita ser eficiente e importante (Pierce et al. 1989). Ng, Sorensen e Feldman (2007) aludem que a autoestima se encontra negativamente relacionada com o workaholism. Van Beek et al. (2012), por sua vez, referem que um workaholic pode ser estimulado a enfatizar o papel do trabalho, de modo a atenuar os sentimentos negativos associados a outras dimensões da sua vida (baixa autoestima).
Entre os traços disposicionais mais estudados surge a personalidade. A motivação para trabalhar excessivamente pode resultar de fatores internos relacionados, nomeadamente, com a personalidade obsessivo-compulsiva e o perfecionismo. Tais traços de personalidade e a necessidade de realização contribuem para incrementar a predisposição dos indivíduos se tornarem mais dependentes do trabalho e desenvolverem workaholism (Ng, Sorensen e Feldman, 2007).
Para Spence e Robbins (1992) o perfecionismo está diretamente relacionado com o envolvimento no trabalho, pelo que funciona como um elemento compulsivo do workaholism. Aziz e Moyer (2018) demonstraram que a incapacidade de um workaholic delegar tarefas a outros colegas pode ser vista como uma sintomatologia do perfecionismo, explicada pelo facto dos workaholics acreditarem que os outros indivíduos não conseguem atingir os seus patamares de qualidade.
A absorção que caracteriza a sensação de que o tempo passa a correr e se traduz na dificuldade do indivíduo se desligar do trabalho é referida na literatura como um forte preditor de workaholism (Schaufeli, Bakker e Salanova, 2006). Com efeito, Pinheiro e Carlotto (2018) referem que quanto mais elevados são os níveis de absorção, maior será o trabalho excessivo. Resultados semelhantes foram encontrados por Schaufeli, Taris e van Rhenen (2008), que apontam para uma associação positiva entre a absorção e o workaholism, sugerindo que o facto de o sujeito estar imerso e absorvido nas suas atividades profissionais é capaz de predizer o vício no trabalho.
É igualmente pertinente sinalizar um leque de fatores organizacionais que reportam ao próprio trabalho e ambiente laboral passíveis de alavancarem as tendências de workaholism, nomeadamente: o comprometimento e as metas de carreira, a insegurança na carreira e a perceção de apoio organizacional (Spurk, Hirschi e Kauffeld, 2016). O facto de os workaholics tenderem a estar altamente comprometidos com a carreira pode explicar o comportamento compulsivo (Aziz e Moyer, 2018).
De acordo com Spurk, Hirschi e Kauffeld (2016), o workaholism está positivamente correlacionado com a insegurança da carreira, isto é, com a perceção do indivíduo sobre a forma como a sua carreira se desenvolverá. Os indivíduos que apresentam elevados níveis de insegurança acreditam que não conseguirão atingir os seus objetivos profissionais (Aziz e Moyer, 2018).
A perceção de um clima competitivo no trabalho despoleta o desejo de superar os colegas e este clima encontra-se positivamente relacionado com o workaholism (Keller et al., 2016). Esta relação revela-se mais forte quando o workaholism surge associado a condições de alta orientação e vocação para o trabalho. As organizações que apoiam um clima de trabalho no qual os trabalhadores são incentivados a trabalhar excessivamente, podem assim contribuir para o desenvolvimento de workaholism (Schaufeli, 2016).
O trabalho excessivo também se encontra positivamente relacionado com o workaholism, pois quanto maior for a carga de trabalho e/ou o seu grau de exigência, em termos emocionais, maior é a probabilidade de o sujeito desenvolver tendências workaholic (Molino, Bakker e Ghislieri, 2016).
O reforço em sede organizacional pode ser um forte influenciador dos comportamentos de vício no trabalho, pois quando os funcionários percebem que o workaholism é recompensado (e. g., aumento salarial, promoções), manifestam tendência para aumentar ainda mais esses comportamentos, de modo a manterem as recompensas. O mesmo sucede quando os trabalhadores acreditam que as recompensas decorrem da sua contribuição para a organização (e. g., horas-extra), e trabalham excessivamente porque sentem que este comportamento é recompensado (Porter e Kakabadse, 2006; Ng, Sorensen e Feldman, 2007).
A literatura científica sobre o workaholism discute as consequências que este tipo de comportamento desencadeia nos diversos contextos, tanto no organizacional como no individual e no familiar dos trabalhadores (Van Beek et al., 2014).
Diversos autores debruçam-se sobre o estudo da relação entre o workaholism e os resultados organizacionais, e, não obstante, o facto de que pareça que o trabalho durante longas horas acarrete resultados favoráveis, são diversas as consequências desfavoráveis à saúde e ao bem-estar de um indivíduo, com custos para as organizações (Aziz e Moyer, 2018).
Os workaholics não apresentam um desempenho superior ao de outros trabalhadores que laboram menos horas (Van Beek et al., 2014). A energia canalizada não parece produzir efeitos positivos na performance do trabalhador, pois o workaholism está negativamente associado ao desempenho no trabalho e positivamente associado com a intenção de parar. A tendência para trabalhar compulsivamente tende a colocar em causa a qualidade do próprio trabalho.
É pertinente destacar uma outra perspetiva que encara o workaholism como um fenómeno com atributos positivos e negativos (Grebot, 2013). Neste sentido, Baruch (2011) considera que os funcionários viciados no trabalho são produtivos, têm menor intenção de rotatividade e, num ambiente competitivo, podem servir como exemplo para os outros. Deste modo, alude à metáfora do chocoholismo para evidenciar que quando um vício não é percebido como negativo, à semelhança de outras adições, pode gerar resultados produtivos, não só para os indivíduos como para o próprio ambiente organi- zacional.
Ng, Sorensen e Feldman (2007) advogam que para verificar se o workaholism é positivo ou negativo, para os indivíduos e as organizações, é necessário distinguir as consequências a curto prazo e a longo prazo. Se, por um lado, os workaholics podem ser trabalhadores felizes, cheios de energia e entusiasmo, dedicando mais horas ao trabalho do que os outros, traduzindo um desempenho superior a curto prazo; por outro lado, verifica-se a propensão para o desenvolvimento de patologias associadas a saúde mental e física mais frágil e a parcas relações sociais, que geram uma diminuição acentuada no desempenho a longo prazo, não só em termos de quantidade como em termos de qualidade.
A dedicação ao trabalho por longas horas e o pensamento frequente no trabalho, mesmo quando não se está a trabalhar, colocam em causa o equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada, pois não existe uma distribuição uniforme do tempo e energia entre os vários domínios da vida. Choi (2013) advogam que este comportamento compulsivo origina relações sociais débeis. No mesmo sentido, Clark et al. (2016) referem que a dedicação exaustiva ao trabalho e os sentimentos de culpa e ansiedade que assombram os workaholics, quando não estão a trabalhar, afetam as suas relações com a família e os amigos, fazendo com que experienciem um verdadeiro desequilíbrio entre o trabalho e outras esferas da sua vida.
Advocacia e workaholism
O exercício da atividade de advocacia portuguesa é suscetível de ser agrupado em cinco categorias (Caetano, 2003), designadamente: a advocacia tradicional; a advocacia moderna; a prestação de serviços para advogado individual ou sociedade de advogados; a prestação de serviços em empresas, organismo público, associações ou fundações de direito privado; a advocacia em regime de exclusividade por conta de outrem, no âmbito de empresas, instituições ou organismos públicos, associações ou fundações de direito privado. A segunda categoria corresponde à advocacia societária analisada no presente artigo. Trata-se de sociedades heterogéneas com equipas de advogados cujas formações académicas percorrem as várias áreas disciplinares do Direito, a fim de darem respostas às necessidades diferenciadas dos clientes. Com modelos de negócio alinhados com uma qualquer sociedade empresarial, estas sociedades de advogados contam com colaboradores assalariados que assumem tarefas diferentes e com remunerações mensais tendencialmente fixas (Chaves, 2010). Os advogados juniores e os estagiários desempenham um papel importante nestas sociedades (Cruz e Fernandes, 2016), porquanto assumem a responsabilidade pelos trabalhos preliminares de ações, que posteriormente são assumidas por advogados com perfil sénior (Chaves, 2010).
O desenvolvimento da advocacia societária, associado à influência do sistema económico capitalista, desencadeou implicações ao nível do quadro ético-deontológico da profissão (Chaves e Nunes, 2012). O exercício da advocacia pressupõe uma diversidade de obrigações, de ordem legal e moral, muitas vezes conflituantes, perante um conjunto diverso de indivíduos, grupos ou instituições, nomeadamente o próprio cliente; os tribunais e outras autoridades junto das quais o advogado representa o cliente; a Ordem dos Advogados; qualquer outro colega em particular; e o público em geral, para o qual a existência de uma profissão livre e independente representa um elemento essencial para a defesa dos direitos. As exigências de índole moral e legal associadas às obrigações, enquanto parte integrante de uma organização assente numa lógica empresarial que procura a maximização da produtividade, geram, pois, comportamentos de dedicação excessiva ao trabalho (Chaves e Nunes, 2012). Estes profissionais assumem, desde cedo, preocupação de, por um lado, ajudar os outros e, por outro lado, avançar com as suas carreiras. A preocupação associada a baixos níveis de controlo faz com que estes profissionais fiquem excessivamente empenhados, no que respeita à carga de trabalho e à profissão em si (Jones e Crowley, 1998).
A prática jurídica global altamente competitiva surge assim voltada para a maximização da produtividade que exige adesão à cultura das longas jornadas de trabalho, mais evidente nas sociedades de grande dimensão (Thornton, 2016), onde existe uma grande oferta de advogados e procura por negócios rentáveis. Com efeito, a natureza competitiva do mercado e a própria essência da profissão constituem motivos determinantes para as longas horas de trabalho (Chan, 2014), associadas a uma cultura de valores de alto desempenho. Collier (2014) destaca a cultura, a educação jurídica e a prática profissional como potenciadores de problemas nesta área e alude a várias condições ambientais na prática jurídica, tais como: workaholism, insegurança no trabalho, presenteísmo, preocupação com a carreira, alta pressão e ausência de autonomia. Também a natureza cada vez mais competitiva e empresarial do Direito, que promove o crescimento do receio de fracassar, e as próprias consequências financeiras e psicológicas causadas pela procura de uma educação de excelência, associada aos parâmetros exigidos pelo mercado de trabalho, contribuem largamente para o incremento do workaholism entre os advogados.
Tendo por base o enquadramento teórico, delinearam-se duas hipóteses de investigação. A hipótese 1 afirma que os advogados exibem elevados níveis de workaholism. Já a hipótese 2 postula que o cargo ocupado pelos advogados constitui um preditor de workaholism. Ambas as hipóteses se sintonizam com a literatura (Thornton, 2016; Chan, 2014) que problematiza as condições de trabalho exigentes destes profissionais, particularmente na advocacia societária.
Metodologia
O presente artigo tem por base um inquérito por questionário aplicado a advogados que exercem atividade profissional na advocacia societária. Recorreu a um tipo de amostragem não aleatória combinada, conjugando as técnicas de amostragem por conveniência e em “bola de neve”. O ponto de contacto inicial consistiu numa sociedade de advogados, onde uma das investigadoras havia trabalhado. Posteriormente, acionou-se uma rede de contatos profissionais e amicais, que simultaneamente direcionaram a versão online do inquérito por questionário às suas próprias cadeias de referências. Para minimizar as limitações associadas a estes procedimentos relativos à constituição da amostra, desde logo o facto de os indivíduos abordados indicarem contactos que lhe são próximos e tal condicionar a diversidade das narrativas (Handcock e Gile, 2011), o inquérito por questionário foi enviado simultaneamente a diversas redes sociais relacionadas com o perfil pretendido. Apesar deste tipo de amostragem não permitir determinar a probabilidade de seleção de cada inquirido na pesquisa, revela-se de extrema utilidade para investigar os advogados, um grupo profissional de difícil acesso, tanto mais por se eleger um tema sensível e ainda pouco explorado no contexto português. Efetivamente, revelou-se difícil conseguir a adesão e colaboração destes profissionais para participarem na pesquisa sobre o workaholism, um objeto de estudo que levanta questões problemáticas por se tratar de um domínio da esfera privada, e que, deste modo, justifica a reduzida dimensão da amostra inquirida.
A parte inicial do inquérito por questionário integrou a identificação do tema e os objetivos do estudo. Primeiramente, colocaram-se questões de cariz demográfico e profissional relativas a sexo, idade, estado civil, número de filhos, habilitações académicas, anos de trabalho e cargo ocupado na sociedade de advogados, média de horas de trabalho semanal e horário de trabalho.
Num segundo momento, o inquérito por questionário procurou medir o workaholism através do Work Addiction Risk Test (WART), uma ferramenta de autoavaliação (Ravoux et al., 2018) e de considerável usabilidade (Andreassen, 2014). Trata-se de um instrumento de medida do workaholism com um questionário de autopreenchimento com 25 afirmações, cujas respostas podem ser dadas numa escala que varia entre 1 (nunca verdade) a 4 (sempre verdade), de acordo com os hábitos de trabalho dos respondentes. A pontuação total corresponde à soma das respostas às afirmações, sendo que quanto mais elevado o resultado, maior é a probabilidade de o indivíduo ser workaholic. Considerando as 25 afirmações, os indivíduos com resultados entre 25 e 56 pontos apresentam baixo risco de vício no trabalho; entre 57 e 66 pontos evidenciam risco médio e entre 67 e 100 pontos exibem um risco elevado.
O WART avalia cinco dimensões distintas: (i) tendências compulsivas (9 afirmações: 3, 5, 6, 7, 8, 15, 18, 19, 20); (ii) falta de controlo (7 afirmações: 2, 4, 11, 12, 16, 17, 22); (iii) comunicação prejudicada e autoabsorção (5 afirmações: 13, 21, 23, 24, 25); (iv) incapacidade de delegar (1 afirmação: 1); (v) e autoestima (2 afirmações: 9 e 10; Ravoux et al., 2018). As tendências compulsivas caraterizam-se pela necessidade do indivíduo se apressar durante a realização do seu trabalho, apresentar sentimentos de culpa quando não está a trabalhar, trabalhar por longas horas, ter dificuldade em relaxar e falta de tempo para socializar. A falta de controlo está associada aos traços perfecionistas e à necessidade de ser exigente e rigoroso no trabalho executado. A comunicação prejudicada e autoabsorção relacionam-se com a falta de atenção relativamente ao que os outros têm a dizer e à falta de interesse nas relações com os outros. A incapacidade de delegar articula-se com a ausência de confiança no trabalho dos outros. A autoestima está ligada aos sentimentos de culpa quando não se está a trabalhar (Patel et al., 2012). Estas dimensões apresentadas permitem diagnosticar a dependência do trabalho e podem ser facilmente implementadas na prática (Ravoux et al., 2018; Urbán et al., 2019).
Os dados recolhidos através da aplicação do inquérito por questionário foram tratados mediante o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS; versão 24). Analisaram-se as propriedades psicométricas do questionário utilizado, no sentido de garantir a sua validade e robustez. Caracterizou-se o nível de workaholism predominante entre os participantes no estudo, e realizaram-se análises fatoriais exploratórias e de regressão para discutir o impacto das variáveis demográficas e profissionais, bem como as dimensões de workaholism do WART.
Participaram no estudo 100 advogados, com idades compreendidas entre os 23 e os 55 anos (M = 32,97; DP = 6,88), sendo 51% do sexo masculino. No que diz respeito ao estado civil, verificou-se que 56% dos participantes são solteiros, 31% são casados, 7% vivem em união de fato e 6% são divorciados. O número de filhos distribui-se da seguinte forma: 71% não tem filhos, 24% tem 1 ou 2 filhos e 5% tem 3 filhos ou mais.
Relativamente às habilitações literárias, os participantes possuem licenciatura (n = 49) e mestrado (n = 51). Os cargos ocupados, por sua vez, distribuem-se da seguinte forma: 68 advogados associados, 16 advogados sócios, 9 advogados estagiários e 7 advogados com acumulação de cargos.
Constatou-se que o tempo de permanência na sociedade de advogados varia do seguinte modo: 34 indivíduos estão há mais de cinco anos, 30 inquiridos entre um e dois anos, 23 entre três e cinco anos e 13 há menos de um ano. No que diz respeito à carga horária, verificou-se que 59 trabalham entre oito e nove horas, 30 advogados trabalham oito ou menos horas, e 11 laboram dez ou mais horas por dia.
Para facilitar a leitura dos dados e uniformizar o tamanho dos grupos, procedeu-se à recodificação das variáveis: idade, habilitações académicas, estado civil, número de filhos, cargo ocupado, tempo na sociedade e horas de trabalho (Quadro 1).
Resultados
Esta secção apresenta os resultados obtidos com a análise dos dados sobre os advogados inquiridos que exercem advocacia societária. Discute primeiramente os elementos relativos aos níveis e às dimensões do workaholism, que resultam da análise fatorial exploratória. Segue-se a análise de regressão, que procura identificar os principais preditores do workaholism.
Workaholism: níveis, dimensões
No âmbito da análise fatorial exploratória, avaliou-se a estrutura interna das medidas mediante a matriz das correlações, com extração dos fatores pelo método das componentes principais com rotação varimax, que permitiu reduzir informação e assim facilitar a sua análise. A análise em componentes principais constitui um método multivariado de análise fatorial que permite identificar subconjuntos de variáveis muito correlacionadas entre si e pouco associadas a variáveis de outros subconjuntos. Desta forma, possibilita a partição das variáveis de input em subgrupos temáticos distintos, através da constituição de novas variáveis (Hair et al., 2010).
Para analisar se o modelo de análise fatorial utilizado era ajustado aos dados, calculou-se o indicador de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,77), que demonstrou a adequabilidade do modelo. Determinou-se ainda o teste de esfericidade de Bartlett que [χ2 (136) = 556,169, p < 0,001], que revelou a existência de correlações significativas entre as variáveis de input (Pestana e Gageiro, 2008).
A análise da matriz de componentes da escala exibiu a existência de quatro componentes que no seu conjunto explicam 57,84% da variância, um valor bastante satisfatório, pois segundo Marôco (2014a) consideram-se aceitáveis os valores iguais ou superiores a 50%. A primeira componente refere-se à autoabsorção e explica 29,31% da variância total; a segunda componente explica 12,27% da variância dos resultados e respeita às tendências compulsivas; a terceira componente apresenta uma variância explicada de 8,58% e corresponde à falta de controlo; com um peso menor, a componente autoestima, apresenta uma variância explicada de 7,68%.
Inicialmente, o instrumento era composto por 25 afirmações; todavia, após a extração dos fatores através do método de Kaiser (eigenvalues superiores a um) apenas se mantiveram 17, porquanto algumas afirmações (1, 3, 11, 14, 15, 17, 21 e 25) saturavam em mais do que um fator. A seleção das afirmações do questionário seguiu os seguintes critérios: valor da correlação item-fator igual ou superior a 0,40 (validade convergente), diferença entre correlações maior que 0,20 (validade discriminante) e cada fator ter pelo menos três afirmações associadas (Hair et al., 2010). Posteriormente, as afirmações foram reordenadas, ficando as afirmações 1, 2, 3 e 4 associadas à autoabsorção; o 5, 6, 7, 8, 9 e 10 às tendências compulsivas; o 11, 12, 13 e 14 à falta de controlo; e o 15, 16 e 17 à preocupação excessiva com o trabalho (Quadro 2).
A fiabilidade da escala determinou-se pelo método da consistência interna com recurso ao coeficiente alfa de Cronbach. Os valores obtidos pelas três subescalas oscilaram entre 0,73 e 0,82, o que revela uma adequada consistência interna (Kline, 2000).
Após a verificação das propriedades psicométricas dos instrumentos, caracterizou-se o nível de workaholism predominante entre os participantes no estudo. Na análise foram consideradas as 17 afirmações do instrumento WART (Quadro 2), e os scores totais calcularam-se mediante a soma da pontuação atribuída a cada uma dessas afirmações, sendo que quanto maiores os valores, mais elevados os níveis nessas dimensões. Criou-se ainda uma variável compósita constituída pela totalidade das afirmações e cujo valor pode estar compreendido entre os níveis baixo (não workaholic), moderado (workaholic recuperável) e elevado (workaholic grave).1 Observando a Quadro 3, verifica-se que mais de metade dos participantes (73,0%) é workaholic e 31,0% revelam um nível de workaholism elevado, o que confirma a hipótese de investigação 1 - Os advogados inquiridos apresentam elevados níveis de workaholism. Tais dados estão em sintonia com os estudos de Collier (2014), que destacam os advogados na condição de profissionais com tendência para o workaholism. Apesar desta tendência workaholic, importa sublinhar que apenas 11% dos inquiridos declaram trabalhar 10 ou mais horas diárias (Quadro 1). Não se trata assim de informação empírica contraditória, mas antes de uma tendência consistente com a literatura científica que advoga o número de horas trabalhadas como critério insuficiente para definir o perfil workaholic (McMillan et al., 2002).
Considerando agora as dimensões do workaholism sugeridas pelo instrumento WART, a Quadro 4 sistematiza os resultados obtidos junto dos advogados inquiridos. A dimensão falta de controlo corresponde à dimensão com valores médios mais elevados (M = 3,01; DP = 0,53), sugerindo, assim, que os respondentes exibem perfecionistas e experienciam a necessidade de levar a cabo um trabalho de modo exigente e rigoroso. Estes resultados alinham-se com as perspetivas de Jones e Crowley (1998), segundo as quais a constante inquietude (e. g., auxílio dos outros, carreira) associada a reduzidos níveis de controlo fazem com que estes profissionais fiquem demasiadamente onerados relativamente à carga de trabalho.
Segue-se a dimensão tendências compulsivas (M = 2,55; DP = 0,51), que, em linha com a literatura sobre a configuração do workaholism (Collier, 2014; Robinson, 1998), aponta para diversas realidades que contemplam desde a necessidade individual de apressar a execução do trabalho; o vivenciar um sentimento de culpa quando não se está a trabalhar; o protagonizar jornadas laborais longas; o manifestar dificuldade em relaxar, e ainda o sentir a ausência de tempo para socializar.
Workaholism: variáveis, preditores
A presente análise incide sobre a identificação dos preditores de workaholism. Considerámos como variável dependente o nível de workaholism (Quadro 3), que é uma variável cujo valor pode estar compreendido entre os níveis baixo (não workaholic), moderado (workaholic recuperável) e elevado (workaholic grave). Tendo em conta esta variável - que assume três possíveis valores e tem natureza ordinal - recorremos ao modelo probit ordenado (ou probit ordinal), que é adequado para avaliar o impacto relativo de cada variável preditora na variável dependente (Cameron e Trivedi, 2005).
As variáveis independentes agruparam-se em dois blocos distintos: variáveis demográficas (sexo, faixa etária, habilitações académicas, estado civil e número de filhos) e variáveis profissionais (cargo ocupado, tempo na sociedade e horas de trabalho diárias). Com base nos valores assumidos por estas variáveis (Quadro 1), foram criadas variáveis dummy que permitem a avaliação diferenciada dos impactos de cada variável.
Relativamente às variáveis demográficas, foram consideradas as seguintes variáveis dummy: sexo, que assume o valor 1 se se trata de respondente do sexo feminino e 0 caso contrário; faixa etária (31 a 40 anos) e faixa etária (> = 41 anos), que assumem o valor 1 se o respondente tiver idade, respetivamente, entre 31 a 40 anos ou maior ou igual a 41 anos, assumindo o valor 0 caso contrário (os respondentes com idade menor ou igual a 30 anos constituem a categoria base); habilitações académicas, que assume o valor 1 se o respondente tem habilitação superior a licenciatura e 0 caso contrário; estado civil (casado/união facto) e estado civil (divorciado), que assumem o valor 1 se o estado civil do respondente for, respetivamente, casado/união facto ou divorciado, assumindo o valor 0 caso contrário (ser solteiro corresponde à categoria base).
No que respeita às variáveis profissionais, examinaram-se as seguintes variáveis dummy: cargo: advogado associado; cargo: advogado sócio; cargo: advogado com acumulação de cargos, que assumem o valor 1 se o respondente ocupa o cargo de advogado associado, advogado sócio ou advogado com acumulação de cargos, respetivamente, e o valor 0 caso contrário (ser advogado estagiário constitui a categoria base); tempo na sociedade: entre 1 e 2 anos, tempo na sociedade: entre 3 e 5 anos e tempo na sociedade: mais de 5 anos, que assumem o valor 1 se o tempo na sociedade do respondente é de entre 1 e 2 anos, entre 3 e 5 anos ou mais de 5 anos, respetivamente, assumindo o valor 0 caso contrário (o tempo na sociedade inferior a 1 ano constitui a categoria base); horas: entre 8 e 9 horas e horas: maior ou igual a 10 horas, que assumem o valor 1 se o respondente trabalha diariamente entre 8 e 9 horas ou pelo menos 10 horas, assumindo o valor 0 caso contrário (horas de trabalho iguais ou inferiores a 8 horas constituem a categoria base).
O Quadro 5 apresenta os resultados da análise de regressão. O número de observações é igual a 100 e o teste de significância global mostra que a regressão é globalmente significativa aos níveis de significância usuais.
No que concerne às variáveis demográficas, os resultados evidenciam que não assumem um papel significativo no nível de workaholism, sintonizando assim com a reflexão proposta na literatura científica acerca do tema (Clark et al., 2016). A exceção é a variável relativa às habilitações académicas, com os resultados a indicar que os respondentes com habilitação superior à licenciatura evidenciam, em média, menores níveis de workaholism.
No âmbito das variáveis profissionais, os resultados da análise de regressão evidenciam que o cargo ocupado contribui para explicar o nível de workaholism. Os resultados apontam que os advogados associados, sócios ou com acumulação de cargos têm um nível de workaholism inferior ao registado pelos advogados estagiários. Importa enquadrar que os advogados estagiários ocupam uma condição singular na advocacia societária, encontrando-se pressionados por ritmos intensos de trabalho (Cruz e Fernandes, 2006), na medida em que desempenham tarefas relacionadas com trabalhos preliminares de ações que numa fase posterior do seu desenvolvimento ficam a cargo de advogados com um perfil profissionais mais sénior (Chaves, 2010). Uma vez que a amostra inquirida não evidencia uma diferenciação expressiva em termos de cargos ocupados (cf. Quadro 1), não é viável explorar robustamente a hipótese de investigação 2 - O cargo ocupado é um preditor do workaholism. Ainda assim, estes achados sugerem que o nível de workaholism nos advogados estagiários em sociedades (Thornton, 2016; Chan, 2014), pode ser contextualizável no âmbito das condições organizacionais da atividade profissional (Collier, 2014), que promovem elevada pressão e preocupação com a carreira, associadas a níveis exigentes de responsabilidade.
Relativamente ao tempo na sociedade, os resultados sugerem que os níveis de workaholism são mais elevados nos advogados cujo tempo é entre 1 e 2 anos, o que pode estar relacionado com o facto de nos primeiros anos de exercício da atividade profissional haver uma perceção de insegurança na carreira (Spurk, Hirschi e Kauffeld, 2016). Com efeito, esta perceção potencia um maior investimento na prática profissional, dada a incerteza sobre como a carreira se desenvolverá, e, aliada a uma educação jurídica de alto desempenho e exigente (Collier, 2014), favorece, pois, o tipo de comportamento workaholic.
No que concerne às horas de trabalho, existe evidência que permite concluir que um maior número de horas de trabalho aumenta os níveis de workaholism, o que está em linha com a literatura que defende a carga horária como um critério para definir o perfil workaholic (Molino, Bakker e Ghislieri 2016). Com efeito, neste contexto profissional a maior carga horária de trabalho a par do seu grau de exigência, acresce a probabilidade de os profissionais desenvolverem comportamentos de natureza workaholic.
Considerações finais
O artigo explora o workaholism na advocacia societária e as dimensões mais relevantes para a sua compreensão através dos dados recolhidos a partir de um inquérito por questionário a advogados com prática profissional societária. Baseando-se na ferramenta Work Addiction Risk Test (WART), discute as perceções dos inquiridos sobre dimensões relativas a tendências compulsivas, falta de controlo, comunicação prejudicada e autoabsorção, incapacidade de delegar e preocupação excessiva com o trabalho e sua relação com variáveis de natureza demográfica e profissional.
A pesquisa conclui que, entre os advogados inquiridos, constatam-se níveis elevados de workaholism. Fica evidente que estes advogados com prática societária expressam uma preocupação excessiva com a atividade laboral e não conseguem controlar os seus impulsos profissionais mesmo quando não se encontram a trabalhar. Esta dimensão acerca da falta de controlo relaciona-se com caraterísticas perfecionistas e um dever de desempenhar um trabalho exigente e rigoroso. Os dados sugerem que as tendências compulsivas contribuem para explicar o workaholism, abarcando um conjunto de aspetos, tais como acelerar a execução das tarefas, experienciar sentimentos de culpa quando não se trabalha, aderir a longas horas de trabalho e sentir dificuldade em encontrar momentos de relaxamento e fruição de momentos de socialização. A pesquisa empírica aponta igualmente que o cargo ocupado é um preditor do workaholism. A este respeito, os advogados associados, sócios ou com acumulação de cargos evidenciam um nível de workaholism inferior ao registado pelos advogados estagiários. Também níveis mais baixos de antiguidade na sociedade e a realização de um maior número de horas de trabalho aumentam os níveis de workaholim. Com efeito, o enquadramento competitivo e a procura de negócios rentáveis que caraterizam a advocacia societária promovem logo de entrada uma forte socialização profissional e práticas de trabalho marcadas por exigentes níveis de performatividade e cumprimento de objetivos, que intensificadas e prolongadas no tempo conduzem ao workaholism.
Uma das limitações da pesquisa empírica que sustenta este artigo prende-se com o facto de a amostra inquirida ter sido construída com recurso a um procedimento por conveniência, o que desde logo condicionou o perfil dos profissionais em termos de cargo ocupado nas sociedades, e a obtenção de um maior número de respostas ao inquérito por questionário aplicado. Apesar disso, o estudo revela-se pertinente por trazer à discussão um grupo profissional que, além de constituir um universo especialmente adequado para a análise do workaholism, tem merecido poucas abordagens científicas no contexto português A este propósito seria importante que pesquisas futuras explorassem a relação do workaholism com diferentes fatores que caraterizam o contexto organizacional da advocacia societária, como por exemplo, satisfação e motivação no trabalho, estratégia e mudança organizacional, controlo organizacional e relações de poder, entre outros.
No âmbito da aceleração dos processos de digitalização e omnipresença das tecnologias da informação e comunicação, esta investigação permite ampliar a reflexão científica sobre as mudanças atuais do mundo laboral, em particular no que respeita à intensificação dos ritmos de trabalho, estreitamente associada à reconfiguração dos tempos e espaços tradicionais de trabalho e não trabalho. Contribui igualmente para compreender o que pode significar estar ininterruptamente conectado ao trabalho, e suas consequências individuais e organizacionais. Constitui também uma oportunidade para o despertar consciente sobre fatores estruturais e organizacionais que favoreçam modalidades de organizar o trabalho propulsoras da conciliação entre vida profissional, pessoal e familiar.