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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia
versão impressa ISSN 0430-5027
Finisterra no.107 Lisboa abr. 2018
https://doi.org/10.18055/Finis11943
ARTIGO ORIGINAL
O Brasil e o Ártico
Brazil and the Arctic
Le Brésil et l’Arctique
Leo Evandro Figueiredo dos Santos1; Enoil de Souza Júnior2; Jefferson Cardia Simões3; Eduardo Ernesto Filippi4
1 Professor de Direito Internacional e Procurador-geral da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Brasil. E-mail: leoefs@gmail.com
2 Pesquisador do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. E-mail: souzajunior777@yahoo.com.br
3 Professor Titular de Geografia Polar no Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro da Academia Brasileira de Ciências, vice-presidente do SCAR (Scientific Committee on Antarctic Research), Brasil. E-mail: jefferson.simoes@ufrgs.br
4 Professor Associado Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no - Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais - DERI, Brasil. E-mail: edu_292000@yahoo.com.br
RESUMO
Este artigo apresenta a definição geográfica do Ártico e identifica o regime de gestão internacional complexo que se consolida, sobre as águas e fundos marinhos internacionais do Oceano Ártico e mares adjacentes. Este regime tem por fundamento base a aplicação da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (CNUDM). Da mesma forma, argumenta sobre preocupações, interesses e mudanças sobre a Região Ártica, o que envolve temas como: ambiente, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, exploração de recursos, especialmente pesqueiros e petróleo e gás, rotas marítimas, estratégia e segurança, considerando possíveis disputas territoriais futuras. Contudo especula principalmente sobre a possibilidade dos efeitos das mudanças climáticas sobre a região gerarem impactos sobre o espaço e o ambiente brasileiro e sul-americano. A partir desses pressupostos reflete sobre a pertinência da inserção brasileira na região, através de desenvolvimento da investigação científica associada, da adesão do Brasil ao Conselho Ártico (CA), ao International Arctic Science Committee (IASC) e ao Tratado de Svalbard e da sua atuação na Nações Unidas, principalmente perante a CNUDM e a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) e outros regimes em que são debatidas as questões pertinentes ao Ártico.
Palavras-chave: Ártico; Brasil; mudanças climáticas; fóruns internacionais, CNUDM; Conselho do Ártico.
ABSTRACT
This article presents the geographical definition of the Arctic and identifies the complex international regime that consolidates over the international seabed and waters of the Arctic Ocean and adjacent seas. This scheme is based on the United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS) implementation. Concerns, interests and changes over the Arctic region are also discussed, involving issues such as: environment, climate change, sustainable development, resource exploitation, especially fisheries and oil and gas, (new) sea routes, strategy and security, considering possible territorial disputes. But mainly speculates about the possibility of the effects of climate change on the Arctic Region generating impacts on the Brazilian and South American space and environment. Based on these assumptions, it considers the pertinence of the Brazilian insertion in the region, through the development of associated scientific research, the accession of Brazil to the Arctic Council (AC), International Arctic Science Committee (IASC) and Svalbard Treaty and its work in the United Nations, mainly to the UNCLOS and the Commission on the Limits of the Continental Shelf (CLCS) and other regimes in which issues relevant to the Arctic are discussed.
Keywords: Arctic; Brazil; climate change; international forums; UNCLOS; Arctic Council.
RÉSUMÉS
On traite ici de la définition géographique et du régime de gestion internationale des eaux et fonds marins de l’Océan Arctique et des mers adjacentes. Actuellement en cours de consolidation, ce régime résulte de la Convention des Nations Unies sur le Droit de la Mer (CNUDM). On traite aussi des divers intérêts et des modifications concernant la région arctique, tels que l’environnement, les changements climatiques, le développement durable, l’exploitation des ressources (surtout la pêche, le pétrole et le gaz), les nouvelles routes maritimes, la stratégie, la sécurité et la possibilité de futurs conflits territoriaux. On traite en particulier des conséquences que les changements climatiques affectant cette région pourront avoir sur l’ environnement brésilien et sud-américain. Ce qui amène à réfléchir sur l’opportunité de l’insertion du Brésil dans le Conseil Arctique, l’International Arctic Science Commitee et le Traité du Spitzberg et sur leur action au sein des diverses agences des Nations Unies pour développer les recherches scientifiques traitant des problèmes arctiques.
Mots clés:Arctique; Brésil; changement climatique; forums internationaux; CNUDM; Conseil Arctique.
I. INTRODUÇÃO
O Ártico geograficamente definido possui áreas sob o domínio dos Estados (árticos) e áreas sob domínio internacional (ainda não totalmente definidas) (fig. 1). Sobre as últimas, que tendem a ser mínimas e restritas partes do Oceano Ártico e mares adjacentes, vem se consolidando a aplicação de um regime internacional complexo, com fundamento base na Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (CNUDM).
Sobre o Ártico recaem preocupações, interesses e mudanças. Estas abrangem temas como: ambiente, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, exploração de recursos, especialmente pesqueiros e óleo e gás, as (novas) rotas marítimas, estratégia e segurança, considerando possíveis disputas territoriais.
Não obstante, a principal preocupação são as mudanças climáticas. No Ártico, os efeitos dessas mudanças são mais significativos e iminentes que em qualquer outra área do Planeta (Souza Junior, Simões, & Rosa, 2016), pois essa é a região que mais aqueceu, 3°C, desde 1900 (NOAA, 2017).
Os efeitos das mudanças climáticas sobre o Ártico continuarão durante o século XXI independentemente do sucesso e efetividade das decisões da COP 21 (21st annual Conference of the Parties) da Convenção Quadro sobre Mudança do Clima (Paris, 30 de novembro a 11 de dezembro de 2016), em especial a que estabelece a meta de manutenção do aumento da temperatura média global abaixo dos 2°C relativamente aos níveis pré-industriais, no século que corre.
Os impactos das mudanças climáticas no Ártico produzem efeitos locais e globais. Os primeiros são aqueles com incidência regional em relação ao ecossistemas, cultura, saúde, economia e bem-estar das pessoas. Em escala global os efeitos alcançam principalmente os seguintes aspectos: aumento do nível médio dos mares (n.m.m.), intensificação do aquecimento global e mudanças nas correntes oceânicas que, por sua vez, alteram o clima (com mudança de padrões e eventos climáticos extremos).
Reconhecendo que esses impactos já são detectados em médias latitudes (Serreze; Barry, 2011; Cohen et al., 2014; Souza Junior, 2015; Francis, Skific, 2015; Overland, Francis, Hall, Hanna, Kim, Vihma, 2015) e de que há a necessidade de se investigar os possíveis impactos em baixas latitudes, considerando, especialmente o território nacional, o presente artigo propõe uma discussão sobre a inserção e integração do Brasil nos fóruns e instituições internacionais de investigação e discussão político-jurídica sobre o Ártico.
Nesta direção, este artigo discute a ocorrência e a extensão em que os impactos das mudanças climáticas no Ártico atingem o Brasil e, por consequência, elenca justificativas e identifica as formas de inserção e integração do País nessesregimese instituições internacionais que debatem as questões relativas à Região. Salienta-se que os motivos para uma presença do Brasil no Ártico articulam-se a partir do reconhecimento de que as mudanças climáticas repercutem no clima e no ambiente brasileiro e sul-americano.
II. OS RECURSOS NATURAIS DO ÁRTICO
O Ártico é uma região de muitos recursos naturais, portanto de muitos interesses. De acordo com United States Geological Survey (USGS), no Ártico, estariam localizadas 22% das reservas de hidrocarbonetos não descobertas do planeta (aproximadamente, 13% de todas as reservas ainda não descobertas de petróleo, 30% de gás natural, e 20% de gás natural líquido; USGS, 2008).
Petróleo e gás, em que pese as dificuldades ambientais, políticas, tecnológicas e econômicas, têm sido extraídos de áreas continentais do Ártico e, de forma lenta, as áreas de prospecção tem avançado na plataforma continental (Santos, 2016). Outros recursos naturais relevantes para a Região são: a exploração (de outros) minerais, os pesqueiros e a bioprospecção. São encontrados no Alasca ouro, carvão, urânio, chumbo, zinco, níquel, na Sibéria Ocidental-RU, paládio, níquel e cobre. No Ártico canadense, também existem recursos como ouro, carvão, diamantes, quartzo, níquel, chumbo, zinco e jazidas de ferro, já na Groenlândia, terras raras, urânio, ferro, chumbo, zinco e diamante. Na Islândia é explorado seu excedente de energia hidroelétrica para o processamento da bauxita (inclusive proveniente do Brasil) para a obtenção de alumínio. Além disso, menciona-se, também, a viabilidade econômica da exploração de urânio, ouro, manganês e estanho (Trillo Barca, 2012; Conley, David, Terence, Mihaela, 2013; Souza Junior & Simões, 2013). Nas áreas marinhas são encontrados especialmente nódulos polimetálicos, crostas cobaltíferas e sulfetos hidrotermais e os hidratos de gás, sendo que, estes últimos, por sua vez, ocorrem também nas áreas de permafrost, solo permanentemente congelado.
A pesca, em que pese os problemas ambientais, é um importante recurso econômico na Região Ártica. As áreas pesqueiras comerciais estão, preferencialmente localizadas nos mares de Barents e da Noruega, em águas em torno de Islândia, ilhas Faroé e Groenlândia, nas águas do Nordeste Canadá (Terra Nova e Labrador) e no mar de Bering.
O estudo biotecnológico de plantas, animais e micro-organismos das Regiões Polares tem como objetivo a busca por recursos genéticos e bioquímicos de valor comercial. A atividade inclui o estudo e o desenvolvimento dos recursos genéticos, tecnologias em aquicultura (desenvolvimento da produção de peixes em cativeiro) e produção de novos produtos a partir de matérias primas marinhas (com quitina e compostos relacionados, a partir de resíduos de marisco, ácidos gordos essenciais como ómega-3 e ómega-6, entre outros, a partir de peixe; carotenoides, pigmentos e compostos aromáticos; compostos derivados de algas marinhas, tais como os alginatos e carraginatos e outros suplementos nutricionais, substâncias anticancerígenas) (Leary, 2008).
1. As rotas marítimas
Outro fator grande repercussão política, econômica e estratégica no Ártico são as (novas) rotas marítimas comerciais. Até 2040, possivelmente, o Oceano Ártico estará livre de gelo marinho no verão, isto determinaria o surgimento de duas novas rotas comerciais: a abertura da chamada Passagem do Noroeste (Northwest Passage -NWP), que se estende pela costa do Canadá entre as costas da Groenlândia e Alasca (EUA), e a Passagem do Nordeste (Northeast Passage - NSR) ou Rota do Mar do Norte ou Rota do Norte (Rota Setentrional), acompanhando a costa da Rússia (com abertura ao norte da costa da Rússia) e Noruega (Johnston, 2012; Trillo Barca, 2012; Souza Junior & Simões, 2013).
Também, possivelmente, entre 2040 e 2059, com o avanço da fusão da cobertura de gelo no Oceano Ártico, o tráfego marítimo entre o Atlântico e o Pacífico seria realizado através da Rota do Ártico Central (Central Arctic Ocean Route - CAR). Com o avanço do derretimento da cobertura de gelo do Oceano Ártico o trânsito marítimo também seria servido pela Rota da Ponte Ártica (Arctic Bridge Route - ABR), que facilitaria o tráfego entre a Eurásia e a América do Norte.
2. O Ártico: interesses e mudanças
O Ártico é também uma Região de interesses políticos, estratégicos e de segurança na medida em que eventuais disputas territoriais podem gerar tensões.
Como visto, a CNUDM é a norma fundamental a governar o Oceano Ártico e os mares adjacentes, contudo outras matérias como segurança, proteção do meio ambiente e transporte necessitam também de regulação.i
O Conselho do Ártico (CA), com da ampliação do seu mandato para permitir a tomada de decisões, o estabelecimento de sua autonomia financeira e ampliação da participação de outros Estados não árticos, constituir-se-ia no fórum adequado para resolver as questões da Região.
Não obstante ser a CNUDM o instrumento jurídico básico de regulação das relações no Oceano Ártico e mares adjacentes e da sua aplicação que decorrem as principais disputas observadas na área. Trata-se da definição dos limites da Plataforma Continental Jurídica-PCJ (ou Plataforma Continental Estendida - PCE), ou seja, quais seriam os limites de extensão da PC para além das 200 milhas náuticas (m.n.), entre os Estados costeiros.ii
Os Estados costeiros reivindicam a PCJ perante a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), órgão da CNUDM. A CLPC tem competência para, considerando as reivindicações e dados fornecidos pelos Estados costeiros interessados, ampliar os limites exteriores da PC, fazendo recomendações sobre questões relacionadas ao estabelecimento destes limites externos. Os conflitos emergem na medida que os Estados costeiros podem concorrer nas suas reivindicações e tal situação resultar em sobreposição de áreas reivindicadas (Santos, 2016).iii
As preocupações políticas, estratégicas e de segurança também se manifestam em função dos temas já citados: ambiente, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, exploração de recursos, especialmente pesqueiros e petróleo e gás e rotas marítimas.
3. As mudanças climáticas no Ártico
Não obstante, atualmente, as maiores preocupações decorrem da identificação dos efeitos das mudanças climáticas, considerando que a Região demonstra maior sensibilidade a essas que qualquer outra no planeta (Young, 2011).
O Ártico desde os anos de 1980, está aquecendo, aproximadamente, o dobro da taxa global, demonstrando fortes mudanças de temperatura – ~1ºC por década – no inverno e na primavera e menos no outono, sendo que o aumento da temperatura média anual é, em maior parte, atribuído ao aquecimento global resultado da intensificação do efeito estufa pela ação antrópica. Este ensaio parte do pressuposto de que não há mais qualquer dúvida de que as mudanças climáticas, seja intensificado com a contribuição humana, pela emissão dos gases do efeito estufa de forma: metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6) e os clorofluorcarbonos (CFCs), mas, especialmente, o dióxido de carbono (CO2 ), que dificultam as trocas regulares de calor entre camadas da atmosfera. Desde já se diga, que as discussões sobre o aquecimento global são pertinentes no século XXI, ainda que se interrompa as emissões dos gases do efeito estufa eis que o processo de aquecimento continua, porque os gases (lá concentrados) permanecerão na atmosfera por décadas, ou seja, o processo de aquecimento não se interrompe ou pode ser revertido imediatamente, considerando o estado da arte, no que respeita a ciência e tecnologia.
As mudanças climáticas afetam a cobertura de gelo marinho e é observado a redução da sua área (taxa média de 13% por década), por retroprocessamento isso aumenta o calor absorvido pela superfície terrestre, posto que a cobertura de neve (acima do gelo), que é branca, reflete mais luz solar diretamente para o espaço que outras superfícies, como a água do mar, Essa propriedade de uma superfície é denominada albedo (razão entre a radiação refletiva, portanto sem absorção, e a absorvida por uma superfície) (IPCC, 2007a, 2007b; 2007c; 2013; 2014a; 2014b). O descongelamento do permafrost (em sua camada ativa), libera metano (CH4), um gás do efeito estufa, que por um retroprocessamento positivo que provoca mais aquecimento. A redução da área coberta por neve, bem como o seu derretimento, está sendo acelerado, o que determina exposição direta do solo ao sol, provocando direta e indiretamente maior aquecimento (Souza Junior, 2015).
As mudanças provocam, por consequência, impactos locais e externos. Os locais são aqueles que alcançam a própria Região Ártica e os externos, vão para além das fronteiras da Região, e incluem, principalmente: o aumento do nível médio do mar (n.m.m.), a intensificação do aquecimento global e das mudanças nas correntes oceânicas que, por sua vez, alteram o clima (com alterações de padrões climáticos e eventos extremos).
As mudanças no climáticas são rápidas e se amplificam em face do retroprocessamento positivo, ou seja, quanto mais aquecimento menos cobertura glaciar, menos cobertura glaciar mais calor é absorvido. O aquecimento provoca mudanças no ambiente local, em especial, nos padrões climáticos, alterações em rios (fluxo e temperatura da água) e lagos (períodos de congelamento e descongelamento e temperatura da água), alterações na flora (crescimento e distribuição das plantas) e fauna (distribuição e padrões migratórios dos animais). Estas mudanças impactam as populações locais e, especialmente, as autóctones. Haverá necessidade de remoção de comunidades em face da erosão costeira e recessão do gelo do mar. O gelo do mar está deixando de ser uma plataforma segura para subsistência. O derretimento do gelo pode colapsar a infraestrutura da Região. Nestas condições, as comunidades autóctones em face da sua próxima e direta relação com os recursos naturais e sua economia simples têm uma faixa mais estreita de opções adaptativas, portanto, potencialmente, são as que mais sofrem com as mudanças (IPCC, 2007a; 2007b; 2007c; 2013; 2014a; 2014b; Souza Junior, 2015; Santos, 2016).
4. Até onde vão os efeitos das mudanças climáticas no Ártico
Considerando o objeto do presente artigo, algumas questões devem ser colocadas: Qual a extensão dessas mudanças? Como poderiam alcançar baixas latitudes, especificamente a América do Sul e o território brasileiro, considerando, que parte do território nacional brasileiro se encontra no Hemisfério Norte (norte do Estado do Amazonas, extremo norte do Estado do Pará e grande parte dos estados do Amapá e Roraima).
O aquecimento do Ártico implica no derretimento parcial do manto de gelo da Groenlândia e das geleiras do Alasca e do nordeste do Canadá (o que resulta em aumento do n.m.m.). Especificamente, considerando os efeitos decorrentes dos derretimentos na Região Ártica, embora seja difícil precisar, esses constituir-se-iam em erosões costeiras, inundação de ilhas e terras baixas, que poderiam alcançar as latitudes médias) e o aumento de tempestades em latitudes médias e invernos mais rigorosos na América do Norte e Eurásia.
A aceleração e a intensificação do aquecimento global advêm do derretimento da cobertura de gelo do Oceano Ártico e mares adjacentes e do derretimento do manto de gelo da Groenlândia, em função da redução da capacidade de albedo. Nesse sentido, é evidente que a ampliação e aprofundamento do aquecimento global traz repercussão planetária, contudo seria, neste momento, impróprio delimitar os seus efeitos (IPCC, 2007a; 2007b; 2007c; 2013; 2014a; 2014b).
No que respeita as mudanças nas correntes marinhas e suas repercussões os efeitos podem determinar mudanças mais rápidas e mais amplas. O Oceano Ártico é fundamental para a circulação das correntes oceânicas, que são essenciais para a manutenção das trocas de calor com a atmosfera, de maneira que contribuem com a definição dos padrões climáticos globais. Em especial, destaca-se as chamadas correntes termohalinas, que se formam nas Regiões Polares, sob a cobertura de gelo flutuante. As correntes termohalinas são ricas em nutrientes, salinizam as águas e transportam calor em direção e entre os polos.
No Oceano Ártico forma-se parte da corrente termohalina, corrente de fundo, devido ao congelamento do oceano, a água subjacente torna-se hipersalina, uma vez que o gelo acaba por expulsar o sal no processo de cristalização, deixando essa água muito densa, afundando em direção ao assoalho oceânico. Esse sistema é como um ar-condicionado natural, que ajuda a regular a temperatura do Planeta (Souza Junior, 2015).
Para Souza Junior (2015) as relações entre essas mudanças que vem acorrendo no Ártico devem ser mais estudadas, o que inclui suas relações com áreas próximas e distantes da Região Ártica. Há necessidade de investigar os retroprocessamentos e suas interações e de ampliar o registro ambiental. Uma das questões centrais são as conexões climáticas, por exemplo, em relação as médias latitudes, onde os efeitos já podem ser detectados, é necessário compreender melhor a relação dos módulos de variabilidade como a oscilação do Atlântico Norte e, em relação as baixas latitudes é necessário explorar as relações com o aquecimento do Ártico.
O Plano Ciência Antártica 2013-2022, - Ciência Antártica para o Brasil Um plano de ação para o período 2013–2022 – vai na mesma direção quando faz referência a necessidade de se interagir com as investigações relativas ao Ártico. O documento ressalta que é crescente a cooperação entre as comunidades científicas que atuam na Antártica e no Ártico, em face da conexão entre as Regiões. As rápidas mudanças porque passa a Região Ártica têm implicações globais e podem servir modelo para compreensão do possa vir a ocorrer na Antártica (Brasil, 2013).
Essas assertivas são legítimas uma vez que as investigações científicas dão conta de que as Regiões Polares são importantes no sistema ambiental global (Brasil, 2013). O sistema climático é interdependente e as fontes que dissipam calor, como as regiões polares, são tão importantes para equilíbrio geral quanto as regiões tropicais, que são fontes de calor (Simões, 2011b).
Portanto, é essencial que o Brasil dê início as investigações científicas que possam esclarecer os possíveis impactos no País e na América do Sul decorrentes dos efeitos das mudanças climáticas que ocorrem no Ártico.
III. A COOPERAÇÃO NO ÁRTICO
São improváveis os conflitos na Região Ártica em que pese a ocorrência de tensões em face da definição da PCE, da competição por recursos naturais ou pelo controle sobre rotas marítimas (Santos, 2016). O Ártico continuará sendo um espaço de cooperação internacional. Esta assertiva decorre da consolidação da aplicação de um regime internacional complexo com fundamento básico na CNUDM para o Oceano Ártico e mares adjacentes. Os Estados costeiros ao Oceano Ártico e mares adjacentes, nomeadamente: Canadá, Dinamarca (pela Groenlândia) Estados Unidos, Noruega (por Svalbard) e Rússia, também denominados de Arctic Five , todos membros do CA, por meio da Declaração de Ilulissat (2008) reiteram sua intenção e reconheceram a aplicação sobre a área do direito do Mar, o que incluiria a CNUDN. O outro elemento relevante para manutenção da cooperação no Ártico é o fortalecimento e o aprimoramento das atividades do CA, que abrange toda Região (Santos, 2016).
Nessas circunstâncias, fica fortalecida a ideia de que o Brasil deveria considerar a sua inserção no Ártico. A inserção brasileira deve privilegiar a cooperação, com sua condução pelo CA e a defesa da manutenção do diálogo e da ausência de conflitos.
A ação brasileira deve contribuir em relação as questões climáticas que impactam sobremaneira a Região. O país deve estabelecer programas e projetos de pesquisa, que associem as relações entre o meio ártico e brasileiro e sul-americano. As ações do Brasil devem buscar a confirmação e a compreensão dos efeitos em baixas latitudes das mudanças climáticas no Ártico. Em realidade a cooperação é a oportunidade de dar início às investigações científicas necessárias para compreensão dos efeitos no território nacional e na América do Sul dos impactos das mudanças climáticas no Ártico. Ressalta-se, por exemplo, que é a Região Amazônica, sem dúvida o espaço do território nacional mais importante no aspecto ambiental e dos recursos naturais, que mais se aproxima da Região Ártica, portanto, possivelmente, o que mais poderá ser afetada. Também é de grande importância para o Brasil, considerando, por exemplo, a grande influência do agronegócio na economia nacional e a delicada situação da Região Nordeste no que respeita a regime de chuvas, identificar eventuais efeitos sobre os regimes climáticos do país que possam ser creditados as mudanças climáticos no Ártico.
Eventualmente a participação do Brasil no CA e o estabelecimento de relações específicas com os seus membros pode resultar em cooperação na exploração petróleo e gás, considerando a expertise nacional em exploração de hidrocarbonetos em águas profundas. Não obstante, nesta matéria, não se pode negligenciar as dificuldades ambientais, políticas, tecnológicas e econômicas destas atividades no Ártico. Também são de interesse cooperativo a defesa da manutenção dos recursos pesqueiros em águas internacionais, portanto, também no Oceano Ártico e nos mares adjacentes esta defesa cooperativa deve ser exercida. As (novas) rotas de navegação pelo Ártico devem ser objeto de cooperação na medida em que fortalecem os elos comerciais e a circulação de pessoas e bens. Oportunamente a segurança nas rotas marítimas também pode ser objeto de cooperação. A navegação nas rotas marítimas árticas é complexa e perigosa, independentemente da estação ou das condições tecnológicas.
A cooperação brasileira deve se dar tanto com os países árticos, que tem expertise em relação ao espaço ártico, quanto com países não árticos, cuja realidade espacial e política podem estrategicamente contribuir com os objetivos a serem alcançados com a presença do país na Região.
IV. O BRASIL NO CONSELHO DO ÁRTICO
O Brasil deveria também considerar a possibilidade de pleitear sua admissão como membro observador permanente do CA. Este é um fórum intergovernamental que promove a cooperação, coordenação de políticas, especialmente sobre as questões de desenvolvimento sustentável e proteção ambiental no Ártico.
O CA foi instituído em 1996, pela Declaração de Ottawa, mas a cooperação iniciou-se em 1991, com a Declaração sobre a Estratégia e Proteção do Ártico-AEPS. O CA não pode ser considerado uma organização internacional, mas uma “plataforma” de mecanismos de cooperação internacional, pois seu instrumento jurídico constitutivo é uma declaração unilateral conjunta de Estados, de natureza concertada-não-convencional. Além disso, no âmbito do exercício de funções administrativas, carece do principal atributo, ou seja, a personalidade jurídica internacional (Cardoso, 2012). Desde 2013, o Secretariado do Conselho do Ártico-ACS (Arctic Council Secretariat) exerce suas atividades na cidade de Tromsø-NO. O ACS cumpre funções administrativas, organizacionais de divulgação, de informação e de integração das partes.
Os Estados-membros do CA com direito a voto são: Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia e Suécia. Canadá, Dinamarca (pela Groenlândia), Estados Unido, Noruega, (por Svalbard) e Rússia. Também são membros permanentes, mas sem direito a voto, inúmeras organizações de povos autóctones, tais como: Arctic Athabaskan Council (AAC), Aleut International Association (AIA), Gwich’in Council International (GCI), Inuit Circumpolar Council (ICC), Russian Association of Indigenous Peoples of the North (RAIPON) e Saami Council. O conjunto de Estados observadores permanentes (sem direito de voto), também reconhecidos como “não árticos”, é formado por: França, Alemanha, Holanda, Polônia, Espanha, Reino Unido, China, Itália, Japão, Coreia do Sul, Singapura, Índia. Além destes são observadores permanentes diversas Organizações Intergovernamentais e Interparlamentares e não governamentaisiv.
Tendo em conta as razões que levaram a criação do CA, suas competências e objetivos, o Brasil deve considerar, a partir de um contexto político e estratégico, sua participação como membro observador permanente no CA.
Neste sentido, a agenda brasileira em relação ao Ártico, portanto, perante o CA, como já referido, abrangeria a pesquisa científica, o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, possivelmente a exploração de recursos naturais, especialmente pesqueiros e petróleo e gás e as (novas) rotas marítimas, com cooperação em todos estes temas. Em sentido amplo, eventualmente, também as questões de segurança também teriam pertinência com atuação brasileira.
Singularmente, são de fundamental relevância para o Brasil as atividades desenvolvidas no âmbito do CA, através de seus grupos de trabalho e de pesquisa, relativas a proteção ambiental. Também a política propriamente dita de defesa da proteção do meio Ártico, que é fundamental para o equilíbrio ambiental global, considerando as interconexões globais e, especialmente, as conexões com a Antártica, que tem influência direta sobre o clima no Brasil e América do Sul, são de interesse do país. Da mesma forma, todas iniciativas de investigação ou de ações políticas no âmbito do CA, efetivamente as que envolvam o Oceano Ártico e os mares adjacentes, que digam respeito ao desenvolvimento sustentável, possivelmente, também a exploração de recursos naturais, especialmente pesqueiros e petróleo e gás e a liberdade e a segurança nas (novas) rotas marítimas da Região são de interesse do país. Ainda, considerando sua atuação internacional é de interesse do país a manutenção da paz e da segurança na Região. Nesta ordem deve o Brasil, em conjunto com as demais nações, neste e em outros foros internacionais pertinentes, zelar para possíveis disputas territoriais sejam superadas. Todas estas são questões de interesse do país, portanto, justificam a defesa da sua presença com membro observador permanente do CA.
1. O Brasil no Tratado de Svalbard
O Brasil também poderia aderir ao Tratado de Svalbard (1920), atualmente o Tratado conta com 39 membros. A adesão implica em reconhecimento expresso da soberania norueguesa sobre o arquipélago. Não obstante, o Tratado de Svalbard tem por fim regular as relações entre o Estado norueguês e os cidadãos, empresas e os próprios Estados aderentes na área. Neste sentido, estabelece condições de igualdade no exercício de atividades econômicas e sociais. Fundamentalmente, tendo em conta os objetivos do presente artigo, ressalta-se que o Tratado de Svalbard permite acesso científico de outros Estados sobre a Região, com possibilidade de instalação de estação científica e acesso aos recursos naturais, contudo impede a militarização e a construção de bases.
A adesão do Brasil ao Tratado de Svalbard o aproximaria da Região e também seria uma oportunidade para o desenvolvimento de ações e investigações cooperativas em todos os campos acima sugeridos. Particularmente esta iniciativa combinada com a presença brasileira no IASC abririam um novo campo de pesquisa para a ciência nacional, oportunizariam a formação de profissionais e especialistas para atuar na Região Ártica e permitiriam ao Brasil construir sua estação de pesquisa no Ártico.
Por outro lado, a adesão do Brasil lhe permitiria individualmente ou em consórcio, por exemplo com a Argentina, que é parte do Tratado desde 1927, independentemente do seu estabelecimento in loco, desenvolver projetos com seus parceiros dos BRICS (África do Sul, China, Índia e Rússia) que são partes do Tratado. Por exemplo, China e Índia possuem estações científicas nas ilhas, a da primeira está localizada em Ny-Ålesund e é denominada de Estação Rio Amarelo (2004) e da segunda, também está localizada em Ny-Ålesund e é denominada de Himadri (2008). A Índia, a título de ilustração, desenvolve investigações sobre a relação e possível influência das mudanças climáticas no Ártico no clima de monções (processos atmosféricos polares e a intensidade da monção indiana). As instalações, a experiência, especialmente com as conexões com meio e clima em baixas latitudes, e a capacitação desses Estados, como de outras nações presentes a mais tempo na Região, seriam de alta relevância e facilitariam a introdução do Brasil nestes temas.
2. A atuação do Brasil nos fóruns internacionais sobre o Ártico
Outra forma do Brasil se integrar as questões do Ártico, aqui, especificamente, em relação as áreas do Oceano Ártico e mares adjacentes, é participando dos debates no âmbito das Nações Unidas. Nas Nações Unidas, particularmente, perante a CNUDM, como referido, por meio da CLPC, é onde são resolvidas as questões dos limites da PCE do Oceano Ártico e dos mares adjacentes.
No caso do Oceano Ártico e dos mares adjacentes a disputa pelos espaços tem sido muito acirrada. A complexa topografia destes fundos marinhos, que se constitui de planícies abissais seccionadas por muitas e substanciais cristas subaquáticas e elevações, pode determinar os limites externos da jurisdição da PC, para além das 200 m.n. As cristas e elevações (cadeias de montanhas submarinas de origem tectônica) Chukchi Plateau, Dorsal de Mendeleev (Mendeleev) Ridge, Dorsal Alpha (Alpha Ridge) e atravessado o Oceano Ártico a Dorsal de Lomonosov (Lomonosov Ridge), que divide o Oceano Ártico em duas partes - a Bacia Eurasian (Eurasian Basin) e a Bacia Amerasian (Basin Amerisian) - podem levar a CLPC a entender que a base para os limites externos da PC (a maior parte da Bacia Eurasian e a principal parte da Bacia Amerasian) estarão sob jurisdição dos Estados limítrofes ao Oceano Ártico e mares adjacentes. Nestas condições seriam quase que inexistentes os espaços sob jurisdição internacional (Santos, 2016). Portanto, o Brasil deve estar atento para as decisões da CLPC na Região, defendendo a aplicação dos termos da CNUDM e, por consequência, dos interesses da humanidade, na medida em que as áreas internacionais são patrimônio de todos.
A preocupação com a aplicação das disposições da CNUDM deve ser estendida a todos os regimes internacionais e respectivas Instituições, onde a questões relativas ao Oceano Ártico e mares adjacentes são direta ou indiretamente debatidas, tal qual na Organização Marítima Internacional-IMO e nos tratados sobre pesca.
A participação brasileira nestes fóruns internacionais é relevante para defesa do equilíbrio ambiental planetário e local, que é um compromisso do Estado brasileiro e dos seus cidadãos, nos termos do artigo 225 da Constituição Federal-CF e também cumpre a função de preservar os interesses nacionais no contexto do transporte marítimo internacional e dos recursos naturais. Lembra-se que atuação do país em quaisquer foros internacionais está condicionada a defesa dos valores constitucionais relativos as relações internacionais, tais como da: igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos e cooperação internacional entre os povos, na forma do artigo 4º também da CFv.
V. CONCLUSÕES
Efetivamente o Ártico é uma região de interesses e preocupações. Os interesses estão relacionados com a expansão da PC para além das 200 m.n., da exploração dos recursos naturais, especialmente pesqueiros e petróleo e gás e ao controle das (novas) rotas marítimas. As preocupações dizem sobre segurança, desenvolvimento sustentável, meio ambiente, mas a principal são os impactos das mudanças climáticas sobre a Região. Os efeitos das mudanças climáticas podem alcançar o espaço e meio brasileiro e sul-americano. Assim, é necessário investigar a ocorrência e a extensão destes efeitos.
Nesta ordem, é oportuno que o Brasil venha se inserir-se no contexto do Ártico. A inserção brasileira, que também está associada aos interesses do Brasil em relação aos recursos naturais nas internacionais a serem delimitadas no Oceano Ártico e mares adjacentes e na abertura e segurança das rotas marítimas, deve privilegiar a cooperação, com sua condução pelo CA e a defesa da manutenção do diálogo e da ausência de conflitos.
Pragmaticamente, o presente artigo defende que a inserção do Brasil no Ártico se perfaça por meio da sua adesão ao CA, IASC e Tratado de Svalbard e da sua atuação na CNUDM ou outros regimes internacionais em que as questões árticas são debatidas.
Ressalta-se que o Ártico tem sido, e tudo indica que será no futuro, um espaço de cooperação, o que fortalece a inserção do Brasil, de forma partilhada e cooperativa com os demais países sul-americanos, com seus parceiros dos BRICs e outras nações árticas e não árticas.
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Recebido: abril 2017. Aceite: outubro 2017
NOTAS
i Nesta esteira é fundamental a permissão para o CA tratar dos temas de segurança, cujo impedimento está estabelecido na Convenção de Ottawa (Young, 2009).
ii A PC compreende parte do leito do mar adjacente à costa, cuja profundidade não excede a 200 m. Há interrupção da PC quando a extensão da costa é seccionada por inclinações abruptas que conduzem aos fundos marinhos e oceânicos. A PC se estende até 200 m.n. das linhas de base da costa, de modo que seus limites coincidam com o limite da ZEE ou até a borda exterior da margem continental, que se estende para além das 200 m.n., desde que não ultrapasse 350 m.n. (§ 1º do artigo 7 da CNUDM). O artigo 77 da CNUDM garante direitos soberanos ao Estado costeiro sobre a PC e seu subsolo para fins de gestão e exploração dos seus recursos naturais (Santos, 2016, p. 202-203).
iii Em relação as áreas continentais não há disputas de soberania, contudo algumas ilhas estariam sob disputa no Ártico. Este é caso da ilha de Hans, que é disputada pelo Canadá e Dinamarca.
ivA União Europeia foi admitida como observador permanente mas aguarda a solução de pendências políticas com Estados membros para que possa perfectiblizar seu novo status na Instituição.
v Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm