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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.107 Lisboa abr. 2018

 

ATUALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA


 

Cidade, Comércio e Consumo

 

 

Pedro Guimarães1

1Investigador Efetivo do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, R. Branca Edmée Marques, 1600-276, Lisboa, Portugal. E-mail: pedroguimaraes@campus.ul.pt

 

 

O papel do comércio e a sua relação com as cidades tem sido alvo de diversos estudos nacionais e internacionais que se têm debruçado sobre a evolução que o sector tem atravessado e a sua relação com o planeamento. Ao longo das últimas décadas, o dinamismo do comércio e das cidades tem aberto novas linhas de investigação onde ambas se relacionam. Numa primeira fase podemos distinguir alguns estudos que se debruçaram sobre a transformação do sector comercial, na sequência do aparecimento de novos formatos comerciais e novas estratégias empresariais no sector, do qual é reflexo o livro de Barata-Salgueiro (1996). A segunda fase caracteriza-se pelo estudo das políticas de planeamento comercial que os diversos países implementaram para regular o comércio. O livro editado por Davies (1995) é um dos principais marcos deste período, onde também se destaca Guy (1998). A fase seguinte estende-se até ao presente, onde encontramos uma diversidade significativa de abordagens à relação do comércio com a cidade. O estudo da regeneração urbana baseada no sector comercial tem permitido realçar a importância do comércio no planeamento urbano. Se os impactos negativos que a descentralização comercial provocou nos centros das cidades já tinha relevado o papel do comércio, os estudos sobre a importância deste sector na regeneração urbana dos centros das cidades, quer através de novos modelos de governança urbana como os town centre management, quer através da implantação de estruturas comerciais de grande dimensão nas áreas centrais, afirmaram-no como um elemento fundamental do planeamento urbano. Associado ao aumento do uso do conceito de resiliência nas investigações em ciências sociais, ao longo desta década tem-se procurado analisar os factores cruciais para a resiliência dos estabelecimentos comerciais e dos centros de comércio.

O livro City, Retail and Consumptioni, editado por D’Alessandro (2015) reflecte esta evolução. Assumidamente com o intuito de privilegiar a investigação realizada fora do contexto Anglo-Saxónico, por já se encontrar mais consolidado em revistas da especialidade, este livro apresenta quase exclusivamente casos de estudo da Europa do Sul e da América Latina. De alguma forma pode dizer-se que uma das grandes mais-valias deste livro consiste precisamente no recorte geográfico sobre o qual recaem as abordagens feitas ao comércio e ao consumo na sua relação com a cidade. Embora nas últimas décadas muito se tenha escrito sobre esta temática, a verdade é que as geografias do comércio, do consumo e das cidades do “Sul” têm permanecido relativamente marginais nos tradicionais meios de divulgação científica de língua inglesa.

O livro é composto por quatro partes, ainda que a temática e as metodologias abordadas se cruzem em diversos momentos. A primeira parte do livro traz-nos investigações empíricas sobre a evolução da Avenida da Liberdade em Lisboa e as diferentes temporalidades existentes nos centros das cidades induzidas pelo sector comercial. Ainda nesta secção do livro destaca-se a consideração efectuada por Carles Carreras acerca dos estudos sobre o comércio e as cidades. Reflectindo sobre a usual utilização de casos de estudo que caracteriza estes trabalhos, clama por investigações teóricas que consigam explicar a actual sociedade do consumo.

A segunda parte do livro inclui capítulos sobre cidades e áreas metropolitanas nos novos cenários do comércio e consumo. A problemática da resiliência dos centros de comércio das cidades é abordada por Erkip. No seguimento da relevância que o conceito de resiliência tem adquirido nas investigações sobre os centros das cidades (Wrigley & Dolega, 2011; Barata-Salgueiro & Erkip, 2014; Cachinho, 2014; Karrholm, Nylund & Fuente, 2014), este capítulo de Erkip apresenta algumas características do tecido comercial na Turquia e os motivos que despoletaram a resiliência das diferentes tipologias comerciais naquele país. Ainda nesta secção é particularmente interessante o estudo de Andréa Porto-Sales. Recorrendo a Lefebvre e Christaller demonstra como o comércio por franquia reflecte a diferente relevância dos centros urbanos, quando analisados a uma escala regional e nacional. Ademais, introduz o conceito de Territorial Exclusivity of Mid-Cities para descrever o processo que decorre nas cidades médias brasileiras, caracterizado pela concentração num único proprietário dos vários estabelecimentos de franquia existentes em cada uma das cidades analisadas. A utilização deste conceito pode ser, na nossa perspectiva, adaptado e incorporado em estudos semelhantes que se possam desenvolver em Portugal, por encontramos semelhanças com o processo que decorre em várias cidades portuguesas.

A terceira parte do livro apresenta capítulos dedicados ao estudo das novas formas de comércio e serviços em espaço urbano. A investigação realizada por María Silveira mostra como no contexto argentino algumas empresas foram capazes de agrupar a produção e a distribuição à escala nacional, regional e urbana, resultando num menor número de empresas a operar no mercado. Segundo aquela autora, esta prevalência das grandes empresas também se reflectiu no comércio de proximidade ao inaugurarem, não apenas estabelecimentos de maior dimensão, mas também de dimensão reduzida e em áreas residenciais. A evolução descrita neste capítulo contribui para aproximar o caso argentino do contexto europeu, onde o mesmo processo também aconteceu e continua a consolidar-se. Ainda nesta parte do livro, o capítulo de Frago, Martinez-Rigol e Carreras é da maior utilidade para os leitores interessados em estudos do comércio. Aqueles autores discutem alguns dos desafios da cartografia do comércio. Para além da reduzida disponibilidade de dados, abordam a dificuldade da categorização do comércio, salientando as imperfeições das classificações baseadas na distância ao consumidor, na dimensão do estabelecimento, na classificação nacional das actividades económicas e na frequência da sua aquisição. O capítulo de Zamora é particularmente relevante pelo estudo que faz acerca das políticas de planeamento comercial no México, o que o aproxima dos estudos já referidos de Davies (1995) e Guy (1998) e pode contribuir para estimular a discussão sobre a temática. O autor destaca como a tentativa de implantar políticas nacionais de planeamento comerciais mais restritivas, limitando a localização dos supermercados, mini-mercados e lojas de conveniências foi anulada pelo Supremo Tribunal do México, com a alegação de que contrariava a livre competição, tal como expresso na Constituição daquele país. Neste ponto encontramos semelhanças com o processo que decorreu na Catalunha com a tentativa de limitação da implantação de hipermercados (Guimarães, 2016). Ainda que actualmente tenha pouco aprofundamento na análise das políticas comerciais em contexto europeu esta será, no nosso entendimento, uma temática que irá ganhar relevância nos estudos do comércio.

Por último, na quarta parte do livro discute-se o consumo e as paisagens urbanas em transição. A complexidade que caracteriza as transformações urbanas e a multiplicidade de causas que as provocam têm levado a que os estudos sejam cada vez mais integrados, na medida em que diversos sectores devem ser levados em consideração. Desta forma, consideramos particularmente pertinente a reflexão feita por D’Alessandro. Partindo da premissa que o consumo tem adquirido relevância, quer no planeamento, quer nos estudos científicos, esta autora clama por uma abordagem integrada do consumo no interface entre o comércio, turismo e cultura, admitindo que esta abordagem pode ser importante para os estudos em geografia. Levando em consideração estes três vectores e o papel que o consumo pode desempenhar, acrescenta que este é relevante para a regeneração urbana. Exemplifica com a gentrificação comercial do centro das cidades, com a criação de mega eventos para atrair turistas e com a requalificação de espaços para uso cultural. A relevância da abordagem efectuada por D’Alessandro é comprovada no capítulo seguinte do livro, onde Martinez-Rigol, Frago e Carreras utilizam aqueles três vectores para discutir a evolução do bairro do El Raval em Barcelona e a forma como o turismo contribuiu para aumentar a gentrificação desta área. Nesta parte, o conceito de resiliência volta a ser utilizado por Faravelli e Clerici. Focando na cidade de Milão, avançam três variáveis que podem elucidar acerca da resiliência dos estabelecimentos comerciais: a tipologia comercial, a dimensão da empresa e a sua localização. Ainda que de forma exploratória, este estudo retoma a discussão da resiliência das áreas e estabelecimentos comerciais e sugere abordagens para investigações futuras. No capítulo de Graziano, o processo de gentrificação comercial volta a ser discutido. Aborda e reconhece o papel do comércio no processo de reconfiguração das áreas urbanas centrais. Neste capítulo, a autora utiliza como casos de estudo Bruxelas, Manchester e Madrid, onde vai buscar as evidências empíricas que demonstrem a gentrificação comercial. Ao incorporar este conceito na análise do comércio contribui para aumentar a bibliografia existente sobre o tema, usualmente analisadas separadamente.

Como notas conclusivas destaca-se a grande diversidade de temas abordados ao longo do livro. Distinguem-se abordagens muito diferentes a temáticas que inicialmente poderiam indiciar que os capítulos fossem mais semelhantes. Ainda que se reconheça a necessidade por abordagens mais integradas, também é visível o privilégio pelo uso de casos de estudo, o que dificulta a generalização dos resultados obtidos. Por último, destacamos neste livro a importância de alguns conceitos que adquiriram/consolidaram o seu papel no estudo do comércio e do consumo em contexto urbano. Destaque para a resiliência, gentrificação e regeneração, presentes em vários dos capítulos deste livro, o que indicia que vão continuar a ser relevantes nos estudos do comércio e consumo urbano nas investigações futuras.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS

Barata Salgueiro, T. (1996). Do Comércio à Distribuição – roteiro de uma mudança [From Trade to Distribution - Roadmap for a Change]. Oeiras: Celta Editora.         [ Links ]

Barata Salgueiro, T., & Erkip, F. (2014). Retail Planning and Urban Resilience: An introduction to the special issue. Cities, 36, 107-111.         [ Links ]

Cachinho, H. (2014). Consumerscapes and the resilience assessment of urban retail systems. Cities, 36, 131-144.         [ Links ]

R. Davies (Ed.). (1995). Retail Planning Policies in Western Europe. London: Routledge.

D’Alessandro, L. (Ed.). (2015). City, Retail and Consumption. Napoli: Università degli studi di Napoli.         [ Links ]

Guimarães, P. (2016). Revisiting retail planning policies in countries of restraint of Western Europe. International Journal of Urban Sciences, 20 (3), 361-380.         [ Links ]

Guy, C. (1998). Controlling new retail spaces: The impression of planning policies in Western Europe. Urban Studies, 35(5-6), 953-979.         [ Links ]

Kärrholm, M., Nylund, K., & Fuente, P. (2014). Spatial resilience and urban planning: Addressing the interdependence of urban retail areas. Cities, 36, 121-130.         [ Links ]

Wrigley, N., & Dolega, L. (2011), Resilience, Fragility, and Adaptation: New Evidence on the Performance of UK High Streets during Global Economic Crisis and its Policy Implications. Environment and Planning A, 43(10), 2337-2363.         [ Links ]

 

Recebido: agosto 2016. Aceite: dezembro 2016.

 

 

NOTAS

i D’ Alessandro, L. (Ed.) (2015). City, Retail and Consumption. Nápoles: Università degli studi di Napoli.

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