I. Introdução
A saúde não passa apenas pela existência ou não de doença, está relacionada com outros fatores. Na realidade, muitos são parâmetros diretos de saúde, mas a maioria não, atuando de forma indireta (Carrapato et al., 2017). A necessidade de considerar uma maior abrangência de variáveis no campo da saúde que englobem os vários determinantes da saúde do indivíduo, assume uma importância crescente, não só na definição das políticas de saúde, mas também das políticas de outros setores cujo impacto se reflita no estado de saúde das populações. Os determinantes de saúde e a ação sobre estes constituem a chave para a melhoria do estado de saúde das populações. Para atingir esta melhoria é necessário então envolver outros setores para além da saúde. Assim, as políticas, estratégias, programas e ações sobre a saúde devem ser conduzidos num âmbito alargado, através de um planeamento holístico e integrado, de forma intersectorial, em oposição à atuação sobre um único setor (Lima, 2013; Marmot et al., 2012; Marmot & Bell, 2012; Marques da Costa, 2016).
Um dos determinantes que tem vindo a ganhar mais peso na discussão do estado de saúde das populações está relacionado com os hábitos e estilos de vida dos indivíduos, que incluem o consumo de álcool, o tabagismo, a alimentação, o sedentarismo, a atividade física, o stress, entre outros. Este conjunto tem um elevado potencial de alteração da saúde, pelo que ao serem desenvolvidas medidas que incidam corretivamente, estamos a promover a alteração dos hábitos e estilos de vida potencialmente perigosos para a saúde. Segundo George (2011), entre as várias intervenções nos determinantes de saúde, destacam-se as realizadas nesta categoria como as que mais rapidamente produzem melhorias, ou seja, é nesta que as alterações resultam num maior impacto a curto prazo.
Atendendo a que uma elevada percentagem da população mundial, e em particular na Europa, vive em cidades - respetivamente 56,2% e 74,9% (United Nations, 2018) -, torna-se pertinente a observação da prática de atividade física num contexto urbano, já que esta constitui uma excelente base para a alteração e melhoria dos hábitos e práticas das populações com vista ao desenvolvimento de uma cidade e sociedade mais saudáveis. Torna-se ainda preponderante identificar os fatores que nela influem.
Assim, o presente estudo tem como objetivo principal identificar os fatores que condicionam a prática de atividade física, procurando-se verificar, em particular, se a proximidade a espaços públicos, equipamentos e serviços de desporto e lazer acessíveis por modo pedonal, bem como o modo de transporte utilizado no dia-a-dia, podem estimular a integração dessa prática no quadro das atividades diárias dos agregados familiares.
Este estudo estrutura-se em cinco partes: a primeira, corresponde à introdução; a segunda contém uma revisão bibliográfica centrada nas questões da atividade física e saúde na cidade; a terceira parte comporta uma descrição dos métodos e da área de estudo; a quarta corresponde à apresentação e discussão dos resultados do inquérito realizado em Rio de Mouro, e, por fim, a última parte reporta as principais conclusões.
II. Atividade física e saúde na cidade
A correlação entre atividade física e saúde é apontada como fundamental para a melhoria da qualidade de vida das populações (Poitras et al., 2016; Valdés-Badilla et al., 2019). Os benefícios para a saúde provenientes da prática de atividade física são descritos por vários autores (Blair et al., 2001; Jakicic et al., 2019; Warburton et al., 2006; World Health Organization [WHO], 2007, 2008, 2019), salientando-se os seus resultados na prevenção secundária da doença cardíaca coronária, acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca e pré-diabetes, sendo mais eficazes que o efeito da toma de medicação (Naci & Ioannidis, 2015). Na realidade, o corpo humano foi concebido para se movimentar, logo necessita de atividade física regular para que funcione corretamente, de forma benéfica e sem doenças (Baptista et al., 2011).
Todavia, os benefícios da prática de atividade física não se limitam às dimensões físico-funcionais dos indivíduos. Sentem-se também na questão mental e social, visto contribuírem para a melhoria do desempenho funcional do indivíduo enquanto preservam a sua liberdade, independência e autonomia, e, consequentemente, o tornam menos vulnerável a efeitos fisiológicos e psicológicos (Zaitune et al., 2007). Ademais, o envolvimento e realização de atividade física ajuda na prevenção e controlo de comportamentos de risco como o consumo de tabaco, álcool e outras substâncias, adoção de dietas pouco salutares e violência (Baptista et al., 2011; Cavill et al., 2006). A atividade física constitui não só um importante vetor de melhoria da saúde individual mas também da saúde pública, despertando e potenciando mudanças comportamentais nos indivíduos e sociedade, aumentando o bem-estar das comunidades, exponenciando a proteção do ambiente, caraterizando-se como um investimento nas gerações vindouras (WHO, 2011).
Contudo, a prática da atividade física restringe-se a uma pequena parte da população (Miles, 2007). De facto, em Portugal, em 2016, 84,3% dos adolescentes entre os 11 e os 17 anos (78,1% dos rapazes e 90,7% das raparigas) demonstravam um nível insuficiente de prática de atividade física; o que se assemelhava aos valores europeus, onde o valor geral era de 82,1% (77,5% dos rapazes e 87% das raparigas; WHO, 2020). Os dados para a população adulta também não apresentavam valores auspiciosos, com quase 60% dos homens e 70% das mulheres a não praticarem qualquer tipo de atividade física (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2019).
São vários os fatores sociais e económicos que interferem com a prática de atividade física (Herazo-Beltrán et al., 2017). As probabilidades de participação em algum tipo de atividade física (com exceção da caminhada) são afetadas sobretudo pela alteração das variáveis económicas (García, 2017). Indivíduos com menores rendimentos tendem a utilizar o seu tempo livre com práticas sedentárias, enquanto aqueles com maiores rendimentos praticam mais atividade física (Cohen et al., 2017). Assim, rendimentos mais elevados correspondem à redução de atividades resultantes na deterioração da saúde individual e aumento nas atividades que reproduzem melhorias na saúde, especialmente quando requerem investimento (Du & Yagihashi, 2017).
García (2017) aprofunda a relação entre as caraterísticas sociais e económicas e a prática de atividade física, mostrando a importância do género (Morseth et al., 2016), mais expressiva no género masculino, com exceção para a caminhada. Mesmo nas idades mais avançadas, após os 55 anos, tempo de trabalho e género continuam a ser dos fatores mais importantes.
No que diz respeito à frequência da prática, existe uma forte relação com a variável tempo, sendo que o tempo de trabalho possui uma associação negativa com a prática de desportos organizados. No mesmo sentido, maior tempo afeto às obrigações familiares tende a diminuir a probabilidade de participação em qualquer tipo de atividade física. Os conflitos de tempo denotam uma extensão pessoal (DeSousa et al., 2019), exigindo a concertação necessária da criação da divisão temporal trabalho-família, exultando-se em time squeeze - dificuldade de organização temporal do dia-a-dia, que resulta na privação da realização de determinada atividade por incompatibilidade de horário, acumulação de stress devido à realização de várias tarefas em breves espaços temporais (Naegele et al., 2010).
Os indivíduos e as famílias possuem estruturas de mobilidade e de relação entre tempo de trabalho e não trabalho muito complexas: deslocações diárias casa-trabalho mais distantes e que ocupam mais tempo, multiplicação de deslocações para outras tarefas, dificuldade de utilização do transporte público, multiplicidade de horários de trabalho, entre outros (Franco, 2017; Marques da Costa, 2007; Marques da Costa & Louro, 2010). Mesmo aludindo apenas ao tempo de não trabalho, este não é dividido e utilizado de forma igual, diferenciando-se os usos com base nas caraterísticas sociodemográficas dos agregados (ex. níveis de escolaridade ou a presença de crianças no agregado) (García, 2017; Roberts, 2015).
Parent-Thirion et al. (2007), num estudo referente aos países da União Europeia, mostram que existe uma desigualdade acentuada entre géneros no que toca ao total de horas trabalhadas (trabalho remunerado e não remunerado), sendo que as mulheres têm um tempo de trabalho maior que os homens. Na realidade, os homens gastam mais tempo com o trabalho remunerado, porém, as mulheres gastam muito mais tempo com o trabalho não remunerado. Esta diferença está patente em Portugal: o sexo feminino possui um tempo total de trabalho maior que o masculino, sendo, em média, executadas mais treze horas de trabalho por semana (Torres et al., 2007). O trabalho doméstico não remunerado é executado fora das horas de trabalho remunerado e, estando a prática de atividade física nos dias de trabalho concentrada nesse mesmo espaço temporal, é natural a existência de assimetrias na prática entre géneros (Cerin et al., 2017).
Neste contexto, um dos fatores emergentes relaciona-se com a citada indisponibilidade de tempo, decorrente de quotidianos mais complexos, onde o tempo para as atividades físicas e outras atividades de lazer é tanto menor quanto maior é a necessidade de deslocação diária (Louro et al., 2021).
Estes fatores demonstram a importância do modelo de desenvolvimento urbano que caracteriza as cidades e, mais em particular, as metrópoles, onde a suburbanização e a periurbanização dos territórios determinam necessidades de crescentes deslocações pendulares da população, alterando os seus quotidianos e níveis de acesso a bens e serviços. A estas dinâmicas acresce a questão da mobilidade das famílias residentes em espaços com estruturas de transporte público insuficientes, recorrendo largamente ao uso do automóvel próprio.
Para além das caraterísticas do modelo de urbanização, as diferenças no espaço urbano estão ainda patentes nas distintas formas urbanas, nas tipologias de ocupação e usos do solo, na qualidade ambiental, no número de infraestruturas disponíveis para o cidadão e oferta de equipamentos, nas díspares estruturas sociais e sensação de segurança e na atratividade ou segregação urbana (Pereira, 2009). Existe, ainda, a questão da densidade populacional, sendo que quanto maior a concentração urbana, melhor a oferta e otimização de serviços e equipamentos (Louro et al., 2019).
O espaço geográfico assume assim uma enorme relevância como diferenciador dos estados de saúde das populações, já que diversas caraterísticas propiciam práticas díspares e estados de saúde distintos, mostrando que “o espaço e o lugar carregam uma polissemia consequente à sobreposição das dinâmicas sociais, capazes de gerarem diferenças espacialmente significativas com importantes reflexos na saúde dos grupos” (Nossa, 2005).
Sugiyama et al. (2014) mostram que a caminhada como atividade recreativa se encontra associada à estética do bairro, à densidade residencial, à mistura dos usos do solo, à segurança contra o crime e à proximidade de parques. Ou et al. (2016) reforçam a ideia da segurança, sublinhando ainda que um ambiente construído pode ser mais ou menos apelativo para a prática de atividade física. A existência de ambientes socialmente seguros é, assim, um vetor fulcral no incentivo à atividade física.
Por outro lado, salienta-se que uma maior densidade de equipamentos promove a prática de atividade física. Indivíduos residentes em áreas servidas por múltiplos equipamentos tendem a utilizar o tempo livre de forma mais saudável (Cohen et al., 2017). Uma maior distância aos locais de prática é um fator proeminente na redução dos seus frequentadores (Gómez et al., 2014; Greer et al., 2017), tomando maior relevância quando se trata de crianças. Nesse sentido, as acessibilidades e distribuição de parques e espaços verdes devem ser alvo de atenção no planeamento da cidade dado o potencial que trazem à prática de atividade física dos mais jovens (Matisziw et al., 2016).
O espaço habitado e usado é indissociável das características sociais da sua população. Não obstante, a cidade, enquanto meio e agente, tem como função facultar condições que melhorem a qualidade de vida geral da população e a sua saúde, hábitos e práticas, independentemente dos seus contextos sociais, culturais ou económicos. Uma das formas de o fazer passa pela intervenção da administração local no espaço público, garantindo que indivíduos residentes em áreas socioeconomicamente mais débeis possuam uma oferta semelhante (infraestruturas e equipamentos) à dos que habitam em áreas cujo nível socioeconómico é mais elevado (Corburn, 2017a, 2017b); contudo, as relações verticais com outros níveis de decisão que atingem o âmbito local e as políticas públicas aí seguidas, não podem ser descuradas (Marques da Costa, 2016).
III. Área de estudo e metodologia
1. Caso de estudo
O caso de estudo desenvolve-se em Rio de Mouro, uma freguesia do concelho de Sintra, localizado na parte norte da Área Metropolitana de Lisboa (fig. 1). Este concelho carateriza-se por estar perto da capital, por possuir uma densidade populacional relativamente elevada (apesar da sua extensão) e uma população residente com características sociais e económicas inferiores às de Lisboa.
Foi escolhida a freguesia de Rio de Mouro, em Sintra, por albergar uma população extremamente heterogénea e conter muitas das particularidades das áreas suburbanas (quadro I). É uma freguesia de transição entre uma área densamente povoada e outra de urbanização mais difusa. Também é uma das freguesias mais jovens do município, com um índice de dependência total reduzido, predominando a população em idade ativa, a taxa de escolaridade com o nível de ensino superior completo atinge valores mais elevados do que nos municípios mais distantes da AML, tem uma elevada taxa de atividade, mas também uma alta taxa de desemprego. Os movimentos pendulares ostentam uma duração significativa e há uma forte utilização do automóvel. Esta escolha de modo de transporte é ela própria influenciada pelas políticas de mobilidade na AML, que promovem diferentes práticas - centro vs suburbano -, resultando num benefício para a escolha do automóvel em detrimento do transporte público (Santos, 2017).
2. Métodos
Neste estudo foi realizado o levantamento da localização (fazendo uso de GPS para a obtenção das coordenadas geográficas), características e qualidade geral dos equipamentos existentes destinados a prática de atividade física, recorrendo à observação direta e, na impossibilidade de tal, à consulta de documentos produzidos pela Câmara Municipal de Sintra. Com base nesta recolha, foi construída uma base de dados com o intuito de proceder à georreferenciação dos mesmos por meio do software ArcMap 10.8 da ESRI.
A este levantamento foi aplicada uma modelação da rede viária, utilizando a função Network Analyst do ArcGIS, que permite calcular o potencial de cobertura populacional considerando uma distância-tempo máxima de 10 minutos a pé a estes equipamentos, o que confere uma distância física máxima de 600m (considerando uma velocidade de 3,5km/h). Esta metodologia permitirá calcular a distância média a que se encontram os equipamentos dos residentes, conferindo um melhor conhecimento sobre a oferta destinada à atividade física.
Seguidamente, no sentido de aferir a procura, foi aplicado um inquérito à população, obtendo o padrão de práticas de atividade física, bem como as características demográficas e socioeconómicas dos inquiridos. O inquérito estruturou-se da seguinte forma: i) caracterização (género, idade, grau de instrução, profissão, situação na profissão, rendimento, etc.); ii) habitação (localização, ano de construção, tipo de edificado, regime de propriedade, etc.); iii) mobilidade laboral e escolar (modo de deslocação, hora de início ida/regresso, tempo de deslocação, frequência, etc.); iv) mobilidade não laboral, onde se enquadra a prática de atividade física (onde, quando, como, modo de deslocação, tempo de deslocação, etc.); v) autoavaliação da perceção em questões como qualidade de vida, estado de saúde, alteração de hábitos e estilos de vida, e área de residência - segurança, poluição, rede de transportes, trânsito, entre outros. O inquérito busca a obtenção de resultados que permitam não só caracterizar as práticas, mas também relacioná-las com possíveis fatores intervenientes nas opções e na disponibilidade dos indivíduos, tais como: o modo de transporte utilizado ou tempo passado fora de casa, a existência ou não de filhos menores, a disponibilidade de tempo livre, a sensação de segurança no bairro, entre outros, permitindo compreender a influência dos vários fatores na prática de atividade física.
Considerando o ponto iv) em detalhe, o inquérito permitiu levantar as práticas dos vários tipos de atividade física: atividades de espaço aberto e de rua (como corrida, ciclismo, desportos em grupo) e atividades de espaço fechado (como ginásios ou piscina). Os critérios para a escolha destas atividades relacionaram-se com a disponibilidade, proximidade, custos e frequência por diferentes faixas etárias e de rendimento. Além disso, os resultados dos inquéritos possibilitaram a criação de diferentes tipologias familiares que abordam a realidade da amostra: família com adultos e crianças com menos de 15 anos; família com adultos sem filhos ou com filhos maiores de 15 anos, família alargada e idosos.
Foi estabelecida uma dimensão amostral de 150 indivíduos, correspondendo a um grau de confiança de 95% e a um intervalo de confiança de 8%. Foram realizados um total de 154 inquéritos, dos quais 79 a indivíduos do sexo masculino e 75 do feminino, seguindo uma amostragem aleatória simples (diferentes locais e espaços temporais). Sublinha-se ainda que o inquérito inclui características, padrões de mobilidade e atividades de todos os elementos do agregado familiar.
Estes dados foram tratados através do software Microsoft Excel e SPSS Statistics 24, possibilitando o cruzamento de dados e a aferição de relações. Neste ponto, para compreender as similaridades entre os indivíduos e os seus hábitos e características socioeconómicas, foi elaborada uma análise cluster, tendo sido utilizado o método hierarchical cluster com as opções between group linkage e distância euclidiana quadrática.
3. Caracterização dos inquiridos
O espectro etário de todos os indivíduos incluídos no estudo varia entre os 2 e os 83 anos, tendo sido agrupados em faixas etárias: de 0 a 5 anos (1,9%), 6 a 12 anos (10,4%), 13 a 17 anos (5,2%), 18 a 29 anos (19,5%), 30 a 49 anos (34,4%), 50 a 65 anos (20,8%) e 66 ou mais anos (7,8%). No aspeto educacional (quadro II ), o universo conta com pouco mais de 40% dos indivíduos com o ensino secundário ou superior concluído, sendo os agregados compostos apenas por idosos os que mostram níveis mais baixos de habilitações literárias. Quanto à situação socioprofissional, 55,6% eram indivíduos ativos com emprego, 9,2% estavam desempregados, 2% eram domésticas, 21,6% estudantes e 11,6% eram reformados/pensionistas.
Tendo em conta o perfil de atividade familiar, encontramos quatro grandes grupos: 25% dos agregados eram compostos por adultos com filhos menores dependentes (aqui considerados crianças e jovens com menos de 15 anos), 51,7% eram adultos sem filhos ou com filhos maiores de 15 anos; 13,3% eram famílias alargadas, o que inclui agregados onde residem filhos de várias idades e/ou outros parentescos; e 10% dos agregados era composto apenas por idosos.
Em termos de rendimento familiar médio mensal, como observado no quadro III , os rendimentos familiares mais baixos estão arrolados à população mais idosa e aos agregados que incluem um maior número de gerações a habitar a mesma residência. É ainda possível afirmar que, como seria de esperar, os rendimentos mais elevados encontram-se nos agregados familiares com indivíduos em idade ativa.
IV. Atividade física em Rio de Mouro: uma análise das práticas da população
O presente ponto tem como objetivo responder a duas questões relevantes do artigo: por um lado identificar a oferta de equipamentos existentes na freguesia e o nível de acessibilidade a estes por parte dos residentes na freguesia em estudo; por outro, caracterizar as práticas de atividade física, relacionando-as com a presença e utilização desses equipamentos. Estes aspetos desenvolvem-se nos pontos seguintes.
1. Equipamentos desportivos da freguesia: tipos e localização
A população residente em Rio de Mouro dispõe de 33 equipamentos/infraestruturas desportivas onde é possível desenvolver a prática de atividade física (fig. 2). Estes enquadram-se em diferentes tipologias pertencentes a diversas entidades competentes (associações sem fins lucrativos, Ministério da Educação, Câmara Municipal de Sintra, Junta de Freguesia de Rio de Mouro e entidades/empresas privadas). A maioria dos equipamentos pertence a empresários privados, sendo, na generalidade, ginásios.
A partir dos dados do inquérito à população residente foram formados cinco grupos. Estes resultam da junção do local de residência dos indivíduos tendo em conta a proximidade entre si. Considerando um tempo de deslocação de 10 minutos, e que o percurso é efetuado a pé a uma velocidade de cerca de 3,5 km/h (Bosina & Weidmann, 2017), foi estipulada uma distância máxima de 600m entre o local de residência e o equipamento para prática de atividade física, chegando-se aos seguintes resultados (fig. 3): o grupo 1 possui apenas um equipamento a menos de 600m, o segundo grupo contabiliza quatro equipamentos, o grupo 3 integra seis, o 4 possui onze e o grupo 5 regista nove equipamentos. Quanto à distância média aos equipamentos, o grupo 1 dista em média 350m, o grupo 2 está a 342m, o grupo 3 a 450m, o quarto grupo encontra-se a 314m e o grupo 5 está a 468m. Assim, o grupo mais bem servido por equipamentos é o 4.
A análise anterior aponta para que a população de Rio de Mouro se encontre bem servida se considerarmos a presença e proximidade aos equipamentos de atividade física, mas, em detalhe, os resultados são diferentes. É favorável a existência de muitos e diferentes ginásios, todavia são de índole privada. Por outro lado, os equipamentos administrados pela junta de freguesia ou câmara municipal, e que podem ser utilizados como parte integrante de ações e programas promotores da prática de atividade física, são os que mais deixam a desejar pela sua baixa qualidade, falta de manutenção e fracas condições de segurança (como as verificadas na maioria dos campos de jogos). Isto tem um efeito negativo no que toca à tentativa de alterar os hábitos e práticas saudáveis dos indivíduos. Ademais, os equipamentos concentram-se nas áreas mais populosas, e por isso os residentes no sul da freguesia estão um pouco à parte dos já referidos.
4. Prática de atividade desportiva da população de Rio de Mouro
No que diz respeito à procura, os dados obtidos por inquérito relativos às práticas da população, mostram que a maioria não pratica atividade física, registando-se 62% de não praticantes contra 38% de praticantes. Estes valores acompanham a realidade nacional, ainda que, de acordo com dados do Plano Nacional de Promoção da Atividade Física (PNPAF), se apresentem ligeiramente superiores aos do país, onde apenas cerca de um terço da população é suficientemente ativa fisicamente (DGS, 2019).
Em termos de género, ambos os sexos contam mais não praticantes do que praticantes, no entanto, o sexo masculino possui uma diferença menor entre praticantes e não praticantes: 14% das mulheres pratica atividade física, enquanto os homens praticantes atingem os 24%, o que constitui uma diferença considerável, corroborando a diferenciação entre géneros enunciada noutros estudos (Herazo-Beltrán et al., 2017; Morseth et al., 2016; Rosselli et al., 2020).
No que respeita aos grupos etários, é percetível que a população dos 6 aos 12 anos - reforçando a necessidade da atividade física em âmbito escolar - e os grupos que compreendem as idades entre os 18 e 49 anos de idade são os que mais praticam, sendo que as classes dos 6 aos 12 e dos 18 aos 29 anos são as únicas em que os praticantes existem em maior número que os não praticantes. Além disso, este caso de estudo, tal como em outros recentes, comprova que os adolescentes, entre os 13 e os 17 anos, não cumprem os mínimos de atividade física (Fan et al., 2019; Fernández et al., 2017). Em nenhum dos níveis de escolaridade o número de praticantes de atividade física é superior ao de não praticantes, sendo nos indivíduos com ensino superior completo que se assiste a uma maior proporção de praticantes, existindo uma diferenciação entre o nível de escolaridade mais avançado e restantes, tal como verificado num estudo anterior para a cidade do Porto (Pereira et al., 2012).
Quanto aos rendimentos familiares, rendimentos baixos correspondem a indivíduos que menos atividade física praticam. Nenhum indivíduo com rendimento do agregado familiar inferior a 500€ o faz. Nos escalões mais altos, a prática é mais evidente: 63% de praticantes no escalão 1000-1500€ e 73% no escalão 1500-2500€. Reitera-se, como por norma é observado, que rendimentos mais altos redundam em mais e melhores oportunidades para a prática de atividade física. Na realidade, o fator financeiro é um dos mais evocados a nível nacional para a inexistência desta prática (DGS, 2019).
Cerca de 40% dos praticantes de atividade física utilizam o automóvel nos movimentos pendulares, seguidos por aqueles que fazem uma utilização combinada de veículo próprio e transporte público e daqueles que apenas utilizam transportes públicos (fig. 4). Nos utilizadores de automóvel, os praticantes de atividade física duplicam em relação aos não praticantes, enquanto nos utilizadores de transportes públicos os não praticantes são superiores aos praticantes. Quando combinados os modos privado e público, os praticantes são superiores aos não praticantes.
Todos os que se deslocam a pé para o trabalho são praticantes de atividade física. Por outro lado, a um maior uso de automóvel nas deslocações pendulares corresponde um maior número de praticantes de atividade física e são os praticantes utilizadores de uma tipologia mista e de transportes públicos aqueles que mais regularidade mostram na prática semanal. Contudo, verifica-se um maior número de praticantes quando é utilizado o automóvel em algum momento do movimento pendular, constituindo-se este modo de transporte um fator fornecedor de maior independência aos indivíduos.
Estas evidências assumem uma maior relevância dado que a utilização do veículo próprio na totalidade ou parte do quotidiano, está, neste caso, ligada à capacidade económica dos agregados (rendimentos), mas apenas para os extremos, ou seja, a inexistência do uso por parte daqueles com menores rendimentos e maior proporção apresentada por aqueles com maiores rendimentos. Os grupos intermédios apresentam valores bastante semelhantes no que aos modos de transporte utilizados diz respeito. De facto, a análise cluster efetuada mostra que a prática de atividade física e o modo de transporte utilizado estão ligados de perto com a tipologia do agregado familiar (quadro IV), isto é, um agregado com dependentes menores de 15 anos onde a prática de atividade física é uma realidade, utilizará, na maioria dos casos, o automóvel; por outro lado, um agregado sem dependentes e que pratique atividade física pode não apresentar, tantas vezes, a utilização do veículo próprio como modo de deslocação escolhido.
Quando se enquadra na análise o modo de transporte usado nos movimentos pendulares pelos agregados que mais atividade física praticam e se faz a distinção entre a existência ou não de dependentes (com idades inferiores a 15 anos), é percetível que as famílias com dependentes e praticantes de atividade física pelo menos três vezes por semana utilizam, na sua maioria, o automóvel, em algum momento do dia-a-dia, enquanto as outras utilizam mais os transportes públicos.
Apesar de muitos indivíduos se sentirem inseguros no bairro (fig. 5), a realidade é que continuam a praticar algum tipo de atividade física em espaço público (por exemplo, caminhada ou corrida) ou privado (ex. ginásio). Isto contraria alguns estudos nos quais o sentimento de segurança desempenha um papel significativo para a prática de atividade física (Florindo et al., 2013; Kretschmer & Dumith, 2020; Mendes et al., 2014; Rees-Punia et al., 2018) e demonstra que os locais e as horas em que se pratica a atividade apresentam, de forma relativa, maiores condições de segurança.
Mesmo quando analisado o tempo passado fora de casa, o local preferido para a prática de atividade física é o bairro, que sozinho, conta com mais de 30% das preferências, e associado a outros destinos ultrapassa os 60%. O município de Sintra constitui-se, assim, um espaço relevante. Outros municípios são procurados, essencialmente ligados ao local de trabalho, por indivíduos que passam períodos mais longos fora de casa (fig. 6). Em síntese, a prática de exercício físico por parte dos indivíduos inquiridos orienta-se por uma regra de proximidade à residência, existindo um padrão no qual, independentemente de passarem muito ou pouco tempo fora de casa e de se sentirem mais ou menos seguros, os indivíduos preferem realizar a atividade física perto da habitação.
O tempo passado fora de casa por parte dos indivíduos não praticantes de atividade física permite justificar se a falta de tempo corresponde a uma razão para a inexistência de prática. No caso dos idosos, a questão do tempo é inexistente. Contudo, nas restantes tipologias familiares, o mesmo não pode ser dito, já que muitas destas famílias estão sobrecarregadas no que concerne às atividades desenvolvidas no dia-a-dia (fig. 7). Todavia, há que salientar que, embora não constitua regra, existem algumas situações em que a conciliação da atividade física no quotidiano das famílias pode ser possível, existindo falta de interesse em fazê-lo.
Desta forma, é percetível que, na generalidade dos casos, se assiste a um fenómeno de time squeeze, os indivíduos passam grande parte do seu dia fora de casa e não conseguem encaixar a prática de atividade física nas suas atividades diárias. Este facto é consistente com o principal motivo apresentado pelos não praticantes de atividade física a nível nacional (DGS, 2019). Mesmo com o uso do automóvel, a incapacidade de integrar atividades extra no dia-a-dia familiar é uma realidade. A possibilidade da existência de conflitos entre o tempo disponível para as atividades familiares e de lazer e o tempo de prática de atividade física é evidente. Parece existir uma relação entre a rotina familiar e a prática de atividade física. Contudo, não existe ligação entre a maior ou menor frequência (vezes por semana), isto é, a dificuldade encontra-se na criação de espaço no seu dia-a-dia para a prática de atividade.
V. Conclusão
Considerando a realidade de Rio de Mouro, os hábitos saudáveis estão aquém do desejável, tendo sido observado que, no que respeita à atividade física, menos de 40% da população é praticante. Claramente, esta é uma situação preocupante e que necessita de ser invertida, já que a prática de atividade física constitui uma forma de prevenção da doença e potencia o bem-estar e vida saudável. Não obstante, os resultados obtidos para o caso de estudo acompanham os valores nacionais e europeus (DGS, 2019; WHO, 2020).
Os grandes fatores influenciadores da prática de atividade física são de génese social e económica, comprovando as evidências teóricas neste aspeto. Uma maior prática de atividade física corresponde a indivíduos com um nível de formação mais elevado. O género é um vetor de desigualdade, repercutindo menos oportunidades para as mulheres. De facto, esta tendência não só se verifica na freguesia de Rio de Mouro, como se observa em Portugal e na Europa (e, também, a nível mundial). A dissemelhança na repartição do trabalho doméstico não remunerado continua a ser um problema importante. A desigualdade entre géneros na prática de atividade física é demasiado acentuada, sendo a paridade de géneros no acesso a oportunidades de utilização dos seus tempos livres um aspeto ainda a trabalhar. A idade influencia de maneira muito própria a prática de atividade física, realçando a importância de ações para os mais idosos e da prática na escola e desporto escolar. Ademais, a situação económica dos agregados tem uma forte repercussão na prática de atividade física; quanto menor a disponibilidade financeira, menor a prática.
É interessante que, apesar de não se sentirem seguros, os indivíduos continuam a frequentar o bairro aquando da prática de atividade física, o que contradiz veementemente as premissas teóricas de que a criminalidade afasta os indivíduos dos locais, reafirmando que a proximidade aos equipamentos se traduz numa maior prática por parte dos indivíduos.
Compreende-se que os conflitos tempo-atividades - time squeeze - são minorados pela utilização do automóvel, mas não extintos, pois muitas famílias continuam a não conseguir resolvê-los tendo de abdicar da realização de certas atividades. Esta é uma corroboração de que o automóvel é uma “arma” na luta contra o tempo. Ao utilizar o automóvel na deslocação diária, o indivíduo tem acesso a mais oportunidades, o que não aconteceria, quando utilizado apenas o transporte público. Contudo, o automóvel não é uma resposta “milagrosa”, indo no sentido contrário da promoção da mobilidade ativa, utilizando modos suaves ou transporte público, como fator impulsionador da prática de atividade física.
Os reduzidos valores de prática de atividade física acarretam implicações negativas para o Serviço Nacional de Saúde e também para as administrações locais. De facto, o processo de tomada de decisão a este nível deve enquadrar as relações da prática de atividade física com a proximidade de equipamentos e a mobilidade dos indivíduos. Neste caso, as intervenções não devem facilitar a utilização de veículo próprio - já que tal é contraproducente (políticas económicas e ambientais e importante minoração das alterações climáticas) -; devem sim potencializar a rede de transportes públicos e a constituição de economias de aglomeração que produzam ganhos na ocupação do território municipal e estejam intimamente ligadas à rede de transportes públicos.