I. Introdução
O aumento do número de jovens que viaja anualmente é uma das tendências atuais com grande impacte na atividade turística. Além das importantes receitas geradas por este segmento, os destinos procurados por turistas mais jovens têm sido descritos como mais resilientes, não estando tão sujeitos à volatilidade do mercado, recuperando mesmo mais depressa de eventuais crises (Martins, 2020). Neste contexto, o turismo backpacker tem sido descrito como uma das principais tendências da atividade turística atual (Cohen, 2011). Não obstante a falta de estatísticas oficiais, o aumento do número de hostels permite verificar que o número de backpackers de visita a Portugal tem também aumentado. Descritos na literatura como viajantes independentes, predominantemente jovens e com um itinerário de viagem flexível e informal (Pearce, 1990), não foi ainda analisado o seu comportamento espaciotemporal num destino urbano. Associando a informação georreferenciada dos movimentos efetuados pelos turistas backpackers de visita à cidade do Porto aos territórios/freguesias visitados, pretende-se analisar o comportamento espacial dos turistas deste segmento de mercado e identificar diferentes padrões de movimento espaciotemporais.
Para tal, foi utilizado uma aplicação GPS (Global Position System) para smartphone que procede ao rastreamento das visitas. Os dados recolhidos foram analisados sob a perspetiva da Geografia Temporal, que contribui para a compreensão do comportamento espacial tendo em consideração vários constrangimentos relativos ao tempo despendido e que restringem a realização de atividades no espaço (Hägerstrand, 1970). Algumas investigações sobre o comportamento espaciotemporal dos turistas têm-se focado, segundo Grinberger et al. (2014) na segmentação dos turistas, nas escolhas do destino e no modo como o destino é espacialmente consumido, sobretudo nas atividades selecionadas e sua sequência. Existem ainda outros estudos que salientam a influência de vários fatores, nomeadamente a localização do alojamento (Shoval et al., 2011); a origem cultural dos turistas (Dejbakhsh et al., 2011); o dia da estada em que a visita é realizada (Lew & McKercher, 2006); se visitam ou não o destino pela primeira vez (Caldeira & Kastenholz, 2018); o tipo de viagem (Lew & McKercher, 2006); as características sociodemográficas (Caldeira, 2014; Dejbakhsh et al., 2011) ou a distância percorrida desde o país de origem (Caldeira & Kastenholz, 2015).
Esta investigação tem como objetivo principal identificar e caracterizar padrões de comportamento espaciotemporal do segmento backpacker de visita ao destino urbano Porto. Pretende-se encontrar padrões de comportamento espaciotemporais utilizando para o efeito o ClustalG, um software de alinhamento sequencial múltiplo, e desta forma contribuir para uma melhor organização e estruturação do destino e para o desenvolvimento duma estratégia de desenvolvimento turístico deste segmento.
Este artigo encontra-se organizado da seguinte forma: na secção dois é realizada a revisão da literatura dos principais tópicos em análise, a secção três é dedicada à metodologia utilizada na recolha e tratamento da informação, seguida da secção quatro onde é feita a análise dos resultados obtidos. Por fim, na secção cinco, são apresentadas as principais conclusões e os principais contributos.
II. Revisão de literatura
1. O Turismo Backpacker
O aumento do número de jovens que viaja anualmente por todo o planeta (World Tourism Organization, 2016) coloca este segmento de mercado como uma das principais tendências do turismo internacional. Neste contexto, o turismo backpacker, fenómeno relativamente recente, tem despertado a atenção de vários investigadores, quer pela sua complexidade e heterogeneidade (Cohen, 2011; Maoz, 2007; O’Reilly, 2006; Sørensen, 2003; Uriely et al., 2002), pela sua importância social e económica (Hampton, 1998; Rogerson, 2011; Scheyvens, 2002), pelas suas características culturais e etnográficas (Scheyvens, 2002; Sørensen, 2003), por questões ligadas à mobilidade (Moscardo et al., 2013) e à sustentabilidade (Iaquinto, 2015), entre outros.
Pearce (1990, p. 1) define backpackers como “viajantes predominantemente jovens em férias prolongadas, com uma preferência por alojamentos económicos, com um itinerário de viagem flexível e informal com ênfase em conhecer pessoas e em participar numa série de atividades”. A partir da literatura, procedeu-se à construção do quadro I que sintetiza as principais características dos turistas backpackers. Devido à complexidade e aos vários subsegmentos que têm sido identificados que dificultam a operacionalização do conceito backpacker (Martins, 2020; Martins & Costa, 2017), adotou-se nesta investigação o critério da tipologia de alojamento, utilizado pelo Tourism Research Australia (2009, p. 1) que define o turista backpacker de forma sucinta e objetiva como “uma pessoa que passa uma ou mais noites num alojamento para backpacker ou hostel”.
2. Geografia temporal e comportamento espaciotemporal dos turistas
De acordo com Yun e Park (2014), a Geografia Temporal lida com as atividades humanas que acontecem em lugares específicos e em períodos de tempo bem definidos. É uma poderosa ferramenta concetual, criada e desenvolvida por Hägerstrand, que tem em consideração vários constrangimentos ou restrições relacionadas com o tempo despendido num dado território que limitam a concretização de atividades no espaço (Hägerstrand, 1970). Esta leitura dá assim um importante contributo para a compreensão do comportamento espacial do ser humano.
Segundo Shaw (2010), a Geografia Temporal é também uma ferramenta de análise que permite agregar as dimensões espaço e tempo, considerando as atividades como processos e as situações que influenciam essas mesmas atividades, isto é, a posição num determinado momento (tempo) e a posição em relação ao ambiente circundante (espaço). Vários autores têm utilizado os contributos teóricos da Geografia Temporal em vários estudos sobre o comportamento espaciotemporal dos turistas (ex., Grinberger et al., 2014; Grinberger & Shoval, 2019; Kang, 2016; Shoval & Isaacson, 2007a; Shoval et al., 2015; Xiao-Ting & Bi-Hu, 2012; Yuan & Ping, 2015) com ênfase na análise dos seus movimentos individuais e nas atividades realizadas durante as visitas.
A inexistência de um modelo ou ferramenta teórica de análise do comportamento espaciotemporal dos turistas baseado numa taxonomia coerente e abrangente, levou Caldeira e Kastenholz (2020) a sugerir uma ferramenta concetual constituída por duas dimensões consideradas necessárias à operacionalização dos movimentos intradestino dos turistas: a dimensão “movimento” e a dimensão “multiatração”. Estas duas dimensões, descritas e operacionalizadas por estas investigadoras, são constituídas por um conjunto de subdimensões. Na dimensão “movimento” encontra-se a territorialidade, linearidade, orientação e locomoção. Na dimensão “multiatração”, inclui-se a intensidade e a especificidade. Os constrangimentos ou restrições relativas à capacidade, cooperação e autoridade apresentados por Hägerstrand (1970) foram adaptados à atividade turística (Kang, 2016; Shoval et al., 2015), encontrando-se sistematizadas no quadro II.
3. Alinhamento sequencial
O alinhamento sequencial como método de análise das atividades humanas no tempo e no espaço - tem vindo a ser utilizado desde os anos 90 do século passado, pelas ciências sociais e humanas, embora de uma forma um pouco tímida, dada a escassez de trabalhos publicados (Martins, 2020). A representação de eventos ordenados no espaço e no tempo é feita através de algoritmos combinatórios que calculam medidas de similaridade ou distância entre as sequências de caracteres (Wilson et al., 1999). É a correspondência entre duas ou mais sequências que irá permitir a construção de uma árvore filogenética ou dendrograma que servirá de guia para a criação do alinhamento múltiplo. De acordo com Shoval e Isaacson (2007a), o software CLUSTAL, desenvolvido no âmbito da biologia molecular, foi adaptado e desenvolvido por Harvey, Thompson e Wilson numa pesquisa financiada pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais e Humanas do Canadá e utilizado por Wilson (1998) no estudo dos padrões de atividade diários de uma amostra de indivíduos. A versão ClustalG reconhece sequências de palavras de entrada de até seis caracteres e permite utilizar mais de 20 letras (Thompson-Maaloum & Wilson, 2005).
Shoval e Isaacson (2007a) estão entre os primeiros a aplicar métodos de alinhamento sequencial em investigações em turismo, utilizando o software CLUSTALG na agregação de informação espacial e temporal de turistas de visita à cidade histórica de Acre (Israel). Shoval et al. (2015) utilizaram o mesmo software num estudo em Hong-Kong, e a partir dos padrões de comportamento espaciotemporais dos turistas rastreados, conseguiram reconhecer várias tipologias de turistas.
4. Métodos e técnicas de rastreamento
A aplicação de métodos e técnicas modernas que recorrem à utilização de aparelhos de GPS, sistema de rastreamento telefónico, cartões/passes de visita, soluções híbridas, aplicações para smartphones (APP), rastreamento por Bluetooth, informação georreferenciada partilhada em redes sociais, entre outras, são, em geral, técnicas mais eficientes e precisas, comparadas às técnicas tradicionais de rastreamento e diminuem as responsabilidades dos participantes, não estando dependentes do seu entusiasmo e da sua memória (Martins, 2020). Apesar de nenhuma destas novas tecnologias substituir a realização de questionários ou entrevistas, Shoval e Isaacson (2007b) defendem que a precisão do GPS torna-o na melhor tecnologia para ser utilizada em investigações sobre os movimentos efetuados pelos turistas. Segundo van der Knaap (1999), a recolha e utilização de dados georreferenciados permite a sua manipulação em ambiente SIG (sistemas de informação geográfica). Estes softwares permitem armazenar uma grande quantidade de dados e, segundo Lau (2007), possibilitam ainda a sua análise e a sua apresentação cartográfica, facilitando o reconhecimento de padrões a partir de um conjunto de critérios particulares. Neste estudo foi utilizada uma aplicação GPS de smartphone, gratuita e de acesso livre, que permite a partilha do percurso rastreado através do envio de um email.
III. Metodologia
Toda a informação necessária à realização deste estudo foi recolhida através da aplicação de questionários aos backpackers, que incluiu questões relativas às suas características sociodemográficas, às características da viagem que estavam a realizar e a um conjunto de características relativas à visita efetuada.
Dos 293 questionários válidos, foram utilizados neste estudo 82 questionários correspondentes aos backpackers que aceitaram fazer o rastreamento da sua visita através de uma aplicação de smartphone gratuita e de acesso livre, descarregada no seu dispositivo móvel.
À chegada ao hostel, os participantes partilharam, por correio eletrónico, o ficheiro de extensão .gpx correspondente aos movimentos georreferenciados realizados pelos mesmos. A análise da sequência de eventos foi realizada com recurso ao software QGIS que permitiu identificar o tempo de permanência de cada turista em cada polígono (freguesia) e com o processador de cálculo Excel da Microsoft contabilizou-se, para cada visitante, o seu tempo de permanência em cada freguesia (utilizando a divisão territorial anterior à reforma administrativa de 2013). O sistema de codificação atribuiu uma letra diferente a cada polígono (freguesia; fig. 1).
Conhecendo-se o tempo de permanência de cada backpacker em cada freguesia, construíram-se as sequências que serão alvo de análise no software ClustalG, de acordo com o seguinte exemplo:
>Bkpk_7
LPLLPPPPPPPNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNPPNPPPPPPPPLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL
Como os rastreamentos efetuados por GPS têm uma grande precisão espaciotemporal e a área de estudo não é muito extensa, verificando-se uma grande concentração das visitas e duração das mesmas numa área relativamente pequena (correspondente ao centro histórico classificado como Património da Humanidade), optou-se por fazer corresponder a cada código a duração de um minuto (Martins, 2020). Assim, o turista identificado como Backpacker 7 (Bkpk7) realizou o seguinte percurso:
Santo Ildefonso(1m)>Vitória(1m)>Santo Ildefonso(2m)> Vitória (7m)>Sé(29m)>Vitória (2m)> Sé(1m)>Vitória (8m)>Santo Ildefonso(34m)
Depois de executada a sequenciação de todos os percursos realizados pelos backpackers que participaram nesta investigação foi possível identificar padrões de visita distintos, quer no espaço, quer no tempo. Todas as sequências foram copiadas para um ficheiro Word da Microsoft e convertidas num ficheiro de texto simples .txt com codificação MS-DOS. Com o recurso a uma folha de cálculo Excel discriminou-se o percurso e o tempo de permanência de cada turista, em cada freguesia, multiplicando-se o número de letras de acordo com o tempo despendido em cada polígono (Martins, 2020). Após o alinhamento, o software ClustalG dá origem a dois ficheiros de extensão .ALN para leitura no próprio software, e de extensão .DND, para leitura no software TreeView onde se pode visualizar a árvore taxonómica que agrupa e ordena hierarquicamente os dados.
IV. Resultados
Como se pode verificar pelo quadro III, entre os 82 turistas backpackers que realizaram com sucesso o rastreamento GPS dos seus movimentos durante um dia de visita à cidade do Porto, 39 (47,6%) são do sexo feminino e 43 (52,4%) do sexo masculino, caracterizando-se por serem maioritariamente solteiros (70,7%), por terem uma escolaridade elevada (aproximadamente 83% tem uma escolaridade superior ou pós-graduada) e por trabalharem a tempo inteiro (50%) ou a tempo parcial (9,8%), embora a percentagem de estudantes seja ainda relevante (29,3%). Apesar de a média de idades não ultrapassar os 27 anos, os rendimentos anuais auferidos são relativamente elevados: dos 68 turistas que responderam a esta questão, 48,5% afirmaram obter um rendimento superior a 20 mil euros por ano. No que diz respeito à sua origem, a grande maioria vem de países da Europa (68,3%), sendo a Alemanha o país mais representado, seguindo-se países da América (23,2%) e da Ásia Oriental e Pacífico (8,5%), onde se destaca a Austrália. Estes dados estão em linha com as estatísticas apresentadas pelo Instituto de Planeamento e Desenvolvimento do Turismo (2017) onde o mercado europeu é referido como o mais importante mercado emissor na região Porto e Norte de Portugal.
O alinhamento sequencial permitiu identificar dois grupos distintos de backpackers: o Grupo A, onde se encontra a grande maioria dos turistas (n=75) e o Grupo B, constituído apenas por 5 elementos. Como os backpackers têm sido descritos como fazendo parte de um segmento heterogéneo (Dayour et al., 2016), considerou-se importante fazer uma análise mais detalhada dos clusters encontrados. Por conseguinte, e tendo em conta os resultados da árvore taxonómica produzida no último alinhamento, subdividiu-se o Grupo A em quatro subgrupos: Subgrupo A1 (19 elementos); Subgrupo A2 (34 elementos); Subgrupo A3 (15 elementos); Subgrupo A4 (7 elementos).
Pretendendo-se encontrar a melhor ordenação hierárquica e os locais de maior pontuação usados para caracterizar cada subgrupo como um todo, procedeu-se a um novo alinhamento isolado desses subgrupos. Seguiu-se a análise dos resultados que permitiu, por um lado, identificar os locais que se encontravam mais bem conservados, e por outro, quantificar o tempo médio de permanência e a sequência de territórios visitados. Apesar do número de turistas rastreados estar limitado a 82 elementos, como o seu ponto de partida e de chegada não foi sempre o mesmo alojamento, verificou-se uma grande variedade de percursos. Realizado um novo (re)alinhamento foi possível dividir, a partir da árvore taxonómica, o subgrupo A1 no subgrupo A.1.1 e subgrupo A.1.2; o subgrupo A2 nos subgrupos A.2.1, A.2.2, A.2.3 e A.2.4; e o subgrupo A3 nos subgrupos A.3.1 e A.3.2.
Construiu-se, assim, um gráfico de barras para cada subgrupo identificado no alinhamento onde a cor das barras identifica a freguesia visitada e o seu comprimento traduz a duração da visita (fig. 2), bem como um quadro síntese das características dos indivíduos de cada grupo/subgrupo (quadro IV). Cada gráfico representa, por isso, um padrão de comportamento espaciotemporal distinto.
Apesar dos subgrupos não serem constituídos por muitos elementos, procedeu-se à sua descrição, salientando sobretudo as características dominantes no que diz respeito ao seu perfil sociodemográfico, às características da viagem e ainda algumas das características relativas ao seu dia de visita à cidade, tentando descobrir a existência de alguma relação entre os padrões espaciotemporais e o perfil dos turistas (Shoval et al., 2015). Este método de análise demonstrou ser muito adequado tendo em conta a dimensão da amostra e as características da informação espacial e temporal inerente aos movimentos georreferenciados dos turistas. Conhecidos os padrões de comportamento espaciotemporais dos grupos e subgrupos de turistas backpackers identificados no alinhamento sequencial, destacam-se algumas das suas principais características dominantes.
O subgrupo A.1.1. é constituído por onze backpackers. Apresenta uma média de idades de 25,8 anos, quase metade (45%) dos seus elementos está a fazer uma viagem multidestino por vários lugares em Portugal e 73% visitam o Porto pela primeira vez. A maioria ficou entre dois e cinco noites na cidade (82%), visitaram-na sozinhos (73%) e, em média, realizaram cinco viagens internacionais de longa duração nos últimos cinco anos. Demonstraram muito interesse pelos edifícios históricos da cidade - como a Estação de S. Bento, a Sé Catedral, o Paço Episcopal, o Miradouro da Sé e a ponte D. Luís - despendendo a maior parte do seu orçamento temporal na freguesia da Sé (59,4%), localizada no centro histórico classificado pela UNESCO.
O subgrupo A.1.2. é constituído por oito backpackers, quase todos do sexo feminino (75%). Tem uma média de idades idêntica ao subgrupo anterior (25 anos) e caracterizam-se por serem viajantes experientes e por terem visitado a cidade maioritariamente acompanhados (75%) por amigos ou namorados(as). Nos últimos cinco anos, realizaram, em média, 7,4 viagens internacionais de longa duração, e a maior parte (62,5%,) fez escala noutro país antes de chegar à cidade, visitando o Porto pela primeira vez. A estada média na cidade foi de 3,9 noites. Em termos espaciais, este subgrupo limitou a visita às freguesias da Sé e de Santo Ildefonso - nas proximidades do alojamento - onde passaram 89,5% do tempo, revelando uma dispersão territorial muito reduzida. Visitaram preferencialmente monumentos e edifícios históricos (50%) e igrejas (50%) como por exemplo, a Estação de S. Bento, o Mercado do Bolhão, a Avenida dos Aliados, o Café Majestic, a rua comercial de Santa Catarina e, ainda, a Sé Catedral.
Apesar dos elementos do subgrupo A.2.1. serem os mais jovens (média de 23 anos) são também viajantes experientes que se encontram a visitar o Porto pela primeira vez (78%), permanecendo, em média, 4,4 noites na cidade. Pouco mais de metade dos seus elementos visitaram a cidade sozinhos e todos realizaram o rastreamento num dia intermédio da sua estada. Verifica-se a existência de uma maior dispersão da visita pela cidade que começa na freguesia de Santo Ildefonso, onde visitam a Avenida dos Aliados, Câmara Municipal e o Mercado do Bolhão, fazendo uma pequena incursão na freguesia da Sé, visitando a Estação de S. Bento. Segue-se a freguesia de Vitória, nomeadamente a Torre dos Clérigos, a conhecida livraria Lello, algumas esplanadas de cafés e restaurantes junto ao jardim da Cordoaria e a praça dos Leões. Dirigem-se depois à Ribeira (freguesia de S. Nicolau) onde caminham até aos pilares da ponte Pênsil e da ponte D. Luís. A visita termina na freguesia de Santo Ildefonso, onde se localiza a maioria dos hostels. Em termos de atividades realizadas, salientam-se as longas caminhadas pela cidade (77,8%) e as visitas a algumas atrações icónicas da cidade (55,5%).
A segunda maior média de idades (28,5 anos) pertence ao subgrupo A.2.2., constituído maioritariamente por backpackers com a segunda maior estada no Porto (média de 5 noites). Apesar de todos terem caminhado pela cidade, os transportes públicos (50%) foram bastante utilizados. O orçamento temporal da visita está bastante concentrado em duas freguesias: Massarelos (39,1%) e Cedofeita (33,6%), havendo, no entanto, algumas incursões, mais ou menos longas, em Miragaia e Santo Ildefonso. Uma característica distintiva deste subgrupo, é a sua não preferência pelo Centro Histórico classificado pela UNESCO, nomeadamente as áreas ribeirinhas da cidade, que são muito procuradas pelos que visitam o Porto. A sua visita começa em Cedofeita onde os turistas se dispersam por várias ruas, em direção ao Mercado do Bom Sucesso (freguesia de Massarelos). Regressam à freguesia Cedofeita, onde visitam a conhecida Igreja Românica, atravessando depois a conhecida rua pedonal de Cedofeita. Fazem uma curta incursão por Santo Ildefonso, visitando a Avenida dos Aliados, Câmara Municipal e Mercado do Bolhão, voltando novamente a Massarelos, onde visitam a Casa da Música e passeiam pela rotunda da Boavista. Voltam a Santo Ildefonso (Avenida dos Aliados), dirigindo-se à Rua Miguel Bombarda, conhecida pela concentração de galerias de arte e localizada na freguesia de Cedofeita. Visitam ainda demoradamente os jardins do Palácio de Cristal (freguesia de Massarelos), importante área verde da cidade onde se localiza também o Pavilhão Rosa Mota e alguns miradouros com vista sobre o rio Douro e a sua foz.
O subgrupo A.2.3. apresenta características semelhantes ao subgrupo anterior no que diz respeito à média de idades, mas apresenta a estada média mais longa, com 5,3 noites. Os dados recolhidos com o rastreamento mostraram a existência de um padrão de visita sui generis no qual se destaca a sua grande amplitude territorial. Isto acontece porque os backpackers que constituem este cluster despenderam a maior parte do seu tempo de visita (57,5%) em territórios de outros concelhos (Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Aveiro, Alijó, entre outros) distanciando-se bastante do centro urbano da cidade. A disponibilidade de um maior orçamento temporal poderá ajudar a explicar esta maior dispersão territorial, uma vez que a estada média mais longa permite aos visitantes despenderem mais tempo a visitar lugares mais distantes do seu alojamento. Como consequência, visitaram uma maior diversidade de atrações. No Porto, realça-se a avenida dos Aliados, os Clérigos, a estação de S. Bento, o mercado do Bolhão, a rua comercial de Santa Catarina, entre outros; fora do concelho do Porto, salienta-se o vale do Douro, algumas quintas produtoras de vinho do Porto localizadas em Peso da Régua e Pinhão, a cidade de Aveiro e ainda o litoral de Vila Nova de Gaia e de Matosinhos.
O subgrupo A.2.4. também se distingue pela sua maior amplitude territorial. Constituído, na sua maioria, por backpackers com uma média de idades de 26 anos, a visita à cidade fica marcada pela dispersão por várias freguesias, destacando-se Santo Ildefonso (37,3%) e outras freguesias pertencentes a concelhos vizinhos (30,7%). Metade dos elementos deste subgrupo encontrava-se a realizar uma viagem multidestino internacional e 37,5% referiu estar a realizar uma viagem exclusiva ao Porto. Também metade dos backpackers visitou a cidade num dia intermédio e 37,5% no primeiro dia em que chegaram ao Porto. A maior dispersão territorial está em linha com a opção pela utilização de transportes públicos (37,5%) e ainda com a visita às praias de Gaia ou Matosinhos (25%). Uma parte importante do orçamento temporal despendido na visita foi gasto em áreas comerciais, nomeadamente no centro comercial El Corte Inglês, na cidade de Vila Nova de Gaia. Visitaram também Monumentos e Edifícios Históricos (50%), como a igreja Românica de Cedofeita, a Ribeira do Porto, a ponte D. Luís, a rua de Santa Catarina, a praça da Batalha, o teatro Nacional S. João, a igreja de Nossa Senhora da Lapa, o mercado do Bolhão, a estação de São Bento, Sé, entre outros.
O cluster A.3.1. tem uma das estadas mais curtas (média de 2,7 noites). Como todos os seus elementos frequentaram o Ensino Superior, sendo que 43% têm Mestrado ou Doutoramento, é bastante homogéneo em termos de habilitações académicas, apresentando por isso rendimentos anuais mais elevados: a maioria (60%) referiu auferir de valores anuais superiores a 20 mil euros. Cerca de 57% dos backpackers afirmou estar a visitar o Porto pela primeira vez - o valor mais baixo de todos os subgrupos - e 43% realizaram a visita à cidade no primeiro dia da estada. A maior parte do tempo despendido na visita concentrou-se bastante na freguesia de Vitória (67,4%) e São Nicolau (18,2%). As atrações mais visitadas localizaram-se, por isso, no centro histórico classificado pela UNESCO. Visitaram as atrações localizadas na Ribeiro do Porto como, por exemplo, o exterior do Mercado Ferreira Borges, a Casa do Infante, o Palácio da Bolsa, a Torre Medieval e zona Ribeirinha onde se inclui a ponte D. Luís. Visitaram também a igreja e torre dos Clérigos, a capela de Nossa Senhora da Silva, a Praça dos Leões, algumas igrejas nas proximidades, a Praça Carlos Alberto e rua Cândido dos Reis junto à rua Galerias de Paris, e ainda alguns miradouros.
O subgrupo A.3.2. tem como principal característica distintiva, no que diz respeito ao seu padrão de comportamento, o facto de concentrarem a maior parte do tempo dedicado à visita na freguesia de Santa Marinha (Vila Nova de Gaia), junto às conhecidas caves de Vinho do Porto. Metade dos elementos deste cluster participaram nesta investigação no último dia da sua estada, apresentando um gasto médio de 63,4 euros por dia - o valor mais baixo de todos os subgrupos. Visitaram sobretudo a Casa do Infante, o mercado Ferreira Borges, a Feitoria Inglesa e caminharam até aos pilares da Ponte Pênsil e da ponte D. Luís. Passearam também pela ribeira de Gaia, visitaram algumas caves do vinho do Porto e utilizaram o teleférico até ao jardim do Morro, nas proximidades da rua da República.
As características sociodemográficas mais relevantes do subgrupo A.4. prendem-se com o facto dos seus elementos possuírem, em média, o nível de instrução mais baixo. Apenas 28% têm o ensino secundário, o que se reflete no reduzido valor dos rendimentos anuais apresentados (42% referiram receber menos de 3 mil euros por ano). Todos caminharam pela cidade, 29% utilizaram transportes públicos e fizeram a visita maioritariamente acompanhados (86%). Visitaram as mesmas freguesias que os elementos do cluster anterior, mas com diferenças significativas no tempo despendido em cada uma delas. Optaram por longas caminhadas, com pausas mais ou menos demoradas, ao longo das margens do rio Douro. A freguesia de São Nicolau é aquela onde despendem mais tempo da visita (66,5%), fazendo ainda uma pequena incursão na ribeira de Gaia (freguesia de Santa Marinha), embora durante pouco tempo (9,1% do tempo total). As atrações localizadas no centro histórico classificado pela UNESCO (57%) e os Miradouros (29%) estão entre as atrações visitadas.
O cluster B tem os viajantes mais experientes com a média de idades mais elevada (30,6 anos) e participaram neste estudo num dia intermédio (40%) ou no último dia da estada (40%). Auferem rendimentos elevados, em linha com as suas elevadas habilitações académicas e registam ainda gastos médios diários mais elevados (119 euros). A estada média é a mais curta (2,4 noites) e o Porto é um lugar de passagem para outros destinos, uma vez que a maioria estava a fazer uma viagem multidestino internacional (80%). Visitaram o centro histórico classificado pela UNESCO (40%) e os habituais monumentos e edifícios históricos do Porto (40%). O padrão de comportamento espacial é idêntico ao do subgrupo A.4. mas com diferenças no orçamento temporal. Despenderam mais tempo na freguesia de Santo Ildefonso (61,7%), caminhando pelas ruas Bruno Sampaio, Sá da Bandeira, Santa Catarina e 31 de Janeiro. Visitaram o mercado do Bolhão, a Praça da Liberdade, Estação de São Bento, rua Mouzinho da Silveira e das Flores, jardim Infante D. Henrique, Palácio da Bolsa, Mercado da Ribeira, Casa do Infante, entre outros. Destacam-se ainda as caminhadas pela margem do rio Douro até aos pilares da Ponte Pênsil.
V. Discussão e conclusões
A aplicação do método do alinhamento sequencial a percursos turísticos georreferenciados permitiu identificar a existência de dez padrões distintos de visita à cidade do Porto tendo em conta as áreas visitadas e o tempo de permanência nas mesmas, concluindo-se que este segmento de mercado, descrito na literatura como heterogéneo, experiencia os destinos de forma diferenciada (Martins, 2020). O conhecimento adquirido com este estudo poderá contribuir para a gestão mais eficiente do destino Porto, influenciando o seu planeamento (Ferrante et al. 2016), o desenvolvimento de infraestruturas de apoio e de transportes, bem como de produtos turísticos específicos a cada segmento e de estratégias de marketing e de viabilidade comercial das atividades turísticas (Caldeira, 2014; Ferrante et al., 2016; Lew & McKercher, 2006; Shoval & Ahas, 2016; van der Knaap, 1999). A técnica utilizada na recolha de dados georreferenciados pode ainda ser adaptada ao nível da gestão de fluxos turísticos, nomeadamente em situações pandémicas como descrito por Alpestana (2021), nomeadamente na localização em tempo real dos visitantes no destino urbano, impedindo por um lado, a concentração excessiva de visitantes em alguns lugares, e por outro, permitindo uma gestão mais adequada do seu tempo de visita.
Concluiu-se que os backpackers rastreados não parecem ter sido especialmente influenciados por constrangimentos relativos à autoridade uma vez que todos eles se encontravam a realizar uma visita de lazer ao Porto, com objetivo principal de passear e conhecer o destino (Martins, 2020). O constrangimento relativo à capacidade mais relevante foi a duração da estada, uma vez que esta é um “fator que altera o espectro de oportunidades dos turistas” (Shoval, 2012, p. 177, citado por Kang, 2016). A análise de dados permitiu verificar a existência de uma correlação positiva entre a duração da estada e as variáveis “afastamento máximo ao alojamento” e “velocidade média do dia de visita”, e ainda uma correlação negativa com o número de atrações visitadas. O transporte comercial/turístico também tende a ser utilizado com menos frequência pelos backpackers que registam estadas mais prolongadas. Como não se encontrou qualquer relação estatisticamente significativa entre a variável “grupo de visita” e o comportamento espaciotemporal dos backpackers, não foi possível demonstrar que os backpackers que visitam a cidade em grupos organizados têm uma menor liberdade nos percursos realizados em contraste com a menor “rigidez” de itinerários habitualmente associada ao turista independente.
A análise dos mapas dos movimentos efetuados por todos os grupos e subgrupos identificados no alinhamento sequencial permite verificar que os territórios mais visitados correspondem assim às freguesias mais antigas e centrais da cidade - Santo Ildefonso, Vitória, Sé, São Nicolau, Cedofeita, Miragaia e ainda à freguesia de Santa Marinha em Vila Nova de Gaia - onde se localizam as principais atrações do destino urbano do Porto. Verificou-se a existência de uma maior densidade de percursos nas freguesias onde se localizam as principais ruas da cidade (avenida dos Aliados, Praça da Liberdade, Rua Mouzinho da Silveira, Rua das Flores e ao longo da Ribeira do Porto onde se inclui a praça da Ribeira e outras ruas das proximidades), permitindo identificar alguns problemas ligados a uma maior concentração de turistas no centro histórico classificado pela UNESCO, que podem servir de base à definição de um conjunto de medidas que contribuam para a estruturação, gestão e organização de um destino urbano mais eficaz e eficiente (Martins, 2020).
Alguma literatura tem descrito os backpackers como um segmento de turistas com maior predisposição a situações de risco, no entanto, a maioria dos que participaram nesta investigação não demonstrou uma atitude muito exploratória, não se verificando, em média, um grande afastamento ao alojamento. Quando o fizeram, foi quase sempre em tours organizados por empresas privadas como demonstrado pelo subgrupo A.2.3.
As principais limitações desta investigação prendem-se com a dimensão da amostra de backpackers que aceitou fazer o rastreamento dos seus movimentos através de uma aplicação GPS e com o facto dos rastreamentos compreenderem apenas um dia de visita e não toda a estada, pelo que os resultados obtidos devem ser interpretados com as devidas cautelas. No entanto, é importante evidenciar que a amostra obtida é superior aos rastreamentos conseguidos noutras investigações como as de Yun e Park (2014) ou de Miyasaka et al. (2018).
No que diz respeito a estudos futuros, é fundamental compreender os padrões de comportamento espacial e temporal dos backpackers de modo a conhecer a forma como consomem os destinos, analisando também as mudanças ocorridas num momento pós-pandemia. O aumento da oferta de alojamentos turísticos como os hostels tem contribuído para o aumento do fenómeno de gentrificação dos centros históricos das principais cidades portuguesas podendo dar origem a conflitos entre residentes e turistas. Se o aumento da atividade turística tem contribuído para a uma grande reabilitação e renovação de muitos edifícios até há pouco tempo em elevado estado de degradação, as características sociodemográficas da população residente dos bairros históricos - muito envelhecida e sem recursos económicos para suportar o crescente aumento dos preços das habitações - contribui fortemente para o progressivo despovoamento dos bairros típicos pela população residente. Como o território urbano tem, por isso, de ser partilhado por residentes e visitantes, será também conveniente investigar este fenómeno sob a perspetiva do comportamento espaciotemporal dos turistas (Martins, 2020). Por fim, os estudos sobre o comportamento espaciotemporal dos backpackers deverão ter em consideração uma amostra mais considerável de visitantes e ser alargada a outros segmentos de mercado para se proceder a uma quantificação da capacidade de carga das áreas e atrações mais visitadas, estimulando assim uma gestão mais sustentável da atividade turística nas cidades.