I. Introdução
Numa sociedade em que as crises demonstram a vulnerabilidade da nossa construção societal e em que se anuncia, mesmo, uma “Nova Pangea” (Prada Trigo, 2020), a aposta no desenvolvimento das competências dos alunos surge, ainda mais, como um desafio central num contexto de resposta a desafios frequentemente imprevisíveis (do que a pandemia COVID-19 constituirá um dos mais significativos exemplos), sempre numa perspetiva de cidadãos mais competentes e de melhores profissionais. As competências de pesquisa constituem um conjunto de ferramentas que se tornam fundamentais num contexto de incerteza, de ingresso no percurso universitário, em que o ensino secundário constitui uma etapa particularmente relevante de formação.
O presente artigo incide sobre a investigação realizada no âmbito do Mestrado em Ensino de Geografia da Universidade de Lisboa, junto de uma turma do 11º ano de escolaridade da disciplina de Geografia A, na Escola Secundária Jorge Peixinho, na cidade do Montijo (margem Sul da Área Metropolitana de Lisboa), no ano letivo de 2016/17. A investigação procurou compreender de que forma a educação geográfica pode contribuir para a mobilização de competências de pesquisa de alunos do 11º ano de escolaridade, no quadro de uma sequência de aulas da disciplina de Geografia A. A partir desta questão principal, foram também definidas algumas questões secundárias, nomeadamente: quais as ideias prévias dos alunos quanto às suas próprias competências de pesquisa?; que transformações são observadas, nas competências de pesquisa dos alunos, com a implementação de diferentes estratégias de ensino, num contexto específico?; e, ainda, quais destas estratégias se revelam mais eficazes?
Esta investigação centrou-se numa turma de uma escola pública, num contexto de hábitos de pesquisa limitados, muito centrados na utilização de motores de busca da Internet. Os resultados obtidos não podem ser generalizados, mas pretendem contribuir para uma reflexão mais geral, desde logo no quadro do sistema educativo português.
II. Contextualização
1. A competência como aplicação prática de conhecimento
Na base da investigação em análise, encontramos a noção de “competência”, recorrente em numerosos trabalhos científicos. Perrenoud (2001) destaca as relações entre saberes e competências, defendendo que estas não podem existir sem os primeiros. Wood (2013), no quadro da reflexão que desenvolve sobre a educação geográfica, reconhece a dificuldade em as definir, dado o amplo espectro de contextos que este conceito pode abranger, salientando as ideias de utilização prática e aplicação do conhecimento. Em Portugal, o Ministério da Educação, ao definir o Currículo Nacional do Ensino Básico, adotou a definição de “saber em uso” (Ministério da Educação, 2001, p. 15). Mais recentemente, no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO), que igualmente se retomará, esta definição é densificada: “combinações complexas de conhecimentos, capacidades e atitudes que permitem uma efetiva ação humana em contextos diversificados” (Martins et al., 2017, p. 9). Poder-se-á dizer que, independentemente das particularidades das definições de cada autor e dos próprios documentos curriculares oficiais portugueses, a ideia de aplicação prática do conhecimento e, mais recentemente, da combinação deste com capacidades e atitudes é transversal às aceções de “competência”.
O conceito de “competência” e a respetiva promoção aplicam-se a diferentes contextos, sendo um deles o educativo (Alberto, 2001; Baptista; 2014; Perrenoud, 2001). A preocupação quanto ao desenvolvimento de competências em contexto educativo, começou a assumir maior protagonismo a partir de meados dos anos 90 do século passado, porque “os anos de crise económica que pontuam os decénios de 70 e 80 renovam as atenções pelo ensino profissionalizante” (Claudino, 2001, p. 73), com a valorização de um ensino mais prático, baseado em competências. Assim, no sistema educativo português, o Decreto-Lei n.º 6/2001 (Ministério da Educação, 2001), que estabelece a reorganização do Currículo Nacional do Ensino Básico, menciona amplamente a “competência”, estruturante nesta reorganização curricular. Tal manifesta-se nos seus princípios orientadores, na diversificação de metodologias e estratégias de ensino e aprendizagem, bem como das ofertas educativas, orientadas para o desenvolvimento de competências, pelos alunos. Recentemente, como se mencionou, a “competência” surge como resultado de complexas e diversificadas combinações de conhecimentos, capacidades e atitudes, pressupondo o desenvolvimento de literacias múltiplas (Martins et al., 2017). No PASEO, com as competências de pesquisa em “Informação e Comunicação” pretende-se que os alunos saibam “utilizar e dominar instrumentos diversificados para pesquisar, descrever, avaliar, validar e mobilizar informação, de forma crítica e autónoma, verificando diferentes fontes documentais e a sua credibilidade” (Martins et al., 2017, p. 22). Nesta perspetiva, importa estabelecer “parâmetros curriculares definidores das aprendizagens comuns, não de cariz enciclopedista, mas dirigidas a uma capacitação e qualificação mais eficazes de todos os cidadãos, no plano económico e cívico” (Roldão et al., 2017, p. 3). Abre-se, então, caminho às Aprendizagens Essenciais, atualmente em vigor, as quais estão organizadas, precisamente, a partir de grandes áreas de desenvolvimento de competências. Nas Aprendizagens Essenciais de Geografia A, para o 11.º ano de escolaridade, encontramos exemplos de contributos da educação geográfica para nove Áreas de Competência do Perfil dos Alunos. Nas competências de pesquisa da Área de “Informação e Comunicação”, pretende-se, uma vez mais, que os alunos possam “recolher, tratar e interpretar informação geográfica e mobilizar a mesma na construção de respostas para os problemas estudados” (Direção-Geral da Educação [DGE], 2018, p. 4).
No âmbito educativo, as competências relacionadas com a informação podem assumir um papel de especial relevo. Por outras palavras, será útil ao aluno, em contexto escolar, desenvolver competências ligadas ao contacto com as várias informações de que necessita e a que tem acesso. Perante a abundância de informação da sociedade atual, os alunos devem valorizar aspetos como a credibilidade da informação. Porém, muitas vezes, as competências evidenciadas pelos alunos parecem não corresponder ao que acima se refere, tal como nos mostram Cordeiro (2011) e Loureiro e Rocha (2012). Encontramos idêntico tipo de preocupações no trabalho de Lopes e Pinto (2016), que refletem sobre a importância da literacia da informação no percurso dos estudantes universitários, reconhecendo a existência de lacunas neste campo. Poder-se-á assim dizer que, de um modo geral, os alunos apresentam algumas limitações em termos de literacia informacional, ou literacia da informação. Tal alerta-nos para a necessidade de uma aposta em competências de pesquisa, para que o aluno, futuro profissional, saiba “pesquisar, ser seletivo, analisar criticamente e interpretar a informação recolhida, incorporando-a no seu conhecimento, de maneira a utilizá-la eficazmente, solucionando o seu problema inicial” (Cordeiro, 2011, pp. 25-26). Para a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o futuro da educação passa, em grande parte, pela aposta no desenvolvimento de competências. A “OECD Learning Compass 2030” ilustra isto mesmo, ao propor uma estrutura de aprendizagem promotora de uma visão aspiracional para o futuro da educação (OCDE, 2019a). A metáfora da bússola de aprendizagem enfatiza, desde logo, a necessidade de os alunos aprenderem a definir os seus próprios rumos de aprendizagem, sendo que as competências constituem, precisamente, uma das principais componentes desta bússola. São distinguidos diferentes tipos de competências, defendendo-se que, para conseguirem manter-se competitivos, os alunos, futuros trabalhadores, terão de adquirir novas competências continuamente, refletindo uma atitude positiva em relação à aprendizagem ao longo da vida (OCDE, 2019b).
Mesmo se a implementação de competências de pesquisa na educação geográfica não tem sido privilegiada, é reconhecida a importância e o lugar que a aposta em competências pode/deve ter. Desde logo, a Carta Internacional da Educação Geográfica, da União Geográfica Internacional (UGI), na sua primeira versão, de 1992, reconhece que “a educação geográfica (…) contribui para o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, particularmente no que diz respeito à dimensão espacial da vida diária e à compreensão internacional” (UGI, 1992, p. 10). A versão atualizada desta mesma Carta volta a encarar a educação geográfica como vital para as gerações mais jovens, ao dotá-las de conhecimentos, competências, atitudes e práticas, pensando na tomada de decisões fundamentadas para o futuro do próprio planeta (UGI, 2016). Para além da Carta Internacional da Educação Geográfica, a União Geográfica Internacional publicou, entre os anos de 2000 e 2015, um conjunto de quatro declarações internacionais sobre educação geográfica, fruto de encontros dinamizados por este organismo. Nestes documentos, o desenvolvimento de competências é um aspeto sempre presente. Uma perspetiva geográfica do mundo é encarada como competência necessária para os cidadãos do século XXI (UGI, 2000). De igual modo, a educação geográfica pode contribuir para um conjunto de competências interdisciplinares para a promoção do desenvolvimento sustentável do planeta (UGI, 2007). Já ao nível da cidadania europeia, a educação geográfica pode fornecer aos indivíduos, conhecimentos e competências para que estes atuem sobre o próprio futuro do continente europeu (UGI, 2013). Uma educação geográfica voltada para experiências globais de aprendizagem pode, ainda, contribuir para preparar os alunos com competências que lhes permitam trabalhar num mundo cada vez mais intercultural (UGI, 2015).
Já antes, num dos manuais da UNESCO para o ensino da Geografia, Pinchemel (1989) defendera uma “educação para uma competência espacial”. Para este autor, a educação geográfica, através de atividades como o trabalho de campo e a utilização de mapas, entre outras, permite desenvolver competências, no sentido de contrariar o que prefere designar de “incompetência espacial”. Encontramos idêntico tipo de perspetivas nos trabalhos de Cachinho (2000) e Alberto (2001), bem como no de Silva e Ferreira (2000), para quem “a educação geográfica deve permitir aos alunos aprender a aplicar conceitos (…) levando ao desenvolvimento de um conjunto de competências que lhes permitam saber observar e pensar o espaço e serem capazes de atuar no meio” (Silva & Ferreira, 2000, p. 106). Mérenne-Schoumaker (2002) defende que a Geografia no ensino secundário deve desenvolver, junto dos alunos, competências ligadas à análise de territórios, permitindo que estes alunos se “situem” espacial e socialmente, agindo de uma forma responsável. Wood (2013) destaca a importância do desenvolvimento de competências para a construção de um conhecimento geográfico efetivamente coerente, possibilitando estruturar, manipular, criticar e discutir este conhecimento. De acordo com o mesmo autor, o desenvolvimento de competências no âmbito da educação geográfica pode manifestar-se no trabalho com mapas, no trabalho de campo, na tomada de decisões sobre problemas concretos, entre outros. Shin e Bednarz (2019) exploram o conceito de “cidadania espacial”, refletindo sobre como a educação geográfica pode propiciar o desenvolvimento de competências dos alunos ligadas à formulação de questões, e à recolha, organização e análise de informações para sua resposta. Para estas autoras, deste modo, a educação geográfica permite que os alunos aprendam a tomar decisões na, para e sobre a sociedade. Ainda na esfera da cidadania espacial, Jo (2019) classifica as competências como pré-requisitos importantes para a educação ao longo da vida, empregabilidade e cidadania, na atualidade. Claudino (2019, p. 382), no âmbito do Projeto Nós Propomos!, que desafia os alunos a proporem soluções para os problemas socioambientais da sua comunidade, assume o território como o espaço construído/transformado por uma sociedade e refere o conceito de “cidadania territorial”, que define como “a participação responsável nas tomadas de decisão sobre os problemas comunitários de base espacial” - assistindo-se a uma afirmação do conceito para lá do Projeto (Associação de Professores de Geografia & Associação Portuguesa de Geógrafos).
O Grupo de Didática da Geografia da Associação de Geógrafos Espanhóis e da Associação Portuguesa de Professores de Geografia, em conjunto com outros parceiros, apresentam um conjunto de publicações resultantes de eventos que promovem, nomeadamente os Congressos Ibéricos de Didática da Geografia, onde a temática das competências acaba por marcar presença constante, designadamente nos textos de alguns autores. É o caso de Orcao et al. (2003), cujo trabalho se centra na relação entre a Geografia e o desenvolvimento de competências transversais, tendo por base um projeto desenvolvido em contexto universitário. Já Rubio (2003) reflete acerca do contributo da educação geográfica para o desenvolvimento das competências necessárias para uma sociedade da informação que transita, cada vez mais, para uma sociedade do conhecimento, em que conhecer os mecanismos para selecionar e relacionar a informação se torna fundamental. Alcaraz (2010) conclui que o conhecimento geográfico conduz, inevitavelmente, ao domínio de competências como a descrição, análise, comparação, interpretação, argumentação, entre outras. No trabalho de Torres (2013), encontramos uma exploração das relações entre competências espaciais e competências tecnológicas, a partir da educação geográfica, concluindo que os constantes avanços nas tecnologias da informação e comunicação têm favorecido uma maior interação entre as pessoas e o espaço, pela diversidade de ferramentas tecnológicas ao alcance de qualquer cidadão, o que acaba por mobilizar o próprio conhecimento geográfico. Valero e Domenech (2016) refletem, também, acerca do desenvolvimento de competências, pelos alunos, explorando as planificações das aulas de Geografia não como meros instrumentos burocráticos, mas sim como importantes ferramentas para que o desenvolvimento de competências-chave seja compatível com o trabalho diário em aula.
Ainda quanto à importância do desenvolvimento de competências no contexto da educação geográfica, importa destacar um conjunto de projetos e iniciativas, desenvolvidos por diferentes entidades. É o caso do “21st Century Skills Map”, implementado a partir de escolas dos EUA, o qual nasce de parcerias colaborativas entre agentes educativos, empresariais, comunitários e governamentais, com objetivo de proporcionar uma estrutura para as competências necessárias para que os alunos tenham sucesso no século XXI (Institute of Education Science, 2009). Nesta iniciativa interdisciplinar, a Geografia é contemplada através de um conjunto de onze tipos de competências. Estabelecendo uma relação com o presente trabalho, salientamos as competências ao nível da literacia da informação, relacionadas com a capacidade de os alunos acederem, eficiente e eficazmente, à informação, avaliando-a de forma cítica e utilizando-a com precisão e criatividade. De igual modo, o Geography Education National Implementation Project (GENIP) apresenta-se como um consórcio de associações geográficas comprometidas com uma melhoria do ensino da Geografia nos EUA. Este projeto salienta o papel das competências geográficas na tomada de decisões importantes no quotidiano de qualquer indivíduo, implicando a aquisição, organização e utilização de informações geográficas (National Geographic, s.d.). No âmbito dos trabalhos desenvolvidos por este projeto, encontramos uma organização das competências geográficas em cinco grandes conjuntos adaptados das “Guidelines for Geographic Education: Elementary and Secondary Schools”. Mais uma vez, olhando para as competências de pesquisa, salientamos o conjunto relativo à aquisição de informações geográficas, em que se pretende que os alunos dominem as técnicas necessárias para reunir e registar informações geográficas de fontes primárias e secundárias, o que permite que estes se envolvam de uma forma mais efetiva no próprio estudo da Geografia. Outro projeto que merece ser referido, a este propósito, intitula-se GI-Learner, tendo nascido do trabalho de sete entidades parceiras, de cinco países europeus, entre 2016 e 2018. Tratou-se de um projeto com o objetivo de integrar a alfabetização e pensamento espacial nas escolas, com especial destaque para o contributo dos Sistemas de Informação Geográfica. A equipa deste projeto aponta um conjunto de dez competências de pensamento geoespacial, das quais destacamos, na área das competências de pesquisa, a realização da própria recolha de dados primários, bem como a identificação e avaliação de dados secundários (Zwartjes et al., 2017). Na análise dos resultados deste mesmo projeto, os autores destacam os contributos das atividades implementadas, não só do ponto de vista da informação geográfica, mas também em termos tecnológicos e pedagógicos, ajudando os alunos a aprenderem a pensar criticamente (Zwartjes et al., 2018). O Projeto Nós Propomos!, já mencionado, em curso em Portugal e presente em vários outros países, ao desafiar os alunos a identificarem problemas territoriais locais e a pesquisarem soluções para os mesmos, na auscultação da comunidade, bem como a comunicarem as respetivas propostas à comunidade (Claudino & Coscurão, 2019), promove um alargado conjunto de competências de pesquisa, tratamento e comunicação de informação e, ainda, de prospeção.
Ao abordar a relação entre a educação geográfica e a pesquisa, Cachinho (2000, p. 89) refere, por exemplo, que “através da geografia os alunos (…) aprendem a levantar questões, emitir hipóteses, a pesquisar, selecionar e organizar a informação necessária à compreensão e interpretação dos problemas”. De igual modo, Olatunde Okunrotifa (1989), refletindo sobre a recolha de informação no âmbito da educação geográfica, defende que os alunos devem saber: quando e como obter a informação de que necessitam; preparar a informação recolhida para processá-la; que métodos de análise devem usar; e como obter conclusões a partir da informação tratada. Utami et al. (2018), ao refletirem sobre o que consideram ser a literacia geográfica no século XXI, destacam as competências ao nível da análise, interpretação e síntese da informação, apontando, assim, para competências de nível cognitivo elevado. De referir, ainda, Gil et al. (2005), para quem as tecnologias da informação e comunicação são encaradas como ferramentas que podem favorecer o domínio de competências de pesquisa e processamento da informação geográfica, pretendendo-se que os alunos desenvolvam capacidades ao nível da avaliação de diferentes fontes de informação, da interpretação da informação representada em diferentes linguagens e, ainda, da tradução desta informação entre linguagens distintas. Assim, é “indispensável que o ensino da Geografia desenvolva nos alunos competências relacionadas com a pesquisa: a observação, o levantamento de hipóteses, o registo e o tratamento da informação, a formulação de conclusões, a apresentação de resultados” (Silva & Ferreira, 2000, p. 100).
Podemos, então, concluir que o desenvolvimento da literacia geográfica de qualquer aluno envolverá competências ligadas à recolha e tratamento de informações. Ao possibilitar que os alunos levantem questões, identifiquem e interpretem problemas com expressão territorial, a educação geográfica constitui um contexto privilegiado para a implementação de experiências que levem os alunos a pesquisar, necessitando de eleger as fontes de informação mais adequadas, em cada situação, bem como as técnicas que melhor poderão contribuir para o tratamento da informação recolhida, permitindo obter respostas às questões e problemas identificados. Ao necessitarem de tomar estas decisões, próprias de qualquer processo de investigação, os alunos estarão a desenvolver as suas competências de pesquisa, por meio das experiências proporcionadas pela educação geográfica.
2. A valorização da observação e da interpretação
Do ponto de vista metodológico, a investigação desenvolvida baseou-se num paradigma de tipo interpretativo, centrada numa turma, direcionando-se o foco principal para uma interpretação das ações desenvolvidas, ou de acordo com Almeida e Freire (2003), uma investigação humanista-interpretativa, privilegiando uma perspetiva qualitativa. Assim, procurou-se interpretar as ações e perceções dos alunos à luz das respetivas competências de pesquisa, tendo em conta a influência de determinadas estratégias de ensino face a estas competências e valorizando o interesse prático das relações de influência.
Na recolha de dados, privilegiou-se a observação na recolha de informações-chave nesta investigação de índole qualitativa, ao encontro de Bell (2004) e Tuckman (2005). Recolheram-se testemunhos dos alunos envolvidos, com vista a conhecer as suas perceções acerca de todo o processo. Para tal, foram construídos instrumentos de recolha, nomeadamente diários de aula, a preencher por todos os alunos, no final de cada aula; estes possibilitaram um acompanhamento do percurso dos alunos, bem como das respetivas perceções, quer quanto à sequência de aulas de um modo geral, quer quanto à questão das competências de pesquisa. Ainda quanto aos instrumentos de recolha de informação, foram aplicados questionários aos alunos, no início e no final da sequência letiva, direcionados para uma autoanálise dos respetivos hábitos de pesquisa. Nestes questionários, procurou-se uma exploração de variáveis como a frequência de utilização de diferentes fontes de informação, a hierarquização de critérios de seleção destas fontes, a identificação das principais dificuldades experienciadas em processos de pesquisa e as perceções quanto às relações entre as atividades desenvolvidas durante a sequência letiva e os aspetos melhorados e a melhorar, em termos de hábitos de pesquisa. Adotou-se, aqui, uma aceção de variável que a associa à ideia de definição operacional, ou seja, “a evidência que o investigador usa para justificar a existência relativa (por vezes quantificável) do conceito abstrato” (Coutinho, 2018, p. 72). Seguindo esta terminologia, podemos dizer que, neste caso, o conjunto de variáveis apresentadas procura proporcionar uma definição operacional de um conceito abstrato mais vasto, nomeadamente o conceito de “competência de pesquisa”, sempre analisado a partir da sua relação com a educação geográfica.
Relativamente à análise das informações recolhidas, uma das preocupações principais consistiu no rigor e organização desta análise, apostando-se, para tal, em procedimentos próprios da técnica de análise de conteúdo, frequentemente utilizada em investigações desta natureza.
III. Uma sequência letiva de onze aulas
A investigação decorreu tendo por base uma sequência letiva de onze aulas consecutivas. Esta sequência enquadra-se no módulo “Os espaços organizados pela população”, unidade de conteúdos “A rede urbana e as novas relações cidade-campo” do Programa de Geografia A. Tendo também presente o objetivo da investigação, adotaram-se estratégias diversificadas. No quadro I, encontramos a identificação dos conteúdos abordados e as experiências de aprendizagem implementadas relativamente aos mesmos.
Conteúdos | Experiências |
---|---|
As aglomerações urbanas no território | - Exploração do manual escolar; - Construção de um esquema-síntese (trabalho de pares); - Análise de mapas e exploração do portal “Night Earth”; - Recolha, organização e análise de dados estatísticos (trabalho de grupo). |
A hierarquia dos lugares na rede; Vantagens e limitações da dispersão ou da concentração do povoamento. | - Análise de obras científicas no âmbito do tema em estudo (trabalho de grupo); - Exploração do manual escolar; - Preenchimento de um esquema-síntese. |
O papel das cidades médias; O atenuar do crescimento das grandes aglomerações. | - Análise de um artigo científico (trabalho individual); - Exploração do manual escolar. |
A inserção na rede urbana europeia | - Visionamento de um vídeo; - Análise de uma notícia; - Exploração do portal da “Rede para a Promoção das Cidades Médias da União Europeia” (trabalho de pares); - Exploração do manual escolar. |
As complementaridades funcionais; As estratégias de cooperação institucional. | - Visionamento de um vídeo; - Preenchimento de um esquema-síntese (trabalho individual); - Exploração do manual escolar; - Construção de um mapa de uso e ocupação do solo, recorrendo a Sistemas de Informação Geográfica (SIG). |
Sublinhe-se, ainda, que, ao longo de todo o ano letivo, a turma participou, de uma forma empenhada, no já referido Projeto Nós Propomos!, promovido pelo IGOT-ULisboa, no âmbito do qual foram apresentadas cinco propostas de intervenção dos alunos face a problemas identificados pelos mesmos, na sua cidade - o que constituiu, indiscutivelmente, também um estímulo ao desenvolvimento de competências de pesquisa, no quadro de um Projeto de cidadania.
IV. Melhorias na seleção, diversificação e organização da informação
No início da sequência letiva, foi aplicado um questionário aos alunos, com o objetivo de efetuar um diagnóstico das suas competências de pesquisa. No final desta sequência, os alunos responderam a um outro questionário, de estrutura muito idêntica à do questionário inicial. Procurou-se, assim, possibilitar uma comparação das perceções dos alunos, relativamente às suas próprias competências de pesquisa, no começo e no final da sequência letiva.
Os motores de busca revelaram-se o tipo de fonte de informação utilizado mais frequentemente pelos alunos (quadro II), a que se seguem os manuais escolares. Apesar de apenas dois alunos terem referido que utilizam outros livros, como fontes de informação em trabalhos escolares, de uma forma frequente, dezassete dos mesmos reconheceram uma utilização pontual. Nas fontes de informação que os alunos admitem nunca ter usado, apenas se destacam as revistas científicas.
Frequentemente | Pontualmente | Nunca | |
---|---|---|---|
Manuais escolares | 11 | 9 | 0 |
Outros livros | 2 | 17 | 1 |
Blogues | 8 | 6 | 6 |
Inquéritos | 1 | 13 | 6 |
Motores de busca | 20 | 0 | 0 |
Revistas científicas | 0 | 8 | 12 |
Imprensa | 2 | 13 | 5 |
Entrevistas | 1 | 14 | 4 |
No final da sequência, os manuais escolares e os motores de busca continuaram a liderar, em termos de frequência de utilização (quadro III). De salientar, no entanto, a diminuição do número de ocorrências de utilização de motores de busca. Tal poderá dever-se a uma maior consciencialização da importância da diversificação de fontes de pesquisa, o que foi realçado ao longo da sequência letiva.
Frequentemente | Pontualmente | Nunca | |
---|---|---|---|
Manuais escolares | 12 | 7 | 0 |
Outros livros | 3 | 15 | 1 |
Blogues | 6 | 2 | 11 |
Inquéritos | 3 | 12 | 3 |
Motores de busca | 15 | 4 | 0 |
Revistas científicas | 0 | 8 | 11 |
Imprensa | 4 | 11 | 4 |
Entrevistas | 1 | 15 | 3 |
Na seleção das fontes de informação (quadro IV), a credibilidade da fonte e o rigor da informação são os critérios que ocupam os lugares de maior destaque. A facilidade de acesso foi também valorizada - oito alunos atribuíram o nível 4, numa escala de 1 a 5.
1(nada importante) | 2 | 3 | 4 | 5(muito importante) | |
---|---|---|---|---|---|
Vocabulário simples | 1 | 3 | 8 | 6 | 2 |
Rigor da informação | 0 | 2 | 1 | 4 | 13 |
Facilidade de acesso | 4 | 2 | 4 | 8 | 2 |
Credibilidade da fonte | 2 | 0 | 1 | 1 | 16 |
Informação mais sintetizada | 2 | 3 | 2 | 7 | 5 |
Uma comparação entre as fontes de informação mais utilizadas pelos alunos e os critérios de seleção destas fontes, poderia, numa primeira leitura, revelar algumas incongruências. Se, por um lado, os motores de busca são, claramente, a fonte mais utilizada pelos alunos, por outro lado os critérios de seleção mais destacados são a credibilidade das fontes e o rigor da informação. Ora, sabemos que, muitas vezes, a credibilidade e o rigor das informações em páginas sugeridas por um motor de busca, numa qualquer pesquisa, estão longe de ser garantidos. Não restarão grandes dúvidas de que os alunos reconhecem a importância de critérios como a credibilidade das fontes e o rigor da informação. Porém, tal facto não significará que estes critérios estejam, necessariamente, sempre na base das seleções efetuadas, por estes mesmos alunos. Ainda assim, esta dualidade constitui um relevante indício de que a importância de uma postura crítica face à informação é algo a que estes alunos não estão totalmente alheios.
Adotando os procedimentos próprios de uma análise de conteúdo, relativamente às maiores dificuldades sentidas, pelos alunos, num trabalho de pesquisa, foi possível agrupar a informação recolhida em cinco categorias, tendo por base os resultados do questionário de diagnóstico (fig. 1).
A seleção da informação surge como um dos momentos que mais dificuldade desperta aos alunos. Entre os aspetos apontados pelos mesmos, quanto a esta fase, encontram-se a credibilidade e rigor das fontes, bem como as dificuldades em encontrar a informação pretendida. O tratamento da informação é o segundo momento mais destacado, com os alunos a realçarem as dificuldades na interpretação de determinadas informações, bem como do vocabulário utilizado, em algumas situações.
Procurando estabelecer uma relação mais direta com as atividades desenvolvidas ao longo da sequência letiva em análise, foi solicitado, aos alunos, no questionário final, que indicassem quais destas atividades, na sua opinião, mais contribuíram para as suas competências de pesquisa (quadro V).
Nº Ocorrências | |
---|---|
Atividades envolvendo a utilização de computadores | 7 |
Exploração do portal do INE e do software “QGIS” | 5 |
Trabalhos em grupo | 2 |
Trabalho sobre o tema “cidades saudáveis” | 2 |
Diários de aula | 1 |
Pesquisa em livros | 1 |
Alguns alunos acabaram por não referir atividades concretas, destacando algumas aulas, ou tipos de atividades, em geral. Foi o que aconteceu com sete alunos, que salientaram as atividades que envolveram a utilização do computador, o que aconteceu ao longo da sequência letiva. Porém, algumas respostas foram um pouco mais específicas, salientando-se a exploração do portal do INE e a utilização do software QGIS, entre outras.
Nos aspetos que poderiam ser melhorados, a diversificação de fontes de pesquisa foi um dos aspetos mais referidos (quadro VI), a par da preocupação com o rigor e a organização na recolha e tratamento da informação. No final da sequência, os alunos foram convidados a refletir sobre o que consideram ter melhorado, quanto às suas competências de pesquisa, após a sequência letiva (quadro VII).
Nº Ocorrências | |
---|---|
Diversificação de fontes de pesquisa | 6 |
Rigor e organização na recolha e tratamento da informação | 6 |
Nenhum | 3 |
Não sabe | 3 |
Nº Ocorrências | |
---|---|
Recolha e seleção da informação | 6 |
Diversificação de fontes de pesquisa | 5 |
Tratamento da informação | 4 |
Ausência de melhoria | 1 |
O processo de recolha e seleção da informação constituiu o aspeto com um maior número de ocorrências; os alunos referiram, nomeadamente, uma maior facilidade quanto aos procedimentos próprios deste processo, associada a um maior rigor. A diversificação de fontes de pesquisa foi outro dos aspetos destacados. As questões ligadas ao tratamento da informação mereceram, também, destaque, por parte de quatro alunos, que referiram, por exemplo, a utilização de dados estatísticos, bem como a realização de esquemas.
No questionário final, voltou a ser solicitado aos alunos que indicassem o que, na sua opinião, poderia, ainda, ser melhorado, neste âmbito (quadro VIII).
Os alunos têm a noção de que existem aspetos que podem, ainda, ser melhorados, quanto às suas competências de pesquisa, designadamente no tratamento da informação, na diversificação de fontes de pesquisa, na exploração de algumas ferramentas online e, ainda, na análise de textos. Podem-se destacar as respostas de três alunos, que reconheceram o desafio de continuar a aplicar, regularmente, os vários procedimentos, em termos de pesquisa, com que tiveram contacto através das atividades desenvolvidas ao longo da sequência letiva.
V. A educação geográfica tem um papel efetivo no desenvolvimento de competências de pesquisa
Quando se insiste na importância da promoção do desenvolvimento das competências dos alunos, designadamente em contexto de incerteza, fica patente que a educação geográfica pode contribuir para a exploração de competências de pesquisa de informação, através das várias atividades implementadas. Da exploração do manual escolar, à utilização de Sistema de Informação Geográfica, passando pela recolha e tratamento de dados estatísticos, entre outras, todas as atividades contribuíram para evidenciar que a abordagem de uma determinada unidade temática, no âmbito da disciplina de Geografia A, no 11º ano de escolaridade, pode (e deve) estimular a pesquisa e o tratamento de informação, acompanhada da reflexão sobre os resultados da investigação pelos próprios alunos.
A diversificação de fontes de informação e o maior rigor e organização na recolha e tratamento da informação foram, de resto, aspetos cuja necessidade de melhoria foi reconhecida pelos próprios alunos, desde o início de toda a experiência. Em relação às principais dificuldades, os momentos de seleção da informação foram os mais destacados pelos alunos, o que reforça, mais uma vez, a importância da aposta em competências de pesquisa.
Questões como a diversificação de fontes de informação, a credibilidade e rigor da informação selecionada, não sendo, à partida, totalmente estranhas, para estes alunos, estarão, hoje, mais presentes e, possivelmente, o seu reconhecimento, no futuro, poderá ser mais claro.
A diversidade de experiências educativas assumiu um papel de especial importância. As atividades com que os alunos estavam menos familiarizados revelaram-se mais ricas, significando novas aprendizagens e possibilitando uma melhoria das existentes. Destaque-se, a este propósito, a recolha e tratamento de dados estatísticos e a análise de livros. Esta diversificação, no contexto da sequência letiva implementada, chama a nossa atenção, também, para a própria necessidade de inovação na educação geográfica. A experiência relatada demonstra que, mesmo num reduzido número de aulas, é possível colocar os alunos em contacto com diferentes fontes de informação, recolhendo e tratando dados de natureza distinta. Tal contraria, frontalmente, práticas tradicionais e seculares de ensino de Geografia centradas, quase exclusivamente na utilização do manual escolar, como sucede igualmente em Portugal (o que a sucessiva e minuciosa legislação e regulamentação sobre a sua adoção, avaliação e implementação demonstram). Mas os resultados da implementação desta sequência letiva, desde logo a partir das limitações identificadas pelos próprios alunos, mostram como estamos longe de atingir a literacia geográfica defendida por Utami et al. (2018) e, mesmo que implicitamente, por vários outros autores.
Esta investigação pode, assim, ser encarada como um contributo para uma educação geográfica abertamente apostada nesta literacia, construída no desenvolvimento de competências de pesquisa, através da diversificação das práticas escolares, sempre com o principal objetivo de proporcionar, aos alunos, aprendizagens mais ricas.
As características desta investigação, desenvolvida num contexto limitado em termos temporais, não nos permitem enunciar, com um suficiente grau de certeza e pormenor, transformações concretas quanto às competências de pesquisa dos alunos envolvidos, considerando as estratégias implementadas durante a sequência letiva. Ainda assim, apesar de existirem aspetos que poderiam, sempre, ser melhorados, quanto à presente investigação, não restam dúvidas de que a educação geográfica pode contribuir para a mobilização e desenvolvimento de competências de pesquisa de alunos do ensino secundário. Para tal, importa apostar em estratégias de ensino diversificadas que, para além da mobilização de conhecimentos, privilegiem atividades que mobilizem aquelas competências.
Na construção de contextos que favoreçam uma análise mais detalhada das transformações verificadas nas competências dos alunos, através da participação em determinadas experiências de ensino/aprendizagem, a definição de grupos experimentais e grupos de controlo, dentro de uma mesma turma, ou entre turmas diferentes, poderá constituir uma estratégia adequada neste sentido.
Contributos dos/as autores/as
Ricardo Coscurão: Conceptualização; Metodologia; Software; Validação; Análise formal; Investigação; Recursos; Curadoria dos dados; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição; Visualização; Supervisão.
Sérgio Claudino: Conceptualização; Metodologia; Investigação; Recursos; Curadoria dos dados, Redação - revisão e edição; Visualização, Supervisão.