I. Introdução
Neste artigo analisam-se os impactos da crise pandémica nas situações de desemprego em Portugal continental, residindo a sua novidade analítica na valorização da distribuição categorial e territorial dos desempregados, bem como na dimensão temporal do problema. Apoiado no estudo “Desemprego em 2020: Impactos da Pandemia, mapeamentos e reflexões” (Tavares et al., 2021), mas estendendo o período analisado até abril de 2021, este artigo assenta, do ponto de vista metodológico, em dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) (desemprego registado) e a análise realizada (quantitativa/extensiva) remete para uma componente de diagnóstico que cruza duas perspetivas: a sincrónica e a diacrónica. A primeira implica recortes no tempo e centra-se na análise desses momentos basilares. A segunda foca-se no processo evolutivo que considera a dinâmica das transformações pelas quais o fenómeno tem vindo a passar no contexto de crise em curso. Os resultados alcançados apontam num duplo sentido: i) a distribuição geográfica não é homogénea nos territórios, com realce para algumas concentrações espaciais, nomeadamente no Algarve1; e ii) as variações estão diretamente relacionadas com temporalidades em função dos períodos marcados pelo confinamento ou desconfinamento. As desigualdades nas formas de distribuição socio-espacial do desemprego enquadram-se em complexos processos sociais e económicos entrelaçados, e conduzem a uma reflexão sobre as fragilidades da estrutura do emprego nas suas múltiplas configurações territoriais e sobre a necessidade (e modos) de as ultrapassar.
Desde o início da crise pandémica foram desenvolvidos alguns estudos internacionais que abordam os seus impactos no emprego (Eurofound, 2021; Internacional Labour Office [ILO], 2021a; International Monetary Fund [IMF], 2020; United Nations [UN], 2020), o mesmo sucedendo à escala nacional. Uns mais específicos sobre a possibilidade do regresso massivo do desemprego (Caleiras & Carmo, 2020); outros centrados em impactos mais amplos (Caldas et al., 2020; Mamede et al., 2020; Peralta et al., 2021; Silva et al., 2020a, b); e outros ainda, de natureza mais qualitativa, sobre a experiência do desemprego e vulnerabilidades (Carmo & Avelar, 2020; Carmo et al., 2021; Diogo, 2021). De qualquer modo, nenhum traça detalhadamente o perfil do universo dos desempregados da pandemia em Portugal e a sua desigual distribuição socio-espacial e temporal, sendo necessário conhecer melhor este problema.
Procurando responder a este desafio, pretende-se contribuir para colmatar esta lacuna de conhecimento aprofundado e integrado em termos sociais, territoriais e temporais. Por isso, a análise incorpora três dimensões articuladas entre si: i) a dimensão categorial, que visa compreender a distribuição do desemprego por grupos, em especial os modos como variam os indicadores (taxas de variação); ii) a dimensão territorial, que visa compreender as lógicas de distribuição territorial do fenómeno, particularmente a expressão territorial das diferenças e a forma como os indicadores se manifestam ao nível regional (NUTS II) e clusters de concelhos; e iii) a dimensão temporal, associada à dinâmica oscilante do desemprego tomando como referência os seguintes períodos: período do primeiro confinamento (fevereiro a maio de 2020), período de desconfinamento (maio a dezembro de 2020), período do segundo confinamento (dezembro de 2020 a abril de 2021), período homólogo de maio (maio de 2020 e maio de 2019) e período homólogo de dezembro (dezembro de 2020 e dezembro de 2019).
O presente artigo organiza-se da seguinte forma: a seguir a esta introdução, consta um enquadramento teórico e de contextualização do fenómeno do desemprego; no terceiro ponto explana-se a estratégia metodológica e definem-se as nomenclaturas estatísticas fundamentais; no quarto ponto identificam-se as dinâmicas principais do desemprego registado, considerando a sua evolução em função das NUTS II e das categorias sociais; posteriormente, caraterizam-se os fluxos e motivos de inscrição nos Centros de Emprego; no sexto ponto apresenta-se uma análise de clusters tendo como referência diferentes horizontes temporais; no final sublinham-se as principais tendências e problematizam-se as consequências do desemprego no presente e no futuro próximo.
II. Enquadramento teórico e contextualização
Com o eclodir da pandemia da Covid-19, milhões de trabalhadores perderam os seus empregos e meios de subsistência em todo o mundo (IMF, 2020; Ryder, 2021; UN, 2020). Em 2020 perderam-se 8,8% no número global de horas de trabalho, o que equivale ao trabalho de 255 milhões de pessoas a tempo inteiro. Uma parte justifica-se porque os trabalhadores, devido aos confinamentos e restrições impostas, trabalharam menos horas; a outra parte é explicada pela perda direta de empregos. O desemprego global subiu 33 milhões, enquanto 81 milhões se tornaram inativos (ILO, 2021a).
O impacto foi, contudo, desigualmente distribuído nas diferentes geografias, atividades económicas e segmentos de trabalhadores. Na União Europeia (UE), onde, ao contrário de outras zonas do globo, a redução do tempo de trabalho foi parcialmente apoiada por programas de manutenção dos postos de trabalho, a perda de emprego foi menos elevada. Ainda assim, 8,3% das horas de trabalho na UE-27 foram perdidas em 2020, o que corresponde a cerca de 15 milhões de empregos. A perda foi maior na Europa do sul (12,3%). Mulheres e jovens, sobrerrepresentados em setores críticos (alojamento, restauração, entre outros) (Eurofound, 2021; ILO, 2021a), que correm o risco de se tornarem numa “geração confinada” (UN, 2020, p. 2), trabalhadores independentes (Adams et al., 2020; Blundell et al., 2020), trabalhadores com pouca qualificação e baixa remuneração, e trabalhadores migrantes, foram os segmentos mais duramente atingidos. Antes da pandemia, a sua posição no mercado de trabalho já era vulnerável, mas com ela ficaram sem emprego e proteção, muitos de forma imediata, devido ao caráter precário ou informal dos seus trabalhos (Caleiras & Carmo, 2020; ILO, 2021b).
As variações remetem para diferentes leituras nos diferentes territórios, fazendo sobressair a relevância das dimensões socioespaciais na conceptualização dos riscos associados à pandemia (Brinks & Ibert, 2020; Costa & Costa, 2020; Queirós & Vale, 2020)2. Na verdade, os territórios são diferentemente suscetíveis aos riscos, revelando níveis de vulnerabilidade diferentes e graus de robustez distintos nas respostas (Bristow & Healy, 2020). À sua maneira, Portugal não é exceção. Também entre nós existe uma significativa diversidade territorial das estruturas socioeconómicas das regiões e municípios. As fragilidades e lacunas de vários territórios e setores económicos são explicadas, em parte, por processos institucionais e políticos, assim como pela perda significativa de importantes setores industriais, pelos riscos subjacentes à inserção de atividades económicas nas cadeias produtivas globais, ou pelo forte crescimento do peso do turismo na economia nacional, e nas economias regionais e locais. Estes complexos processos socioeconómicos, que se foram acumulando desigualmente ao longo do tempo, desaguaram em estruturas produtivas mais débeis, na extensão da precariedade laboral, na excessiva dependência da procura interna e externa de turistas, etc., e tornaram determinados territórios mais assimétricos e vulneráveis. Trata-se de uma realidade que já era observável antes, sendo de esperar, por isso, que alguns desses territórios, tal como alguns grupos sociais, se revelem mais vulneráveis do que outros ao desemprego gerado pelo impacto da pandemia. Nesse sentido, a desigual incidência do desemprego em 2020 decorre de múltiplas vulnerabilidades prévias e da diversidade de situações encontradas no território, associadas a diferentes estruturas sociais e económicas3. É importante, por isso, identificar e discutir o mosaico socioterritorial do desemprego em Portugal continental face à eclosão da pandemia, num cenário ainda marcado pela elevada incerteza. O facto de os territórios regionais e locais/municipais terem sido desigualmente afetados, tal como as atividades económicas e os diferentes segmentos de trabalhadores, constitui um ângulo privilegiado para compreender a persistência de registos assimétricos na sociedade portuguesa.
O conceito de desemprego, tal como o conhecemos, corresponde, grosso modo, à condição dos trabalhadores que não têm emprego, que o procuram e que estão disponíveis para trabalhar. Resultou de uma construção social longa, que se pode fazer recuar, na Europa, à transição do século XIX para o século XX. Foi na viragem de século que o desemprego ganhou contornos mais definidos enquanto categoria de representação e de ação, enquadrada numa perspetiva de intervenção pública (Gorz, 1988; Salais et al. 1986; Topalov, 1994). No seguimento da Grande Depressão de 1929/30, este processo consolidou-se: o desemprego transformou-se em categoria operatória e, progressivamente, em tema prioritário das políticas sociais e económicas, evoluindo na sua regulação, com variações no tempo e no espaço (Demazière, 1995; Gallie & Paugam, 2000; Jahoda et al., 1971; Maruani & Reynaud, 1999; Rosanvallon, 1995; Schnapper, 1994 [1981]).
Embora pareça simples e evidente, o conceito apresenta dificuldades na sua definição e operacionalização (Freyssinet, 1984; Gautié, 1998; Standing, 2000). São várias as razões para isso, entre elas - porventura as mais relevantes, por serem a raiz de uma certa desconstrução da própria categoria de desemprego - estão as novas conceções e práticas no mundo do trabalho que produzem uma fragmentação das formas de emprego, tornando muito ténue, porosa e movediça a fronteira entre o que é emprego, desemprego, inatividade ou ocupação (Beck, 2000; Castel, 1995; Gorz, 1988). Por outro lado, os padrões e as fórmulas seletivas, usadas para medir o número de desempregados apresentam o risco de conduzir a conceções redutoras e, consequentemente, a subavaliações (Caleiras & Caldas, 2017). Contudo, para caracterizar o fenómeno é necessário medi-lo, prudentemente e com critério, mais ainda no contexto atual, transversalmente impactado pela pandemia.
No contexto global da pandemia da Covid-19, a subida do desemprego ameaça a coesão social e recoloca “velhas” e “novas” questões sobre esta marca estrutural do capitalismo contemporâneo. Em Portugal, a memória coletiva tem ainda muito presente o cenário da Grande Recessão, marcado pela intervenção da troika. Durante o ano 2013, os números oficiais do desemprego atingiram valores históricos acima dos 16%, com todas as consequências conhecidas (Caleiras 2015; Cantante, 2018; Carmo & Cantante, 2015). Tratou-se de uma crise estrutural, sistémica e com origem financeira (Caleiras, 2015). Contudo, é importante sublinhar que desde o início do novo milénio ocorreram sucessivas crises, que em pouco mais de uma década fizeram quadruplicar os números do desemprego - aumentando de 3,9% em 2000 para 16,2% em 2013 -, tornando-se num sério problema. Todavia, depois de 2013 e até ao eclodir da pandemia em março de 2020, o valor baixou para menos de metade (em fevereiro de 2020, a taxa de desemprego situava-se em 6,4%), transformando prematuramente a questão do desemprego numa espécie de não problema. Passado o período da troika, a economia portuguesa recuperava parcialmente e os indicadores de conjuntura apontavam para perspetivas relativamente animadoras (Mamede et al., 2020; Peralta et al., 2021).
O Grande Confinamento (IMF, 2020), resultante do alastramento da pandemia da Covid-19, teve um impacto destrutivo no emprego e o problema do desemprego regressou novamente (Caleiras & Carmo, 2020). Vulnerável à crise do turismo4 e com muitos contratos temporários neste e noutros setores, Portugal foi especialmente afetado, na medida em que a descida do desemprego nos últimos anos foi conseguida, em parte, à custa de empregos precários (Eurostat, 2019; Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico [OCDE], 2019)5. A crise em curso veio expor estas fragilidades no emprego, bem como um conjunto de vulnerabilidades, a montante e a jusante, que se (re)produzem cumulativamente (Carmo et al., 2021).
Por ser recente, o problema atual do desemprego não está ainda suficientemente tratado na literatura internacional e nacional (Carmo & d’Avelar, 2021). De todo o modo, é certo que a pandemia da Covid-19 está a ter um efeito no emprego, nos rendimentos e no bem-estar dos trabalhadores e das suas famílias em todo o mundo. Milhões de trabalhadores perderam os seus rendimentos do trabalho, os seus meios de subsistência, e muitos mais continuam em risco (UN, 2020). Foi perdido 8,8% no número global de horas de trabalho em 2020, o equivalente ao trabalho de cerca de 255 milhões de pessoas a tempo completo. Desta perda de horas de trabalho, cerca de metade deve-se aos trabalhadores trabalharem menos horas, no limite não têm horário de trabalho, mas mantêm-se na sua relação de emprego. A outra metade é explicada pela perda direta de empregos, o que ilustra uma situação sem precedentes, mesmo comparando com a crise financeira anterior. Por outro lado, a maioria destes empregos perdidos está a traduzir-se em inatividade: enquanto o desemprego global subiu 33 milhões, há 81 milhões de trabalhadores que saíram do mercado de trabalho e se tornaram inativos (ILO, 2021a, b).
Neste problemático cenário de fundo, Portugal não foi exceção. Nas vésperas da chegada da pandemia, a sociedade e a economia portuguesa estavam ainda muito marcadas pela pesada herança deixada pela crise anterior, com origem financeira, bem como por problemas estruturais persistentes, como mostram os níveis salariais baixos, as elevadas desigualdades na distribuição de rendimento ou o grau de segmentação e desproteção social no mercado de trabalho (ILO, 2018).
Ainda que insuficiente, este movimento ficaria inacabado com a chegada da pandemia em março de 2020. As consequências na economia foram severas: a seguir ao crescimento de 2,2% em 2019, o PIB registou uma contração de 7,6% em 2020, “a mais intensa da atual série de Contas Nacionais, refletindo os efeitos marcadamente adversos da pandemia da Covid-19 na atividade económica” (INE, 2021, p. 1). O mercado de trabalho ressentiu-se, o número de pessoas empregadas caiu em cerca de 99 mil e a dinâmica do desemprego, que vinha numa quebra sustentada desde 2012, inverteu-se, apesar das políticas públicas de apoio ao emprego, em especial o recurso ao regime de layoff simplificado (Amado, 2020; Lopes, 2020) ou as moratórias no crédito às empresas, entre outras, responsáveis pelo facto de os valores do desemprego não serem mais elevados.
III. Categorias e estratégia metodológica
Em Portugal, os dados estatísticos sobre o desemprego têm como fonte o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Quer num caso, quer no outro, os conceitos usados baseiam-se em recomendações internacionais de harmonização sobre estatísticas de emprego e desemprego, nomeadamente as emanadas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Eurostat (organismo estatístico europeu). No entanto, tendo em conta a respetiva missão, cada um segue as suas metodologias e classificações. No caso do INE, autoridade estatística nacional, a recolha de informação é feita através de um Inquérito ao Emprego que se destina a caracterizar a população face ao mercado de trabalho. Trata-se de um inquérito trimestral por amostragem, através do qual a informação é recolhida de forma direta por entrevista. A informação é depois calibrada, tendo por referência as estimativas da população calculadas a partir dos resultados do último Censo realizado (2011). Já no caso do IEFP, que, entre outras, tem como missão intermediar a oferta e a procura de emprego, a informação provém não de inquérito amostral, mas dos próprios atos administrativos que resultam da recolha direta da procura voluntária de emprego por parte de trabalhadores junto dos Centros de Emprego.6
Este artigo assenta nos dados do desemprego registado pelo IEFP, que consiste na recolha direta da procura de emprego, diariamente, através da Rede de Centros de Emprego ou Serviços de Emprego dos Centros de Emprego e Formação Profissional (estatísticas administrativas), sendo classificados como desempregados os candidatos inscritos num Centro de Emprego com idade mínima de 16 anos (salvo as exceções previstas na Lei), que não tenham trabalho e procurem um emprego como trabalhador por conta de outrem, estando imediatamente disponíveis e tendo capacidade para o trabalho7. A exploração desta informação permite caracterizar e problematizar a evolução do desemprego no território continental (NUTS I)8, desagregado por regiões9 e por concelhos. Esta informação estatística tem limitações: é trabalhosa de organizar, desatualiza-se rapidamente e não abrange aspetos menos visíveis da realidade do desemprego, como sejam os desempregados que nem sequer se inscrevem nos Centros de Emprego ou as experiências vividas pelos desempregados, entre outros.
IV. O desemprego registado: evolução e tendências
O desemprego registado nos Centros de Emprego do continente cresceu nos primeiros três meses de confinamento, 10% em março, 15% em abril e 4% em maio, face ao respetivo mês passado, com mais 70 994 desempregados entre fevereiro e maio. O período de desconfinamento foi marcado por variações estáveis, com ligeiras diminuições em junho, outubro e novembro, voltando a aumentar no início do segundo confinamento, 5,8% entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021 e registando uma diminuição entre março e abril de 2021 (2,1%).
Em comparação com 2019, constata-se que, a partir de abril, todos os meses revelam um número de desempregados mais elevado, variando entre os 4% em abril e os 39% em agosto. Foi no mês de março de 2020 que o desemprego registado alcançou o valor mais elevado: 405 374 pessoas. No último mês em análise, abril de 2021, a variação homóloga decresceu, tendo sido registado mais 7,5% de desempregados face a abril de 2020, com mais 27 782 desempregados.
O quadro I apresenta o desemprego registado por NUTS II, que assume tendências idênticas às nacionais, ainda que mais acentuadas em algumas regiões. No período de confinamento, o Algarve e Lisboa e Vale do Tejo (LVT) passam por um aumento mais significativo do número de desempregados, variações de, respetivamente, 44% e 41%. Nos meses de desconfinamento, destaca-se o Algarve com variações negativas em cadeia de junho a agosto, devido aos efeitos da sazonalidade e do turismo. O aumento progressivo dos desempregados a partir de setembro, alcançando o pico em novembro (mais 20,7% face a outubro, mais 4994 desempregados) é igualmente reflexo dos efeitos mencionados. Ao início do segundo confinamento corresponde um novo aumento expressivo de desempregados em todas as regiões, especialmente em LVT. Contudo, o crescimento nos meses do ano de 2021 não é tão elevado como em 2020.
NUTS II | Períodos temporais | ||
---|---|---|---|
Primeiro Confinamento fev-mai 2020 | Desconfinamento mai-dez 2020 | Segundo Confinamento dez 2020-abr 2021 | |
Norte | 25,7 | -3,8 | 4,0 |
Centro | 24,1 | -2,8 | -0,8 |
Lisboa e Vale do Tejo (LVT) | 40,5 | -3,6 | 11,9 |
Alentejo | 23,3 | -4,7 | 0,1 |
Algarve | 44,2 | 13,1 | 3,1 |
Portugal | 31,2 | -2,4 | 8,1 |
Para o aumento do desemprego, sobretudo comparado com os meses homólogos de 2019, contribuíram todos os grupos de desempregados, destacando-se: os homens, os jovens adultos com 34 ou menos anos, os inscritos no Centro de Emprego há menos de um ano, os que procuravam novo emprego e os que possuem como habilitação escolar o 3.º Ciclo do Ensino Básico (CEB) ou ensino secundário, sendo mais evidente no segundo caso. No fim do primeiro confinamento, a maioria destes grupos registava um crescimento do desemprego em cerca de 40%, outros, como os inscritos há menos de um ano, os jovens adultos e os possuidores de um diploma de ensino secundário, registavam um crescimento na ordem dos 65%, alcançando quase os 70% nos dois meses seguintes (junho e julho).
Os homens foram os mais afetados no primeiro confinamento, comprovado igualmente pelas taxas de desemprego homólogas, seguidas de um período de desconfinamento dividido: de maio a agosto, marcado por um crescimento do desemprego feminino; e de setembro a dezembro, uma diminuição do desemprego neste grupo e o crescimento do desemprego masculino, apesar dos meses intermédios registarem variações negativas, mais significativas no caso das mulheres. Por fim, o segundo período de confinamento revela taxas de variação muito próximas entre os grupos e igualmente próximas das variações nacionais (por exemplo, em janeiro de 2021, 5,3% nos homens, 6,2% nas mulheres e 5,8% total, como se pode verificar na figura 1), apesar das mulheres serem ligeiramente mais afetadas. Nas comparações homólogas, os homens são mais afetados ao longo de todo o período, com exceção dos últimos dois meses: em março e abril de 2021, as mulheres registam um crescimento do desemprego de, respetivamente, 27% e 10%, e os homens 26% e 5%. Em termos absolutos, existem mais mulheres desempregadas (223 106 que comparam com 173 601 homens em abril de 2021).
Em termos gerais, as regiões registam as mesmas tendências de desemprego por sexo. No primeiro confinamento, os homens são mais afetados, particularmente no Algarve (47%) e em LVT (45%). No período de desconfinamento, os homens apresentam um maior decréscimo do desemprego em todas regiões, com exceção do Algarve (13% neste período, tanto nos homens como nas mulheres), o que se deve aos efeitos de sazonalidade. No segundo confinamento verifica-se que as mulheres foram mais afetadas em todas as regiões, menos no Centro, principalmente se observada a taxa de variação entre dezembro de 2020 e março de 2021, com os respetivos valores de desemprego dos homens e das mulheres: Norte (4%; 6%), Centro (1%; 1%); LVT (14%; 15%); Alentejo (3%; 7%) e Algarve (5%; 9%). Ao considerar-se a variação entre dezembro e abril, estas taxas diminuem um pouco por efeito da redução do desemprego registado em todas as regiões em abril de 2021.
No início do confinamento cresceu o desemprego das pessoas com 34 ou menos anos (a variação mais elevada ocorreu entre março e abril, 23,4%), seguido de um ligeiro decréscimo nos dois primeiros meses de desconfinamento, como se pode verificar na figura 2. Nos restantes meses, o desemprego registado neste grupo mantem-se estável até ao segundo confinamento, em que volta a crescer (5,9% entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021). As pessoas com o 3.º CEB e ensino secundário registam uma tendência semelhante: o desemprego cresce no período de confinamento, decresce durante o desconfinamento e volta depois a crescer (respetivamente, 31%; -1% e 8%).
Por região, verificam-se tendências semelhantes. No confinamento o desemprego jovem aumentou mais em LVT (65%) e no Algarve (57%), assim como no caso dos titulares do 3.º CEB e ensino secundário, respetivamente, 52% e 47%. O período de desconfinamento é marcado por uma evolução negativa do desemprego nestes grupos em todas as regiões, com exceção do Algarve, em que ambos crescem 13% neste período. Entre dezembro de 2020 e março de 2021 há novamente um crescimento do desemprego, menos na região Centro. Para dados mais detalhados, consultar o Anexo I.
V. Fluxos e motivos de inscrição nos centros de emprego
Os fluxos de novas inscrições foram superiores em 2020 comparativamente com 2019, excetuando os meses de janeiro e fevereiro, como se pode constatar na figura 3. Durante 2020, observa-se que o número de novos inscritos foi menor em fevereiro (37 233) e maior em abril (63 643). Depois de uma diminuição dos novos inscritos durante os meses de verão, com uma ligeira subida em julho (44 281), o mês de setembro registou um aumento de, aproximadamente, 28% de novos inscritos face a agosto. Em novembro e dezembro o fluxo reduz, ainda que com valores de novos inscritos superiores aos meses de verão, respetivamente, 49 595 e 44 326. Em 2021 os fluxos de novas inscrições voltam a registar valores próximos do ano de 2019.
Os fluxos de novas inscrições por NUTS II acompanham a tendência geral. Comparativamente aos valores de 2019, verifica-se que as regiões revelam, regra geral, números mais elevados de novas inscrições nos Centros de Emprego em 2020. Entre fevereiro e abril, mês em que se constata o pico de novas inscrições, todas as NUTS II registaram um aumento significativo de novos inscritos e o Algarve regista a taxa de variação mais elevada (170,2%). Apenas o Alentejo registou um crescimento mais elevado entre fevereiro e março, na ordem dos 81,4%, sendo que entre março e abril a taxa decresceu cerca de -14,1%. Considerando os períodos em análise, constata-se no quadro 2 que: (i) no primeiro confinamento todas as regiões revelam um crescimento do fluxo de novos inscritos, com exceção do Alentejo (-0,5%) e com uma menor expressão do que entre fevereiro e abril; (ii) no desconfinamento, as regiões de LVT e do Norte revelam um decréscimo do fluxo de novos inscritos e as restantes um crescimento; e (iii) o segundo confinamento não teve um impacto expressivo no desemprego, uma vez que os fluxos de novas inscrições revelam uma tendência decrescente, como corroboram os valores estáveis do desemprego registado neste período.
NUTS II | Períodos temporais | ||
---|---|---|---|
Primeiro Confinamento fev-mai 2020 | Desconfinamento mai-dez 2020 | Segundo Confinamento dez 2020-abr 2021 | |
Norte | 9,0 | -6,2 | -12,2 |
Centro | 6,3 | 6,0 | -18,7 |
Lisboa e Vale do Tejo (LVT) | 39,5 | -10,8 | -14,4 |
Alentejo | -0,5 | 30,8 | -34,5 |
Algarve | 34,1 | 44,7 | -53,7 |
Portugal | 20,1 | -1,5 | -19,1 |
A figura 4 permite observar os fluxos de novos inscritos pelos quatro motivos predominantes da estrutura de motivos e a figura 5 apresenta o peso de cada motivo de inscrição em cada mês. Os novos inscritos tendem a apresentar como razão de inscrição o “fim do contrato de trabalho” e “outros motivos”, sendo que ambas representavam um maior peso relativo até ao início do primeiro confinamento. Durante o primeiro período, a estrutura de motivos alterou-se, passando o “fim de contrato de trabalho” e o “despedimento” a serem as razões mais apontadas e com maior peso proporcional. De facto, estes motivos aumentaram significativamente, registando em abril, respetivamente, 36 322 e 16 280, duplicando e triplicando os valores registados em 2019 (15 498 e 4 332). Por sua vez, as razões “outros motivos” e “ex-inativos” diminuíram bastante o seu peso, com um decréscimo de cerca de metade dos novos inscritos por cada motivo face a 2019 e entre fevereiro e abril na ordem dos -55% e -36%.
O desconfinamento é marcado essencialmente pela diminuição dos motivos mais frequentes durante o primeiro confinamento e, por conseguinte, pelo crescimento dos novos inscritos mensais por “ex-inatividade” e “outros motivos”, respetivamente, 116% e 11%. As inscrições por “outros motivos” ultrapassam os despedidos durante este período. Contudo, face ao ano anterior, o número de inscritos por estes motivos continua a ser mais reduzido ao longo de 2020. No caso dos ex-inativos observa-se uma aproximação de valores no período setembro-dezembro, enquanto os “outros motivos” apresentam uma aproximação do período junho-agosto.
O segundo confinamento é marcado por um decréscimo dos motivos dominantes - “ex-inativo” (-1%), “fim de trabalho não permanente” (-18%) e “despedido” (-33%) - e o crescimento progressivo da razão “outros motivos” (+12%), o que reflete o igual aumento do peso relativo deste motivo de inscrição.
O motivo “fim do trabalho não permanente” era o motivo dominante no primeiro confinamento em todas as NUTS II, principalmente no Alentejo: 72% em março, 68% em abril e 60% em maio. Os “outros motivos” foram a razão mais apresentada no Norte e no Centro. Em março, abril e maio crescem os pesos relativos destes motivos: por exemplo, em abril os despedidos representavam cerca de 30% no Norte, 21% no Centro, 23% em LVT, 19% Alentejo e 29% no Algarve.
De junho a agosto, os “outros motivos” voltam a ter maior representação nas NUTS II, com exceção do Algarve, onde o motivo “despedimento” continua a ter maior expressão, situação que, aliás, se manteve ao longo do restante período de desconfinamento. A partir de setembro, e até dezembro de 2020, o peso relativo do “fim do contrato de trabalho” aumenta principalmente no Alentejo e Algarve, com, respetivamente, 59% e 85% em novembro e 69% e 79% em dezembro. Para dados mais detalhados, consultar o Anexo II.
VI. Análise de clusters: mapeamento do desemprego
De forma a melhor compreender a variação das taxas de desemprego nos concelhos de Portugal continental, procedeu-se a uma análise de clusters, tendo como indicadores a taxa de variação do desemprego geral, a taxa de variação do desemprego nos homens, a taxa de variação do desemprego na população com 34 ou menos anos e a taxa de variação do desemprego na população com o 3.º CEB ou ensino secundário. Examinam-se neste ponto cinco momentos, três deles relativos a períodos desde o início da pandemia - período do primeiro confinamento (fevereiro a maio de 2020), período de desconfinamento (maio a dezembro de 2020) e período do segundo confinamento (dezembro 2020 a abril de 2021) - e dois relativos ao mês homólogo pré-covid-19 - período homólogo de maio (maio de 2020 e maio de 2019) e período homólogo de dezembro (dezembro de 2020 e dezembro de 2019).
Para cada período operacionalizou-se uma análise de clusters que agrupou os concelhos em quatro grupos distintos consoante a evolução das taxas de variação do desemprego: menor impacto, impacto intermédio, impacto significativo e maior impacto.
É de referir que se trata de uma análise comparativa entre meses homólogos ou períodos sequenciais de meses, o que significa que o facto de os valores serem mais ou menos elevados prende-se com a diferença entre o mês de início e de fim do período. Além disso, o nome de cada cluster está associado aos valores em cada período e não a um intervalo equiparado a todos os períodos, pelo que a leitura deverá ser cruzada com os valores médios de cada grupo, que se encontram nos anexos III a VII. Assim, é de realçar que estas categorias identificam intensidades diferenciadas, considerando a expressão das taxas de variação, cujos dados estatísticos dizem respeito ao período analisado.
1. Período do primeiro confinamento (fevereiro a maio de 2020)
Observando a figura 6, é possível compreender que durante o período de fevereiro a maio de 2020 o aumento do desemprego teve maior impacto em Paredes de Coura e Ponte de Lima, um impacto significativo em 31 concelhos, um impacto intermédio em 119 concelhos e um menor impacto em 126 concelhos. No cluster de maior impacto, a média da taxa global de variação do desemprego é de 127,35%, descendo para 63,88% no cluster de impacto significativo. O cluster de impacto intermédio apresenta uma média de 31,86% e o cluster de menor impacto uma média de 5,99%.
De todos os períodos em cadeia do ano de 2020 e início de 2021, constata-se que este período de confinamento, o primeiro desde o início da pandemia da Covid-19, é o que detém médias de taxas de variação de desemprego mais elevadas, apenas ultrapassadas quando se analisam os períodos homólogos. De facto, o início da pandemia e decorrente primeiro confinamento parece ter sido o momento em que o desemprego mais aumentou, gerando uma primeira vaga de “desempregados imediatos” (Caleiras & Carmo, 2020), uma vez que foram os primeiros afetados assim que a pandemia eclodiu. Como se poderá analisar com mais detalhe no Anexo III, dentro da população em que o desemprego mais aumentou, importa salientar alguns grupos: os homens, a população jovem (com 34 ou menos anos) e a população com níveis de escolaridade intermédia (com o 3.º CEB ou o ensino secundário completo).
É ainda de notar como, neste período, o litoral parece ter sido bastante mais afetado pelo desemprego que o interior, sobretudo na região Norte. Tal poderá justificar-se tanto devido a uma maior incidência de setores mais penalizados pelo desemprego no início da pandemia, como o turismo ou a restauração, como devido à existência de trabalho mais precarizado.
2. Período homólogo de maio (maio de 2020 e maio de 2019)
Este período, tal como o período homólogo de dezembro, compreende uma lógica diferente da utilizada no período do primeiro confinamento, de desconfinamento e do segundo confinamento. Enquanto estes três períodos se referem a momentos sequenciais, isto é, em cadeia, analisando os três momentos da pandemia da Covid-19 até ao momento, os períodos homólogos de maio e de dezembro comparam o mês com o seu homólogo pré-pandemia, de forma a melhor se perceber o efeito da pandemia no desemprego.
O período homólogo de maio compara o mês de maio em 2020 e 2019. Observando a figura 7, compreende-se que o Algarve foi a região mais afetada pelo aumento do desemprego, estando a maioria dos concelhos da região inseridos no cluster de impacto significativo e no cluster de maior impacto, no qual se situa o de Albufeira enquanto um outlier. De facto, o cluster de maior impacto é constituído apenas pelo concelho de Albufeira, cujos valores das taxas de variação de desemprego são tão elevadas que o colocam num grupo isolado, apresentando uma taxa global de variação do desemprego de 596,54%, valor que sobe para os 927,35% quando se analisa apenas a população com 34 ou menos anos. O cluster de impacto significativo abrange nove concelhos, todos situados no Algarve, à exceção de Paredes de Coura, e tem uma média da taxa global de variação do desemprego de 188,34%. O cluster de impacto intermédio é composto por 72 concelhos com uma média da taxa global de variação do desemprego de 63,48% e o cluster de menor impacto é constituído por 196 concelhos e apresenta uma média da taxa global de variação do desemprego de 16,22% (Anexo IV).
Este exercício, que permite analisar o mesmo mês em dois anos diferentes, demonstra como existiu um aumento significativo nas taxas de variação do desemprego em maio de 2020 face ao mês homólogo de 2019, sendo o Algarve a região em que este aumento foi mais significativo. É também de notar que as taxas de variação do desemprego são tendencialmente mais elevadas nos homens do que nas mulheres e que os grupos mais afetados são os jovens com 34 ou menos anos e a população com o 3.º CEB ou o ensino secundário concluído.
A região do Algarve foi claramente a mais afetada pelo desemprego neste período, sendo que são também de destacar as regiões litorais no sul e centro, derivado sobretudo a uma quebra das atividades associadas ao turismo, situação agravada por maio se tratar de um mês anterior à época alta e, como tal, tendencialmente já com alguma intensidade de contratações específicas para responder a uma maior procura. O aumento do desemprego também é significativo em Paredes de Coura e nos municípios limítrofes, o que poderá dever-se, entre outras razões, ao cancelamento do festival de música Vodafone Paredes de Coura, que geralmente ajuda à dinamização da atividade económica e do emprego na região durante este período, de preparação do festival. É ainda de notar que sobretudo Paredes de Coura, mas também os concelhos cercantes, apresentam taxas de variação de desemprego elevadas no período do primeiro confinamento, como se viu anteriormente, pelo que se comprova que esta é uma região que foi bastante afetada pelo aumento do desemprego neste momento inicial da pandemia.
3. Período de desconfinamento (maio a dezembro de 2020)
O período de desconfinamento refere-se à comparação entre os meses de maio e dezembro de 2020, altura em que existiu um desconfinamento das medidas da pandemia da Covid-19 em Portugal. Diferentemente ao sucedido no período analisado anteriormente, o interior Norte e Centro parece ter tido um aumento das taxas de variação de desemprego mais significativo, bem como a região do Algarve. Ao comparar os dois mapas (figs. 6 e 8), relativos aos períodos correspondentes ao primeiro confinamento e ao desconfinamento, e embora com exceções, parece existir uma reconfiguração nos territórios mais afetados pelo desemprego, nomeadamente a extensão do impacto ao interior do país com destaque para a região duriense e para o sul.
Os concelhos de Odemira, Oleiros, Mêda e Vila Nova de Paiva são os que apresentam maior impacto das taxas de variação do desemprego, situando-se no cluster de maior impacto, seguido do cluster de impacto significativo, com 71 concelhos, do cluster de impacto intermédio, com 127 concelhos e do cluster de menor impacto, com 76 concelhos.
É de assinalar que os valores médios das taxas de variação do desemprego são mais reduzidos neste período, comparativamente com o período de confinamento. Tanto o cluster de menor impacto como o cluster de impacto intermédio apresentam médias da taxa global de variação do desemprego negativas (-17,48% e -4,12%, respetivamente), tendo o cluster de impacto significativo uma média de +11,93% e o cluster de maior impacto uma média de +52,48% (Anexo V).
Em sentido inverso ao período do primeiro confinamento, o interior norte do país parece ser das regiões mais afetadas pelo aumento do desemprego entre maio e dezembro de 2020, especialmente a região do Douro. Tal poderá dever-se, pelo menos em parte, à paragem do turismo na região, principalmente no turismo fluvial no rio Douro, que sofreu um duro golpe devido à pandemia, uma vez que em 2020 as embarcações estiveram paradas grande parte do verão, época de maior procura. É ainda de referir que os valores deste período (maio-dezembro de 2020) são substancialmente inferiores aos apurados no período anterior (fevereiro-maio de 2020). De facto, os valores médios do desemprego são muito mais reduzidos que no período do primeiro confinamento, o que demonstra que, de certa forma, os valores entre maio e dezembro de 2020 estabilizaram, não se apurando aumentos tão vertiginosos como entre fevereiro e maio do mesmo ano.
4. Período homólogo de dezembro (dezembro de 2020 e dezembro de 2019)
Quando se analisa o período que compara o mês de dezembro de 2020 com o homólogo de 2019, como ilustra a figura 9, constata-se que o litoral é mais afetado que o interior, sendo as regiões onde as taxas de variação do desemprego mais aumentam o Algarve e Lisboa e Vale do Tejo (LVT). O cluster de maior impacto é composto por 20 concelhos e tem uma média da taxa global de variação do desemprego de 69,56%. O cluster de impacto significativo abrange 65 concelhos, apresentando uma média da taxa de 37,64%. O cluster de impacto intermédio corresponde a 106 concelhos e apresenta uma média da taxa global de variação do desemprego de 20,86%, enquanto o cluster de menor impacto corresponde a 87 concelhos e regista uma média da taxa global de variação do desemprego de 0,44% (Anexo VI).
No período homólogo de dezembro, as taxas de desemprego aumentaram mais significativamente no litoral do país, sobretudo no Algarve e LVT, sendo esta última uma região também marcada pela especialização em atividades de elevado contacto físico e de serviços, que, devido à sua natureza presencial, tendencialmente originaram maior desemprego.
Comparando com o período homólogo de maio, os valores médios da taxa global de variação do desemprego no período homólogo de dezembro são mais baixos, sinal de que o desemprego cresceu de forma menos acentuada neste período do que na comparação do mês de maio com o seu homólogo. É também de notar que o mês de maio começa a ser pautado pelo início da época veraneante, em que o Algarve assume uma importância especialmente relevante, enquanto o mês de dezembro se carateriza pelo aumento da procura associada à época natalícia, com destaque para as zonas de maior consumo, que são também tendencialmente as de maior densidade populacional. Assim, neste período homólogo de dezembro o aumento do desemprego parece estar mais diferenciado territorialmente, embora continue centrado no litoral.
5. Período do segundo confinamento (dezembro de 2020 a abril de 2021)
A figura 10 refere-se ao período do segundo confinamento, entre dezembro de 2020 e abril de 2021. Este período segue algumas das tendências do período anterior, embora seja de notar uma maior incidência na Área de Lisboa e Vale do Tejo, especialmente na zona sul. O cluster de maior impacto é composto por Aljustrel, Gavião, Lisboa, Cadaval, Macedo de Cavaleiros e Bragança e a média da taxa global de variação do desemprego é de 35,79%. O cluster de impacto significativo é composto por 99 concelhos, apesentando uma média de 11,91%. O cluster de impacto intermédio abrange 111 concelhos, tendo uma média de 0,77%, e o cluster de menor impacto compreende 62 concelhos e a média da taxa global de variação do desemprego é de -9,53% (Anexo VII).
Embora as taxas de variação de desemprego diminuam no cluster de menor impacto, nos restantes clusters aumentam, sendo esse crescimento menos marcado territorialmente em comparação com os restantes períodos analisados. De facto, o aumento das taxas de variação do desemprego neste período parece ser geograficamente menos estanque, estando mais distribuído no território.
Neste período as taxas de variação do desemprego são tendencialmente superiores nas mulheres, contrariamente ao ocorrido nos dois períodos analisados anteriormente. Ao comparar o primeiro com o segundo confinamento, constata-se que no primeiro o desemprego assumiu uma forma mais expressiva no litoral e no sexo masculino, enquanto no segundo o desemprego afetou mais os territórios situados no interior do país e a população feminina. Numa comparação entre os três principais períodos em cadeia (primeiro confinamento, desconfinamento e segundo confinamento), é notório que o pico do aumento das taxas de variação do desemprego ocorreu durante a fase inicial da pandemia, ou seja, durante o primeiro confinamento. Nos períodos seguintes, o desemprego, embora com oscilações, manteve-se globalmente elevado, sobretudo quando comparado com o ano de 2019 e os meses de janeiro e fevereiro de 2020, anteriores à chegada da pandemia a Portugal.
VII. Conclusão
O objetivo deste artigo foi o de analisar os impactos da crise pandémica na dinâmica do desemprego registado em Portugal continental. O enfoque deu primazia à distribuição categorial e espacial dos desempregados, bem como à dimensão temporal do problema. Uma primeira grande conclusão prende-se com a inversão da trajetória de descida sustentada que vinha a acontecer desde 2012. O repentino recrudescimento, mais notório a partir de abril de 2020, inverteu esta tendência e facilmente se percebe que tal se deveu à pandemia causada pela Covid-19. O efeito pandémico gerou um primeiro choque, ao qual o layoff simplificado, entre outras medidas de apoio à manutenção do emprego, não conseguiu responder inteiramente, e produziu o que já se classificou como vaga de “desempregados imediatos”, composta pelos trabalhadores mais precários e informais (Caleiras & Carmo, 2020).
Apesar da variação posterior dos números ser caracterizada, de uma forma geral, pela quase inexistência de variação, os dados revelam uma generalização do problema, marcada por oscilações relacionadas com os períodos de confinamentos e desconfinamento, e por diferenças entre grupos. Os jovens adultos (com 34 ou menos anos) e os trabalhadores que têm como habilitação escolar o 3.º CEB ou o ensino secundário foram os mais atingidos. Os homens foram os mais afetados no início da pandemia, porém esta tendência parece estar a inverter-se, sendo atualmente as mulheres as que apresentam taxas de variação de desemprego mais elevadas.
A distribuição geográfica não é homogénea nos territórios, com realce para algumas concentrações espaciais, sobretudo no litoral, e algumas (poucas) no interior, especialmente no período de desconfinamento. O efeito de sazonalidade contribuiu para uma redução no número de “desempregados do turismo” (provenientes das atividades de alojamento, restauração e similares). O turismo continua a ser largamente penalizado pela pandemia e, no caso da região do Algarve, o fenómeno é ainda mais expressivo. Aqui a pandemia está a ter um impacto absolutamente desproporcional, explicado em grande medida pelo facto de a região ser muito dependente da atividade turística, com particular destaque para o concelho de Albufeira.
Todavia, é interessante verificar que as configurações socioespaciais do desemprego variam em função do horizonte temporal utilizado. A lógica resultante da análise que estabelece uma relação com o mês homólogo apresenta, nos períodos contemplados, uma matriz que tende a evidenciar uma maior incidência do desemprego nas zonas litorais tendencialmente mais urbanizadas (embora esta seja menos vincada no mapa que compara dezembro de 2020 com o mesmo mês de 2019). Por sua vez, as geografias do desemprego que despontam da lógica sequencial apontam para uma maior diferenciação, ao longo do decorrer da pandemia, que tende a expressar uma crescente incidência nos territórios situados na faixa do interior do país. Isto significa que se torna prudente utilizar diferentes escalas temporais para melhor caracterizar o impacto da pandemia no desemprego.
A expressão dos despedimentos e da dispensa de trabalhadores não permanentes na estrutura de motivos de inscrição nos Centros de Emprego é o espelho das fragilidades contratuais e o reflexo da precariedade laboral. O que este indicador mostra é a escassa proteção conferida aos trabalhadores no emprego, além da pouca cobertura de proteção no desemprego. Respostas políticas de emergência como o Apoio à Desproteção Social (2020) e o Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores (2021) reconheceram expressamente este problema e procuraram, ainda que parcialmente, combatê-lo.
Agradecimentos
O artigo insere-se nas atividades do Observatório das Desigualdades e no projeto de investigação “EmployALL - A crise do emprego e o Estado Social em Portugal: deter a produção de vulnerabilidades sociais e de desigualdades” (referência PTDC/SOC-SOC/30543/2017), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia através de fundos nacionais.
Contributos dos/as autores/as
Inês Tavares: Conceptualização; Metodologia; Software; Validação; Análise formal; Investigação; Recursos; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição. Ana Filipa Cândido: Conceptualização; Software; Validação; Análise formal; Investigação; Recursos, Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição. Jorge Caleiras: Conceptualização; Metodologia; Software; Validação; Análise formal; Investigação; Recursos; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição. Renato Miguel do Carmo: Conceptualização; Metodologia; Software; Validação; Análise formal; Investigação; Recursos; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição; Supervisão; Administração do projeto.