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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.121 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.18055/finis25732 

Artigo

Barreiras à inovação na Administração Pública Local: o caso da NUTS III BSE.

Barriers to innovation in Local Public Administration: the NUTS III BSE case.

Barrieres a l’innovation dans l’Administration Publique Locale: le cas de NUTS III BSE.

Barreras a la innovación en la Administración Pública Local: el caso de la NUTS III BSE.

Maria Manuela Santos Natário1  2 
http://orcid.org/0000-0002-5983-8399

Maria Cecília dos Santos Rosa3 
http://orcid.org/0000-0002-8998-9307

Sara Raquel Marques4 

1 Departamento de Gestão e Economia, Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior (UDI), Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico da Guarda, Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro, n.º 50, 6300-559, Guarda, Portugal

2 GOVCOPP - Research Unit on Governance, Competitiveness and Public Policies, University of Aveiro, Aveiro, Portugal. E-mail: m.natario@ipg.pt

3 Departamento de Matemática, Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior (UDI), Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico da Guarda, Guarda, Portugal. E-mail: cecirosa@ipg.pt

4 Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico da Guarda, Guarda, Portugal. E-mail: saramarkes@gmail.com


Resumo

O objetivo do estudo apresentado neste artigo é identificar as principais barreiras/obstáculos ao desenvolvimento de atividades de inovação do setor público, em particular na Administração Pública Local da NUTS III Beiras e Serra da Estrela (BSE), de modo a perceber a que impedimentos estão sujeitas e quais os fatores que dificultam a inovação. Para alcançar o objetivo definido utilizou-se um inquérito que foi elaborado, com base no Inquérito Comunitário à Inovação (Community Innovation Survey [CIS], 2020) e no European Public Sector Innovation Scoreboard 2013 (European Commission, Directorate-General for Enterprise and Industry, 2014), dirigido às 15 Autarquias que fazem parte da NUTS III BSE. Foi efetuada uma análise descritiva dos dados, recorrendo a matrizes de correlação, estabelecendo algumas correlações entre as variáveis com vista a uma caracterização geral das Instituições inquiridas e ao estudo das barreiras à inovação. As principais conclusões sobre o estudo apontam que as principais barreiras à introdução de inovações nas Autarquias da BSE são os fatores políticos e a falta de incentivos para inovar. O tempo inadequado alocado pela instituição para inovar e as regras contratuais são apontadas sobretudo como barreiras à introdução de inovações de produto (serviços). Deste modo, torna-se importante a definição de políticas públicas e estratégias por parte das autarquias locais que combatam estas barreiras e obstáculos e promovam a inovação como prioridade e a cooperação como elemento fundamental no processo.

Palavras-chave: Administração Pública Local; inovação no setor público; barreiras à inovação; NUTS III BSE

Abstract

The aim of the study presented in this article is to identify the main barriers/obstacles to the development of innovation activities in the public sector, in particular in the Local Public Administration of NUTS III Beiras and Serra da Estrela (BSE), in order to understand which impediments subjects and what factors are hinder innovation. To achieve the defined objective, a survey was prepared, based on the Community Innovation Survey (CIS) and the European Public Sector Innovation Scoreboard 2013, addressed to the 15 Municipalities that are part of the NUTS III BSE. A descriptive analysis of the data was carried out, using correlation matrices, establishing some correlations between the variables with a view to a general characterization of the institutions surveyed and the study of barriers to innovation. The main conclusions of the study point out that the main barriers to the introduction of innovations in the BSE Municipalities are the political factors and the lack of incentives to innovate. The inadequate time allocated by the institution to innovate, and the contractual rules are pointed out above all as barriers to the introduction of product (services) innovations. Thus, it is important to define public policies and strategies by local authorities that fight these barriers and obstacles and promote innovation as a priority and cooperation as a fundamental element in the process.

Keywords: Local Public Administration; innovation in the public sector; barriers to innovation; NUTS III BSE

Résumé

L’objectif de l’étude présentée dans cet article est d’identifier les principaux barrières/obstacles au développement d’activités d’innovation dans le secteur public, en particulier dans l’administration publique locale de NUTS III Beiras et Serra da Estrela (BSE), afin de comprendre quels obstacles sont des sujets et quels facteurs entravent l’innovation. Pour atteindre l’objectif défini, une enquête a été préparée, basée sur l’enquête communautaire à l’innovation (CIS) et le tableau de bord européen de l’innovation dans le secteur public 2013, adressée aux 15 municipalités qui font partie de la NUTS III BSE. Une analyse descriptive des données a été réalisée, à l’aide de matrices de corrélation, établissant des corrélations entre les variables en vue d’une caractérisation générale des institutions enquêtées et de l’étude des freins à l’innovation. Les principales conclusions de l’étude soulignent que les principaux obstacles à l’introduction d’innovations dans les municipalités de l’ESB sont les facteurs politiques et le manque d’incitations à innover. Le temps insuffisant alloué par l’institution pour innover et les règles contractuelles sont surtout pointés du doigt comme des freins à l’introduction d’innovations de produits (services). Ainsi, il est important de définir les politiques et stratégies publiques par les collectivités locales qui combattent ces barrières et obstacles et promeuvent l’innovation comme priorité et la coopération comme élément fondamental du processus.

Mot clés: Administration publique locale; innovation dans le secteur public; obstacles à l’innovation; NUTS III BSE

Resumen

El objetivo del estudio presentado en este artículo es identificar las principales barreras / obstáculos para el desarrollo de actividades de innovación en el sector público, en particular en la Administración Pública Local de NUTS III Beiras y Serra da Estrela (BSE), con el fin de comprender cuáles son los impedimentos y qué factores dificultan la innovación. Para lograr este objetivo, se elaboró un relevamiento, basado en la Encuesta de Innovación Comunitaria (CIS) y el Cuadro de Indicadores de Innovación del Sector Público Europeo 2013, dirigida a los 15 Municipios que forman parte del NUTS III BSE. Se realizó un análisis descriptivo de los datos, utilizando matrices de correlación, estableciendo algunas correlaciones entre las variables con miras a una caracterización general de las instituciones encuestadas y el estudio de barreras a la innovación. Las conclusiones mas relevantes del estudio señalan que las principales barreras para la introducción de innovaciones en los Municipios de la BSE son los factores políticos y la falta de incentivos para innovar. El tiempo inadecuado asignado por la institución para innovar y las reglas contractuales se señalan sobre todo como barreras para la introducción de innovaciones de productos (servicios). Por lo tanto, es importante definir políticas y estrategias públicas por Autoridades locales que luchen contra estas barreras y obstáculos, y promuevan la innovación como prioridad y la cooperación como elemento fundamental en el proceso.

Palavras clave: Administración Pública Local; innovación en el sector público; barreras a la innovación; NUTS III BSE

I. Introdução

A Administração Pública nos últimos tempos tem evoluído significativamente e está em constante mudança, alterações a que os governos (nacionais, regionais ou locais) e os cidadãos têm de se adaptar. Neste contexto, é fundamental a capacidade para aprender e compreender as necessidades e prioridades dos locais (Lewis et al., 2018) e para abandonar os processos administrativos burocráticos. É primordial focar-se nas necessidades dos cidadãos e nas suas expetativas (Correia et al., 2019) e procurar soluções inovadoras para a melhoria do funcionamento das instituições públicas (Marques & Natário, 2019). Com efeito, muitas destas instituições apoiam-se em processos burocráticos e modelos administrativos tradicionais que dificultam os processos de inovação (Criado et al., 2020; Moussa, 2021).

De facto, e ainda que existam exemplos de inovação na administração pública (Pinch, 1989; Walton, 2005), a tipificação excessiva dos processos, e a ausência de autonomia dos funcionários para decidir casos que não sejam fáceis de tipificar, podem, pois, gerar ineficiências e obstaculizar a alteração dos processos.

Para melhorar o desempenho e competitividade das instituições públicas é necessário criar um ambiente propício para fomentar a inovação bem-sucedida (Moussa, 2021). A inovação é fundamental para a sobrevivência e crescimento quer das nações quer das organizações modernas (Natário, 2005). Deste modo, saliente-se ainda que, segundo de Vries et al. (2018) as principais áreas para a adoção e difusão de inovações do setor público são ao nível da gestão pública, da política pública e da Administração Pública.

Na Administração Pública a inovação pode ser medida sob as diretrizes do Manual de Oslo (OECD/Eurostat, 2018) e do European Public Sector Innovation Scoreboard 2013 (European Commission, Directorate-General for Enterprise and Industry, 2014), cuja operacionalização da sua definição conduziu a quatro tipos de inovação (adotados nos Inquéritos Comunitários à Inovação - CIS): 1) inovação de produto (serviços); 2) inovação de processo; 3) inovação organizacional e 4) inovação de marketing (comunicação).

Face ao exposto, torna-se importante estudar quais as barreiras e obstáculos à inovação na Administração Pública e, para o objetivo deste estudo, mais concretamente na Administração Pública Local (APL) da Nomenclatura de Unidades Territoriais para fins Estatísticos (NUTS) III Beiras e Serra da Estrela (BSE). É necessário observar as atividades e processos de inovação implementados nessas instituições, perceber a que impedimentos estão sujeitas as administrações públicas e quais os fatores que dificultam a inovação, para definir estratégias e políticas que ajudem a ultrapassar essas restrições. Para o efeito, utilizou-se os resultados de um inquérito aplicado aos 15 Municípios da NUTS III BSE e recorreu-se a matrizes de correlação para estabelecer dependências entre (1) os tipos de inovação introduzidos nas Administrações Públicas Locais e; (2) as características dos recursos humanos das instituições da APL; e (3) os obstáculos às atividades de inovação e principais barreiras à inovação.

O artigo está estruturado em cinco pontos. Após a introdução, apresenta-se no ponto dois a revisão de literatura relativa ao tema barreiras à inovação na administração pública. No ponto três apresenta-se o estudo empírico: o enquadramento da região, a metodologia e a caracterização geral das instituições inquiridas da Administração Pública Local da BSE. No ponto quatro apresenta-se o estudo das barreiras à inovação nessas instituições. Finalmente, apresentam-se as conclusões.

II. Revisão da literatura

A literatura sobre as barreiras, impedimentos e obstáculos à inovação no setor privado tem beneficiado, por um lado, das investigações que incidem sobre o inquérito comunitário à inovação (CIS) (Blanchard et al., 2012, Cinar et al., 2019; Galia & Legros, 2004) e, por outro lado, dos desenvolvimentos e edições do Manual de Oslo (OECD, 1992; OECD/Eurostat/EU, 1997; OECD/Eurostat, 2005, 2018).

Considera-se que uma barreira à inovação impede que se desenvolvam atividades de inovação ou que se introduzam tipos específicos de inovação. Por sua vez, os obstáculos à inovação aumentam os custos ou criam problemas técnicos, mas geralmente são solucionáveis (OECD/Eurostat, 2018).

Na 3ª edição do Manual de Oslo (OECD/Eurostat, 2005) apontam-se os vários fatores que prejudicam o desenvolvimento de atividades de inovação de onde se destacam: os fatores económicos, como custos elevados ou falta de procura, os fatores empresariais, como falta de pessoal qualificado ou falta de conhecimento e os fatores legais, como regulamentos ou regras fiscais. Por sua vez, no CIS (2020) questiona-se sobre os seguintes obstáculos à inovação: falta de financiamento interno para a inovação, falta de crédito ou de investimento privado, dificuldades na obtenção de subvenções públicas ou subsídios, custos elevados, falta de funcionários qualificados na empresa, falta de parceiros de colaboração, falta de acesso a conhecimento externo, mercado com procura incerta para as suas ideias, muita concorrência no seu mercado e diferentes prioridades dentro da empresa.

No setor público, os estudos para identificar e entender as barreiras, as dificuldades e problemas ao desenvolvimento de processos de inovação, têm beneficiado dos contributos de Cinar et al. (2019, 2021), de Vries et al. (2016), Mergel (2018), Moussa (2021), Smith e Sandberg (2018), entre outros.

Relativamente a Smith e Sandberg (2018), estes procuraram estudar em que medida as barreiras à inovação afetam as diferentes fases do ciclo de vida do serviço, e como as perceções das barreiras à inovação variam entre os diferentes utilizadores, num contexto de inovação aberta (Chesbrough, 2019).

Cinar et al. (2019) procuraram analisar as dificuldades e problemas do processo de inovação dentro do setor público. Eles estudaram a natureza das barreiras considerando quatro dimensões: classificação, inter-relações, processo de inovação e tipos de inovação. No seu estudo sobre a revisão sistemática relativa às barreiras ao processo de inovação no setor público identificam quatro tipos de barreiras:

  1. Organizacionais, relacionadas com a aplicação do processo de atividades de inovação (administração ineficaz de atividades de processo, resistência ou falta de apoio de ator(es) específico(s), falta de recursos disponíveis, estrutura/cultura organizacional rígida, falta de habilidades/conhecimento/experiência);

  2. Barreiras específicas de interação que refletem a natureza colaborativa do processo de inovação no setor público. De referir que o processo de inovação é interativo e a dinâmica de inovação requer o envolvimento de diversos atores (Natário, 2005). As barreiras à interação foram identificadas de forma mais comum com as organizações do setor público, seguindo-se com cidadãos e organizações não governamentais (ONG), empresas, políticos ou entidades políticas. As interações com empresas e organizações internacionais também são apontadas como barreiras, mas de menor impacto;

  3. Barreiras relacionadas com as características de inovação (incompatibilidade, complexidade, custos de mudança, falta de interoperabilidade, problemas de plataforma/software, inflexibilidade);

  4. Barreiras contextuais (leis, regulamentos e políticas atuais, falta de padronização na inovação de contratação pública eletrónica, geografia, etc.).

Também Moussa (2021) e Moussa et al. (2018) consideram como barreiras à inovação no setor público as barreiras organizacionais, associadas à liderança e suas competências, associadas à mudança no clima organizacional, que tornam o conhecimento obsoleto, e associadas à cultura organizacional.

Deste modo, segundo Moussa (2021) é possível encontrar três tipos de barreiras à inovação no setor público: as barreiras organizacionais (por exemplo, regras e regulamentos e fundos e orçamento); características de liderança (por exemplo, liderança estratégica, liderança nacional e liderança inclusiva); e questões de clima organizacional (por exemplo, planeamento do local de trabalho, ferramentas de medição, iniciativas, abrangendo a diversidade e colaboração e networking). Esta perspetiva é diferente da anterior de Cinar et al. (2021), dando mais enfâse às questões internas da organização pública com fator de entrave à promoção de inovação.

Com efeito, segundo Mergel (2018) as barreiras à inovação podem ocorrer nos níveis intra, inter e extra-organizacionais, salientando que as barreiras intra-organizacionais dizem respeito a fatores que ocorrem dentro de cada organização e podem ser resolvidos pela própria organização, nomeadamente: barreiras legais, culturais, técnicas e institucionais.

Outros estudos sobre as barreiras à inovação recaem sobre aspetos particulares do processo de inovação, como é o caso de barreiras à colaboração e às parcerias em contexto de inovação aberta (Smith et al., 2019) ou de barreiras inter-organizacionais (Mergel, 2018) ou de barreiras à inovação aberta no setor público (Mu & Wang, 2020).

III. Estudo empírico

1. Enquadramento da região de estudo

A BSE é uma NUTS III situada no interior da Região Centro de Portugal e integra os 15 Municípios constantes na figura 1: Almeida, Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Fundão, Gouveia, Guarda, Manteigas, Mêda, Pinhel, Sabugal, Seia e Trancoso.

Fig. 1 Localização da NUTS III BSE e mapa dos 15 Municípios. Fonte: Adaptado de https://pt.wikivoyage.org/wiki/Pen%C3%ADnsula_Ib%C3%A9rica; https://cimbse.pt/apresentacao/quem-somos/  

O quadro I mostra alguns indicadores demográficos e a sua tendência de 2011 para 2021 ou 2020, conforme disponibilidade dos dados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Quadro I População Residente, Densidade Populacional e Índice de Envelhecimento da NUTS III BSE entre 2011 e 2021. 

População Residente (Nº) Densidade Populacional (nº/Km2) Índice de Envelhecimento Nº idosos/100 jovens
Anos 2011 2021 2011 2021 2011 2020
Portugal 10 542 398 10 344 802 114,3 112,2 127,0 167,0
Centro 2 316 169 2 227 567 82,1 79,3 160,7 206,8
BSE 233 478 210 633 37,0 33,4 230,9 295,7
Almeida 7 066 5 887 13,6 11,3 443,2 597,1
Belmonte 6 808 6 205 57,3 52,3 216,1 277,1
Celorico da Beira 7 608 6 584 30,8 26,6 238,2 319,5
Covilhã 51 196 46 457 92,1 83,5 192,7 268,9
F. de Castelo Rodrigo 6 224 5 148 12,2 10,1 280,5 288,4
F. de Algodres 4 965 4 403 37,8 33,5 262,5 288,9
Fundão 28 940 26 509 41,3 37,8 222,9 282,7
Gouveia 13 892 12 223 46,2 40,6 301,2 375,3
Guarda 42 126 40 126 59,2 56,3 151,8 207,1
Manteigas 3 400 2 909 27,9 23,8 244,6 403,0
Mêda 5 118 4 633 17,9 16,2 335,9 434,2
Pinhel 9 503 8 092 19,6 16,6 292,3 419,9
Sabugal 12 351 11 283 15,0 13,7 511,4 462,0
Seia 24 466 21 760 56,2 49,8 236,3 303,8
Trancoso 9 815 8 414 27,1 23,3 275,4 373,7

Fonte: Adaptado de INE (2022)

Da análise ao quadro I verifica-se que os Municípios deste território apresentam baixa densidade populacional e envelhecimento demográfico. O aumento, nos últimos anos, do índice de envelhecimento é verificado na generalidade dos territórios, e simultaneamente, tem-se observado a perda de população jovem. A densidade empresarial também é reduzida e a região tem vindo a perder peso no contexto nacional em termos exportações (Marques et al., 2022).

No entanto, ainda que o território da BSE, como um todo, seja marcado pelo envelhecimento populacional, também não deixa de ser verdade que os processos de transformação são bastante diferenciados nestes territórios, observando-se, por exemplo, processos de urbanização nas áreas mais centrais da Covilhã, do Fundão e da Guarda (Wolf et al., 2020) e verificando-se, como mostram Moreira et al. (2009), diferenciações muito grandes na sua qualidade de vida.

Além disso, como mostram Marques et al. (2022), a região apresenta um potencial turístico, uma vez que detém uma herança muito rica em história e património natural. No que respeita a bens imóveis culturais, a BSE aumentou o número de novos imóveis classificados, desde monumentos, conjuntos e sítios. No que respeita à área do turismo a BSE é um destino em consolidação, com um aumento da estada média nos estabelecimentos hoteleiros.

2. Metodologia

O presente estudo tem como objetivo identificar as principais barreiras/obstáculos ao desenvolvimento de atividades de inovação do setor público, em particular na Administração Pública Local da NUTS III Beiras e Serra da Estrela (BSE).

Para alcançar o objetivo definido utilizaram-se os dados de um inquérito aplicado às 15 Autarquias que fazem parte da NUTS III BSE. Todavia, refira-se que apenas 13 responderam às questões da caracterização da Instituição, pois estas não eram de preenchimento obrigatório.

O inquérito foi elaborado com base no Inquérito Comunitário à Inovação (Community Innovation Survey [CIS], https://www.dgeec.mec.pt/np4/207/) e também através do European Public Sector Innovation Scoreboard 2013 (European Commission, Directorate-General for Enterprise and Industry, 2014).

Dado que o estudo foi realizado em contexto de pandemia COVID-19, e devido às medidas de contingência implementadas, o inquérito realizou-se via on-line (ferramenta Google Forms). Numa primeira abordagem às Autarquias, o preenchimento do inquérito foi dirigido a cada executivo, questionando sobre as inovações introduzidas no período temporal dos últimos dois anos.

O inquérito contempla três dimensões de questões distintas por temáticas, completadas com os dados do respondente da Autarquia:

  1. Recursos humanos: número total de trabalhadores, a sua distribuição por grau de escolaridade e o número de funcionários alocados a ocupações criativas. Neste grupo as respostas são de preenchimento em texto e opcional;

  2. Objetivos e/ou estratégias de inovação do Município: se o Município possui um departamento de inovação/desenvolvimento, com atividades de inovação organizadas e novos projetos, e principais barreiras/obstáculos à sua implementação. Estes dois blocos de questões são de resposta dicotómica (sim/não) e obrigatória;

  3. Fluxos de conhecimento, atividades de inovação e desempenho em termos de introdução de inovação: para perceber o grau de importância que a instituição, nos últimos dois anos, atribuiu a atividades de inovação desenvolvidas com introdução de produtos/serviços e processos, marketing e organizacional novos ou melhorados e Investigação e Desenvolvimento (I&D) e com evidência para os fatores que contribuíram para o impedimento da execução de atividades de inovação na instituição. Neste grupo, nos dois blocos de questões foram aplicadas escalas de Likert ou escalas de concordância, em que o inquirido tem várias opções de resposta, numa escala de 1 a 5, em que 1 corresponde a muito baixo/pouco relevante e 5 a muito alto/muito relevante. Estes grupos de questões são de resposta obrigatória.

Para aferir o tipo de inovação introduzida no município, e tendo em conta principalmente o CIS, os aspetos considerados na questão “Nos últimos dois anos, indique qual foi o grau de importância atribuído às seguintes atividades de inovação desenvolvidas nos serviços do Município” foram os seguintes:

  • para aferir a inovação do produto (serviço) [Introdução de um serviço novo ou melhorado, Introdução de um serviço novo ou melhorado semelhante ou idêntico já oferecido por outro(s) município(s), Introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s), Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido inteiramente por pessoal do município, Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações];

  • para aferir a inovação de processo (Métodos para fornecer serviços, Métodos para processamento ou comunicação de informação);

  • para a inovação organizacional (Métodos de contabilidade ou outras funções administrativas, Métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos);

  • para aferir a inovação em marketing (Métodos de marketing).

Tendo em conta a revisão de literatura e as fontes anteriormente referidas, no que diz respeito às principais barreiras ao desenvolvimento de atividades de inovação foram consideradas as seguintes: fatores políticos, falta de flexibilidade nas leis e regulamentos, tempo inadequado alocado para a inovação, falta de incentivos para as equipas inovarem, as regras contratuais que impedem a colaboração com fornecedores, falta de capacidade dos principais fornecedores para oferecer soluções inovadoras e resistência dos utilizadores às mudanças. Relativamente aos obstáculos foram contemplados os seguintes: custos elevados associados ao processo de inovação, falta de financiamento interno para a inovação, falta de funcionários qualificados no município, falta de cooperação na organização, diferentes prioridades dentro do município, dificuldades na obtenção de apoios financeiros da União Europeia, falta de acesso a conhecimento externo e dificuldades de cooperação com entidades externas.

O inquérito foi aplicado entre 20 de janeiro e 30 de março de 2021. Os dados foram analisados recorrendo ao programa Statistical Package for the Social Sciences versão 25.0 para Windows©.

Para alcançar o objetivo definido para este estudo referido anteriormente, efetuou-se a análise descritiva das variáveis e procurou-se estudar a correlação entre o tipo de inovações introduzido nas instituições da APL da BSE e algumas variáveis contextuais, bem como a relação entre a introdução de diferentes tipos de inovação nas instituições da APL da BSE, as barreiras à inovação, e os obstáculos à inovação. Esta análise foi feita recorrendo a matrizes de correlação (com recurso ao coeficiente de associação de Kendall, como sugere Khamis (2008)). Tendo em conta que se tem variáveis ordinais, variáveis contínuas e também nominais, a opção recaiu assim por técnicas estatísticas não paramétricas.

3. Caracterização geral das instituições inquiridas da administração pública local da BSE

O quadro II resume a caracterização geral das instituições inquiridas da administração pública local da BSE. De referir que, do total de 15 dos Municípios que integram a BSE, apenas 13 responderam às questões da caracterização da Instituição.

Quadro II Caracterização geral da amostra. 

Descrição Nº inquéritos válidos Mínimo Máximo Média
Número Total de Trabalhadores 13 62 608 244,5
Número de Trabalhadores com 3º ciclo de ensino completo 13 27 264 104,1
Número de Trabalhadores com Secundário 13 14 248 75,1
Número de Trabalhadores com Bacharelato / Licenciatura 13 19 172 56,4
Número de Trabalhadores com Mestrado 13 0 27 7,1
Número de Trabalhadores com Doutoramento 13 0 3 0,7
% Trabalhadores com ocupações criativas 13 0% 16% 6,5%

Da análise ao quadro II constata-se que, em termos de número de trabalhadores, os Municípios da BSE oscilam entre o mínimo de 62 e o máximo de 608. Em termos de habilitações, predominam os trabalhadores sem ensino superior. A percentagem de trabalhadores com ocupações criativas (Ex: área da comunicação, design, cultura, eventos), nos Municípios da BSE, oscila entre o mínimo de 0% e o máximo de 16%.

IV. Estudo das barreiras à inovação na administração pública local da BSE

1. Análise Descritiva

O quadro III apresenta a análise descritiva para os diferentes tipos de inovação a que foi dado maior importância pelas instituições da Administração Pública Local (APL) da BSE e para as principais barreiras ao desenvolvimento de atividades de inovação apontadas pelo Município.

A partir do quadro III é possível observar os diferentes tipos de inovação a que foi dada maior importância pelas instituições da Administração Pública Local da BSE: Inovação de Serviço (produto), de processo, organizacional e de marketing. Constata-se que nos municípios da BSE, nos últimos dois anos, foi dada maior importância à introdução de inovações de produto/serviço (Introdução de um serviço novo ou melhorado e Introdução de um serviço novo ou melhorado semelhante ou idêntico já oferecido por outro(s) município(s)), à introdução de inovações organizacionais (Métodos de contabilidade ou outras funções administrativas e Métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos), à introdução de inovações de processo (Métodos para fornecer serviços e Métodos para processamento ou comunicação de informação) e finalmente à introdução de inovações de marketing.

De referir que os municípios em análise valorizaram menos a introdução de inovações (de produto/serviço): introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s), introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido inteiramente por pessoal do município e introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações.

Quadro III Análise Descritiva. 

Descrição Moda Descrição %
FATORES Departamento de inovação/desenvolvimento, com atividades de inovação organizadas e novos projetos 66,7
Introdução de um serviço novo ou melhorado 4 BARREIRAS
Introdução de um serviço novo ou melhorado semelhante ou idêntico já oferecido por outro(s) município(s) 4 Fatores políticos 20,0
Introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s) 2 Falta de flexibilidade nas leis e regulamentos 73,3
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido inteiramente por pessoal do município 2 Tempo inadequado alocado para a inovação 60,0
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações 1 Falta de incentivos para as equipas inovarem 53,3
Métodos para fornecer serviços 4 As regras contratuais impedem a colaboração com fornecedores 46,7
Métodos para processamento ou comunicação de informação 4 Falta de capacidade dos principais fornecedores para fornecer soluções inovadoras 40,0
Métodos de contabilidade ou outras funções administrativas 4 Resistência dos utilizadores às mudanças 73,3
Métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos 4
Métodos de marketing 4
OBSTÁCULOS
Custos elevados associados ao processo de inovação 3
Falta de financiamento interno para a inovação 4
Falta de funcionários qualificados no município 2
Falta de cooperação na organização 2
Diferentes prioridades dentro do município 2
Dificuldades na obtenção de apoios financeiros da União Europeia 4
Falta de acesso a conhecimento externo 2
Dificuldades de cooperação com entidades externas 1

Nota: Para as variáveis da coluna 1, relativas ao grau de importância atribuído às diferentes atividades de inovação desenvolvidas no Município, utilizou-se uma escala de Likert de 1 a 5, onde 1 corresponde a muito baixo o grau de importância atribuído e 5 corresponde a muito alto o grau de importância atribuído.

As principais barreiras ao desenvolvimento de atividades de inovação apontadas pelo Município são a “falta de flexibilidade nas leis e regulamentos” e a “resistência dos utilizadores as mudanças”, seguindo-se o “tempo inadequado alocado para a inovação” e a “falta de incentivos para as equipas inovarem”. Além disso, os municípios apontaram que os principais obstáculos a inovação, a execução de atividades de inovação nos últimos dois anos foram: as “dificuldades na obtenção de apoios financeiros da União Europeia”, a “falta de financiamento interno para a inovação”, seguindo-se os “custos elevados associados ao processo de inovação”.

Saliente-se, ainda, que apenas cerca de 67% das instituições referiram que possuíam um departamento de inovação/desenvolvimento, com atividades de inovação organizadas e novos projetos.

2. Análise de Associação entre Variáveis

No seguimento da análise procurou-se estabelecer algumas correlações entre variáveis. Essa análise é feita recorrendo a matrizes de correlação (com recurso ao coeficiente de associação de Kendall, como sugere Khamis (2008)).

O objetivo é verificar a relação entre o tipo de inovações introduzido nas instituições da APL da BSE e algumas variáveis contextuais (i e ii), bem como relação entre a introdução de diferentes tipos inovação nas instituições da APL da BSE e as barreiras à inovação (iii) e os obstáculos à inovação (iv).

Foram então definidas as seguintes hipóteses:

  1. Os diferentes tipos de inovação na APL estão correlacionados com o número trabalhadores e com as habilitações dos trabalhadores.

  2. Existe correlação entre os diferentes tipos de inovação na APL e a percentagem de trabalhadores com ocupações criativas e a existência de departamentos de inovação.

  3. Existe correlação entre os diferentes tipos de inovação na APL e as principais barreiras ao desenvolvimento de atividades de inovação.

  4. Existe correlação entre os diferentes tipos de inovação na APL e os obstáculos da execução de atividades de inovação.

O quadro IV resume os resultados relativamente à correlação entre o tipo de inovações introduzido nas instituições da APL da BSE e algumas variáveis contextuais (hipóteses i) e ii)).

Através da análise do quadro IV observa-se que existe uma relação direta (estatisticamente significativa) entre os tipos de inovação mais valorizados pelos municípios da BSE apenas para os trabalhadores com habilitação de mestrado e doutoramento. Assim, existe uma relação direta entre a introdução de inovação organizacional para as instituições públicas locais que têm trabalhadores com mestrado e existe relação direta entre a introdução de inovações de serviços (desenvolvido inteiramente por pessoal do município), de processo (métodos para fornecer serviços) organizacional (métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos) e de marketing para as instituições públicas locais que têm trabalhadores com doutoramento.

Quadro IV Matriz de Correlação entre “Tipos de Inovação na APL”, “Nº de Trabalhadores e Habilitações dos Trabalhadores” e “% de Trabalhadores com Ocupações criativas e Departamentos de Inovação”: caracterização geral da amostra. 

Correlações
Nº Total de trabalhadores Trabalhadores c/ 1.º_3º_Ciclo_Ensino Trabalhadores c/ Secundário Trabalhadores c/ Bacharel_ Licenciatura Trabalhadores c/ Mestrado Trabalhadores c/ Doutoramento Funcionários com ocupações criativas (%) Departamento de inovação/desenv., c/ atividades organizadas e novos projetos
Introdução de um serviço novo ou melhorado 0,096 0,011 0,139 0,032 0,200 0,220 0,100 0,614*
Introdução de um serviço novo ou melhorado semelhante ou idêntico já oferecido por outro(s) município(s) 0,184 0,108 0,249 0,141 0,259 0,209 0,079 0,605*
Introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s) 0,189 0,116 0,105 0,231 0,109 0,135 0,120 0,392
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido inteiramente por pessoal do município 0,210 0,168 0,147 0,210 0,361 0,528* 0,306 0,437
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações 0,219 0,146 0,125 0,178 0,163 0,135 0,022 0,615*
Métodos para fornecer serviços 0,167 0,134 0,112 0,112 0,325 0,489* 0,349 0,528*
Métodos para processamento ou comunicação de informação 0,064 -0,011 0,000 -0,043 0,188 0,192 0,055 0,457
Métodos de contabilidade ou outras funções administrativas 0,268 0,201 0,201 0,268 0,360 0,431 0,244 0,480
Métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos 0,348 0,283 0,239 0,283 0,510* 0,617** 0,385 0,593*
Métodos de marketing 0,133 0,100 0,055 0,089 0,323 0,557* 0,219 0,461

Nota: * A correlação é significativa no nível 0,05 (duas extremidades); ** A correlação é significativa no nível 0,01 (duas extremidades).

Relativamente à existência por parte do município de departamento de inovação/desenvolvimento com atividades de inovação existe relação direta com os seguintes tipos de inovação: a inovação do produto (serviço) (introdução de um serviço novo ou melhorado, introdução de um serviço novo ou melhorado semelhante ou idêntico já oferecido por outro(s) município(s), introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações); a inovação de processo (Métodos para fornecer serviços); e a inovação organizacional (métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos).

O quadro V resume os resultados relativamente à correlação entre o tipo de inovações introduzido nas instituições da APL da BSE e as principais barreiras ao desenvolvimento de atividades de inovação (hipóteses iii)).

Quadro V Matriz de Correlação entre “Tipos de Inovação na APL” e “principais barreiras”. 

Correlações
Fatores políticos Falta de flexibilidade nas leis e regulamentos Tempo inadequado alocado para a inovação Falta de incentivos para as equipas inovarem As regras contratuais impedem a colaboração com fornecedores Falta de capacidade dos principais fornecedores para fornecer soluções inovadoras Resistência dos utilizadores às mudanças
Introdução de um serviço novo ou melhorado -0,651** -0,098 -0,207 -0,232 0,478* -0,207 0,049
Introdução de um serviço novo ou melhorado semelhante ou idêntico já oferecido por outro(s) município(s) -0,585* -0,066 -0,194 -0,220 0,601* -0,105 0,182
Introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s) -0,480* 0,418 -0,522* -0,627** 0,370 0,029 -0,193
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido inteiramente por pessoal do município -0,515* 0,177 -0,160 -0,556* 0,698** 0,160 -0,032
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações -0,459 0,176 -0,332 -0,354 0,255 -0,288 -0,112
Métodos para fornecer serviços -0,604* -0,102 -0,123 -0,484 0,439 -0,031 -0,154
Métodos para processamento ou comunicação de informação -0,431 -0,130 -0,235 -0,259 0,259 0,147 -0,130
Métodos de contabilidade ou outras funções administrativas -0,415 -0,239 0,062 -0,257 0,409 -0,139 0,102
Métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos -0,607* 0,017 -0,045 -0,472 0,472 -0,045 0,017
Métodos de marketing -0,450 -0,102 -0,153 -0,511* 0,376 0,260 -0,305

NOTAS: * A correlação é significativa no nível 0,05 (duas extremidades); ** A correlação é significativa no nível 0,01 (duas extremidades).

Relativamente às principais barreiras ao desenvolvimento de atividades de inovação (quadro V) é de destacar que os fatores políticos estão indiretamente relacionados e de uma forma estatisticamente significativa com a introdução de inovações de serviços (exceto desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações), de processo (métodos para fornecer serviços) e organizacional (métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos); que o tempo inadequado alocado para a inovação está indiretamente relacionado e de uma forma estatisticamente significativa com a introdução de inovação de serviços (não oferecidos por outro(s) município(s)); que a falta de incentivos para as equipas inovarem está indiretamente relacionada e de uma forma estatisticamente significativa com a introdução de inovações de serviços [não oferecidos por outro(s) município(s) e/ou desenvolvidos inteiramente por pessoal do município], e de marketing; e que as regras contratuais que impedem a colaboração com fornecedores estão diretamente relacionadas e de forma estatisticamente significativa com a introdução de inovação de serviços, no geral (exceto na introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s)).

O quadro VI resume os resultados relativamente à correlação entre o tipo de inovações introduzido nas instituições da APL da BSE e os obstáculos da execução de atividades de inovação (hipóteses iv)).

Quadro VI Matriz de Correlação entre “Tipos de Inovação na APL” e “obstáculos às de atividades de inovação”. 

Correlações
Custos elevados associados ao processo de inovação Falta de financiamento interno para a inovação Falta de funcionários qualificados no município Falta de cooperação na organização Diferentes prioridades dentro do município Dificuldades na obtenção de apoios financeiros da União Europeia Falta de acesso a conhecimento externo Dificuldades de cooperação com entidades externas Falta de flexibilidade nas leis
Introdução de um serviço novo ou melhorado 0,524* 0,141 0,412 0,126 0,274 0,356 0,198 0,133 0,292
Introdução de um serviço novo ou melhorado semelhante ou idêntico já oferecido por outro(s) município(s) 0,566* 0,167 0,369 0,115 0,361 0,303 0,188 0,037 0,308
Introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s) 0,339 -0,035 0,104 0,273 -0,023 0,271 0,340 0,486* 0,636**
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido inteiramente por pessoal do município 0,550* 0,370 0,301 0,124 0,363 0,362 0,231 0,213 0,474*
Introdução de um serviço novo ou melhorado, desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações 0,221 -0,115 0,149 0,246 0,035 0,247 0,435 0,318 0,558*
Métodos para fornecer serviços 0,373 0,307 0,332 0,145 0,298 0,420 0,323 0,226 0,358
Métodos para processamento ou comunicação de informação 0,592** 0,538* 0,456* 0,000 0,308 0,743** 0,233 0,479* 0,353
Métodos de contabilidade ou outras funções administrativas 0,348 0,307 0,307 0,237 0,447* 0,312 0,516* 0,126 0,292
Métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos 0,436 0,383 0,323 0,218 0,400 0,515* 0,440 0,294 0,439
Métodos de marketing 0,321 0,305 0,354 0,092 0,333 0,513* 0,321 0,350 0,369

Nota: * A correlação é significativa no nível 0,05 (duas extremidades); ** A correlação é significativa no nível 0,01 (duas extremidades).

Assim, relativamente aos obstáculos à execução de atividades de inovação (quadro VI) verifica-se que existem relações diretas (estatisticamente significativas) entre: introdução de inovação de serviço (exceto na introdução de um serviço novo não oferecido por outro(s) município(s) e/ou desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações) e de processo (Métodos para processamento ou comunicação de informação) e os custos elevados associados ao processo de inovação; entre a falta de financiamento interno e os Métodos para processamento ou comunicação; entre a falta de pessoal qualificado na instituição e a introdução de inovação organizacional (Métodos para processamento ou comunicação de informação); entre as diferentes prioridades dentro do município e a introdução de inovação organizacional (Métodos de contabilidade ou outras funções administrativas). A introdução de inovação de processo (Métodos para processamento ou comunicação de informação), organizacional (Métodos de organização do trabalho, da tomada de decisão ou de gestão de recursos humanos) e de marketing está relacionada diretamente com dificuldade em obter apoios da União Europeia. As dificuldades de cooperação com as entidades externas têm uma relação direta com a introdução de inovação de serviço (não oferecido por outro(s) município(s)) e com a introdução de inovação de processo (Métodos para processamento ou comunicação de informação). A falta flexibilidade das leis apresenta uma relação direta (estatisticamente significativa) com a introdução de inovação de serviço (não oferecido por outro(s) município(s), e/ou desenvolvido inteiramente por pessoal do município, e/ou desenvolvido em cooperação com empresas ou organizações).

V. Conclusões

A importância de atividades de inovação para a melhoria dos serviços públicos é amplamente reconhecida. O presente estudo teve como objetivo identificar as principais barreiras/obstáculos ao desenvolvimento de atividades de inovação do setor público, em particular na Administração Pública Local da NUTS III Beiras e Serra da Estrela. Em termos práticos, pretendia-se ainda, com este estudo exploratório, contribuir para apoiar os dirigentes das autarquias locais da região no desenho e definição de estratégias e políticas públicas capazes de reduzir essas barreiras e obstáculos e mesmo eliminá-las.

As principais conclusões sobre o estudo apontam que as principais barreiras à introdução dos diferentes tipos de inovações nas Autarquias da BSE são os fatores políticos e a falta de incentivos para inovar. O tempo inadequado alocado pela instituição para inovar e as regras contratuais são apontadas sobretudo como barreiras à introdução de inovações de produto (serviços).

Nos obstáculos à inovação nas Autarquias da BSE sobressaem os custos elevados. Os principais obstáculos à introdução de inovações no produto (serviços), além dos custos são a dificuldade de cooperação e a falta flexibilidade das leis. Quanto à introdução de inovações de processo nas autarquias os principais obstáculos são a falta de financiamento interno, a falta de pessoal qualificado na instituição e a dificuldade em obter apoios da União Europeia. Nas inovações organizacionais os obstáculos prendem-se com as prioridades dentro do Município e as dificuldades de cooperação com as entidades externas. Nas inovações de marketing os obstáculos são principalmente a dificuldade em obter apoios da União Europeia.

As barreiras à inovação na Administração Pública Local da NUTS III Beiras e Serra da Estrela, são fundamentalmente intra-organizacionais, na perspetiva de Mergel (2018) e enquadram-se nas barreiras organizacionais e de clima organizacional referidas por Moussa (2021). Quanto aos obstáculos, estes são fundamentalmente económicos na perspetiva do Manual de Oslo (OECD/Eurostat, 2005).

Refira-se ainda o estudo de Natário (2005) que nos principais obstáculos indicados pelas diferentes instituições da região sobressaem os custos elevados, a falta de fontes de financiamento e a estrutura organizacional rígida. O paradigma, passado 15 anos, continua a ser praticamente o mesmo, embora a cooperação não fosse na altura o maior obstáculo para inovar, mas a dimensão do mercado e a baixa recetividade dos utentes às inovações.

Neste contexto, torna-se importante reduzir a dificuldade no acesso aos apoios comunitários, promover formações formatadas às necessidades das Administrações Públicas Locais. Dentro destas instituições é fundamental o desenho de estratégias que promovam a inovação como prioridade e a cooperação como elemento fundamental no processo.

O presente estudo apresenta como limitações o facto de se estudar apenas uma região de interior com especificidades próprias de regiões de periferia, em que as instituições públicas aí instaladas, em especial as Administrações Públicas Locais, são por vezes o maior empregador do concelho mas carecem de concentração de massa critica suficiente para impulsionar e dinamizar os processos de inovação, mas também o facto de ser apenas uma NUTS III. Uma outra limitação decorre de o inquérito aos municípios ser dirigido apenas a um elemento do executivo de cada Autarquia por forma a considerar o município como um todo.

Deste modo, seria importante em trabalhos futuros alargar o estudo a outras regiões de interior e/ou outras regiões mais centrais no sentido de perceber se há dinâmicas diferenciadas de inovação. Poderia ser importante também considerar a aplicação do inquérito a todos os departamentos de cada município por forma a ter uma visão mais alargada do comportamento do município.

Contributos das autoras

Maria Manuela Santos Natário: Conceptualização; Metodologia; Software; Validação; Análise formal; Investigação; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição; Visualização; Supervisão; Administração do projeto. Maria Cecília dos Santos Rosa: Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição. Sara Raquel Marques: Curadoria dos dados.

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Recebido: 28 de Outubro de 2021; Aceito: 18 de Novembro de 2022

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