I. Introdução
As águas continentais proporcionam bens e serviços ecossistêmicos às populações humanas, animais e plantas, incluindo água de boa qualidade para consumo e irrigação, geração de energia hidrelétrica e alimentos, bem como a manutenção de valores culturais e espirituais (Shah et al., 2019). Os serviços ecossistêmicos são compreendidos como os benefícios que os seres humanos podem obter de forma direta ou indireta pelas funções do ecossistema (Pacetti et al., 2020).
A partir da Avaliação Ecossistêmica do Milênio ([MEA], 2005) da Organização das Nações Unidas, obtém-se um quadro sistematizado de informações e benefícios que as pessoas podem ter a partir da conservação desses serviços. Ainda, neste documento, é possível aferir que a conservação está organizada em conexões entre os serviços ecossistêmicos de provisão, de regulação, culturais e de suporte e o Homem. Assim, qualquer mudança na condição humana implicará reações diretas e indiretas nos ecossistemas, causando alterações no bem-estar humano.
Por mais que este documento traga um estado da arte científico sobre as condições e tendências dos serviços ecossistêmicos e seus efeitos no bem-estar da humanidade, o resultado ainda não é um consenso dos cientistas, ou seja, existem hiatos informacionais que precisam ser incorporados para a tomada de decisão. Neste caso, destacam-se as informações na escala local.
Isto posto, o recurso natural água é referido como serviço ecossistêmico de provisão do hábitat e relaciona-se diretamente ao bem-estar humano (Ministério do Meio Ambiente, 2020; Ncube et al., 2021). Segundo Grizzetti et al. (2019), o uso de serviços de provisionamento, principalmente da água, pode resultar em pressões sobre o ecossistema e, por consequência, à sobrevivência humana.
Desde os primórdios, as bacias hidrográficas recebem substâncias que causam poluição na terra e na atmosfera, haja vista que, o ser humano estabeleceu-se às margens dos rios, onde desenvolveu seus aglomerados urbanos e industriais (Martins et al., 2015). Por serem consideradas como unidade de planejamento ou unidade espacial, emerge a preocupação com o seu manejo e manutenção salutar dos recursos.
Nesse contexto, os riachos podem perfazer até 70% das redes de drenagem das bacias hidrográficas, no entanto, em razão de seu pequeno porte, são negligenciados e frequentemente desviados, poluídos, canalizados e até mesmo soterrados frente às necessidades de crescimento e ocupação da paisagem por atividades antrópicas (Gouveia & Selva, 2021).
Tendo em vista esta preocupação, a pouca informação existente sobre o estado de muitos dos serviços ecossistêmicos em riachos pode contribuir na melhoria dos modelos teóricos que sustentam esse intento. Além disso, esses serviços raramente são monitorados à escala mundial. Pode-se problematizar que a falta de dados nesta escala seja um redutor da eficiência dos modelos utilizados para projetos ambientais futuros, incluindo as previsões de respostas não-lineares dos ecossistemas, conforme indicado na Avaliação Ecossistêmica do Milênio (MEA, 2005).
Em virtude da importância deste debate, destaca-se a experiência brasileira em regulamentar a gestão dos recursos hídricos. Promulgada em 1997, a Lei federal n° 9433, também como “Lei das Águas”, adotou a estratégia de contemplar os serviços ecossistêmicos não apenas como forma de regulação do acesso aos recursos hídricos, mas como direito básico de todas as pessoas. Foi dentro deste contexto que foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) no Brasil. Esta, por sua vez, além de contribuir para a Gestão dos Recursos Hídricos no país, incorporou a participação social na gestão destes recursos, implementando a participação de órgãos, agências, conselhos e comitês (Brasil, 1997). Esses órgãos de gestão intermedeiam as relações entre Federação, Estado e Município e abarcam em sua composição representantes do poder público, usuários de água e sociedade civil. Seus atores articulam o diálogo e formulam os Planos Nacionais de Recursos Hídricos e Planos de Bacias, onde são dadas as diretrizes para o planejamento das bacias hidrográficas e gestão da água, bem como seu monitoramento (Vieira & Ribeiro, 2022).
O monitoramento é um dos instrumentos de gestão estabelecidos na Política Nacional de Recursos Hídricos, com vistas ao enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água. Os parâmetros químicos, físicos e biológicos mensurados em um corpo hídrico podem indicar o grau de contaminação das águas e oferecem a base no gerenciamento do referido recurso, auxiliando na tomada de decisão, foco na manutenção, remedição e proteção do mesmo (Brasil, 2005).
Por mais propositiva que a Política Nacional de Recursos Hídricos possa ser, a legislação brasileira também reflete dificuldades em operacionalizar as limitações de informações à escala local, a mesma limitação para uma gestão efetiva dos recursos hídricos que o documento da Avaliação Ecossistêmica do Milênio (MEA, 2005) indicou. Pode-se superar este problema fomentando metodologias que contemplem riachos em diferentes usos da terra nas bacias hidrográficas, a fim de compreender a influência do uso da terra na qualidade da água, enquanto serviço ecossistêmico de provisão e preponderante à saúde da população neste território.
Nesse ensejo, a questão da qualidade da água implica o reconhecimento do uso e ocupação da terra em bacias hidrográficas, atendendo à manutenção da qualidade da água como serviço de provisão para a população adstrita. Buscando auxiliar no processo de gestão do uso da terra em bacias hidrográficas, as imagens de satélites são ferramentas importantes no reconhecimento e acompanhamento da evolução e da transformação do território brasileiro para controle dos impactos das atividades humanas (Vieira & Ribeiro, 2022).
Este artigo apresenta uma proposta metodológica para selecionar riachos alocados a diferentes usos da terra numa determinada bacia hidrográfica, a fim de compreender a influência do uso da terra na qualidade da água. Para contemplar o monitoramento deste serviço ecossistêmico, aplicou-se o geoprocessamento na composição dos indicadores de qualidade da água neste território. Ressalta-se que dentre os cursos hídricos brasileiros, os riachos, que drenam para o rio principal, são também acometidos com diferentes demandas hídricas influenciadas pela antropização que acabam por comprometer a qualidade de suas águas e, assim, a saúde das pessoas. Esta proposta metodológica foi aplicada no rio Itajaí-Mirim, pertencente à bacia hidrográfica do rio Itajaí. Sua rede de drenagem passa por nove municípios e, conforme o Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Itajaí (Brandt et al., 2010), a captação de água para abastecimento público e o esgotamento sanitário são as maiores demandas em detrimento às demais sub-bacias que integram a bacia hidrográfica do rio Itajaí, justificando assim, a predileção do estudo no referido território catarinense (Brandt et al., 2010).
II. Dados e métodos
1. Área de estudo
A metodologia aplicada desta pesquisa está alicerçada em 12 riachos no contínuo do rio Itajaí-Mirim (fig. 1). A bacia hidrográfica do rio Itajaí-Mirim pertence à bacia hidrográfica do rio Itajaí e aporta hidricamente em seu território nove municípios. Esta conta com uma área de 1677,2km2, tendo suas nascentes na Serra dos Faxinais (cerca de 1000 metros de altitude) e desagua na região estuarina do rio Itajaí-Açu (Homechin & Beaumord, 2007). O rio Itajaí-Mirim apresenta uma trajetória de 170,0km de extensão, com diversos afluentes até à sua foz. Atualmente, vivem nesta bacia cerca de 559 mil pessoas, correspondendo a 7,75% da população de Santa Catarina (Brandt et al., 2010; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2022).
Os riachos que integram a bacia hidrográfica do rio Itajaí-Mirim drenam por regiões e sub-bacias com tipos de uso da terra distintos. Nas regiões mais baixas e mais próximas ao rio destacam-se os usos urbanos, cultivo de arroz e pastagens (fig.1). Nas áreas mais íngremes, onde há predominância de morros, ainda prevalece a floresta preservada (Burliga et al., 2008). A região encontra-se nos domínios da Mata Atlântica (Ab’Sáber, 2012), com clima do tipo temperado úmido com verão quente, sem estação seca (Cfa) na classificação de Köppen-Geiger. A precipitação anual varia de 1600mm a 1800mm, com chuvas mais intensas no verão (Wolf, 2022), com ocorrências históricas de enchentes nas áreas mais próximas às cidades (Homechin Jr. & Beaumord, 2007).
Foram abordadas duas etapas metodológicas para compor o estudo na Bacia Hidrográfica do rio Itajaí-Mirim: seleção dos riachos e monitoramento da qualidade da água, os quais discorrem-se na sequência.
1.1. Seleção de riachos
Esta etapa abrangeu duas fases: geoprocessamento e atividade de campo.
A fase do geoprocessamento foi efetuada no software Arcgis 10.8 (licença concedida pela Universidade do Vale do Itajaí), com imagens do satélite Advanced Land Observing Satellite-1 (ALOS), resolução de 12,5 metros. Foram delimitados os seguintes critérios para seleção dos riachos: área da bacia; hierarquia dos riachos (primeira e segunda ordem, de acordo com o método proposto por Strahler, 1957); extensão dos riachos (entre 1,5m e 3,35km); índice de compacidade, regiões de baixo e médio risco a enchentes (Benyahia & Dridi, 2017); percentual do uso da terra em três categorias, conforme manual técnico do uso da terra do IBGE (2006): área verde (F) - mata ciliar, área florestal e campestre, remanescentes de floresta; área rural (R) - pastagens, culturas temporárias e permanentes, silvicultura e construções dentro das propriedades; e área urbanizada (U) - área asfaltada, residencial e industrial. A partir da obtenção dos resultados valorados, foram geradas 21 sub-bacias que atenderam aos critérios supracitados, compondo riachos de possível predileção para investigação de estudos ambientais.
Já na fase da atividade de campo, efetuou-se a visitação in situ às 21 regiões amostradas em geoprocessamento (10 e 11/11/2021), considerando: acessibilidade ao riacho e homogeneidade de atributos físicos (presença ou não do curso hídrico, estabilidade das margens dos riachos, áreas agricultáveis no entorno, presença ou não de esgotamento sanitário direto no riacho). Delimitaram-se assim, 12 sub-bacias para o monitoramento da qualidade da água: quatro riachos para cada tratamento, distribuídos em quatro municípios na bacia hidrográfica do rio Itajaí-Mirim.
1.2. Monitoramento da qualidade da água
Os parâmetros físico-químicos utilizados como variáveis para fazer o monitoramento da qualidade da água dos riachos na bacia hidrográfica do rio Itajaí-Mirim, foram: pH, Temperatura (°C), Condutividade elétrica (µS cm-1) e Oxigênio dissolvido (mg/L) - físicos - e, químicos: fósforo total (mg/L), nitrito (mg/L), nitrato (mg/L) e nitrogênio amoniacal (mg/L); estabelecidos pela Resolução n° 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA; Brasil, 2005).
Foi realizada uma campanha no mês de fevereiro de 2022 que contemplou análises para indicadores físicos em um transecto de 50 metros no riacho, estabelecendo a média para os valores obtidos como fonte primária e utilizando a sonda multiparamétrica Akrom (KR86021). Para os indicadores químicos, foi coletada uma amostra em cada riacho e analisada pela Central de Laboratórios de Ensaios Analíticos, UNIVALI-CLEAn, no município de Itajaí - SC, que seguiu as referências normativas Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (Greenberg et al., 1992).
Para consolidar o objetivo proposto nesta pesquisa, compreender a influência do uso da terra na qualidade da água, utilizou-se o Software Estatístico R (The R Foundation, 2022), versão 3.6.3: Análise de Componentes Principais (ACP), baseada na matriz de Correlação de Pearson para remoção de variáveis colineares (r>0,7; p<0,05). Foram analisados os indicadores: fósforo (P), nitrato (NH3), temperatura da água, condutividade elétrica e oxigênio dissolvido e mantidos para interpretação os eixos cujos autovalores reais são maiores que os aleatórios, conforme o critério de Broken-Stick (Jackson, 1993).
III. Resultados e discussão
Considerando a Análise de Componentes Principais (ACP), a variância total explicada pelos dois primeiros eixos foi de 93% (eixo 1=63%, eixo 2=30%). Constatou-se para o eixo 1, com escores positivos, o agrupamento de riachos com maior condutividade elétrica. Com escores negativos, agruparam-se os riachos com maior concentração de oxigênio dissolvido na água. No eixo 2, com escore positivo, surgem os riachos com maior concentração de nitrato (NO3) na água (fig. 2).
Conforme demonstrado na fig. 2, riachos com uso da terra predominantemente florestado apresentaram características físico-químicas similares entre si e representativas de boa qualidade ambiental, com maiores concentrações de oxigênio dissolvido na água. Conforme estudos de Finlay (2011), O’Mara et al. (2022) e Valle et al. (2013), a faixa de vegetação natural nas imediações dos riachos fornece matéria orgânica, é utilizada como fonte direta de recurso alimentar, favorece a retenção de solo e reduz a força de desta camento de partículas de solo e sedimentos em decorrência do escoamento superficial da água do ambiente terrestre, garantindo assim água de qualidade que beneficia a manutenção da diversidade de espécies e funções no sistema. Nesse ensejo, a preservação da vegetação natural é contributiva para a manutenção dos processos biogeoquímicos, recarga de aquíferos bem como na filtração de potenciais poluentes.
Riachos com uso rural também apresentaram características locais similares entre si (fig. 2). Entretanto, a remoção de vegetação ripária para dar espaço ao cultivo favorece o aumento da incidência solar e a entrada de fertilizantes, refletidos no aumento da temperatura da água e da concentração de fósforo na água. De acordo com Fugère et al. (2016) e Raitif et al. (2018), o uso da terra para atividades rurais contribui com a erosão e assoreamento dos riachos e afeta negativamente a biodiversidade de um córrego, devido ao comprometimento da qualidade de suas águas. Também, Dodds e Smith (2016) afirmam que a remoção de vegetação nativa para dar espaço à agricultura, pastagens e urbanização promove a fragilização do solo, lixiviação de fertilizantes, de nutrientes do metabolismo de animais criados e de esgotos domésticos não tratados, que favorecem o crescimento de algas, promovendo a eutrofização nesses ecossistemas (Dodds & Smith, 2016).
Já os riachos com uso da terra urbano (fig. 2) apresentam uma variabilidade maior das condições físico-químicas em decorrência da variabilidade de impactos a que são submetidos, refletido nas maiores concentrações de fósforo, condutividade elétrica e nitrato, indicativos do lançamento de esgotos domésticos na água. Estudos de Dusabe et al. (2019) e Lafage et al. (2019) sinalizam que o uso da terra urbano implica uma variedade de alterações físicas e limnológicas nos canais dos riachos. Essas alterações incluem a remoção da vegetação ciliar, impermeabilização do solo, aumento do escoamento superficial e lançamento de esgoto doméstico. Por consequência dessas modificações, a concentração de nutrientes se eleva de forma aguda ou crônica, provocando o aumento de produtores primários, os quais metabolizam de matéria orgânica e consomem o oxigênio, depreciando assim, a qualidade da água dos cursos hídricos e comprometendo a biota desses ecossistemas.
Por suposto, nesses ambientes urbanizados, há o aumento da área impermeável na bacia. Isso impõe o aumento do escoamento superficial e promove picos de vazão que deslocam organismos e recursos para fora dos riachos (Matomela et al., 2021). Tais alterações reduzem a heterogeneidade ambiental local e a biodiversidade, alterando sobremaneira o equilíbrio e funcionamento de riachos e da biodiversidade que depende destes ecossistemas (Scotti et al., 2020). Consequentemente, a potabilidade do curso hídrico torna-se comprometida.
Compilando os dados obtidos nas etapas de seleção de riachos e análise dos parâmetros físico-químicos da água nos 12 riachos da bacia hidrográfica do rio Itajaí-Mirim, obtiveram-se os valores referenciados no quadro I.
Ponto | % Uso da terra | Fósforo total (mg/L) | Nitrato (mg/L) | Nitrito (mg/L) | Nitrogênio amoniacal (mg/L) | pH | Temperatura (° C) | Cond. Elétrica (µS cm-1) | OD (mg/L) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
F1 | 100,0 | < 0,010 | 0,3 | < 0,05 | 0,1 | 8,1 | 22,1 | 28,4 | 10,8 |
F2 | 100,0 | < 0,010 | 0,4 | < 0,05 | 0,1 | 8,5 | 22,8 | 18,1 | 9,5 |
F3 | 99,1 | < 0,010 | < 0,20 | < 0,05 | < 0,10 | 8,5 | 21,9 | 61,9 | 8,8 |
F4 | 72,4 | < 0,010 | 0,4 | < 0,05 | < 0,12 | 8,2 | 23,1 | 66,2 | 9,3 |
R1 | 38,2 | 0,04 | < 0,20 | < 0,05 | 0,4 | 7,6 | 32,4 | 45,5 | 7,3 |
R2 | 70,2 | 0,06 | 0,2 | < 0,05 | 0,1 | 7,5 | 27,6 | 76,0 | 3,1 |
R3 | 81,0 | < 0,010 | < 0,20 | < 0,05 | < 0,10 | 7,8 | 26,8 | 62,3 | 8,5 |
R4 | 35,2 | < 0,010 | < 0,20 | < 0,05 | < 0,10 | 7,8 | 30,0 | 60,9 | 6,6 |
U1 | 53,3 | 0,8 | < 0,20 | < 0,05 | 7,6 | 6,9 | 32,9 | 228 | 2,0 |
U2 | 54,8 | 0,1 | 1,4 | 0,2 | 7,3 | 7,0 | 25,8 | 285,3 | 4,6 |
U3 | 56,0 | 0,7 | 0,2 | 0,1 | 11,5 | 7,4 | 25,5 | 325,0 | 3,8 |
U4 | 38,4 | 0,3 | 0,3 | 0,1 | 4,7 | 7,6 | 27,1 | 162,1 | 4,9 |
De acordo com os valores explícitos no quadro I, todos os riachos amostrados no tratamento “área verde” (F), atenderam aos indicadores de qualidade da água conforme resolução nº 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, como águas doces de classe I, destinadas ao abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado; à proteção das comunidades aquáticas; à recreação de contato primário; bem como à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo (Brasil, 2005). Isto posto, ratifica-se a manutenção da vegetação ripária no contínuo dos cursos hídricos, com vistas a conservação e manutenção da potabilidade hídrica para sustentar as atividades humanas e o bem-estar das condições dos ecossistemas aquáticos, a fim de garantir o serviço do ecossistema de provisão hoje e no futuro próximo (Ncube et al., 2021; Vieira & Ribeiro, 2022).
Para o tratamento “área rural” (R), os riachos R3 e R4 enquadraram-se conforme a resolução nº 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Brasil, 2005), como águas doces de classe II, destinadas ao consumo humano após tratamento convencional; à recreação de contato primário; e à irrigação de hortaliças, plantas, com os quais o público possa vir a ter contato direto. Já, os riachos amostrados R1 e R2 apresentaram alteração para o indicador químico fósforo total e para o indicador físico OD, em R2. Assim sendo, enquadram-se, respectivamente, como classe III, necessitando de tratamento avançado para consumo humano e à recreação de contato secundário; e como classe IV, destinado somente a harmonia paisagística. O resultado obtido corrobora com os estudos de Fernandes et al. (2017) e Shah et al. (2019), que inferem as áreas agricultáveis ao longo do contínuo dos rios e riachos como indicadoras de contaminação química por uso de fertilizantes, alterando a potabilidade hídrica e gerando problemas de abastecimento e de saúde à população em seu território.
Os riachos amostrados como área urbana (U) excederam qualquer enquadramento conforme a legislação brasileira em todos os pontos, tendo em vista os valores elevados para o indicador fósforo total. Por conseguinte, infere-se o potencial contaminante por esgotamento sanitário e ocorrência de escoamento de terras agrícolas para os riachos devido ao uso de fertilizantes na agricultura, tornando estes cursos hídricos inviáveis para a provisão enquanto serviço ecossistêmico de abastecimento e irrigação às atividades humanas, bem como promotores de doenças (Alves et al., 2018; Okumura et al., 2020).
Nesse contexto, muitas vezes por falta de fiscalização dos órgãos ambientais e/ou insipiência da população de seu entorno, os riachos encontram-se suscetíveis às atividades humanas. Abalizar indicadores físicos e químicos da qualidade da água, demonstram o impacto desses poluentes e sinalizam a importância do monitoramento dos cursos hídricos, no que tange a saúde da população.
De acordo com Escobar e Carvalho-Santos (2022), resultados em estudos de monitoramento são relevantes para a elaboração de estratégias de adaptação, a fim de reduzir os impactos na provisão de serviços dos ecossistemas, através da gestão sustentável de bacias hidrográficas. Para Bolaños Trochez & Buitrago Bermúdez (2022), a falta de coordenação das entidades territoriais para a gestão municipal, acarreta no uso desordenado do solo conduzindo para a diminuição da potabilidade das águas.
Compilando as temáticas dos estudos supracitados, Masquete (2022), sinaliza que a forma colaborativa, envolvendo o Município e as autoridades comunitárias, pode minorar os problemas relacionados com a ocupação indiscriminada do uso da terra, e, por consequência resulta na melhoria da qualidade das águas.
IV. Considerações finais
Os resultados obtidos através do uso de ferramentas de geoprocessamento e análise estatística são de fiabilidade para compreender o efeito do uso da terra na qualidade das águas dos riachos de uma bacia hidrográfica. Entretanto, salienta-se a importância da validação amostral in situ, como fundamentador impreterível para seleção amostral de riachos e coleta de água em estudo.
Diante dos resultados obtidos neste estudo, entende-se que o uso da terra influencia a qualidade da água nos riachos que compõem a bacia hidrográfica do rio Itajaí-Mirim. Os riachos da referida bacia apresentaram contaminação química em áreas rurais e urbanas, e pressão física demonstrando a influência antrópica do uso inadequado do solo no tocante ao despejo de efluentes, urbanos e industriais, sem tratamento no curso hídrico.
A região de estudo é acometida por recorrentes inundações durante a estação do verão. Esses eventos sazonais podem refletir no enquadramento da classificação da qualidade da água, uma vez que o aumento da pluviosidade pode interferir na diluição dos componentes químicos analisados, bem como longos períodos de seca evitam a lixiviação desses compostos para os riachos, podendo assim, alterar os resultados de potabilidade da água. Portanto, por este estudo estar baseado em uma única campanha amostral, sem comparação com medições noutras estações do ano ou diferentes anos hidrológicos (mais secos ou mais úmidos), sugere-se a extensão da atividade de pesquisa em diferentes períodos sazonais.
Para além do exposto, reitera-se os riachos como aporte à drenagem das bacias hidrográficas, veiculado na captação de água, enquanto recurso essencial ao provisionamento das atividades humanas. Todavia, ao constatar a degradação dos mesmos, emerge suscitar a ação do poder público para o desenvolvimento de políticas e diretrizes voltadas ao planejamento territorial com vista à qualidade das águas. Além de infringir o princípio legal da dignidade humana de acesso à água limpa e ao esgotamento sanitário adequado, o descaso contribui para o aumento da degradação ambiental do território bem como a salubridade da sua população.
Agradecimentos
Os autores Isabel Cristina Bohn Vieira e Vinícius Soares Correa da Costa agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa de estudos; Vivian de Mello Cionek, pela bolsa de PNPD e Joaquim Olinto Branco agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa.
Contributos dos/as autores/as
Isabel Cristina Bohn Vieira: Conceptualização; Metodologia; Software; Validação; Análise formal; Investigação; Recursos; Curadoria dos dados; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição; Visualização e Administração do projeto. Vinícius Soares Correa da Costa: Conceptualização; Metodologia; Investigação; Escrita - preparação do esboço original e Redação - edição. Vivian de Mello Cionek: Software; Validação; Análise formal; Recursos e Curadoria dos dados. Joaquim Olinto Branco: Supervisão; Administração do projeto e Aquisição de financiamento. Eduardo Augusto Werneck Ribeiro: Redação - revisão e edição; Curadoria dos dados; Supervisão e Administração do projeto.