O envelhecimento demográfico constitui uma realidade não só europeia como, com especial evidência, portuguesa. Em 2020, segundo os dados do Eurostat, o Índice de Envelhecimento da União Europeia era de 137,2%, enquanto em Portugal esse valor era de 165,1%, apenas ultrapassado por Itália que era de 180,9%. Hoje a população com mais de 65 anos representa cerca de um quinto da população europeia (20,7%) e um pouco mais em Portugal (22,3%).
Estes valores revelam uma sociedade mais envelhecida, que resultou de um processo rápido de transformação. Recuando ao início do século XXI, em 2001, os valores do Índice de Envelhecimento eram de 95,6% na União Europeia a 27 Estados e de 101,6% em Portugal, enquanto o peso da população com mais de 65 anos era de cerca de 15,9% na União Europeia e de 16,5% em Portugal.
O aumento da importância da população mais velha tem resultado não só da diminuição da natalidade como do aumento da longevidade. Os valores relativos ao Índice Sintético de Fecundidade em 2020 eram de 1,50 na União Europeia e de 1,41 em Portugal, quando em 1970 esses valores eram de 2,40 e de 3,01, respetivamente. Por outro lado, a esperança média de vida aos 65 anos é hoje de 20,3 anos em Portugal e o Índice de Longevidade de 29,6%, valores superiores aos da União Europeia, que são de 19,3 anos e de 28,9%, respetivamente.
Assim, temos hoje uma sociedade com mais idosos e mais longevos, o que coloca novos desafios no âmbito da saúde, da economia e da própria sociedade. Se é verdade que hoje a esperança de vida para além dos 65 anos de idade tem vindo a aumentar, o número de anos de vida saudável para os que atingem os 65 anos é de 9,5 anos na União Europeia e de 8,4 anos em Portugal, o que evidencia a necessidade de serem acautelados os cuidados de saúde e a garantia das condições materiais e sociais para um envelhecimento com qualidade. Neste sentido, o seu estudo assume particular relevância, tendo em atenção que este grupo etário apresenta características e necessidades muito diferenciadas e tenderão a ser também elas diferentes, uma vez que o idoso do futuro próximo será bem diferente do idoso de hoje. Acresce ainda a evidente diferenciação das realidades dos idosos de acordo com o contexto territorial da sua área de vivência, havendo disparidades que merecem aprofundamento, nomeadamente entre a realidade das áreas metropolitanas comparativamente às pequenas e médias cidades, ou entre as áreas urbanas e as áreas rurais.
Assim, os geógrafos têm estado atentos à necessidade de estudar o fenómeno do envelhecimento demográfico introduzindo, naturalmente, a componente geográfica na sua análise. O projeto GRAMPCITY - Moving Smartly Towards Accessible and Inclusive Urban Environments for our Elders (PTDC/GES-TRA/32121/2017), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia/MCTES (PIDDAC) (2018.2023), constitui um bom exemplo desse trabalho, onde se pretendeu aprofundar o conhecimento da mobilidade quotidiana das pessoas idosas, do seu espaço de vida e capacidade para aceder a recursos e oportunidades, e de como estes aspetos afetam a sua qualidade de vida e bem-estar. No entanto, no decurso deste projeto surgiu o surto pandémico de COVID-19 e o projeto foi reformulado no sentido de ser possível a análise dos efeitos da pandemia na mobilidade quotidiana e na qualidade de vida dos mais idosos.
A presente seção enquadra a temática do envelhecimento em Portugal e inclui três artigos onde o primeiro corresponde à apresentação de resultados do projeto Grampcity, abrindo espaço à discussão das temáticas incluídas nos dois artigos seguintes.
O primeiro artigo, de Marques da Costa et al. (2023), apresenta os primeiros resultados dos inquéritos realizados no âmbito do projeto Grampcity em Aveiro, em Coimbra, na Área Metropolitana de Lisboa e em Faro. A sua análise permite evidenciar a existência de fortes constrangimentos para um envelhecimento de qualidade, que foram ampliados pelos efeitos da pandemia. As características das residências, a disponibilidade e condições de acesso a áreas de comércio diário e de espaços de convívio, constituem elementos que limitam a qualidade de vida dos mais idosos. Foi também evidente a existência de uma diferenciação territorial das práticas, das perceções e do impacto que a pandemia teve nos quotidianos dos idosos. Os resultados foram bastante distintos entre os que vivem em contextos metropolitanos daqueles que vivem em cidades médias, concluindo-se a necessidade de introduzir as condições específicas de cada território na criação de condições para a promoção de um envelhecimento com maior qualidade.
Nesta sequência, o segundo artigo, de Moreira e Pinheira (2023), aborda a questão da escolha do local de residência após a passagem da situação de ativo à situação de reformado. Se o local de residência, enquanto ativo, é condicionado pela proximidade do local de trabalho, o momento da reforma pode constituir uma oportunidade para a alteração da residência. O estudo suportado num inquérito realizado em contextos urbanos e rurais no interior de Portugal, revelou a existência de diferenças significativas entre os residentes em meio rural dos residentes em meio urbano, demonstrando a preferência daqueles que habitam em meio rural para alterar a localização da sua residência, ao contrário dos que residem em meio urbano que preferem manter a localização da sua residência. A pouca disponibilidade de serviços e maior dificuldade no seu acesso, particularmente os serviços de saúde, parecem explicar este desejo, especialmente para aqueles cuja autoavaliação do estado de saúde é mais negativa.
No terceiro artigo, de Tavares et al. (2023), é desenvolvida uma análise de conteúdo dos documentos programáticos de saúde e envelhecimento, de âmbito nacional e regional, no sentido de perceber de que forma foram integrados os Princípios Amigos da Pessoa Idosa definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os resultados revelam que as medidas de governança são as que apresentam maior destaque face aos cuidados de longa duração, enquanto os programas, embora abordando a questão das pessoas idosas, não o realizam de forma suficiente. Por outro lado, os Princípios definidos pela OMS apenas são referidos de forma explícita na Estratégia Nacional de Envelhecimento Ativo e Saudável. Os autores concluem que existe a necessidade de serem aprofundadas nas políticas de saúde as preocupações com as populações idosas, propondo respostas específicas às necessidades deste grupo etário. Igualmente assinalam a necessidade de uma melhor coordenação e articulação dos documentos nacionais com os regionais, adaptando as propostas de âmbito nacional aos diferentes contextos territoriais.