I. Introdução
Um dos traços mais marcantes da sociedade atual é o crescente ritmo de envelhecimento demográfico, com um aumento da população mais velha e uma diminuição da população mais jovem (Azevedo, 2022). Portugal é um dos países europeus onde este fenómeno se destaca, com as faixas etárias mais velhas a representar uma parte significativa da população. Por outro lado, apresentou um valor baixo no que respeita aos anos de vida saudável, encontrando-se abaixo da União Europeia. Tal situação demonstra que o crescimento da esperança de vida não tem sido acompanhado de boas condições de saúde (Vidal et al., 2019).
O aumento da longevidade é um triunfo para a saúde pública e o resultado do desenvolvimento social e económico (Maia et al., 2020). No entanto, com o envelhecimento, aumenta o risco de desenvolver doenças crónicas e incapacidade (Marques da Costa et al., 2022; Santinha et al., 2023). Segundo Canhão et al. (2022), as doenças crónicas são já um dos principais desafios ao sistema de saúde. Um doente crónico necessita de uma monitorização regular do seu estado de saúde, incorrendo num aumento da utilização de cuidados de saúde que, por sua vez, promove custos acrescidos ao sistema de saúde, à pessoa idosa e às suas famílias (Bäckström, 2012).
Apesar do papel crítico que os prestadores de cuidados desempenham na saúde e no bem-estar dos idosos (Franco & Marques da Costa, 2022), estes encontram algumas barreiras na sua utilização. Kanevetci e Yaman (2018) e Woo et al. (2013) descrevem alguns dos constrangimentos relatados pelos próprios idosos: disponibilidade e custos dos transportes públicos para aceder aos prestadores; longos tempos de espera em ambientes desconfortáveis para serem atendidos; dificuldade no preenchimento dos formulários; rapidez no atendimento com um profissional que não tem tempo para ouvir todas as suas preocupações e que perde sinais de alerta críticos; e dificuldade na toma dos medicamentos prescritos. Com efeito, as barreiras identificadas podem desencorajar as pessoas idosas a procurar ou a continuar o tratamento prescrito, conduzindo a consequências potencialmente graves para a sua saúde.
Tal situação exige uma resposta a vários níveis de ação pública com um planeamento inovador e a criação de políticas que respondam de forma adequada às necessidades de saúde da população idosa (Bárrios et al., 2020).
Nas últimas décadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) formulou os Princípios Amigos da Pessoa Idosa, que visam tornar os cuidados de saúde mais conscientes e adequados às necessidades das pessoas idosas e ao tipo de cuidados que estas necessitam (OMS, 2004). Deste modo, os princípios incidem sobre três áreas principais (OMS, 2004):
Informação, Educação, Comunicação e Treino, que inclui o treino da equipa em geriatria clínica e abordagens à educação do paciente e familiares;
Sistemas de Gestão de Cuidados de Saúde, isto é, adaptação de procedimentos às necessidades especiais dos idosos e apoio à continuidade dos cuidados através de registos médicos atualizados disponíveis em cada consulta;
Ambiente Físico, ou seja, espaços limpos e confortáveis que aplicam, na medida do possível, os princípios do design universal.
Seguindo esta abordagem, a OMS (2008) desenvolveu um toolkit para apoiar a implementação dos princípios nos cuidados primários e estendeu a sua aplicação aos cuidados hospitalares. O toolkit inclui várias ferramentas que podem ser usadas pelos profissionais de saúde para avaliar e adaptar os cuidados aos idosos.
A aplicação destes princípios nos cuidados de saúde, que atendem às necessidades de um número crescente de idosos e têm em consideração os fatores que influenciam a saúde e a incapacidade, contribui para um aumento da longevidade com independência, atividade e participação das pessoas idosas na vida familiar e na comunidade (OMS, 2004). Apesar disso, vários estudos científicos revelam que a sua implementação nos serviços de saúde fica aquém do desejado (Tavares et al., 2021). Assim, sugere-se uma integração mais eficaz do envelhecimento em todas as políticas e em todos os níveis de cuidado, melhorando a preparação e adaptação da população ao envelhecimento e alcançando um desenvolvimento mais equitativo na sociedade que beneficiará todos os grupos etários (Barbabella et al., 2022; Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa [CENUE], 2022; Ye et al., 2021).
Em Portugal, estes princípios integram a agenda política através do Despacho n.º 12427/2016 (República Portuguesa, 2016). Contudo, desconhece-se a sua inclusão nos documentos programáticos e qual a importância atribuída na prestação de cuidados às pessoas idosas.
Tendo por base o argumento de que a aplicação destes Princípios favorecerá uma prestação de cuidados mais acessível e inclusiva das pessoas idosas, efetuou-se uma análise dos documentos programáticos de saúde e de envelhecimento em Portugal, com o intuito de perceber como estes Princípios estão a ser considerados e quais as estratégias que contribuem para a prestação de cuidados especializados, integrados e eficientes à população idosa no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Com esta análise procurou responder-se às seguintes questões de investigação (Q.I.):
Q.I.1. Quais as categorias temáticas que norteiam os documentos programáticos das políticas de saúde e envelhecimento?
Q.I.2. Qual a prioridade atribuída pelos documentos programáticos ao envelhecimento populacional?
Q.I.3. De que forma é abordado o envelhecimento populacional nos documentos programáticos?
Q.I.4. Como se encontram os Princípios Amigos das Pessoas Idosas refletidos nos documentos programáticos?
O resultado deste estudo permite, não só lançar para a arena académica o debate sobre a aplicação dos Princípios, mas também informar os decisores políticos sobre a relevância da reorganização dos cuidados de saúde para uma população mais envelhecida, o grau de difusão dos princípios no contexto português e o grau de articulação das políticas nacionais e regionais em matéria de saúde e envelhecimento.
II. Metodologia
Para dar respostas às questões de investigação, optou-se por desenvolver a técnica de análise de conteúdo, um dos métodos mais usados na investigação em políticas de saúde (Dalglish et al., 2021). Para a condução da análise dos dados, com recurso ao software NVIVO, foram cumpridas as etapas definidas por Bardin (1977).
A primeira etapa iniciou-se pela seleção dos documentos obedecendo às regras da pertinência, homogeneidade, representatividade e exaustividade. Como tal, a escolha incidiu sobre os documentos programáticos de saúde e envelhecimento, de âmbito nacional e regional, desenvolvidos pelo Ministério da Saúde e pela Direção-Geral da Saúde. A pesquisa foi realizada em abril de 2022 e foram selecionados os documentos mais recentes disponíveis no site do SNS e das Administrações Regionais de Saúde (ARS), compreendendo o período de 2006 a 2022.
A segunda etapa consistiu na construção da codificação, nomeadamente, a transformação dos segmentos do texto em unidades de registo, a definição das regras de contagem e a classificação e agregação da informação em categorias temáticas. Os documentos selecionados foram recortados em unidades de registo. A partir destas identificaram-se as palavras-chave para realizar uma primeira categorização, que foram agrupadas de acordo com a similaridade dos temas e deram origem às categorias iniciais. Por sua vez, as categorias iniciais foram agrupadas tematicamente, originando as categorias intermédias. Estas últimas foram consolidadas de acordo com as categorias funcionais dos cuidados de saúde da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico ([OCDE], 2011)], resultando nas categorias finais. Após a definição das categorias finais, realizou-se uma revisão da codificação de todos os documentos para verificar possíveis falhas e fazer os ajustes necessários.
A terceira fase da análise compreendeu o tratamento, a inferência e a interpretação dos resultados, o que consistiu na análise dos conteúdos presentes e ausentes de todo o material recolhido e a comparação entre estes.
Por último, realizou-se uma pesquisa de palavras nas categorias temáticas já formuladas, mormente, pelo conceito de envelhecimento, pessoas idosas, idade avançada e derivados. Esta escolha de palavras derivou de uma primeira leitura flutuante aos documentos programáticos, onde se identificou os termos relativos ao conceito em estudo, na tentativa de perceber a prioridade atribuída pelos documentos programáticos ao envelhecimento populacional.
III. Documentos da política de saúde e envelhecimento: prioridades programáticas
1. Seleção dos documentos
A análise de conteúdo incidiu sobre os documentos programáticos de saúde e envelhecimento, de âmbito nacional e regional, tendo sido considerados os seguintes documentos para análise:
Plano Nacional de Saúde, Revisão e Extensão a 2020 - PNS 2012-2020 (Direção-Geral de Saúde [DGS], 2015) e Plano Nacional de Saúde 2021-2030 (DGS, 2019), enquanto documentos estratégicos e orientadores para a saúde a nível nacional. O primeiro encontrava-se em vigor à data da pesquisa e o segundo em fase de discussão pública;
Planos Regionais de Saúde: Plano Regional de Saúde do Centro 2018-2020 - PRS Centro (ARS-Centro, 2018), Plano Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo 2018-2020 - PRS LVT (ARS-LVT, 2018) e Plano Regional de Saúde do Norte 2014-2016 - PRS Norte (ARS-Norte, 2014), enquanto documentos estratégicos para as intervenções políticas e técnicas de saúde a nível regional;
Planos Estratégicos Regionais de Saúde: Plano Estratégico do Alentejo 2017-2019 - PE Alentejo (ARS-Alentejo, 2017), Plano Estratégico do Algarve 2017-2019 - PE Algarve (ARS-Algarve, 2017), Plano Estratégico de Lisboa e Vale do Tejo 2020-2022 - PE LVT (ARS-LVT, 2020), e Plano Estratégico do Norte 2017-2019 - PE Norte (ARS-Norte, 2017), enquanto documentos estratégicos de saúde a nível regional;
Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025 - ENEAS (DGS, 2017), enquanto modelo orientador de intervenção, a nível nacional, para aumentar a capacidade funcional das pessoas idosas;
Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas - PNSPI (DGS, 2006), enquanto instrumento complementar às ações desenvolvidas nos Programas Nacionais de Saúde.
2. Categorias temáticas
Após a seleção do material e a leitura flutuante, foram definidas as categorias iniciais, intermédias e finais para a exploração do material, seguindo as etapas definidas por Bardin (1977). As categorias iniciais configuram-se como as primeiras impressões acerca do texto, de onde resultou um total de 58 categorias. Destaca-se que não se definiram regras para a designação das categorias como para a determinação do número de categorias iniciais, dependendo estas da quantidade do corpus dos dados recolhidos.
Com o objetivo de aperfeiçoar a análise de dados, algumas categorias iniciais foram agrupadas com base na semelhança do seu conteúdo e renomeadas para uniformização, o que resultou na definição de 37 categorias intermédias.
Após a definição das categorias intermédias, realizou-se o seu mapeamento de acordo com as categorias funcionais dos cuidados de saúde definidas pela OCDE (2011), procurando padronizar os resultados alcançados. Como não foi possível enquadrar quatro categorias intermédias, resultou uma nova subcategoria final (“Acessibilidade e segurança nos cuidados de saúde”), em acréscimo à categoria “Cuidados preventivos” normalizada pela OCDE (2011).
Este processo de codificação e reorganização deu origem às categoriais e subcategorias finais apresentadas no quadro I.
Categorias iniciais | Categorias intermédias | Categorias finais | Subcategorias finais |
Reorganização dos Cuidos de Saúde Primários | Reorganização de CSP | 1) Governança, sistema de saúde e administração financeira | Governança e administração do sistema de saúde |
Gestão de médicos | Recursos humanos | ||
Gestão de outras carreiras de saúde | |||
Formação dos profissionais | |||
Reorganização dos Cuidados de Saúde Hospitalares | Reorganização dos CSH | ||
Orientações estratégicas | Políticas | ||
Políticas de saúde | |||
Programas Nacionais | |||
Sustentabilidade | Qualidade em saúde | ||
Indicadores de saúde/ Ganhos de saúde | Gastos gerais | Administração do financiamento da saúde | |
Gastos com material | |||
Financiamento | Financiamento | ||
Serviço de Urgência | Serviço de Urgência | 2) Cuidados curativos | Cuidados curativos em ambulatório |
Consultas de especialidade | Consultas de especialidade | ||
Cirurgias | Serviço de internamento | Cuidados curativos em internamento | |
Unidades de referência | Rede de referenciação | ||
Consultas no domicílio | Serviços ao domicílio | Cuidados curativos no domicílio | |
Cuidados paliativos | Cuidados paliativos no domicílio | 3) Cuidados de longa duração (saúde) | Cuidados de longa duração no domicílio (saúde) |
Cuidados continuados | Cuidados continuados | Cuidados de longa duração em internamento (saúde) | |
Lares de idosos | Estruturas de apoio | 4) Cuidados de longa duração (social) | Cuidados sociais de longa duração |
Unidades de acolhimento | |||
Telemonitorização | Telessaúde | 5) Cuidados de reabilitação | Cuidados de reabilitação no domicílio |
Telereabilitação | |||
Informação ao utente | Educação em saúde | 6) Cuidados preventivos | Programas de informação, educação e aconselhamento |
Capacitação do cidadão | |||
Programas de rastreio | Prevenção da doença | Programas de monitorização de condições saudáveis | |
Processo de vacinação | Programas de vacinação | ||
Programas de diagnóstico | Programas de detenção precoce de doenças | ||
Dados epidemiológicos | Epidemiologia | Programas de vigilância epidemiológica e controlo de riscos e doenças | |
Catástrofes naturais | Emergências de saúde pública | Preparação para programas de resposta a desastres e emergências | |
Alterações climáticas | |||
Acesso | Acesso | Acessibilidade e segurança nos cuidados de saúde | |
Discriminação dos idosos | Idadismo | ||
Abuso de pessoas vulneráveis | Violência | ||
Edificação | Infraestruturas | ||
Equipamentos | |||
Intervenção comunitária | Projetos comunitários | 7) Prevenção e serviços de saúde pública | Outros serviços de cuidados preventivos |
Saúde pública | Saúde pública | ||
Investigação | Investigação | ||
Saúde escolar | Saúde escolar | Serviços de saúde escolar | |
Saúde ocupacional | Saúde ocupacional | Serviços de saúde ocupacional | |
Transtorno psicológico | Transtorno psicológico | Prevenção de doenças não transmissíveis | |
Tabagismo | Dependência de substâncias | ||
Alcoolismo | |||
Obesidade infantil | Obesidade infantil | ||
Diabetes | Doenças crónicas | ||
Doença oncológica | |||
Hipertensão arterial | |||
Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica | |||
Doença cardiovascular | |||
Doença respiratória | |||
Tuberculose | Doenças infeciosas | Prevenção de doenças transmissíveis | |
Vírus da imunodeficiência humana | |||
Gripe | |||
Integração de cuidados | Ação intersectorial | 8) Promoção da saúde com enfoque multissetorial | |
Trabalho em rede | |||
Voluntariado | Voluntariado | ||
Lazer e bem-estar | Promoção da saúde | ||
Intergeracionalidade | Intergeracionalidade |
A estrutura de codificação final compreendeu, assim, oito categorias distintas, nomeadamente: 1) “Governança, sistema de saúde e administração financeira”, 2) “Cuidados curativos”, 3) “Cuidados de longa duração (saúde)”, 4) “Cuidados de longa duração (social)”, 5) “Cuidados de reabilitação”, 6) “Cuidados preventivos”, 7) “Prevenção e serviços de saúde pública” e 8) “Promoção da saúde com enfoque multissetorial”. Cada uma destas categorias agrega um conjunto de subcategorias analisadas adiante.
3. Análise temática
Uma primeira análise conjunta permite concluir que as orientações programáticas tendem a abordar com maior frequência a categoria da “Governança, sistema de saúde e administração financeira” (n=368). Em oposição, os “Cuidados de longa duração (social)” (n=2) parecem adquirir uma menor relevância (fig. 1).
Já a análise geral das categorias abordadas com maior frequência por cada documento programático, permite perceber, desde logo, que os documentos não apresentam as mesmas preocupações, isto é, dão prioridade a diferentes categorias. A ENEAS, o PNSPI e o PNS 2021-2030 focam-se nos “Cuidados preventivos”; os PRS do Centro e do Norte incidem o seu conteúdo na “Prevenção e serviços de saúde pública”; e os restantes documentos atribuem uma maior relevância às questões da “Governança, sistema de saúde e administração financeira” (fig. 2).
Ainda, é possível destacar os documentos que evidenciam cada uma das temáticas definidas. A “Governança, sistema de saúde e administração financeira” e a “Promoção da saúde com enfoque multissetorial” surgem com maior frequência no PNS com extensão a 2020; os “Cuidados curativos” no PE do Norte; os “Cuidados de longa duração (saúde)” no PE do Algarve e na ENEAS; os “Cuidados de longa duração (social)” exclusivamente no PRS de Lisboa e Vale do Tejo; os “Cuidados de reabilitação” no PE do Algarve; e os “Cuidados preventivos” e a “Prevenção e serviços de saúde pública” no PNS 2021-2030 (fig. 2).
3.1. Governança, sistema de saúde e administração financeira
Neste domínio, é notório que a “Governança e administração do sistema de saúde” (n=342) é a subcategoria que ganha maior relevância nos documentos programáticos, destacando-se consideravelmente da preocupação com a “Administração do financiamento da saúde” (n=26) (fig. 3).
A análise individualizada por documento programático permite aferir que todos os documentos programáticos abordam principalmente a “Governança e administração do sistema de saúde”, destacando-se o PNS 2012-2020 (n=72), assim como o PE do Algarve (n=61), de Lisboa e Vale do Tejo (n=56) e do Norte (n=51). É de salientar que o PRS do Norte não segue a orientação do PE e apresenta apenas uma referência nesta subcategoria. O PNSPI também apresenta poucas referências neste âmbito (n= 5) (fig. 3).
Em contrapartida, a abordagem à “Administração do financiamento da saúde” é refletida apenas em quatro documentos da análise: o PNS 2021-2030 (n=8) e os PE do Alentejo (n=1), do Algarve (n=7) e de Lisboa e Vale do Tejo (n=10). É neste último que a subcategoria adquire particular destaque, embora esta preocupação não se perpetue no PRS. Ressalva-se, ainda, a alusão significativa que o novo PNS faz a esta subcategoria, comparativamente ao seu antecessor (n=0) (fig. 3).
3.2. Cuidados curativos
Nos “Cuidados curativos”, ressalta a importância atribuída aos cuidados prestados em ambulatório, nomeadamente, no Serviço de Urgência (n=31). Já a abordagem à prestação destes cuidados no domicílio (n=8) foi menos frequente, incidindo sobretudo no trabalho das Unidades de Cuidados na Comunidade e na telemedicina (fig. 4).
A análise por documento programático permite concluir que o PE do Norte se destaca no que respeita aos “Cuidados curativos em ambulatório” (n=10). Em oposição, o PRS de Lisboa e Vale do Tejo, o PE do Alentejo e o PNSPI não abordam qualquer forma de prestação de cuidados curativos (fig. 4). Os “Cuidados curativos em internamento” ganham particular relevo na ENEAS (n=3). Os restantes documentos analisados não apresentam qualquer referência neste âmbito (fig. 4).
Também ao nível dos “Cuidados curativos no domicílio” a preocupação dos documentos é reduzida, apresentando-se o PE do Algarve com um maior número de referências (n=3). Salienta-se, ainda, a dualidade entre os PRS e os PE das regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte, denotando-se uma maior orientação dos programas estratégicos para os cuidados curativos (fig. 4).
3.3. Cuidados de longa duração (saúde)
Nos “Cuidados de longa duração (saúde)”, é ao nível do internamento que os documentos se centram (n=44), focando-se no acesso aos cuidados paliativos e na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Já no que respeita a estes cuidados no domicílio, os documentos incidem, ainda que em menor número (n=11), na capacitação dos cuidadores (in)formais e no papel das Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos (fig. 5).
Na análise por documento programático, observa-se que o PRS de Lisboa e Vale do Tejo é o único que não faz alusão a esta categoria, seguido do PRS do Norte com apenas uma referência aos “Cuidados de longa duração em internamento (fig. 5).
Por oposição, ressalta o PE do Algarve com o maior número de referências nos “Cuidados de longa duração em internamento” (n=8). De referir que a ENEAS é a única que atribui uma maior preponderância à prestação de cuidados no domicílio, ao invés dos restantes documentos que se focam no internamento (fig. 5).
É de registar, ainda, a dualidade entre os PRS e os PE do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo, observando-se uma maior preocupação com esta categoria nos programas estratégicos.
3.4. Cuidados de longa duração (social)
Esta temática é subvalorizada pelos documentos programáticos. Apenas o PRS de Lisboa e Vale do Tejo aborda os “Cuidados sociais de longa duração”, associando-os às estruturas de apoio à diferença e à vulnerabilidade. Considerando a categoria anterior, é possível apontar que, embora este PRS não considere os “Cuidados de longa duração (saúde)”, prioriza os cuidados sociais.
3.5. Cuidados de reabilitação
A menção aos “Cuidados de reabilitação” é unicamente realizada para o contexto domiciliar, nomeadamente, a telemonitorização domiciliária de doenças crónicas. Refira-se que a preocupação dos documentos com esta categoria é também reduzida, apresentando apenas seis referências textuais. Neste sentido, salienta-se que o PE do Algarve é o documento mais centrado nestas questões (n= 3).
Denota-se, ainda, que a ENEAS, o PE de Lisboa e Vale do Tejo e o PE do Algarve são os únicos incidentes em todos os níveis de prestação de cuidados no domicílio, quer sejam curativos, de longa duração (saúde) ou de reabilitação, ainda que a frequência varie ao longo das categorias.
3.6. Cuidados preventivos
No âmbito dos “Cuidados preventivos”, é percetível que a subcategoria com maior destaque nos documentos programáticos diz respeito aos “Programas de informação, educação e aconselhamento” (n= 79), em que se alude à literacia em saúde dos cidadãos e à formação dos profissionais de saúde. Em contraste, a “Preparação para programas de resposta a desastres e emergências” (n= 14) e os “Programas de vacinação” (n= 10) recebem menor atenção pelos documentos programáticos (fig. 6).
É possível referir que o PNS 2012-2020 (n=8), o PRS de Lisboa e Vale do Tejo (n=9) e o PE do Alentejo (n=7) apresentam uma preocupação prioritária com os “Programas de informação, educação e aconselhamento”. Já o PNS 2021-2030 (n= 16), o PRS do Centro (n=19) e os PE de Lisboa e Vale do Tejo (n=13) e do Norte (n=14), destacam os “Programas de vigilância epidemiológica e controlo de riscos e doenças”. O PRS do Norte (n=6) e o PE do Algarve (n=4) priorizam os “Programas de detenção precoce das doenças”. Por último, os dois programas de envelhecimento − ENEAS (n=24) e PNSPI (n=4) −, dão enfâse às questões da “Acessibilidade e segurança nos cuidados de saúde” (fig. 6).
Refira-se, ainda, que a ENEAS é o documento que maior atenção atribui às subcategorias “Programas de informação, educação e aconselhamento” (n=12), “Programas de monitorização de condições saudáveis” (n=10) e “Acessibilidade e segurança nos cuidados de saúde” (n=24). Na subcategoria “Programas de vacinação” (n=4) é o PNS 2021-2030 que se destaca com um maior número de referências, ao qual acresce a “Preparação para programas de resposta a desastre e emergências” (n=12), em virtude da sua formulação em contexto pandémico. Na subcategoria “Programas de vigilância epidemiológica e controlo de riscos e doenças” (n=19) é o PRS do Centro que apresenta o maior número de referências, e o PE do Norte é o documento que se sobressai na alusão à subcategoria “Programas de detenção precoce de doenças” (n=12) (fig. 6).
3.7. Prevenção e serviços de saúde pública
Neste domínio, é possível apontar a “Prevenção de doenças não transmissíveis” como a subcategoria à qual os documentos programáticos atribuem maior destaque (n=161), abordando-se a gestão das doenças crónicas e das doenças mentais. Em oposição, encontram-se o “Serviço de saúde escolar”, que reforça o papel da escola como promotora da saúde, e o “Serviço de saúde ocupacional”, que visa a redução e o controlo do risco ocupacional, com apenas quatro referências cada.
A análise por documento programático permite inferir que todos os programas apresentam a mesma prioridade estratégica neste domínio, nomeadamente, a “Prevenção de doenças não transmissíveis”, embora a frequência seja variável entre eles. Neste sentido, é possível afirmar que o PRS do Centro se sobressai nesta subcategoria (n=35). Já o PNS 2021-2030 destaca-se em relação às demais subcategorias (fig. 7).
3.8. Promoção da saúde com enfoque multissetorial
Esta categoria, que não possui subcategorias definidas pela OCDE (2011), centra-se na promoção da saúde através da interação dos diferentes setores da sociedade. A categoria recebe uma atenção moderada pelos documentos programáticos (n=165), do qual se destacou notoriamente o PNS 2012-2020 (n=41). Em contraste, ressaltam os PE do Alentejo (n=5) e do Norte (n=5) e o PNSPI (n=5) com um reduzido número de referências (fig. 8).
3.9. Visão de síntese
O quadro II apresenta uma visão conjunta das principais categorias e subcategorias abordadas nos 11 documentos programáticos, resultado da análise dos pontos anteriores.
Documento programático | Categoria principal | Subcategoria principal |
PNS 2012-2020 | 1) Governança, sistema de saúde e administração financeira | Governança e administração do sistema de saúde |
PNS 2021-2030 | 6) Cuidados preventivos | Prevenção de doenças não transmissíveis |
PRS Centro | 7) Prevenção e serviços de saúde pública | Prevenção de doenças não transmissíveis |
PRS LVT | 1) Governança, sistema de saúde e administração financeira | Governança e administração do sistema de saúde |
PRS Norte | 7) Prevenção e serviços de saúde pública | Prevenção de doenças não transmissíveis |
PE Alentejo | 1) Governança, sistema de saúde e administração financeira | Governança e administração do sistema de saúde |
PE Algarve | ||
PE Norte | ||
ENEAS | 6) Cuidados preventivos | Acessibilidade e segurança nos cuidados de saúde |
PNSPI | 6) Cuidados preventivos | Governança e administração do sistema de saúde |
De uma forma geral, destaca-se a categoria da “Governança, sistema de saúde e administração financeira” na generalidade dos documentos programáticos e a subcategoria correspondente “Governança e administração do sistema de saúde”.
É possível, também, apontar que os dois PNS apresentam prioridades temáticas (i.e., categorias) distintas e que os PE revelam as mesmas prioridades. De igual modo, os dois documentos de envelhecimento apresentam a mesma preocupação temática, embora a subcategoria se revele distinta. Já ao nível dos PRS, apenas as Regiões Centro e Norte coincidem as suas prioridades estratégicas.
Entende-se que os PE foram elaborados em linha com o PNS 2012-2020, assumindo as mesmas prioridades temáticas. Ao invés disso, nos PRS, apenas o de Lisboa e Vale do Tejo considera as mesmas preocupações do PNS 2012-2020. Por sua vez, o PNS 2021-2030 encontra-se de acordo com as prioridades temáticas definidas nos documentos de envelhecimento, embora as subcategorias destacadas sejam díspares.
VI. Importância do envelhecimento nos documentos programáticos
As unidades de significado das oito categorias temáticas foram analisadas procurando perceber se os documentos programáticos destacam o envelhecimento na definição de objetivos e estratégias e em que contexto as pessoas idosas são consideradas.
Todos os documentos, com exceção do PE do Algarve, abordam a população idosa nas suas orientações estratégicas. Como seria esperado, destacam-se os dois programas de envelhecimento saudável com o maior número de referências - ENEAS (n=102) e PNSPI (n=21) −, seguindo-se o PNS 2012-2020 (n=18). O mais recente PNS, porém, não mantem esta preocupação, reduzindo para mais de metade as referências à população idosa, ainda que se paute pelo lema “saúde sustentável: de tod@s para tod@s” (n=8) (fig. 9).
A categoria em que se observa uma maior preocupação com a população idosa diz respeito aos “Cuidados preventivos” (n=66), seguido pela “Promoção da saúde” (n=40). No sentido contrário, encontram-se as categorias “Cuidados de reabilitação” (n=2) e “Cuidados de longa duração (social)” (n=2) (fig. 10).
No domínio da “Governança, sistema de saúde e administração financeira”, os dois PNS (n=2, em ambos), os PE do Alentejo (n=1), de Lisboa e Vale do Tejo (n=1) e do Norte (n=2), o PNSPI (n=3) e a ENEAS (n=10) apresentam orientações focadas na população idosa, destacando-se este último documento (fig. 11).
Nos “Cuidados curativos” é apenas a ENEAS (n=7) que foca as pessoas idosas. Nos “Cuidados de longa duração (social)” (n=2) e nos “Cuidados de reabilitação” (n=2), apenas o PRS de Lisboa e Vale do Tejo se debruça sobre as questões de envelhecimento. Já no que respeita aos “Cuidados de longa duração (saúde)”, a preocupação com este grupo populacional estende-se ao PNS 2021-2030 (n=1) e aos dois programas de envelhecimento saudável (a ENEAS apresenta três referências e o PNSPI duas referências) (fig. 11 ).
Nos “Cuidados preventivos”, o conceito de envelhecimento ganha particular destaque na ENEAS (n=47), sendo que, com a exceção dos PRS do Centro e de Lisboa e Vale do Tejo e o PE do Algarve, os restantes documentos também mencionam as pessoas idosas.
Ainda no domínio da “Prevenção e serviços de saúde púbica”, a ENEAS destaca-se (n=13), com os restantes documentos a seguirem esta tendência, excetuando-se os PE do Algarve, do Alentejo e do Norte. De igual modo, no que respeita à “Promoção da saúde com enfoque multissetorial”, a ENEAS (n=20) é a que atribui mais atenção à população idosa (fig. 11).
Ainda no contexto desta análise, procurou perceber-se se os documentos programáticos refletem os Princípios Amigos da Pessoa Idosa, definidos pela OMS no âmbito da prestação de cuidados de saúde à população idosa (OMS, 2004). Verificou-se que o conceito da OMS (OMS, 2004) está explícito na ENEAS, no capítulo de gestão dos processos de comorbilidade. Aqui, propõe-se a adaptação dos serviços, viabilizando a melhoria dos cuidados, da participação, da independência e da dignidade das pessoas idosas. Porém, o mesmo conceito não se encontra explícito no PNSPI, nem nos restantes documentos de saúde.
Ainda assim, é possível associar individualmente os três Princípios Amigos da Pessoa Idosa às subcategorias aqui formuladas, como evidencia o quadro III. Neste sentido, ao Princípio-1 está relacionada a subcategoria “Programas de informação, educação e aconselhamento”; ao Princípio-2 relacionam-se todas as subcategorias, com exceção das afetadas aos Princípios-1 e três; e ao Princípio-3 está associada a subcategoria “Acessibilidade e segurança nos cuidados de saúde” (quadro III).
Conclui-se que o Princípio-1 é abordado em quatro documentos, sendo eles, o PNS 2012-2020, o PE do Alentejo, a ENEAS e o PNSPI. Já o Princípio-2, por ser o mais abrangente, é aludido em todos os documentos programáticos com exceção do PE do Algarve. Por último, e apesar do Princípio-3 dizer respeito ao subtema da “Acessibilidade”, encontra-se focado no ambiente físico das unidades de saúde, pelo que se verificou que nenhum documento aborda este Princípio (quadro III).
Princípios (OMS, 2004) | Subcategorias (OCDE, 2011) | Documentos programáticos |
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Informação, Educação, Comunicação e Treino | Programas de informação, educação e aconselhamento | - Plano Estratégico do Alentejo - Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável - Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas |
Sistemas de Gestão de Cuidados de Saúde | Governança e administração do sistema de saúde | - Plano Nacional de Saúde 2012-2020 - Plano Nacional de Saúde 2021-2030 - Plano Regional de Saúde do Centro - Plano Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo - Plano Regional de Saúde do Norte - Plano Estratégico de Alentejo - Plano Estratégico de Lisboa e Vale do Tejo - Plano Estratégico do Norte - Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável - Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas |
Administração do financiamento da saúde | ||
Cuidados curativos em ambulatório | ||
Cuidados curativos em internamento | ||
Cuidados curativos no domicílio | ||
Cuidados de longa duração no domicílio (saúde) | ||
Cuidados de longa duração em internamento (saúde) | ||
Cuidados sociais de longa duração | ||
Cuidados de reabilitação no domicílio | ||
Programas de monitorização de condições saudáveis | ||
Programas de vacinação | ||
Programas de detenção precoce de doenças | ||
Programas de vigilância epidemiológica e controlo de riscos e doenças | ||
Preparação para programas de resposta a desastres e emergências | ||
Outros serviços de cuidados preventivos | ||
Serviços de saúde escolar | ||
Serviços de saúde ocupacional | ||
Prevenção de doenças transmissíveis | ||
Prevenção de doenças não transmissíveis | ||
Ambiente físico | Acessibilidade e segurança nos cuidados de saúde | Nenhum documento |
V. Discussão
A realização deste estudo decorre da ideia de que os principais documentos programáticos de saúde e de envelhecimento influenciam ou condicionam a prestação de cuidados de saúde, auxiliando também a própria implementação das prioridades políticas. Com efeito, os 11 documentos programáticos conferiram um maior destaque às questões de “Governança, Sistema de Saúde e Administração financeira”, adquirindo particular relevo no PNS 2012-2020, nos PE e no PRS de Lisboa e Vale do Tejo. Também os “Cuidados preventivos” receberam uma importância significativa nos documentos programáticos, salientando-se o PNS 2021-2030 e os dois Programas de envelhecimento. Os documentos não descuram, ainda, a “Prevenção e serviços de saúde pública”, sobressaindo-se os PRS do Centro e do Norte. É de notar o foco do atual PNS 2021-2030 nos cuidados preventivos, ao invés do seu antecessor, mais orientado para o processo de governança. Ainda nesta linha, destaca-se o PRS do Norte com apenas uma referência na categoria da “Governança, Sistema de Saúde e Administração financeira”; contudo, com o desenvolvimento do seu PE, torna-se a categoria dominante. É de notar, porém, a reduzida referência dos documentos no que respeita aos “Cuidados sociais de longa duração”, sendo que apenas o PRS de Lisboa e Vale do Tejo aborda esta categoria (Q.I.1).
De uma forma geral, salienta-se a prioridade atribuída por todos os documentos aos cuidados de prevenção e promoção da saúde, enquanto cuidados primários, em oposição aos cuidados curativos e de reabilitação, numa perspetiva de cuidados secundários. Tal situação pode ser justificada pelo maior investimento que tem sido realizado pelo Governo nos cuidados primários do SNS, que através da reforma dos cuidados primários procura torná-los mais próximos dos cidadãos e diminuir a pressão exercida sobre os cuidados hospitalares (Biscaia & Heleno, 2017). De igual forma, denota-se uma preocupação crescente nos documentos programáticos com os cuidados de longa duração (saúde e social), em virtude da reforma proposta para os cuidados de longa duração, que visam uma resposta integrada e de qualidade face ao aumento da esperança média de vida (República Portuguesa, 2022) (Q.I.1).
É de referir, ainda, a abordagem única do PNS 2021-2030 à “Preparação para programas de resposta a desastres e emergências”, que surge na sequência de um período pandémico com impactos profundos na prestação de cuidados de saúde não-covid consubstanciados na alteração da atividade assistencial, na redução das atividades de prevenção da doença e promoção da saúde (Observatório Português dos Sistemas de Saúde [OPSS], 2022). Destaque-se a reduzida atenção dada neste documento à “Promoção da saúde com enfoque multissetorial” face ao seu antecessor, que se evidencia nesta categoria.
Comentadas as dimensões identificadas nos documentos orientadores das políticas de saúde e envelhecimento, interessa agora refletir sobre como são consideradas as pessoas idosas nos documentos programáticos. Neste âmbito, o conceito de envelhecimento é abordado em todos os documentos, com exceção do PE do Algarve, embora esta não seja considerada uma preocupação prioritária, dado o reduzido número de referências em toda a extensão dos documentos. Além da atenção precária, é possível apontar que a população idosa é frequentemente incluída no grupo de pessoas vulneráveis, sendo as estratégias definidas para todo o grupo e não especificamente para as pessoas idosas. Destaca-se, ainda, a importância que os documentos atribuem à criação de ações integradas numa ótica de abordagem por ciclo de vida, que consiste na compreensão das necessidades de saúde e definição de prioridades estratégicas com base nos diferentes grupos etários, onde se inclui as pessoas idosas (Q.I.3).
Como esperado, é na ENEAS que se observa uma maior preocupação com as pessoas idosas. Ainda assim, destaca-se o PNS 2012-2020 dando uma relevância próxima à observada no PNSPI. Enquanto documentos orientadores das políticas de saúde em Portugal, pressupunha-se que os PRS seguissem esta tendência ou mesmo demonstrassem uma maior preocupação, o que não se verifica. Ainda neste contexto, percebe-se que o mais recente PNS diminui consideravelmente a preocupação com a população idosa, ainda que identifique o envelhecimento demográfico como um desafio para a prestação de cuidados de saúde (Q.I.2.).
Constata-se que os documentos tendem a abordar o envelhecimento no âmbito dos “Cuidados preventivos”, seguidos pela “Promoção da saúde com enfoque multissetorial” e a “Prevenção e serviços de saúde pública” (Q.I.3). Também aqui se denota uma maior abordagem do conceito no âmbito dos cuidados primários, numa ótica preventiva e promotora da saúde, em detrimento dos cuidados curativos e de reabilitação. Acresce a parca prioridade atribuída à pessoa idosa no âmbito dos cuidados de longa duração, ainda que se reconheça a problemática do envelhecimento demográfico e a evidente necessidade de continuação de cuidados por consequência das comorbilidades associadas à idade (Q.I.3).
É também possível concluir que a ENEAS é o único documento programático que aborda explicitamente os “Princípios Amigos das Pessoas Idosas” da OMS. Esta clara referência foca-se no Princípio-2, sendo o Princípio-1 mencionado indiretamente ao longo do documento (Q.I.4).
De um modo geral, compreende-se que o Princípio-3 não é uma prioridade estratégica nos documentos programáticos, ao contrário do Princípio-2 que é aludido em todos os documentos, à exceção do PE do Algarve. Por sua vez, o Princípio-1 está patente no PNS 2012-2020, no PE do Alentejo e nos dois documentos direcionados ao envelhecimento saudável. Neste Princípio, abordam-se estratégias focadas para as pessoas idosas e para os profissionais de saúde, sendo que para os primeiros são propostos programas de literacia em saúde, práticas de estilo de vida saudável e a capacitação para o autocuidado e a gestão da doença; para os profissionais de saúde prevê-se a formação contínua em gerontologia, a utilização de comunicação não discriminatória e adequada ao nível de literacia da pessoa idosa, a avaliação de casos de violência e negligência, entre outros aspetos (Q.I.4).
É notório, também, que o Princípio-2 “Sistemas de Gestão de Cuidados de Saúde” deteve a maior relevância para os documentos programáticos, nos quais são propostas iniciativas e práticas de redução da prevalência e impacto das doenças crónicas nas pessoas idosas, bem como a manutenção das suas capacidade físicas e mentais, através da criação de equipas multidisciplinares nos cuidados de saúde, a avaliação anual do estado de saúde, a criação de um Plano Individual de Cuidados, o internamento domiciliário, a criação de unidades de agudos para doentes idosos, entre outros (Q.I.4).
VI. Conclusão
Os resultados do estudo lançam um novo repto sobre as políticas de saúde e envelhecimento em Portugal, classificando-as de acordo com um conjunto de domínios definidos pela OCDE (2011) e identificando a abordagem à população idosa. Com esta análise, é demonstrada uma visão geral de quais as prioridades das políticas de saúde nacionais e regionais e como estas se alinham com a política internacional sobre cuidados de saúde amigos da pessoa idosa (OMS, 2004). Inclusive, este é o primeiro estudo português a analisar as políticas nacionais e regionais em matéria de saúde e envelhecimento e a enquadrá-las à luz desta orientação política.
Os resultados sugerem uma falha na integração das orientações internacionais nos documentos programáticos portugueses, assim como problemas de articulação e comunicação entre os documentos programáticos nacionais e regionais, dado que as prioridades estratégicas de âmbito nacional não se encontram refletidas nos planos regionais. Esta lacuna verifica-se, também, a nível inter-regional com os planos regionais a apresentar prioridades distintas dos planos estratégicos, observando-se, inclusive, alguns retrocessos nos documentos mais recentes. De acordo com o estudo desenvolvido por Madon et al. (2007), esta disrupção entre as prioridades políticas de nível macro e a implementação desses programas a nível micro, sugere a necessidade de um esforço institucional coordenado de ajuste das orientações políticas, numa ótica de interação mútua, de avaliação da implementação das políticas e da responsabilização dos decisores.
É possível apontar, ainda, a falta de estratégias orientadas à população idosa nos documentos programáticos de saúde portugueses, assim como a efetividade da ENEAS e a atualização do PNSPI. Conforme o estudo de Barbabella et al. (2022), a integração de políticas de envelhecimento de forma coerente e sistemática deve ser uma prioridade fundamental para os decisores políticos, considerando o progressivo envelhecimento demográfico da sociedade. O envelhecimento da população é um fenómeno que está a alterar o equilíbrio demográfico, social e económico dos países (Sciubba, 2020). As políticas de envelhecimento são uma das chaves necessárias para enfrentar adequadamente este desafio, proporcionando mais oportunidades aos indivíduos ao longo da sua vida e uma melhor qualidade de vida (Barbabella et al., 2022). As estruturas internacionais podem ser um suporte e devem ser usadas para melhorar as orientações políticas nacionais e responder às necessidades das pessoas idosas (CENUE, 2022).
Deste modo, e em linha com o estudo desenvolvido por Ye et al. (2021), são propostas três recomendações políticas: 1) o aumento da colaboração multinível no desenvolvimento de políticas de saúde, 2) a definição de políticas de saúde consolidadas e centradas na ENEAS, 3) a formulação de uma estratégia de implementação nacional de um modelo integrado de cuidados de saúde para as pessoas idosas, em linha com as recomendações da OMS (2004).
Importa, por fim, destacar que esta análise foi condicionada pelo facto de nem todos os documentos de saúde e envelhecimento serem de acesso livre e as versões disponíveis não serem as mais recentes, pelo que se ressalva a possibilidade de novos documentos apresentarem uma preocupação acrescida com a população idosa e/ou refletirem os Princípios Amigos da Pessoa Idosa da OMS (2004).
Contribuicões dos/as autores/as
Jéssica Tavares: Concetualização; Metodologia; Análise formal; Redação - preparação do rascunho original; Redação - revisão e edição. Gonçalo Santinha: Concetualização; Metodologia; Validação; Análise formal; Redação - revisão e edição; e Supervisão. Nelson P. Rocha: Concetualização; Metodologia; Validação; Análise formal; Redação - revisão e edição; e Supervisão.