SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 número3Revisão e autoafirmação nos estudos do Índico índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

Compartilhar


Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0870-8967versão On-line ISSN 2183-9174

Diacrítica vol.27 no.3 Braga  2013

 

Prefácio

Foreword

Rosa Maria Perez*

*Antropóloga, Departamento de Antropologia, ISCTE-IUL (University of Lisbon Institute); Visiting and Institute Chair Professor (Anthropology), Indian Institute of Technology (IIT), Gandhinagar.

rosa.perez@iscte.pt

 

The Indian Ocean has been known and ignored, dismissed and described
Michael Pearson, 2003

 

O Índico tem sido um apetecível objeto de estudo. Uma análise da produção disponível conduz-nos, todavia, a duas constatações principais: a negligência dada aos autores locais – e decorrente perda de importantes temas e debates – a favor de autores europeus por um lado, e, por outro, a proeminência da História na abordagem do Índico, frequentemente refém de olhares nacionalistas e orientalistas. Poucas são as exceções e não podem deixar de ser referidas: Michael Pearson, Kirti N. Chaudhuri, Sugata Bose, Thomas Metcalf, entre outros.

De muitos pontos de vista este dossier tem um carácter inaugural. À timidez de análises que se fecham disciplinarmente, ele oferece o rasgo de cruzar diferentes olhares, para uma tentativa de compreensão de um dos contextos do mundo globalmente menos tratados – na distribuição e organização do poder, nas suas estruturas sociais e religiosas, nas suas formas e políticas culturais, nas suas hegemonias e nas suas subalternidades, na sua geopolítica e relações internacionais. No seu conjunto, percorrendo e cruzando as margens do Índico Oriental, os diferentes autores tornam plausível a ideia de uma estrutura do e no Oceano Índico que ultrapassa o somatório daquilo que os trabalhos a ele dedicados nos têm oferecido: fragmentos narrativos.

Ora se este conjunto de textos dá inteligibilidade a algumas narrativas do Índico ele vai mais longe e insinua a sua sofisticada diversidade cultural, assente em três grandes civilizações: bantu-swahili, árabo-persa e indiana, que, entre as margens do Índico foram cenário de encontros sofisticados e complexos, tecidos por relações comerciais, em cujo esteio circulavam pessoas e ideias, fluxos culturais e religiosos, absorções linguísticas, literárias e artísticas, trocas e repúdios, desenhando um mosaico civilizacional que não tem atraído de forma sistemática os humanistas e os cientistas sociais.

Efetivamente, neste vasto puzzle marítimo é possível identificar um ‘ar de família’ que contraria e contradiz perspetivas eminentemente atomistas. Por outras palavras, embora o Oceano Índico não apresente uma óbvia unidade cultural, podemos detetar nas suas sociedades, em épocas e sob formas e articulações diferenciadas, recorrências antropológicas e históricas cuja pertença a uma unidade civilizacional mais vasta foi demonstrada, no plano da história, por Kirti Chauduri.

A tanto nos convida este Narrando o Índico: avaliar a forma como, prescindindo de um olhar eurocêntrico, podemos encontrar, em diferentes planos narrativos, um painel cultural que a Europa colonizou politicamente ao mesmo tempo que foi culturalmente colonizada.