Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista Diacrítica
versão impressa ISSN 0807-8967
Diacrítica vol.28 no.2 Braga 2014
40 ANOS DE ABRIL
As artistas e o espaço público no Portugal político circa 1970
Márcia Oliveira*
*Universidade do Minho, Investigadora do Centro de Estudos Humanísticos, Braga, Portugal.
RESUMO
Com este artigo pretende-se abordar o trabalho de algumas artistas portuguesas, como Ana Hatherly, Emília Nadal, Paula Rego e Clara Menéres, mais especificamente as suas intervenções artísticas em torno de questões macro-políticas como a ditadura, o 25 de Abril ou as transformações económicas surgidas na nova ordem política e social pós-1974. Esculturas, filmes, assemblages, pinturas serão postas em diálogo no sentido de traçar um quadro da produção artística no feminino em Portugal marcada por uma crescente intervenção no espaço público.
Palavras-chave: artes plásticas, feminismo, espaço público, Portugal.
ABSTRACT
This paper will focus on the work of Portuguese women artists, namely Ana Hatherly, Emília Nadal, Paula Rego and Clara Menéres, especially their artistic interventions regarding macro-political issues such as the dictatorship, the Revolution or the economic transformations emerging from the political and social order post 1974. Sculptures, films, assemblages and paintings will be put into dialogue so as to map feminine artistic production in Portugal, which was characterized by a growing intervention in public space.
Keywords: visual arts, feminism, public space, Portugal.
Com A mulher portuguesa urbana: que mito, que realidade?, Julieta A. Rodrigues contribuiu para a discussão lançada pelo evento proposto pela Sociedade de Belas Artes, Artistas Portuguesas (J. A. Rodrigues 1977), reflectindo acerca do espaço doméstico como sendo aquele que pertencia à mulher, embora notando que esta clara divisão do espaço definida pelo género encontrou uma contradição na emergente estruturação capitalista do país trazida pela Revolução e pela democracia. De facto, o acesso ao espaço público tornou-se inevitável depois de 1974, o que se manifestou também ao nível das expressões criativas. Neste sentido, a adopção de várias abordagens ao conceito de paisagem, emergentes na obra de diversas artistas, pode nortear uma reflexão em torno da nova relação entre as artistas portuguesas e o espaço público, potenciada pelo ambiente político e cultural do país, e marcada pela inscrição dos corpos, das acções e do pensamento nesse mesmo espaço público[1], através da desconstrução da linguagem revolucionária através da acção do corpo no espaço (Ana Hatherly), através da ironia que confunde e questiona as construções discursivas económica e revolucionária (Emília Nadal) ou através da associação do corpo feminino à natureza (Clara Menéres). Assumidamente lançando olhares para o mundo e para o país num contexto de confrontação aberta até então impossível, várias artistas trouxeram a público e materializaram não só o seu olhar perante uma nova realidade, mas também as relações e os questionamentos que então se moviam em direcções diversas. As paisagens veiculadas esteticamente – paisagens da cidade e do corpo feminino, mas também paisagens semióticas – introduziram novos elementos e potencialidades na experiência estética da paisagem que significa a transposição para a tela de um determinado olhar sobre a realidade ou, mais concretamente, sobre a natureza. Como nota Margarida Acciaiuoli, "a História da Arte ensina-nos que a emergência da paisagem na pintura é um facto único na experiência estética da Natureza e que em nenhum outro momento surgiu alguma vez uma noção semelhante. E não há dúvida de que a qualidade abrupta da «janela» de Alberti no século XV e a extensão dela a toda a dimensão da tela, que o século XIX irá propor e praticar, moldaram de facto as nossas raízes mais profundas e contribuíram para que o nosso olhar perante a natureza nunca mais fosse o mesmo" (Margarida Acciaiuoli 2006: 12).
Em 1977, um desenho a lápis de cor da autoria de Emília Nadal (Lisboa, 1938), intitulado Landscape (48 x 66 cm), condensa esta dialética da paisagem ao transpor aquela que seria a natural e "genuína paisagem portuguesa" (o Algarve) para o rótulo de uma embalagem semelhante a tantas outras que oferecem um conteúdo pronto a digerir numa sociedade massifi ada. O espaço público é assim transformado numa experiência doméstica, levado para dentro de portas, através de uma representação ironizada não só da paisagem mas também do seu uso, ao mesmo tempo que, no sentido inverso, diversas acções colectivas no contexto pós-revolução levavam a expressividade individual dos artistas portugueses para a rua[2]. Para além disso, e por outro lado, Emília Nadal convoca a transformação dos meios de comunicação de massas não só em veículos de transmissão de mensagens, mas também em "janelas" alternativas à tela e ao espaço de representação da obra de arte, criando uma nova paisagem artística, visual e, sobretudo, ideológica. A publicidade em concreto é o meio abordado por Nadal, pintora de formação, através de um conjunto de obras, entre desenhos e múltiplos, nos quais surgem abordadas estas temáticas que, consonantes com a época e com as questões que o enquadramento social, político e cultural suscitavam, avançavam no sentido da sua indagação através de uma poética emergida do questionamento da própria epistemologia e hierarquia artísticas. Como nota João Pinharanda:
Os contextos históricos importam a quem deseja intervir civicamente; e é o contexto português (quer político, quer social) dos anos pós-25 de Abril que desencadeia os divertissements [sic] supostamente Pop da artista. Supostamente, porque a Pop já tinha internacionalmente acontecido há muito; e porque é uma ironia feita sobre (ou através da) Pop que Emília Nadal desencadeia. Do que as obras de 1976-77 são exactamente contemporâneas é do tempo revolucionário então vivido: quando, em Portugal, país afastado da Europa, houve consciência colectiva dos "pecados" da sociedade de consumo capitalista, ela quase não existia; foi exactamente a Revolução (e o seu fracasso) que permitiram instaurá-la, juntamente com a democracia política. Jogando com esta contradição (em si mesmo irónica) e com uma imagerie Pop levada a extremos caricaturais, Emília Nadal assimila a vertigem, também ela caricatural da vida política, a produtos de venda fácil e massificada, marcados pela suspeita de uma evidente falta de qualidade e fraudulenta informação (J. Pinharanda 2011: s/p).
Da mesma forma que Briony Fer refere que o construtivismo associava a individualidade ao capitalismo, logo procurando uma gramática colectiva que não fosse expressão de individualidade (Fer 1997), Emília Nadal funde uma linguagem Pop com uma problematização ideológica mais vasta, intuindo-se que o formalismo inerente a esta estratégia não se coaduna com a individualidade da artista. Embora distanciada da Pop americana, facto notado num artigo publicado por José-Augusto França no Diário Popular, no qual o crítico mais proeminente da época diria que "o 25 de Abril, ao pretender dar imagens ao que era ou parecia então ser a revolução, seguiu outro caminho de diferente ortodoxia bem anti-americana e muito, de novo, neo-realista" (França 1977: s/p), a pintora apresenta uma poética baseada no questionamento ideológico e na linguagem visual associada à cultura de massas, a qual nos remete para o desenhar de linhas de fuga potenciado pela arte. É, por outro lado, indesmentível que o recurso a uma estratégia de metaforização visual da linguagem publicitária através da citação de produtos de consumo, como o detergente para a roupa ou as latas de alimentos prontos a consumir, visa desconstruir o papel social inerente ao habitual destinatário de tais mensagens: a mulher remetida ao espaço físico e simbólico do lar e da família[3]. Assim, o espaço privado é transposto para o espaço público, ao passo que Ana Hatherly, com as suas Descolagens da Cidade, vai transpor a acção colectiva do espaço aberto (dos muros transformados em telas pela Revolução de Abril) para o espaço aparentemente confinado da moldura e da exposição.
Landscape integra um conjunto de obras, desenhos e múltiplos, reunidos sob o título genérico de Embalagens para Conteúdos Imaginários e Liofilizados datados de 1977, as quais oferecem uma série de capacidades prontas a consumir: slogans políticos (‘el pueblo unido jamás será vencido" é um dos exemplos), actividades e objectos, paisagens, folclore, tecnocracia, desporto, turismo, cultura literária, poemas (épicos, saudosistas ou patrióticos, ópera, e arte, obviamente). Estes slogans são ‘doutrinários’, ideológicos, como se expressa com clareza em Skop (objecto com pintura sobre madeira de 1979), "detergente ideológico para todos os programas de lavagem ao cérebro", ou Mulher Ideal, objecto da mesma índole deste Skop. No decorrer deste projecto, segundo a própria artista "foi a caixa (o espaço contido) e a relação com o seu conteúdo imaginário que motivaram a proposta como atitude poética, portanto estética" (Nadal 1980: s/p). Neste sentido, o diálogo estabelecido entre objecto, corpo e mensagem manifesta-se de forma premente, efeito potenciado pelas grandes dimensões das obras. Comunicação e representação, mas também uma problematização do desejo no contexto de uma sociedade de consumo, emergente no pós-25 de Abril, são, então, termos centrais neste conjunto de obras de Emília Nadal, numa altura em que "o agenciamento feminino, aparentemente, se reduzia à escolha daquilo que queria comprar" (Nochlin 2010: 15).
Se a representação, nesta altura, é questionada a partir do corpo da mulher e da sua sexualidade nas obras escultóricas de Clara Menéres, Emília Nadal explora a construção cultural e visual dessas representações que são veiculadas por linguagens adstritas à cultura popular e de massas para empreender a construção da sua poética visual. Esta, diríamos, assume-se como particularmente interessante e original no contexto artístico português:
Mais do que uma «mise en boîte» de uma civilização, hoje universal, pareceu-me também urgente denunciar a corrupção da imagem ao serviço do desejo transformado em necessidade, bem como desmontar um processo tecnicamente sofisticado de condicionamento dos indivíduos e das massas, oculto sob a inocente designação de «comunicação visual».Tornou-se-me então necessário utilizar os mesmos processos para destruir o próprio conceito de embalagem, confrontando-a com o seu passivo e cúmplice consumidor. Nesta perspectiva, nas embalagens de grandes dimensões, como a de «SKOP», o seu absurdo não reside no imaginário ou na impossibilidade tecnológica dos produtos que anunciam, mas na sua relação física com a pessoa.
De objectos «apprivoisés», ao alcance da mão e do desejo, adquirem, pela sua escala, individualidade e autonomia; fora do seu contexto tornam-se outros; portanto estranhos e ameaçadores.
Assim, a imagem do esmagamento da pessoa por um objecto familiar tornado absurdo confere-lhe o valor de símbolo de uma realidade que anuncia e prefigura (Nadal 1980).
Pode dizer-se que esta estratégia, que ultrapassa o âmbito da estrita visualidade, interfere directamente no corpo através de uma constatação material e não meramente semiótica do desejo e da sua simultânea frustração[4], nesse sentido procedendo à constatação da sua cristalização no âmbito do delírio da massificação e do consumismo. De certa forma, Nadal socorre-se da memória visual do espectador para confundir essa mesma memória e subjacentes paralelismos sinestésicos por via de uma estratégia de ironia, ou de heroísmo-ironia como poria Mário Perniola (Mário Perniola 2005).
Por ocasião do 15º programa da série televisiva Obrigatório não Ver, dirigida e apresentada por Ana Hatherly na RTP 2 (entre os anos de 1978 e 1979), Emília Nadal concebeu e levou à cena uma criação intitulada Episódios, concebida propositadamente com vista à apresentação no referido programa. A problemática espacial regista-se aqui de forma absolutamente central, tendo em consideração o meio no qual esta peça simultaneamente fílmica e performativa se efectuou: a caixa televisiva. Como refere Ana Hatherly, "o espaço contido, o espaço interior" constitui o fulcro da pesquisa plástica de Nadal "e assim, na sua pintura, aparece como tema central a caixa, o receptáculo, o espaço aprisionado, mas também o espaço delimitado, restrito, angustioso" (Hatherly 2009: 67), temática que Hatherly considera ter evoluído também nas latas que surgem na série das embalagens.
Ana Hatherly (Porto, 1929) mantém-se como uma artista com um percurso absolutamente singular no contexto português e internacional, integrando dimensões múltiplas na sua obra. Licenciada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, doutorou-se em Literaturas Hispânicas na Universidade da Califórnia, Berkeley, tendo ainda realizado estudos em áreas como a música e o cinema (tem um diploma de estudos cinematográficos na London Film School). Para além da literatura, tendo desempenhado uma acção fulcral no âmbito do movimento da Poesia Experimental Portuguesa, Hatherly integrou a multiplicidade na sua obra plástica, na qual a intersecção com a literatura mas, sobretudo, com a palavra e com a sua dimensão plástica e material (mais do que na sua vertente semiótica) está sempre presente, assumindo-se a imagem sempre como ato de inscrição, como escrita de facto. O jogo através do qual desafia o espetador, sempre ávido em tentar extrair uma possibilidade de leitura das suas imagens, é central à pesquisa de Hatherly, que "questiona o excessivo peso da palavra na cultura ocidental e, em particular, as fragilidades das formas do seu alfabeto" (Raquel Henriques da Silva 2007: 97). O conjunto de cartazes intitulado Descolagens da cidade, primeiramente designados por Ruas de Lisboa (1977, expostos pela primeira vez na exposição Portuguese Contemporary Art, comissariada por Helmut Wohl na Royal Academy, em Londres), assim como "outros trabalhos de índole política, como o filme Revolução e vários desenhos e objectos, ou as instalações Poema d’entro (1976) e Rotura (1977), são representativos de um clima emocional que se vivia no pós-25 de Abril" (Hatherly 1992: 79). Como nota a própria artista, a sua obra é primeira e acentuadamente política. Nesse sentido, também Ernesto de Sousa destaca o "ser político" de Ana Hatherly. A sua é uma arte política "principalmente porque resultado e um trabalho sobre a escrita, tenha esse trabalho como ponto de partida os caracteres arcaicos chineses, os cartazes rasgados de Lisboa ou… os acontecimentos políticos das ruas das cidades portuguesas como num seu filme Revolução (1975). E a escrita é sempre um acto político: a consciência da palavra perdida, a palavra prometida" (E. d. Sousa 1998: 208). Como salientou ainda Ernesto de Sousa, mais produtivo ou interessante seria procurar em Ana Hatherly não aquilo que tem em comum com os movimentos de vanguarda das décadas de 1960 e 70, mas antes o que a distingue, ou melhor, a intrincada teia de relações (arte política, corpo, performance, literatura, desenho…) que faz sobressair a sua obra, transformando-se na sua originalidade. O ato criativo é, em Ana Hatherly, mais que um mero processo com vista a um fim, um objecto artístico, ele é exatamente o que Deleuze define como revolução… o acto criativo em Rotura, assim como na performatividade da sua escrita (Oliveira, 2010), é pesquisa antropológica, acto-contínuo de construção estética; forma-acção, diríamos, mais do que ‘imagem-acção’, como coloca João Pinharanda (J. L. Pinharanda 2003).
Assim como a arte de inspiração Pop[5] de Emília Nadal desmonta a ideia unitária de uma identidade (da arte e do feminino), também uma obra como Descolagens da Cidade desmonta não só a centralidade do paradigma uno e identitário da arte, mas também a proeminência da ideologia política. Através de uma estratégia recuperada de contextos da vanguarda como é a colagem (neste caso de fragmentos recuperados do real), também a centralidade da ideologia política que cobriu as ruas de Lisboa no período pós-Revolução[6] foi posta em questão. Ainda que aparentemente díspares, as embalagens de Emília Nadal e as Descolagens de Ana Hatherly manifestam semelhanças ao nível ideológico da reconfiguração dos espaços habitados pelos corpos das mulheres e, neste caso em particular, da mulher artista. No entanto, e dentro deste enquadramento, o que significa recuperar o(s) corpo(s) dos cartazes colados nas paredes das ruas de Lisboa, e confiná-los dentro do espaço de uma moldura, em contraponto com a emergência da saída da obra de arte do espaço expositivo para o espaço público? Como nota Germano Celant,
relativamente à sociedade de massas, tal como ela se desenvolve no início dos anos sessenta, a função de antecipação desenvolvida pela cultura e pela arte entrou em crise e, com ela, começou o final das vanguardas modernistas, as vanguardas críticas e revolucionárias que tinham marcado a história da contemporaneidade (Celant 2000: s/p).
O processo de descolagem e colagem dos cartazes que povoavam as ruas de Lisboa no período pós-revolução pôs em marcha a real concretização da espacialidade vivida convocada por Elizabeth Grosz que, mais do que levar a cabo um mero exercício de representação da Revolução, desmontou o seu simbolismo unitário para o transformar em micro-sensações posteriormente recolocadas numa superfície na sequência de um processo sensitivo e formal que implicava actos de destruição (arrancar, rasgar) e reconstrução. Mais relevante ainda é este processo quando o mesmo entra no espaço da galeria e no espaço da obra, através de Rotura, cuja génese se encontra precisamente nestes cartazes e no processo subjacente. Ernesto de Sousa destaca essa relação, salientando a sua originalidade e o devido distanciamento de propostas estéticas internacionais:
aquelas «roturas» (Ana provavelmente até ignorava a obra do grande pioneiro italiano[7], o que de resto é secundário) têm directamente que ver com uma experiência directa, que vem da Alternativa Zero e das ruas de Lisboa; que vem dos happenings colectivos realizados nos anos 60; que vem da meditação e do trabalho consciente, técnico e prático, sobre a escrita. (…) Ser político no caso da Ana, é coisa que obriga a mudar de parágrafo. É uma diferença. (E. d. Sousa 1998: 210).
Já em Revolução (filme 16mm, cor, 13’)[8] Hatherly apresenta uma perspectiva que decorre da sua vivência da espacialidade pública (uma espacialidade vivida)[9] e do objecto público que é o acto revolucionário em curso, utilizando uma estratégia de "colagem" de fragmentos de imagens que marcaram um determinado período na sociedade portuguesa.
Hatherly filma os muros e os seus cartazes e pinturas políticas, nos quais se destacam diversos elementos e símbolos partidários, de ideologia socialista, os cartazes rasgados e sobrepostos dos partidos que então tentavam obter um espaço na cena política nacional, mas também imagens fotográficas de políticos proeminentes, como Mário Soares. Às imagens sobrepõem-se sons diversos, gritos de rua, palavras de ordem ("Liberdade", "O povo unido jamais será vencido"), músicas populares ("Grândola Vila Morena", canção-senha do golpe de estado interpretada por Zeca Afonso, mas também o hino nacional e música folclórica do Alentejo e do Minho) e discursos políticos proferidos por elementos proeminentes da cena política da altura. Executado durante a Primavera de 1975, o filme trabalha a temática da revolução a partir dos dispositivos técnicos permitidos pelo meio utilizado, como destaca Hatherly ao descrever a peça no catálogo da exposição Artistas Portuguesas: "filmagem com manipulação de obturador, movimentos de câmara extremamente rápidos, montagem rítmica, que produzem um estado de euforia e de perturbação, enquanto desta visão caleidoscópica do que era a realidade de então, o espírito do povo emerge e fala directamente a cada um de nós" (in Chicó 1977: 32). Profundamente sinestésica, a experimentação levada a cabo por Revolução abre caminho a uma reflexão em torno do papel do corpo no processo criativo, a sua confrontação com o espaço público, mas também em torno da forma como uma obra desta natureza confunde uma génese documental com uma pretensão estética, sendo da dialética estabelecida entre estes factores, entre a descrição do ambiente geral e o particular do acto criativo individual, que se extrai o potencial político não só da obra mas sobretudo de um conjunto de processos e operações estéticas. A paisagem pública, que Ana Hatherly aqui explora, não se dissocia portanto da Paisagem Interior que povoa o seu processo criativo. Como nota João Miguel Fernandes Jorge, os desenhos de Hatherly, "procuram libertar um diálogo interior (e particular), de um mundo intermediário carregado de paisagens, as quais visualmente nos poderão enviar para a série Paisagens Interiores, de 1972" (Jorge 1995). O conjunto destes desenhos de pequeno formato a tinta-da-china sobre papel foram apresentados na exposição Dessins, collages et papiers peints, apresentada no Centre Culturel Calouste Gulbenkian, em Paris, em 2005.
No mesmo ano, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian apresentou um conjunto semelhante de obras[10], o qual integrava diversas pinturas e colagens sobre postais de Londres (tendo sido realizadas quando Hatherly aí se encontrava, entre 1960 e início de 1979, período em que estudou na London Film School) nos quais predomina a cor, entretanto abandonada em trabalhos subsequentes. Estes são trabalhos diários, de intimidade, realizados na sua casa de Hampstead Heath sem a intenção de serem expostos e profundamente marcados pelo contexto da época, nomeadamente por acontecimentos como os movimentos estudantil e feminista, a música rock e a arte pop[11]. Vários retratos de amigos e escritores, auto-retratos, a série dedicada à metamorfose de uma romã ou alguns estudos a partir de Füssli, revelam uma investigação inicial de Ana Hatherly cujo pendor antropomórfico e profundamente orgânico, destes que são também os seus trabalhos visuais mais figurativos, se aproxima das características enunciadas nas Paisagens Interiores. Estas paisagens da intimidade não se dissociam, pelo contrário se mesclam, das diferentes formas de habitabilidade dos espaços intra e extra obra: Eros Frenético (Hatherly 1968) que povoa os interstícios entre palavra e imagem na obra de Hatherly, e que manifesta a profunda alteridade da mesma, simultaneamente íntima e aberta ao leitor, até ao ponto em que os papéis de ambos se confundem:
Entre o autor e o leitor cria-se uma relação de cumplicidade: possuídos dum código comum decifram-se mutuamente.É assim que se instituem.
O autor e o leitor são exploradores sistemáticos – o autor fornece o mapa dos itinerários e o leitor percorre-os, mas os percursos são livremente condicionados.
O autor concebe o percurso da experiência e realiza-o primeiro mas ao publicá-lo deturpa-o, isto é transfigura-o, e desse modo a sua experiência o ultrapassa (Hatherly 1975: s/p)[12].
Estas Paisagens Interiores, que veiculam uma organicidade, que é a mesma do desenho e do corpo (estas linhas aproximam-se de uma representação abstractizada de elementos corporais como músculos), entroncam com a ideia de confrontar o espaço com uma perspectiva genderizada. Isto significa, para Elizabeth Grosz, "a corporalização do virtual, a condição para a efectiva utopia, é sinónimo da inclusão do outro. Neste contexto, o outro é não só feminino mas também todas as suas virtualidades ainda não actualizadas em qualquer presença ou presente" (Grosz 2001: xiii), virtualidades essas que potenciam intervalos efectivamente vividos nos quais se criam sensações e perceções efetivas. Nesses intervalos, verificados em obras como Paisagens Interiores e Revolução, está a expressividade da artista, cuja visão dá conta de uma realidade construída por ela, e pela sua percepção dessa realidade assim desconstruída, já que, recorrendo a Grosz uma vez mais, "as formas através das quais vivenciamos os corpos no espaço [13] – e não imposições conceptuais no espaço – derivam das relações específicas que o sujeito engendra com objectos e com eventos" (Grosz 1995: 92).
Esta genderização emerge da confrontação de diversas espacialidades, como sendo o corpo, a obra de arte, o espaço público ou o espaço interior, habitados plástica e ideologicamente, como sucede por exemplo nas pinturas-colagens de Paula Rego (Lisboa, 1935), as quais marcaram a sua produção artística dos anos de 1960 em resposta directa a um regime e um nível de opressão vivido em Portugalsup>[14] que a pintora, bem posicionada para os observar e comentar, tão acutilantemente denunciava, como revela Marco Livingstone:
Os abusos de poder, tão duramente satirizados nas pinturas sobre papel do princípio dos anos de 1960, tais como Sempre ao Serviço de Vossa Excelência, de 1961, são desmascarados e postos a nu através de processos de improvisação. Os ataques ainda mais directos à ditadura de Salazar que estão na origem de várias pinturas provocantemente ferozes desse período, como Salazar a Vomitar a Pátria, de 1960, Quando Tínhamos uma Casa no Campo, de 1962, e O Exílio, de 1963, têm origem igualmente nas suas convicções e na sua postura pessoal – na forma como sente ultrajante o aviltamento de princípios básicos de decência humana –, mais do que uma posição baseada em argumentações teóricas e intelectuais. (Livingstone 2009: 19).
Mas como falar acerca desse ‘sentir’ de Paula Rego manifestado através das suas pinturas-colagens, como as designa Livingstone, e dos processos que, dentro do espaço de representação, criam o espaço próprio do sentir que é, não só da artista, mas também de uma efectiva capacidade política inerente às imagens e às formas? Comentando Salazar a Vomitar a Pátria, Paula Rego refere o seu carácter simultaneamente instintivo e premeditado (mas também protegido pela distância e pela posição de artista exilada em Inglaterra) no ácido comentário político que, todavia, se processa através do posicionamento de uma mulher coberta de pêlo púbico. Diz a artista:
Ainda não sei o que aquela mulher está ali a fazer, mas ela tem um escudo. Em Portugal, não lhe teria dado o mesmo título naquela altura. Isso seria uma estupidez, uma vez que teria sido presa. Mas, para mim, a imagética não está disfarçada, mas sim representada. A forma do lado esquerdo é Salazar a vomitar. O título surgiu mais ou menos a meio do processo, por isso quando pintei esta figura, sabia que era ele. (Rego 2008: 249)
Nos diversos comentários da artista a qualquer uma das suas obras, é certamente impossível ignorar a sua prolífica e prodigiosa imaginação, cujas narrativas se constroem nas obras através de processos bastante físicos, exprimindo uma materialidade que se concretiza através da íntima, sensual e violenta relação que estabelece com o espectador.
Na sequência de uma pesquisa fi anciada pela Fundação Calouste Gulbenkian (1962-1963), Paula Rego realizou um conjunto de pinturas-colagens de forte pendor político, comentando algumas das mais difíceis questões do Portugal de então em obras de grande formato como Exílio, de 1963, e Senhor Vicente e a Sua Mulher, de 1961. Esta é uma orientação já anteriormente expressa, por exemplo, em Quando tínhamos uma casa no campo, quadro que aborda a questão do colonialismo: "Era o que estava a acontecer em Portugal. Tínhamos uma casa de campo, dávamos umas lindas festas e depois saíamos à rua e matávamos os pretos", diz Paula Rego sobre esta tela. Como nota Keith Sutton, artista e crítico de arte britânico, em carta de recomendação que acompanhou este pedido de financiamento,
O seu trabalho caracteriza-se por um conjunto de qualidades que normalmente não se encontram juntas ou não são combinadas de forma tão eficaz: um sentido gráfico impetuoso e notável e uma capacidade para definir imagens com precisão física e emocional; uma noção da cor rica e emocionante que sustenta e expande a sua imagética; e a própria imagética que é imaginativa, frequentemente fantasiosa, embora sempre de forma perspicaz. Ela tem a capacidade de combinar os sentidos físicos e literais das suas imagens de tal forma que, através da sua actual e complexa técnica de colagem-pintura, tornamo-nos conscientes das formas acabadas de criar e não tanto das origens, por vezes estranhas e diversas, do material que ela incorpora (in Rego 1962).
Em 1966, a sua primeira exposição individual na Sociedade Nacional de Belas Artes causou comoção e não deixou ninguém indiferente, sendo organizada em torno da tela Cães de Barcelona (1965) em consonância com a imagética demonstrada nessas obras produzidas no início da década de 1960[15]. À dimensão plástica destas colagens acresce o comentário político que Paula Rego não dissocia do seu processo de construção, cuja violência as inscreve mais do domínio do real do que no domínio da representação. Como salienta a pintora:
Não era só a representação da violência, mas o modo como eu fazia os quadros nessa altura. Eu explico: quando eu fazia as colagens, eu fazia os bonecos e depois cortava-os com a tesoura, e essa coisa do cortar, do arranhar e do ferir… é como se a pessoa estivesse a tirar os olhos a uma fotografia do Salazar, ou vá lá, do Cardeal Patriarca! (…) A violência de que estou a falar é da que se faz nos quadros, nas fotografias, não é a que se faz directamente às pessoas. Mas quando se faz isso num quadro não se fica com pena, aí tudo é permitido! (in Macedo 2010, p. 33-4).
Através da apresentação de duas formas de relacionar práticas de desconstrução e construção com processualidades reais e com o espaço público, Hatherly e Rego evidenciam dois momentos – vivencialidades – distintos, mas consonantes com a efectiva utilização do espaço no questionamento da dimensão política do feminismo, "inseparável das relações sociais conflituosas e desiguais da sociedade num determinado momento histórico" (Deutsche 1998: xx)[16]. Neste sentido, referimo-nos ao espaço da obra e ao espaço de produção da obra, que ora implica a rua, ora se confina ao atelier para se expressar acerca do acto público.
A clara e directa relação com o espaço público é a posição natural da obra de Clara Menéres (Braga, 1943), apresentada na Bienal de S. Paulo de 1977, versão da obra que figurou na seminal Alternativa Zero, também em 1977. Longe já dessa escultura inaugural que trata o corpo feminino exposto no espaço público que é A Menina Amélia que vivia na rua do Almada (1968)[17], aqui estamos perante uma imagem, ou melhor, um corpo-fragmento, Mulher-Terra-Viva que expande o espaço exterior, dificultando o processo de transformação da obra numa simples representação sexualizada, como sucede na escultura anteriormente citada (e que constituiu o seu trabalho de fim de curso na Escola de Belas Artes)[18]. Na Galeria de Belém, a escultura viva da autoria de Menéres, composta por acrílico, terra e relva, (80x270x160 cm), ainda se encontra confinada à delimitação espacial da galeria, confluindo numa fronteira entre escultura e performance, já que a relva do púbis era aparada por alguém: "esse alguém[19] era a própria Clara Menéres, o artista. Eu até consideraria assim o projecto: o artista que é escultor e professor de escultura projecta assassinar a natureza com o seu sentido-das-formas (a escola) e isso transformou-se numa bela luta quotidiana, exactamente o que agora se diz: uma performance" (J. E. d. Sousa 1977).
Já na Bienal de São Paulo, a construção feita de betão e terra ajardinada assume outras proporções (10x15x2,8 m) que permitem que a mesma se transforme de facto num corpo habitável, paisagem natural e construída cujas delimitações se esbatem definitivamente no sentido de uma vivencialidade efectivada através do contacto com outro(s) corpo(s). É precisamente este traço de habitabilidade que aproxima molduras, linhas, grelhas, caixas e paisagens, que assim funcionam como elementos a partir dos quais se deduzem delimitações espaciais propostas pela obra de arte, denunciando a procura de espacialidades alternativas, de espaços habitáveis pelas mulheres cujo corpo permanentemente se imiscuiu no espaço da obra e no espaço social enquanto forma e não enquanto mera representação. Através destes dispositivos de ordenação, as artistas e as obras em questão arriscaram mapear um território que não pertencia antes às mulheres e aos seus corpos, território de liminaridades como no caso de Clara Menéres que transforma o corpo feminino, a sexualidade feminina, não só num sujeito que habita um espaço, mas no espaço ele mesmo. Este corpo-paisagem, parcial como todos os outros que apresentámos até agora, prova que o corpo feminino não se mostra apenas, mas é ele próprio território, espaço que habita e é habitado. Sobre esta obra, diz a artista:
Um dia passo os olhos à volta e descubro o corpo-paisagem da terra-mãe. Regado de neblina, húmido, coberto de uma pelagem leve e verde no ventre feito de outeiro e os seios de colinas, ondula tranquilo, curva após sulco, repetido em formas, desdobrado em texturas.Foi ver uma realidade que se multiplica na transformação que sofre no tempo e no espaço, alongada na irrecusada forma de se dar, reproduzindo o círculo genético comum às mulheres e à terra.
Refazer o que já estava feito, torná-lo só mais evidente, dar em objecto limitado o que desde sempre nos foi oferecido de forma plena e extensa, esse corpo vivo, em movimento, gerador e fecundado.
De um anterior projecto de jardim, integrado em outras zonas de passeio e lazer, executei recentemente uma obra de dimensões mais pequenas, como que um bloco de passagem arrancada à natureza, transportado para uma sala de exposições. Hoje executei a ideia inicial, na dimensão adaptada a um espaço exterior, integrando-a no terreno e tendo em conta todos os condicionamentos do meio em que iria viver (in E. M. de Melo e Castro 1977: s/p)[20].
Estas obras, realizadas em 1977, seguiram-se a uma pesquisa de matriz neo-dada intitulada D(eu)s[21], de 1975 (o diálogo com Prière de Toucher, escultura da autoria de Marcel Duchamp datada de 1947 é inevitável)[22], sugerindo claramente que qualquer exploração da temática de uma identidade feminina a partir de uma estratégia visual teria que se desenvolver tendo em consideração uma dimensão háptica da obra de arte, dimensão aliás bem expressa no substrato estético do dadaísmo, como bem comprovou Janine Mileaf (Mileaf 2010). O tríptico (madeira, aço, pergaminho e cabelo) remete já para os elementos do corpo feminino que vemos nas obras de 1977, os seios e o púbis, não nos permitindo também esquecer que um substrato arqueológico (através do recurso ao pergaminho para assumir a função de pele, por exemplo) nos sugere a possibilidade de organicidade da obra mas também, e simultaneamente, a capacidade de o corpo ser permanentemente alvo de (re)escrita na obra de Menéres (que também vamos encontrar em Hatherly, por exemplo, embora neste caso ao nível da palavra).
Podemos assim afirmar que o processo de genderização encontra ressonância nas liminaridades espaciais destas obras, cujas formas partem de estruturas estéticas modernistas para se aventurarem na construção de espacialidades outras que definiríamos como particularmente produtivas do ponto de vista feminista. De facto, o confronto com o espaço público (exemplo da Mulher-Terra-Viva de Clara Menéres), ou a utilização desse espaço no contexto material da obra e na delimitação do espaço expositivo, é central da definição de uma espacialidade genderizada. Tal sucede com Descolagens da Cidade ou Revolução, mas também na incursão por temáticas macro-políticas a partir de uma localização que é a do corpo feminino no caso de Jaz morto e arrefece o menino de sua mãe (1973)[23], escultura através da qual Clara Menéres confronta a difícil temática da Guerra Colonial e das suas consequências partindo da localização da mãe do soldado. Contrastando com a realidade dos soldados mortos que chegavam a casa dentro de uma caixão, des-identificado, anulado na abstração da caixa que continha um corpo, neste caso Menéres inverte a espacialidade que separa a vida da morte, confrontando-nos com uma violência quase palpável, e de certa forma sensual, uma violência inscrita num corpo-escultura, cuja epiderme ensanguentada parece querer mostrar-se à frieza do aço que o sustenta e eleva, como que nos fazendo lembrar que a escultura é, e sempre foi, acima de tudo corpo. Nesta escultura hiper-realista, cujo título convoca versos de Fernando Pessoa, na qual se retrata um jovem vestido com farda militar, Menéres convoca a figura da mãe através da sua invisibilidade: "O que mais me impressionava na Guerra de África era a morte escondida, os caixões que vinham de barco, descarregados de noite em Lisboa e recebidos apenas por familiares próximos, pelas mães que nesse momento assumiam a eterna figura da Pietà", refere a escultora (Menéres 2000).
Todas as expressões de espacialidade aqui convocadas tratam de diferentes ocupações/habitações femininas de espaços tradicionalmente masculinos, quer se trate de espaço públicos como as ruas, o espaço semiótico da publicidade, o jardim ou a galeria, ou de espacialidades estéticas – a caixa, a grelha – que manifestam sensibilidades alternativas à sua expressividade modernista. Estas espacialidades são assim vividas através da sua dimensão estética, óptica e háptica, e também através de uma disrupção de sentidos pelas micro-sensações introduzidas nestes gestos macro-políticos construtores de heterotopias.
Podemos servir-nos das diversas matrizes formais e conceptuais até aqui explanadas para inferir não só acerca dos ecos feministas que estas obras produzem, mas também acerca da forma como esses ecos são materializados através de linhas, de marcas, de demarcações, as quais, no entanto, se caracterizam por uma mobilidade que nos é estranha. Podemos dizer que cada uma das linhas que demarcam o limite de cada pedaço de cada colagem, ou de cada objeto de uma assemblagem, podem funcionar como uma moldura, e essa moldura por sua vez como um elemento serial que abre a obra a uma espacialidade infi ta – cosmos, portanto – dirimindo, anulando mesmo, as fronteiras entre o espaço de representação e o espaço do real, cuja percepção se corporaliza. Sem fronteiras sensitivas e perceptivas, portanto, estes espaços são feministas no sentido em que permitem essa multiplicidade, apenas possível numa relação directa e efectiva com os corpos, das mulheres e das artistas, e não só com a sua representação, pois "o feminismo e a arte feminista insistiram na importância do género como princípio ordenador do social e também na política da dominação que irrompe por toda a vida social, quer pessoal, quer pública" (Rosler 1983: 182). Enquanto a consciência política feminista impeliu a realização de arte feminista, a relação entre política e arte não se conforma com uma lógica linear de causa e efeito" (Phelan 2007b: 361). As artistas entram assim no espaço público porque deixa de haver divisão dos espaços sociais; a obra, enquanto espaço social ela própria, participa desta movimentação ideológica em torno das espacialidades através da utilização de dispositivos e de processos que são, apesar de tudo, historicamente interligados ao passado e à história do modernismo pois, como nota David Summers "(...) as divisões dos espaços sociais, desde exemplos mais antigos até aos mais recentes, frequentemente se alinham com distinções gramaticais de género e por isso contribuem das formas mais básicas para a concretização das defi es da sexualidade em concreto, espaços reais de acesso, inclusão e exclusão" (Summers 2003: 24) (sublinhado nosso).
Referências
Acciaiuoli, Margarida (2001), ‘KWY: a revista, as edições e o grupo’, KWY: Paris 19581968, Lisboa: Fundação Cultural de Belém, Assírio e Alvim. [ Links ]
Butler, Cornelia (ed.), (2007), WACK! Art and the Feminist Revolution, Los Angeles: MOCA e MIT Press. [ Links ]
Castro, E. M. de Melo e (ed.), (1977), Representação Portuguesa à XIV Bienal de S. Paulo, S. Paulo: MNE/SEC/SNBA/AICA/FCG. [ Links ]
Celant, Germano (2000), Andy Warhol. A Factory, Porto: MACS. [ Links ]
Chicó, Sílvia (1977), Artistas Portuguesas, Lisboa: SNBA. [ Links ]
Couceiro, Gonçalo (2004), Arte e Revolução 1974-1979, Estudos de Arte; Lisboa: Livros Horizonte. [ Links ]
Deutsche, Rosalyn (1998), Evictions. Art and spatial politics, Cambridge e Londres: The MIT Press. [ Links ]
Dias, Francisco da Silva e Rui Mário Gonçalves (1985), 10 Anos de Artes Plásticas e Arquitectura em Portugal 1974-1984, Lisboa: Editorial Caminho. [ Links ]
Fer, Briony (1997), On Abstract Art (2000 ed.); New Haven e Londres: Yale University Press. [ Links ] França, José-Augusto (1977), ‘Warhol, Nadal e Cª.’, Diário de Lisboa, Folhetim Artístico, 27 de Julho. [ Links ]
Grosz, Elizabeth (2001), Architecture from the Outside: Essays on Virtual and Real Space, Cambridge, Massachussets: Massachussets Institute of Technology. [ Links ]
Hatherly, Ana (1968), Eros Frenético, Lisboa: Moraes Editores. [ Links ]
Hatherly, Ana (1975), A Reinvenção da Leitura, Lisboa: Editorial Futura. [ Links ]
Hatherly, Ana (1992), Obra Visual 1960-1990, Lisboa: Centro de Arte Moderna Fundação Calouste Gulbenkian. [ Links ]
Hatherly, Ana (2005), Dessins, collages, papiers peintes, Centre Culturel Calouste Gulbenkian, Paris: Fundação Calouste Gulbenkian. [ Links ]
Hatherly, Ana (2009), Obrigatório não Ver, Lisboa: Quimera. [ Links ]
Jorge, João Miguel Fernandes (1995), Abstract & Tartarugas. Luz e Sombra Visível, Lisboa: Relógio D’Água. [ Links ]
Listopad (1977), ‘Alternativa sem Alternativa’, Expresso, 25 de Março. [ Links ]
Mcdonough, Thomas F. (1994), ‘Situationist Space’, October, 67 (Winter), 58-77. [ Links ]
Macedo, Ana Gabriela (2010), Paula Rego e o poder da visão. A minha pintura é como uma história interior, Lisboa: Cotovia. [ Links ]
Melo, Alexandre (2007), Arte e Artistas em Portugal (Lisboa: Instituto Camões/Bertrand Editora). [ Links ]
Menéres, Clara (2000), (Auto) – Retrato, Faces de Eva, Revista de Estudos sobre a Mulher, Lisboa: FCSH/UNL, 4, p.159-164. [ Links ]
Mileaf, Janine (2010), Please Touch: Dada and Surrealist objects after the ready-made, New England: University Press of New England. [ Links ]
Nadal, Emília (1980), Embalagens para produtos naturais e imaginários liofilizados (TS, Lisboa), arquivo particular de Emília Nadal . [ Links ]
Nochlin, Linda (2010), ‘Running on Empty: Women, Pop and the Society of Consumption’, in Sid Sachs e Kalliopi Minioudaki (eds.), Seductive Subversion: Women Pop Artists 1958-1968, Nova Iorque, Londres e Filadélfia: University of the Arts Philadelphia e Abbeville Press Publishers, 12-17. [ Links ]
Oliveira, Márcia (2010), A ‘escrita-corpo’ de Ana Hatherly: "Poema d’Entro" e "Rotura", XI Colóquio de Outono. Estudos performativos, 75-85, Vila Nova de Famalicão: Ed. Húmus. [ Links ]
Pareyson, Luigi (1988), Conversaciones de Estética, A. Machado Libros. [ Links ]
Rego, Paula (1962), ‘Pedido de Subsídio de Investigação’, Lisboa: Arquivo FCG. [ Links ]
Rego, Paula (1963), ‘Relatório de Subsídio de Investigação’, Lisboa: FCG. [ Links ]
Rodrigues, Julieta A. (1977), ‘A mulher portuguesa urbana: que mito, que realidade?’, in Sílvia Chicó (ed.), Artistas Portuguesas, Lisboa: SNBA, 29-31. [ Links ]
Rosler, Martha (1983), ‘The Figure of the artist, the figure of the woman’, in Sid Sachs e Kalliopi Minioudaki (eds.), Seductive Subversion: Women Pop Artists 1958-1968 (2010 ed.); Nova Iorque, Londres e Filadélfia: University of the Arts Philadelphia e Abbeville Press Publishers, 176-90. [ Links ]
Sachs, Sid e Minioudaki, Kalliopi (eds.) (2010), Seductive Subversion: Women Pop Artists 1958-1968, Nova Iorque, Londres e Filadélfia: University of the Arts, Philadelphia e Abbeville Press Publishers. [ Links ]
Silva, Raquel Henriques da, Candeias, Ana Filipa, e Ruivo, Ana (2007), 50 Years of Portuguese Art, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. [ Links ]
Sousa, Ernesto de (1977), ‘Balanço da "Alternativa Zero"’, Colóquio Artes, Outubro (34). [ Links ]
Sousa, Ernesto de (1998), Ser Moderno... em Portugal, Lisboa: Assírio & Alvim. [ Links ]
Summers, David (2003), Real Spaces. World Art History and the Rise of Western Modernism, Londres: Phaidon. [ Links ]
Perniola, Mário (2005), A arte e a sua sombra, trad. Armando Silva Carvalho, Lisboa: Assírio & Alvim. [ Links ]
Pinharanda, João Lima (2003), ‘Imagem-Acção’, in Ana Hatherly, A Mão Inteligente, Lisboa: Quimera Editores. [ Links ]
Pinharanda, João (2011), ‘Algumas Faces de um Cristal’, in Emília Nadal, Tudo o que acontece, Cascais: Centro Cultural de Cascais/Fundação D. Luís I. [ Links ]
[Submetido em 16 de junho de 2014 e aceite para publicação em 18 de setembro de 2014]
Notas
[1]O contexto artístico do período pós-revolução em Portugal foi particularmente marcado pelas acções de rua, das quais se destaca o Mural do 10 de Junho (painel de 24 x 4,5 m), realizado colectivamente por diversos artistas do Movimento Democrático de Artistas Plásticos. Rui Mário Gonçalves e Francisco da Silva Dias destacam a proeminência das ações coletivas no período entre 1974 e 1984, fruto do ambiente e acção políticos que se manifestavam na altura. Para além do mural, destaca-se a apropriação dos muros das cidades, utilizados sobretudo como veículos de propaganda política, e a invasão do Palácio Foz, no dia 28 de Maio de 1974: "No happening que assim aconteceu (…) proclamou-se que «a arte fascista faz mal à vista», frase construída por Vespeira". Rui Mário Gonçalves e Francisco da Silva Dias, 10 Anos de Artes Plásticas e Arquitectura em Portugal 1974-1984 (Lisboa: Editorial Caminho, 1985), p. 27.
[2]Enquanto o grupo ACRE (criado em 1974 pelos escultores Queiroz Ribeiro e Clara Menéres e pelo pintor Lima de Carvalho) se assumia como um grupo de guerrilha estética urbana, já o Puzzle "com actividade entre 1975 e 1980, optou por questões ligadas à função social do artista". Alexandre Melo, Arte e Artistas em Portugal, p. 54. Como salienta Alexandre Melo, a actividade de artistas organizados em colectivos manifesta uma larga influência do Movimento Fluxus (fruto também do empenho do operador estético Ernesto de Sousa), sendo também "marcada pelo ambiente de festa e utopia próprio do contexto socio-político". Ibidem, p. 53. Em Agosto de 1974, o Grupo Acre realizou a sua primeira acção de guerrilha urbana, realizando uma calçada da Rua do Carmo (Lisboa) composta por "uma malha de círculos de duas dimensões e cores ácidas, através das quais o grupo pretendia demarcar-se da gama cromática elegida pela maior parte dos partidos políticos da época, o vermelho e o preto". Anos 70 Atravessar Fronteiras (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009), p. 116. No âmbito da difusão de diversos textos que o grupo designava como "Decretos-Lei", lançaram também a acção intitulada Diploma de Artista, distribuído na Galeria Opinião (cf. Gonçalo Couceiro, Arte e Revolução 1974-1979. Estudos de Arte; Lisboa: Livros Horizonte, 2004, p. 37).
[3]A norte-americana Martha Rosler construiu uma reflexão feminista a partir do contexto macropolítico com a série de foto-montagens Bringing the War Home: House Beautifull (1967-72), linguagem adoptada porque, como nota a própria artista, "uma montagem fotográfica rompe a noção do real utilizando material fotográfico, o que apela mais intimamente às pessoas". Cornelia Butler (ed.), Wack! Art and the Feminist Revolution (Los Angeles: MOCA e MIT Press, 2007), p. 290. Cleaning the Drapes mostra uma dona de casa a aspirar os cortinados, por detrás dos quais surge uma cena de campo de batalha; em First Lady a autora utiliza a mesma estratégia de montagem para mostrar, em primeiro plano, uma fotografia oficial da primeira dama norte-americana Nancy Reagan no ambiente doméstico, no qual se encontra disposta, por cima da lareira, uma moldura cuja pintura foi substituída pela imagem de uma vítima (mulher) baleada.
[4]Pareyson nota a diferença entre contemplação e consumo, já que este, por inerência do próprio conceito, implica a destruição do objecto. Cf. Luigi Pareyson, Conversasiones de Estética (A.Machado Libros, 1988).
[5]É importante notar não só o anacronismo de Emília Nadal relativamente ao fenómeno Pop norte-americano (aliás notado por José-Augusto França, que alinha o contexto português com estratégias mais em sintonia com o neo-realismo europeu), mas também a diferença de base relativamente à abordagem do mecanismo plástico. Enquanto "a parte mais importante da obra de Warhol consiste (…) na elaboração de uma ‘estratégia’ da imagem e ocupa-se do consenso e da adesão, do poder e da promoção" [Germano Celant, Andy Warhol. A Factory, (Porto: MACS, 2000), s/p], esta fase da obra de Nadal alinha-se mais com as bases de uma artista como Martha Rosler no seu confronto permanente entre linguagens da cultura popular, ideologia e conflito e papéis sociais, nomeadamente no que diz respeito ao papel da mulher relativamente a estes discursos. É ainda de salientar o trabalho de revisão histórico que tem vindo a ser feito no sentido de desmistificar o movimento e a sua estrutura aparentemente masculina. Neste sentido, confrontar Sid Sachs e Kalliopi Minioudaki (eds.), Seductive Subversion: Women Pop Artists 1958-1968 (Nova Iorque, Londres e Filadélfia: University of the Arts Philadelphia e Abbeville Press Publishers, 2010).
[6]Vulgarmente conhecido como PREC: Processo Revolucionário em Curso. Período de transição entre a Revolução de 25 de Abril e a aprovação da Constituição da República Portuguesa em 1976 marcado por um conjunto de actividades revolucionárias, aos níveis político, social e cultural.
[7]Sousa refere-se a Lucio Fontana.
[8]Com realização, imagem e montagem da autoria de Ana Hatherly e sonorização da autoria de Alexandre Gonçalves.
[9]Esta espacialidade vivida [lived spatiality] representa, para Grosz, um espaço exterior [outer space] que é de natureza cultural. Sendo o "corpo um dos primeiros produtos socioculturais, este envolve a problematização de uma série de oposições binárias e de categorias dicotómicas que dominam a forma como entendemos os corpos e as suas relações com outros objectos e o mundo". Grosz, Elizabeth, Architecture from the Outside: Essays on Virtual and Real Space (Cambridge, Massachussets: Massachussets Institute of Technology, 2001), p. 31. Como Grosz, entendemos o corpo com um destes espaços exteriores, espaço de profundidade, interioridade e exterioridade, mas tomamos a obra de arte no mesmo sentido.
[10]Na exposição intitulada Desenho e Pintura sobre Papel. Anos 60 e 70, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Junho-Setembro de 2005.
[11]Como nota a própria artista, em entrevista com Ana Vasconcelos e Melo, estes "(…) pequenos trabalhos, fortemente coloridos, que realizei na época (…) não passaram de uma experiência feita por minha iniciativa, sem qualquer intenção de difusão. Eles correspondem a uma natureza exploratória da possível relação entre a imagem, a cor e a escrita enquanto meio de representação visual, mais próximos da Pop Art do que do Concretismo ortodoxo da altura". Ana Hatherly, ‘Dessins, Collages, Papiers Peintes’, Centre Culturel Calouste Gulbenkian, (Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005), p. 7. Numa outra entrevista, transmitida no programa Magazine – Artes Plásticas (RTP2), Hatherly refere que se tratam de trabalhos mais pessoais nos quais se refletem as suas experiências pessoais de forma mais evidente: "É um trabalho que não é trabalho. É a minha maneira pessoal de me distrair e também de confiar alguns segredos porque eles têm muitas passagens escritas de uma maneira ilegível, porque é tão pequeno que mesmo com lupa é difícil ler. Digamos que é como se fosse um diário íntimo". Acerca da importância do contexto social e cultural da época em que estes trabalhos foram realizados, diz ainda Hatherly que esta "era uma época extremamente turbulenta e interessante e criativa, porque nos anos 60 e parte dos 70 em Inglaterra era uma época verdadeirametne emocionante para se viver e eu quando era jovem também vivi emocionadamente essa época". Entrevista a Márcia Oliveira emitida na RTP2 a 8 de Março de 2005 no programa Magazine Artes Plásticas (Ideias e Conteúdos, 2005).
[12]Como complemento do entendimento entre esta relação de intimidade entre leitor e escritor, que pode dizer-se concomitante à relação palavra/imagem, veja-se A Reinvenção da Leitura, livro no qual Hatherly apresenta um "breve ensaio seguido de 19 textos visuais". Ana Hatherly, A Reinvenção da Leitura (Lisboa: Editorial Futura, 1975).
[13]Podemos dizer que as obras são, na maior parte destes casos, os próprios espaços habitados pelos corpos.
[14]Bombeiros de Alijó (1966) e o Regicídio (1965) fazem todos comentário político e social reportando-se normalmente a acontecimentos específicos que, de uma forma ou outra, marcaram a artista. Regicídio, por exemplo, surge através do Republicanismo do avô de Paula Rego, enquanto Os Bombeiros de Alijó refere-se à situação de pobreza dos bombeiros voluntários da vila de Alijó, a qual a artista presenciou durante uma visita àquela vila que integra a região demarcada do Douro.
[15]No relatório realizado na sequência do subsídio de investigação concedido pela Fundação Calouste Gulbenkian, Paula Rego nota que "os meus quadros ganharam uma liberdade de formas e de cor que não tinham". Paula Rego, ‘Relatório de Subsídio de Investigação’.
[16]Em Evictions, Rosalyn Deutsche salienta as estruturas ideológicas de esquerda que assumem as questões de classe como único antagonismo da sociedade, refutando a ideia de que o Marxismo tem a capacidade de resolver a subordinação de género: "Ao afirmar notar uma base absoluta de unidade social, Harvey tem que negar o reconhecimento da contribuição política de uma arte informada pelo feminismo nas teorias da representação. Isto porque as feministas analisaram a imagem fundadora da sociedade como uma ficção composta por sujeitos impulsionados pelo desejo de rejeitar a sua própria condição parcial e fragmentária". Rosalyn Deutsche, Evictions. Art and Spatial Politics (Cambridge e Londres: The MIT Press, 1998), p. xx.
[17]Esta representação de uma mulher em três posições (a apertar o soutien, a prender a meia de liga e a pentear-se) remete para uma prostituta, pela referência à Rua do Almada, zona de prostituição no Porto, cidade onde Clara Menéres vivia. No entanto, esta referência à prostituição era menos localizada e mais lata, remetendo para a situação da mulher na sociedade da época e, em particular, o seu papel no casamento: "cedo me apercebi de que, para a mulher, a questão sexual era a chave da sua condição. Nesse sentido, e na época, toda a mulher era colocada na posição de prostituta pela dependência social e económica a que era sujeita. Compreendi que estas infelizes mulheres e as outras, as "sérias", pertenciam ao mesmo sistema de catalogação produzido pela sociedade masculina. Eram julgadas pela mesma tabela de pesos e medidas, colocadas em cada um dos pratos da mesma balança e, por esse facto, irmanadas na mesma sujeição. Esta escultura foi exposta em 1969 no Museu de Amarante e retirada pouco tempo depois, devido a um abaixo-assinado de senhoras dessa vila que consideraram a peça atentatória da moral pública. Só voltou às salas do mesmo museu, em meados dos anos 90" (Menéres 2000).
[18]Embora sejam inevitáveis as referências à Land Art, e à influência que este movimento artístico exerceu sobre esta obra de Clara Menéres e a sua obra de cariz público, é necessário ressalvar as devidas distâncias entre ambas as manifestações artísticas. De facto, esta obra de Menéres destaca-se mais pelas diferenças de alguns dos paradigmas da Land Art, sobretudo porque aborda uma perspectiva da natureza mais em sintonia com a pesquisa de Ana Mendieta, na sua dimensão ritual de aproximação à natureza. Grass Grows (1968), monte de terra no qual sementes de relva são deixadas a germinar, de Hans Haacke, e Le petit Espace Vert (1970), trabalho em esmalte sobre plexiglass e pêlo sintético da autoria de Evelyne Axell, são duas obras que podem ser confrontadas e colocadas em diálogo com esta peça de Menéres.
[19]Ernesto de Sousa responde a Jorge Listopad que, em artigo sobre a exposição Alternativa Zero, publicado no jornal Expresso, escreveu: "Alguém, sem cantar (é pena), aparava a relva do púbis (a natureza não descansa nem enquanto vocês dormem, a segunda natureza, a arte, idem)". Jorge Listopad, ‘Alternativa Sem Alternativa’, Expresso, 25 de Março, 1977.
[20]No mesmo volume, e integrando o conjunto de artistas que constitui a representação portuguesa à XIV Bienal de São Paulo, estão publicadas as Notas para um Manifesto de Arte Ecológica de Alberto Carneiro. No entanto, e apesar do trabalho significativo de Carneiro neste âmbito, salientamos as diferenças de base que distinguem a sua pesquisa daquela realizada por Menéres em Mulher-Terra-Viva, da mesma forma que achamos mais produtivo procurar linhas de leitura que não se relacionam directamente com o movimento da Land Art. Sobre este manifesto cf. E. M. de Melo e Castro (ed.), Representação Portuguesa à XIV Bienal de S. Paulo (S. Paulo: MNE/SEC/SNBA/AICA/FCG, 1977).
[21]Esta peça foi apresentada em 1975 na exposição Figuração-Hoje?, apresentada na SNBA em 1975.
[22]O espaço é um conceito determinante não só no contexto do dadaísmo mas também do situacionismo, desenvolvido no contexto europeu. Thomas F. Mcdonough destaca precisamente a centralidade do espaço na actuação dos Situacionistas a partir da publicação de um mapa da cidade de Paris intitulado The Naked City: "o mapa funcionava quer como resumo de muitas das preocupações partilhadas pelas três organizações [MIBI – Mouvement internationale pour un Bauhaus Imaginiste, Internacional Letriste e a Psycogeographical Society of London] sobretudo no que diz respeito à construção e percepção do espaço urbano, e como forma de demonstração das direcções que viriam a ser exploradas pela Internacional situacionista nos anos subsequentes". Thomas F. Mcdonough, ‘Situationist Space’, October, 67/Winter (1994), 58-77, p. 60.
[23]Esta obra foi apresentada pela primeira vez em 1973 na Exposição 73 (SNBA, Lisboa, 1973).