1. Introdução
A Gramática das Criancinhas foi publicada, pela primeira vez, no ano de 1921, sendo da autoria de Virgínia Faria Gersão (1896-1974). Esta mulher destacou-se no panorama cultural português da época, pois teve um papel bastante ativo em diversas áreas de atuação (Coelho & Fontes, 2021). No âmbito do ensino, ao qual dedicou toda a sua vida, foi “[...] uma brilhante professora e educadora dos ensinos primário, normal e secundário, tendo dedicado grande parte da sua vida profissional ao ensino e à cultura no Liceu Infanta D. Maria, em Coimbra” (Pinheiro, 2004, p. 86). O seu espírito ativo não se reduziu à sua participação na vida do liceu, mas ultrapassou largamente estes domínios, tendo sido deputada à Assembleia Nacional entre os anos de 1945 e 1949, facto que é de destacar pois, durante o Estado Novo, foram poucas as mulheres que tiveram assento na Assembleia. 1Nos seus discursos, debateu-se afincadamente sobre as questões do ensino, condenando o excesso de esforço e sobrecarga exigidos aos alunos, a desadequação dos programas de ensino, assim como o excessivo número de horas que as crianças passavam nas escolas, impossibilitando-as de brincar e despender tempo com as suas famílias. Esta preocupação com o ensino levou-a a construir materiais pedagógicos inovadores, que pudessem satisfazer as necessidades dos pequenos aprendizes e se coadunassem com os movimentos que na época agitavam o ideário educativo. Movida por este objetivo, escreveu A Geometria das Criancinhas (1933) e A Gramática das Criancinhas (1921), textos que se caracterizam pelo seu forte pendor pedagógico e que mais tarde foram adaptados e publicados na revista Os Nossos Filhos (Pessoa, 2005).
No âmbito do presente estudo, interessa-nos particularmente a segunda obra, que tem um carácter inovador, pois a autora apresenta a gramática de uma forma original e motivadora, conferindo à criança um papel central e ativo na aprendizagem. Para além de se tratar de um texto redigido e estruturado num estilo completamente diferente das tradicionais gramáticas, destaca-se ainda o facto de ter sido escrito por uma mulher, numa época em que a participação feminina na produção de textos gramaticais era quase inexistente. Note-se que, nas duas primeiras décadas do século XX, há apenas registo de outra autora feminina a produzir gramáticas portuguesas.
Atendendo ao enunciado e tendo em conta que A Gramática das Criancinhas foi publicada inicialmente em formato de livro e posteriormente adaptada e publicada na revista Os Nossos Filhos, dois formatos diferentes e com um público-alvo necessariamente diferente, considerou-se de maior interesse e utilidade elaborar uma edição desta obra, permitindo ao público em geral aceder mais facilmente a estes dois textos, que são pouco conhecidos, divulgados e estudados. No presente artigo, pretende-se dar conta deste projeto de edição, apresentando o texto nos seus diversos formatos, o percurso editorial por que a obra passou, documentado por fontes primárias do punho da própria autora, assim como registar alguns exemplos do que distingue os dois textos.
2. A Gramática das Criancinhas e A Gramática no País das Formigas: percurso editorial
A Gramática das Criancinhas (Figura 1) foi publicada inicialmente em formato de livro e posteriormente em artigos na revista Os Nossos Filhos. Estes dois tipos de publicação implicaram alterações diversas, não só ao nível do título, mas também na estrutura e conteúdo apresentados.
No que diz respeito à edição em livro, esta obra contou com duas edições, datando a primeira de 1921 e a segunda de 1932. 2 A primeira edição foi publicada pela Imprensa da Universidade de Coimbra, com um formato de 24 cm e conta com XII, 132 páginas. A segunda edição é da chancela da Livraria Gonçalves, possui um formato de 21 cm e tem XVI, 144 páginas. As duas edições são dedicadas ao seu sobrinho, Carlos Augusto Gersão Ventura (1916-1992), filho da sua irmã Augusta Faria Gersão Ventura e antigo professor da Escola Secundária de Avelar Brotero, em Coimbra.
Como a própria autora menciona na 2.ª edição desta obra, A Gramática das Criancinhas (Figura 2) foi redigida com o propósito de se constituir como a sua dissertação para o Exame de Estado do Curso de Habilitação para o Magistério Normal Primário. Virgínia Gersão ingressou na Escola Normal Primária de Coimbra em 1911, tendo concluído esta formação em 5 de agosto de 1914, com a nota máxima de 20 valores, como se pode confirmar no Livro de termos - exames da Escola Normal para o sexo feminino em Coimbra (1905-1914) (Arquivo da Escola Superior de Educação de Coimbra [AESEC], 1915), o que é revelador da sua competência académica (Fontes & Coelho, 2022b, p. 4). É de destacar que, desde muito cedo, a autora manifestou uma preocupação com o ensino da gramática, revelando um espírito crítico e inconformista relativamente às práticas tradicionais de ensino e, por consequência, procurou criar novos materiais pedagógicos que assegurassem uma maior eficácia na aprendizagem.
A criação desta obra valeu-lhe os elogios de importantes figuras da época, entre os quais se destacam os de Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1951-1925) e de Joaquim Mendes dos Remédios (1867-1932), que são reproduzidos nos paratextos impressos da segunda edição. O primeiro dos paratextos é uma carta datada de 11 de novembro de 1921 (Figura 3), da autoria de Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1951-1925), que foi professora de Filologia Portuguesa de Virgínia Gersão na secção de Filologia Românica na Escola Normal Superior da Universidade de Coimbra. A autora enviou a gramática a Vasconcelos3 para que esta a pudesse apreciar e comentar, o que resultou no excerto que se segue:
Também o seu antigo professor de Literatura Portuguesa, diretor da Faculdade de Letras e Reitor da Universidade de Coimbra, Joaquim Mendes dos Remédios (Figura 4), elogia quer a ideia da conceção desta obra quer a sua execução:
Não se pode descurar o facto de que simplificar uma matéria complexa era uma tarefa difícil e que exigia uma grande capacidade por parte da autora. A este propósito, veja-se o que refere António Cândido de Figueiredo (1846-1925), que também redigiu uma gramática destinada à primeira infância: “Eu sei que é difícil escrever para crianças, porque difícil é escrever com simplicidade e naturalidade, embora aos leigos se afigura o contrário” (Figueiredo, 1925, p. 6).
Estes paratextos introdutórios não surgem na primeira edição, assim como a errata que se pode encontrar no final do livro. Quanto ao conteúdo gramatical propriamente dito, é o mesmo nas duas edições, encontrando-se organizado em 26 lições, não coincidindo no número de páginas, o que se justifica pelo diferente formato editorial adotado.
Para além da publicação desta obra em formato de livro, a gramática foi ainda “completamente revista, ampliada e actualizada” (A Gramática no País das Formigas, 1954, p. 8) pela autora para ser publicada na revista Os Nossos Filhos, de 1954 a 1958, sob o título de A Gramática no País das Formigas (Figura 5), acompanhada de ilustrações da autoria de Vera Bordalo Pinheiro.
A colaboração de Virgínia Gersão nesta revista iniciou-se em 1942 a convite da diretora da mesma, Maria Lúcia Vassalo Namorado4 (1909-2000), que pretendeu criar uma revista de educação feminina produzida num contexto de resistência ao Estado Novo (Pessoa, 2016, p. 97), destinada a mulheres da classe média, de forma a esclarecê-las acerca de diversos temas.
A Gramática no País das Formigas começou a ser publicada em fevereiro de 1954, no número 141 da revista, e a sua autora acompanhou sempre todo o processo de forma muito próxima, dedicada e cuidadosa, evidenciando bastante rigor e profissionalismo, como se pode confirmar através dos documentos existentes no espólio de Maria Lúcia Namorado. Entre esses documentos, encontram-se partes das lições revistas pelo punho da própria autora, com anotações diversas que nos permitem confirmar as alterações introduzidas na versão impressa na revista. 5 Segue-se um exemplo retirado das provas da segunda lição (Figura 6):
Entre os documentos do espólio de Maria Lúcia Namorado, encontra-se muita correspondência trocada entre ambas que nos permite perceber o grau de intervenção que Virgínia Gersão teve em todo o processo editorial. São vários os momentos em que refere o cuidado que teve na reelaboração das lições, o tempo despendido e a reflexão em torno dos próprios conceitos gramaticais abordados, como se comprova no excerto que se segue (Figura 7):
[Minha querida Maria Lúcia: Perdoe o papel. Aqui vai uma lição que me absorveu todo este domingo, por não concordar com o que tinha sobre o assunto nem com nenhuma gramática que conheço.] (Transcrição das autoras)
Apesar da distância física (Lisboa-Coimbra) que as separava, Virgínia Gersão nunca descurou a revisão de todo o texto, aludindo em muitas cartas à necessidade de correção de diversos aspetos no texto, que vão desde questões de conteúdo a aspetos ortográficos e de estilo(Figura 8):
[Na pág. 2 são, portanto, as 6 últimas linhas do papelito que a Maria Lúcia fará favor de pôr a substituir as que lá tem; na pág. 3 faltava a palavra portuguesas (na chaveta 2), e na chaveta 3 tirei um mas a seguir a olha. Enfim, apesar do barulho que me cerca, creio que me faço entender. O que vai nas chavetas é para substituir o equivalente que a Maria Lúcia lá tem. Toda a história d’O Gafanhoto leva alteraçõezitas, nas págs. 15 e 16. Às vezes trata-se só de pontuação diferente]. (Transcrição das autoras)
Um cuidado muito especial que a autora teve prendeu-se com as ilustrações que deviam acompanhar cada uma das lições da gramática, aspeto que considerava muito importante. Como tal, apresenta com bastante pormenor sugestões do que as ilustrações devem representar, tendo o cuidado de que estas coadjuvem a mensagem transmitida pelo texto (Figura 9).
[Na indicação duma das figuras, em que falava dum céu estrelado, talvez seja melhor não pôr as constelações mas só uma estrelita ou outra, visto que eu digo que “no céu começavam a brilhar as primeiras estrelinhas”. (É a última figura da 6.ª Lição).] (Transcrição das autoras)
A publicação da gramática na revista Os Nossos Filhos teve um bom acolhimento, havendo registo, na correspondência, de vários pedidos da coleção completa da gramática.
3. A Gramática das Criancinhas e A Gramática no País das Formigas: Edição
O projeto de edição de A Gramática das Criancinhas tem o propósito de divulgar e tornar acessível aos investigadores e público em geral este texto pouco conhecido e que apresenta uma abordagem inovadora. Estamos perante uma publicação destinada à primeira infância, visando, portanto, um público-alvo bem delimitado e com características específicas, que se pretendeu constituir claramente como uma rutura com os manuais didáticos existentes e com a forma como o aluno encarava a gramática:
E é tam profunda a antipatia que todos os alunos sentem por êsse livro, cujo valor não compreendem, que eu acho indispensável que asprimeiras noções de Gramáticasejam ensinadas brincando, com um ensinoracional,explicando a razão dos termos adoptados, esugestivo,falando de coisas que os interessem mais, relacionadas com estas lições. (Gersão, 1932, p. XII).
Não foram muitos os autores que se interessaram por construir este tipo de materiais, por um lado, porque a tarefa, apesar de uma aparente simplicidade, implicava uma grande capacidade de adaptação e simplificação, o que não seria fácil, mas também, por outro lado, porque esta tarefa era considerada por muitos como de menor valor. Cândido de Figueiredo dá-nos conta precisamente desta perspetiva:
Em geral, os gramáticos de mais competência e saber não escreveram para crianças. Homens de ciência, adestrados na técnica da alta filologia, dificilmente baixam da sua elevada esfera, para que os ouçam e os compreendam as pequenas criaturas, que procuram o primeiro ensinamento metódico da arte de falar e escrever sua língua; e o modesto professor, que fala a essas crianças, e a quem não impende a missão do reformador, acata o processo dos sábios (Figueiredo, 1925, p. 5).
Neste contexto, é pertinente e interessante uma comparação com outras obras congéneres, que surgiram num período muito próximo, de modo a perceber se existem diferenças e se os autores destas gramáticas adaptaram verdadeiramente as suas obras ao público-alvo a que se destinavam. Um exemplo deste tipo de gramáticas é precisamente a do autor supracitado, que publicou, em 1919, A Gramática das Crianças, com o objetivo de simplificar os conteúdos gramaticais, eliminando tudo o que não fosse adequado à capacidade de compreensão dos principiantes na aprendizagem desta área. Tendo em conta a análise realizada por Molina acerca das gramáticas da primeira infância de Jacob Bensabat (1823-1916), Resumo da Grammatica Preparatoria da Infancia por perguntas e respostas (1899), de Augusto Epifânio da Silva Dias (1841-1916), Grammatica Portugueza Elementar (1894), e de António Cândido Figueiredo, Grammatica das Crianças (1925), a investigadora concluiu que estas obras são maioritariamente densas e se detêm em minúcias desnecessárias, “pressupondo um leitor já conhecedor do objeto gramatical” (Molina, 2019, p. 321). Este não é um problema que se verifica em A Gramática das Criancinhas, pois Virgínia Gersão começou desde logo por apresentar uma obra que desconstrói a habitual estrutura de uma gramática e, através de uma narrativa, vai apresentando os conteúdos gramaticais, o que não só se torna mais interessante e motivador, mas também mais fácil e acessível para o aprendente.
Face às características enunciadas, trata-se de uma obra que merece ser divulgada, o que justifica a realização do presente projeto de edição, que futuramente será complementado com a divulgação na base de dados Portugaliae Monumenta Linguistica. 6
Considerando a existência de duas edições impressas em livro, adotou-se na edição o texto de 1932, por se tratar da última versão publicada e revista pela autora, tendo nela introduzido algumas alterações relativamente à primeira. Para o estabelecimento do texto da edição publicada na revista, foram consultados todos os números desde 1954 a 1958 em que foram reproduzidas as lições da gramática.
Com o objetivo de interferir o mínimo possível no texto, corrigindo maioritariamente gralhas, de modo a permitir ao investigador interessado um contacto mais próximo com o texto original, optou-se pela realização de uma edição semidiplomática, que terá por base os seguintes critérios:
manteve-se a grafia original, corrigindo-se, no entanto, formas do texto original consideradas incorretas;
manteve-se a pontuação original;
mantiveram-se as letras maiúsculas ou minúsculas conforme se encontram no texto original, com exceção dos títulos das lições, em que se optou pelo uso de letras minúsculas, forma mais frequente, eliminando-se as oscilações existentes;
d) uniformizaram-se, com recurso a itálico, os destaques existentes ao longo do texto original;
e) não se manteve a paginação conforme o original, no entanto a informação da página original é intercalada no corpo do texto entre parênteses retos.
4. A Gramática das Criancinhas e A Gramática no País das Formigas: Conteúdo e estrutura
Tendo a gramática sido publicada em dois formatos distintos, colocou-se desde logo a necessidade de perceber se a autora procedeu a mudanças no texto e que tipo de alterações foram efetuadas. Uma análise comparativa põe imediatamente em evidência o título escolhido para cada uma das publicações. Na edição em livro, a autora adota o título A Gramática das Criancinhas nas duas edições. Através desta escolha, fica evidente o público-alvo desta obra, sendo a criança colocada claramente no centro de todo o processo, facto que não lhe retira valor e rigor, como a autora reconhece na introdução à obra:
A minha Gramática é destinada às Criancinhas; é feita para elas […]. Engana-se quem julgar - se é que alguém o pode supor - que trato a Gramática irrisòriamente, que brinco com regras quási sagradas, e que num curso muito mais desenvolvido assim brincaria também: não, esta é a Gramática das Criancinhas, a que as há de levar a querer saber a Gramática desenvolvida, a Gramática que as há de ensinar a falar bem (Gersão, 1932, p. XIII).
No título destaca-se ainda o recurso ao uso do diminutivo que nos remete não só para um lado mais afetuoso, que é visível ao longo de toda a obra, mas também reforça a ideia de se tratar de uma gramática destinada à primeira infância.
Na versão publicada na revista Os Nossos Filhos, a autora alterou o título para A Gramática no País das Formigas provavelmente por se tratar de uma narrativa que tem como protagonistas as formigas e por se destinar ao grupo de leitores mais vasto, já não estando em foco apenas as criancinhas.
No que diz respeito à organização interna da obra, a edição de 1932 apresenta dois paratextos iniciais, a dedicatória e a introdução, seguidos de 26 lições dedicadas aos conteúdos gramaticais. A obra finaliza com um índice e uma errata. Na introdução, a autora reflete sobre a importância dos estudos gramaticais, particularmente sobre a metodologia habitualmente adotada pelos professores, destacando a necessidade de se quebrar com um ensino tradicional e baseado na memória, conferindo ao professor um papel importante na concretização desta nova abordagem. Suporta as suas ideias em autores consagrados, como Ferdinand Brunot, Fenélon e Charrier, que cita diretamente na introdução. Estas questões debatidas na introdução não surgem na edição publicada na revista, que começa logo com a publicação da primeira lição.
Apresenta-se, de seguida, uma (Tabela 1) síntese com o elenco das lições constantes nos dois textos:
Tabela 1: Lições de A Gramática das Criancinhas e de A Gramática no País das Formigas.
| A Gramática das Criancinhas | A Gramática no País das Formigas |
|---|---|
| 1.ª LIÇÃO Necessidade de regras gramaticais. Origem da nossa língua | 1.ª LIÇÃO Necessidade de regras gramaticais Origem da nossa língua |
| 2.ª LIÇÃO O Substantivo - Género - Número | 2.ª LIÇÃO O Substantivo Género - Número |
| 3.ª LIÇÃO Breves observações sobre o substantivo. O artigo | 3.ª LIÇÃO Breves observações sobre o substantivo. O artigo |
| 4.ª lição O Substantivo. -(Continuação) | 4.ª lição O Substantivo (continuação) |
| 5.ª Lição O Adjectivo | 5.ª Lição O Adjectivo |
| 6.ª Lição Vantagem de saber ler - O adjectivo. Graus | 6.ª lição Adjectivos - continuação |
| 7.ª Lição Adjectivos (continuação) - O superlativo | 7.ª Lição Adjectivos - Continuação O Superlativo |
| 8.ª Lição A biblioteca da Joaquinita - Numerais | 8.ª LIÇÃO OUTRA DESCOBERTA DA JOAQUINITA SUBSTANTIVOS ABSTRACTOS - PREFIXOS |
| 9.ª Lição O jôgo das bandeirinhas - Pronomes pessoais | 9.ª LIÇÃO A BIBLIOTECA DA JOAQUINITA NUMERAIS |
| 10.ª Lição As descobertas do Joaquim Pronomes pessoais (continuação) | 10.ª LIÇÃO O JOGO DAS BANDEIRINHAS PRONOMES PESSOAIS |
| 11.ª Lição O Joaquim continua a fazer descobertas. Pronomes possessivos | 11.ª LIÇÃO AS DESCOBERTAS DO JOAQUIM PRONOMES PESSOAIS (continuação) |
| 12.ª Lição A matrícula da Aninhas. Pronomes demonstrativos | 12.ª LIÇÃO O Joaquim continua a fazer descobertas PRONOMES POSSESSIVOS E ADJECTIVOS DETERMINATIVOS POSSESSIVOS |
| 13.ª LIÇÃO O ébrio - Pronomes relativos | 13.ª LIÇÃO A MATRÍCULA DA ANINHAS PRONOMES DEMONSTRATIVOS E ADJECTIVOS DETERMINATIVOS DEMONSTRATIVOS |
| 14.ª LIÇÃO Mais descobertas dos dois amigos. Pronomes interrogativos | XIV LIÇÃO O ÉBRIO - PRONOMES RELATIVOS E ADJECTIVOS DETERMINATIVOS RELATIVOS |
| 15.ª LIÇÃO Na escola do Joaquim. Pronomes indefinidos | XV LIÇÃO A CAROCHINHA - PRONOMES INTERROGATIVOS E ADJECTIVOS DETERMINATIVOS INTERROGATIVOS |
| 16.ª LIÇÃO Uma lição do Joaquim - Verbos. Os tempos principais | XVI LIÇÃO NA ESCOLA DO JOAQUIM PRONOMES INDEFINIDOS E ADJECTIVOS DETERMINATIVOS INDEFINIDOS |
| 17.ª LIÇÃO Os alunos do Joaquim começam a gostar dos verbos. Os tempos secundários | 17.ª LIÇÃO Uma lição do Joaquim - Verbos. Os tempos principais |
| 18.ª LIÇÃO Modos - Mais descobertas da Joaquinita. O tema verbal geral | 18.ª LIÇÃO Os alunos do Joaquim começam a gostar dos verbos. Os tempos secundários |
| 19.ª LIÇÃO Tempos compostos. O gerúndio e o adjectivo verbal | 19.ª LIÇÃO MODOS. - MAIS DESCOBERTAS DA JOAQUINITA. O TEMA VERBAL GERAL |
| 20.ª LIÇÃO Advérbios | 20.ª Lição O ADJECTIVO VERBAL E O GERÚNDIO - TEMPOS COMPOSTOS |
| 21.ª LIÇÃO Preposições. O Joaquim resolveu o seu problema | 21.ª LIÇÃO A MICAS E A LILI CONJUGAÇÃO REFLEXA |
| 22.ª LIÇÃO Uma lição de sintaxe feita pela Joaquinita | 22.ª LIÇÃO OS ABORRECIMENTOS DO JORGE E O PRESENTE DO ZÈZITO Conjugação Pronominal |
| 23.ª LIÇÃO Conjunções. As conjunções coordenativas | XXIII LIÇÃO - O D. PERIFÚNCIO - |
| 24.ª LIÇÃO Um bilhete para o Joaquim - Conjunções subordinativas | XXIV LIÇÃO Advérbios - Sufixos |
| 25.ª LIÇÃO Outra lição de Sintaxe. A voz passiva - O nome predicativo | 25.ª LIÇÃO Preposições |
| 26.ª LIÇÃO O casamento do Joaquinita. Interjeições | 26.ª LIÇÃO UMA LIÇÃO DE SINTAXE FEITA PELA JOAQUINITA |
| 27.ª LIÇÃO CONJUNÇÕES As conjunções coordenativas | |
| 28.ª LIÇÃO CONJUNÇÕES SUBORDINATIVAS (Continuação) |
Uma primeira leitura permite-nos desde logo perceber uma diferença no número de lições apresentadas, o que se pode justificar pelo facto de, na edição da revista, haver um maior aprofundamento dos assuntos e o tratamento de temas que não surgiam na edição em formato de livro. Veja-se, a título de exemplo, a 23.ª lição, intitulada O D. Perifúncio, que aborda a linguagem perifrástica, tema que é uma novidade na edição da revista.
Por outro lado, a diferença no número de lições também se justifica pelo facto de a autora ter uma preocupação em não apresentar lições demasiado extensas, que se tornassem fastidiosas e desadequadas ao contexto da própria publicação, sem, no entanto, nunca descurar a questão pedagógica. Tal como aconteceu noutros momentos, a sua correspondência assume-se como um documento muito valioso e informativo, permitindo-nos ter acesso às suas ideias e ver como acompanhou e orientou todo o processo editorial. O excerto que se segue ilustra precisamente o pedido da autora para se proceder à divisão de uma lição (Figura 10):
[Olha, Maria Lúcia, aqui lhe vai a 20.ª lição, que me parece dever partir-se em duas. Não a acha demasiado grande para um só n.º de “Os Nossos Filhos?” Pode partir-se na pág. 6, com que só se ganha pedagògicamente falando […].] (Transcrição das autoras)
Ao nível do conteúdo gramatical, os títulos das lições também nos permitem identificar diferenças e antecipar um tratamento mais completo dos conceitos, pois alguns deles estendem-se ao longo de mais lições, de que é exemplo o verbo.
A inclusão de mais conteúdos na edição publicada na revista pode justificar-se pelo facto de o público-alvo ser mais abrangente e diversificado, sendo necessário um maior aprofundamento dos conteúdos por forma a responder às necessidades dos diferentes leitores da revista.
Um exemplo de uma abordagem mais completa e aprofundada verifica-se no âmbito do tratamento do substantivo. Uma pesquisa pelo próprio termo nos dois textos apresenta resultados bastante diversos: na edição de 1932, existem 57 ocorrências deste termo, enquanto na edição da revista registam-se 102 ocorrências. Esta divergência também pode ser comprovada se atendermos ao número de lições em que este conteúdo é tratado: o substantivo é estudado na 2.ª, 3.ª e 4.ª lições na edição de 1932, a que se acrescenta, na outra edição, a 8.ª lição.
De seguida, apresenta-se um exemplo para ilustrar as diferenças de tratamento nos dois textos no âmbito do substantivo (Tabela 2):
Tabela 2: O substantivo em A Gramática das Criancinhas e A Gramática no País das Formigas
| A Gramática das Criancinhas | A Gramática no País das Formigas |
| Portanto - ¡reparem bem! - substantivos são os nomes de pessoas, animais e coisas (2.ª lição, p. 6) | Portanto - reparem bem! - substantivos concretos são os nomes de pessoas, animais e coisas. (2.ª lição, p. 8) |
| Para admitirmos estes substantivos - os que tu descobriste e os que eu te mostrei agora - temos de fazer uma abstracção, isto é, temos de isolar, de separar mentalmente uma das qualidades ou das propriedades dum todo, dando-lhe foros de vida independente, que afinal não tem: a esperteza é a qualidade daquele que é esperto, mas só existe nele e nos seus semelhantes, naqueles que também são espertos. Há, portanto, Joaquinita, duas categorias de substantivos. Foi bom termos chamado aos primeiros concretos, para os distinguirmos destes, a que podemos, talvez, chamar abstractos (8.ª lição, p. 9) |
Em A Gramática das Criancinhas, Virgínia Gersão aborda apenas o substantivo concreto, sem, no entanto, fazer referência a esta designação, como se pode confirmar pela definição acima transcrita, ao passo que na outra edição recorre à mesma definição acrescentando a terminologia concreto. No caso do substantivo abstrato, este surge apenas na edição da revista, conteúdo que a autora deixa intencionalmente de parte na edição em formato de livro, por considerar que é demasiado complexo para quem está a iniciar a aprendizagem dos estudos gramaticais:
Por vezes, nas minhas exposições, não sou completa: quando dou, para citar um só exemplo, a noção do substantivo, o substantivo que eu defino é o substantivo concreto, aquele que as crianças podem compreender sem dificuldade, e que apercebem por intermédio dos seus sentidos: as pessoas, os animais e as coisas (Gersão, 1932, p. XII).
Um aspeto que é constante ao longo de todo o texto é a preocupação da autora em apresentar explicações mais detalhadas e mais claras, o que é visível inclusive pela própria extensão de texto. No exemplo que se segue, em que Gersão explica o conceito de pronome possessivo, podemos ver estas características: o texto inicial é o mesmo, no entanto, na edição para a revista, a autora apresenta com maior detalhe a informação, de forma a torná-la mais inteligível. É relevante também destacar o cuidado em remeter o leitor para conteúdos já apresentados e do seu conhecimento, como é o caso da referência aos pronomes pessoais, que já haviam sido tratados em lição anterior (Tabela 3).
Tabela 3: O pronome em A Gramática das Criancinhas e A Gramática no País das Formigas
| A Gramática das Criancinhas | A Gramática no País das Formigas |
| Êsses pronomes - continuou êle - não indicam as pessoas que entram no discurso: que falam, com quem falamos ou de quem se fala; mas indicam a pessoa ou pessoas a quem pertencem os objectos que mencionamos. Se eu te disser, falando-te dêstes livros, que o meu é melhor que o teu, ¿ com estas palavrinhas meu e teu não exprimo a posse? Chamei-lhes, por isso, pronomes possessivos. (11.ª lição, p. 55) | - Esses pronomes - continuou ele - não indicam as pessoas que entram no discurso: que falam, com quem falamos ou de quem se fala - não são pronomes pessoais; - mas indicam a pessoa ou pessoas a quem pertencem os objectos que mencionamos. Se eu te disser, falando-te destes livros, que «o meu é melhor que o teu» com estas palavrinhas meu e teu não quererei dizer que o livro que me pertence, o meu, é melhor do que o livro que te pertence a ti, o teu? O meu e o teu, que se referem à palavra livro - que lá não está! - não indicarão a posse? Não mostrarão que eu e tu é que possuímos esses livros, que os temos? Chamei-lhes, por isso, pronomes possessivos (12.ª lição, p. 8) |
No âmbito do ensino do Português, as diretrizes programáticas da época destacavam a importância de o ensino se basear em exemplos variados, de modo a permitir ao aluno observar e inferir a regra (Decreto n.º 6:203, 1919, p. 203). Esta preocupação está presente logo na primeira edição da gramática, em que a autora “introduz os conteúdos a partir de exemplos diversificados e relacionados com as vivências das personagens, e só posteriormente apresenta o conceito a que se refere, levando a que sejam os alunos a concluírem a regra através do diálogo” (Coelho & Fontes, 2019, p. 15). Esta análise comparativa permite concluir que a exemplificação ainda se tornou mais abundante na edição impressa na revista, sendo vários os momentos em que a autora acrescenta palavras ou frases para ilustrar a regra que está a ser apresentada. O excerto que se segue é uma inovação desta edição para ilustrar as várias possibilidades de uso dos pronomes e adjetivos determinativos possessivos (Tabela 4):
Tabela 4: Exemplos de uso dos pronomes e adjetivos determinativos possessivos em A Gramática no País das Formigas
| A Gramática no País das Formigas |
| Eu vou para minha casa - para a minha; Eu vou para tua casa - para a tua; Eu vou para casa dele; para sua casa - para a sua; Eu vou para casa dela; para sua casa - para a sua; Eu vou para nossa casa - para a nossa; Eu vou para vossa casa - para a vossa; Eu vou para casa deles; para sua casa - para a sua; Eu vou para casa delas; para sua casa - para a sua. E tanto o masculino como o feminino destas palavras têm plural, como podes ver por estes exemplos: Eu dou os meus livros e as minhas borrachas - os meus... as minhas; Eu dou os teus livros e as tuas borrachas - os teus... as tuas; Eu dou os seus livros e as suas borrachas (dele ou dela) - os seus... as suas; Eu dou os nossos livros e as nossas borrachas - os nossos... as nossas; Eu dou os vossos livros e as vossas borrachas - os vossos... as vossas; Eu dou os seus livros e as suas borrachas (deles ou delas) - os seus... as suas. (12.ª lição, p. 8) |
O tratamento do verbo é o momento em que se verificam maiores diferenças quer ao nível do conteúdo quer ao nível da extensão e do número das lições. Enquanto que na edição de 1932 este tema é tratado em quatro lições, na edição da revista este conteúdo ocupa sete lições. Relativamente à ocorrência do termo verbo, verificam-se, na edição de 1932, 95 ocorrências, ao passo que na edição da revista registam-se 166 ocorrências. No tratamento desta classe de palavras, pode verificar-se uma grande diversidade de alterações, nomeadamente mudanças ao nível de nomenclatura gramatical, como acontece, por exemplo, na divisão dos tempos verbais, que na primeira edição são agrupados em tempos principais, primários ou absolutos e tempos secundários, relativos ou históricos e na edição publicada na revista são apenas designados por tempos principais e tempos secundários. Também o esforço para tornar as explicações ainda mais próximas do quotidiano do leitor fica evidente em alguns momentos do texto, de que é exemplo o tratamento do pretérito imperfeito, em que a autora, para além da explicação do conteúdo gramatical, recorre ao exemplo das Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha:
Chamei-lhe o imperfeito, porque, se perfeito quer dizer que está acabado, imperfeito quere dizer que não está acabado. É por isso que àquelas maravilhosas Capelas do Mosteiro da Batalha - que os meninos viram nesses postais que lhes mostrei -, chamaram Imperfeitas, sendo afinal uma obra de Arte que não tem imperfeição nenhuma. Imperfeito quer dizer «por acabar», «por terminar» (Gersão, 1955, n.160, p. 10).
Por outro lado, há um conjunto de conceitos que são acrescentados, como é o caso do reconhecimento da existência do infinitivo pessoal e do infinitivo impessoal, o particípio passado duplo e as regras para o uso de forma regular e irregular, a conjugação pronominal e a conjugação reflexa ou ainda a linguagem perifrástica.
À semelhança do que acontece noutras partes da gramática, também no tratamento do verbo são vários os momentos em que a autora vai acrescentando mais informações e maior detalhe nas informações que fornece, conferindo um maior rigor ao texto, o que se compreende, pois já não estamos perante uma gramática destinada exclusivamente às crianças. Ilustra-se precisamente esta situação nos extratos que se seguem em que a autora sistematiza e define os modos verbais (Tabela 5):
Tabela 5: Os modos verbais em A Gramática das Criancinhas e A Gramática no País das Formigas
| A Gramática das Criancinhas | A Gramática no País das Formigas |
| Há 4 modos: - Indicativo, que indica simplesmente uma acção; Conjuntivo, ou modo da dependência, que indica que a afirmação depende doutra; Imperativo, que exprime uma ordem; Infinitivo, que indica a acção dum modo vago, indeterminado. (18.ª lição, p. 97) | Há quatro modos: O indicativo - que indica a acção como uma realidade; O conjuntivo ou modo da dependência - que enuncia a acção, apenas ideal, como dependente doutra; O imperativo - que exprime uma ordem, um pedido, um conselho; O infinitivo - que indica a acção dum modo vago, indeterminado. (19.ª lição, p. 28) |
5. Considerações finais
Nas últimas décadas, têm vindo a ser realizadas e divulgadas edições de textos metalinguísticos, nomeadamente ortografias e gramáticas, tendo um grupo de investigadores do Centro de Estudos em Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro apresentado um importante contributo para a preservação e divulgação destes textos, o que resultou recentemente na criação de uma importante base de dados, os Portugaliae Monumenta Linguistica.
O presente projeto de edição de A Gramática das Criancinhas e A Gramática no País das Formigas pretende dar a conhecer um texto pouco conhecido na atualidade, que merece um lugar de destaque por possuir características inovadoras, tendo sido escrito por uma mulher num período ainda pouco favorável à participação feminina na produção e publicação de textos, sobretudo gramaticais. Para a consecução deste projeto, foram recolhidas e consultadas diversas fontes que ajudaram a traçar o percurso editorial destes textos. Estes documentos e a análise comparativa de A Gramática das Criancinhas e de A Gramática no País das Formigas permitem concluir que a autora se empenhou sempre em construir materiais adaptados aos seus destinatários, facto que justifica as inovações inseridas na publicação realizada na revista Os Nossos Filhos.
Para além da presente edição, pretende-se de futuro divulgar este texto na base de dados Portugaliae Monumenta Linguistica, constituindo-se como mais um contributo para o subprojeto “Corpus Gramaticográfico do Português”, uma memória textual de referência.
























