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Silva Lusitana
versão impressa ISSN 0870-6352
Silva Lus. v.17 n.2 Lisboa dez. 2009
Impacto dos Incêndios Florestais na Qualidade do Ar em Portugal no Período 2003-2005
Vera Martins* 1, Ana Isabel Miranda**, Anabela Carvalho***, Martijn Schaap**** e Carlos Borrego*****
*Bolseira de Doutoramento
**Professora Associada
***Bolseira de Pós-Doutoramento
*****Professor Catedrático
Centro de Estudos do Ambiente e do Mar. Departamento de Ambiente e Ordenamento. Universidade de Aveiro. Campus de Santiago, 3810-193 Aveiro
****Investigador
TNO. Departamento de Qualidade Ambiental. Apeldoorn, THE NETHERTLANDS
Sumário. Os anos de 2003 e 2005 foram particularmente críticos em termos de ocorrência de incêndios florestais em Portugal, sendo estes responsáveis pela emissão de diversos poluentes para a atmosfera, com efeitos na qualidade do ar. O objectivo principal deste artigo consiste na avaliação do impacto dos incêndios florestais na qualidade do ar, recorrendo a duas abordagens. A primeira baseia-se na análise estatística de dados medidos nas redes de monitorização da qualidade do ar e de área ardida e número de incêndios, em 2003. Esta análise permitiu identificar correlações estatisticamente significativas, ao nível distrital, entre a concentração média de partículas e a área ardida e o número de incêndios. Na segunda abordagem, aplicou-se um modelo numérico para a simulação da qualidade do ar durante os meses de Junho a Setembro de 2003-2005, com a estimativa prévia das emissões dos incêndios florestais. Realizou-se, sobre o domínio de Portugal Continental, uma simulação de referência (sem o efeito dos incêndios florestais) e uma outra considerando também as emissões dos incêndios florestais. Os resultados simulados foram comparados com os valores medidos e denotam uma melhoria significativa quando se incluem as emissões dos incêndios florestais, o que revela o seu importante impacte na qualidade do ar.
Palavras-chave: Emissões; análise estatística; modelação numérica; partículas; ozono
Forest Fires Impacts on Air Quality Over Portugal in the 2003-2005 Period
Abstract. The years of 2003 and 2005 were particularly critical concerning the forest fire activity in Portugal, which was responsible for the emission of several pollutants to the atmosphere, with dangerous effects on the air quality. In this sense, the main goal of this study is to assess the impact of forest fires on the air quality in Portugal, using two approaches. The first one is based on the statistical analysis of measured air quality data, burned area and number of forest fires, in 2003. This analysis identified significant statistical correlations, at district level, between the particulate matter daily concentrations and the burned area and the number of forest fires. The second approach implied the application of one air quality numerical modelling system along the period from June to September of 2003-2005.A baseline simulation (without forest fire emissions) and a simulation considering forest fire emissions were performed over Portugal. Modelling results were compared to measured values showing an important improvement when forest fire emissions were taken into account, which also points to the strong effect of wildfires on air quality.
Key words: Emissions; statistical analysis; numerical modelling; particulate matter; ozone
L'Impact des Feux de Forêt sur la Qualité de l'Air au Portugal Dans la Période 2003-2005
Résumé. Les années 2003 et 2005 ont été spécialement critiques dues à l'occurrence des feux de forêt au Portugal, et aussi responsables par l'émission de plusieurs polluants affectant la qualité d'air. Le but principal de ce travail se penche sur l'évaluation de l'impact des feux de forêt sur l'atmosphère, appelant à deux approches. La première est basée dans lanalyse statistique des données mesurées sur les réseaux de qualité d'air et de surface brûlée et numéro d'incendies en 2003. Cette analyse a permis l'identification de corrélations statistiquement significatives, au niveau du district, entre la concentration moyenne des particules dans l'air et la surface brûlée et le numéro des feux de forêt. Pour la deuxième, un modèle numérique a simulé la qualité d'air de Juin à Septembre 2003-2005, avec l'estimative au préalable des émissions de feux de forêt. Sur le domaine du Portugal une simulation de référence a été réalisée (sans l'effet des feux de forêt) et une autre qui considère aussi les émissions des feux de forêt. Les résultats du modèle ont été comparés avec les données des réseaux de mesure et sont beaucoup mieux quand on inclut les émissions des feux de forêt, rendant évident leur impact sur la qualité d'air.
Mots clés: Émissions; analyse statistique; modélisation numérique; particules; ozone
Introdução
Em Portugal, tal como noutros países do Sul da Europa, o aumento da frequência, dimensão e intensidade dos incêndios florestais, nos últimos anos, tem vindo a gerar preocupação, em particular no seio das comunidades médica e científica. Os anos de 2003 e 2005 foram particularmente críticos, ainda que por diferentes motivos. Em 2003 registaram-se valores de área ardida elevados durante os meses de Verão, enquanto que 2005 se caracterizou pelo elevado número de ocorrências. Na Figura 1 é possível visualizar as regiões afectadas pelos incêndios florestais que assolaram Portugal durante o período de Verão nos anos de 2003, 2004 e 2005.
Figura 1 - Distribuição espacial da área ardida referente aos grandes incêndios florestais (área ardida superior a 100 ha) ocorridos em 2003, 2004 e 2005 (DGRF, 2006)
O fumo resultante da queima da biomassa contém um elevado número de produtos químicos, incluindo partículas e compostos gasosos, designadamente matéria particulada (PM), monóxido e dióxido de carbono (CO e CO2), metano (CH4), hidrocarbonetos não metânicos (HCNM), óxidos de azoto (NOx), óxido nitroso (N2O) e amoníaco (NH3) (Levine, 1999).
A identificação e a quantificação, quer das emissões destes compostos durante os incêndios florestais, quer dos níveis de poluentes no ar ambiente que lhes estão associados, afiguram-se de fundamental importância para a compreensão dos seus efeitos na qualidade do ar. Estes efeitos manifestam-se a várias escalas, desde o contributo para as alterações climáticas (Miranda et al., 1994), até aos episódios locais de poluição atmosférica (Miranda, 2004), passando pelos elevados níveis de ozono (O3) verificados a distâncias médias (escala inter-regional ou mesoscala) das fontes de emissão (Monteiro et al., 2005). A contribuição para a formação de O3 troposférico e a destruição química do O3 estratosférico constituem impactos dos incêndios florestais no ambiente atmosférico. Na troposfera o CO, o CH4, os HCNM e os NOx são gases quimicamente activos que influenciam fortemente as concentrações locais e regionais de importantes oxidantes atmosféricos, como o O3 e o radical hidroxilo (OH-). A produção dos aerossóis está associada a impactes quer à escala local, relacionados com episódios de poluição, quer afectando o balanço radiativo da Terra (Hodzic et al., 2007), e consequentemente o clima global.
A poluição causada pelo fumo proveniente dos incêndios florestais é, por isso, considerada de extrema importância, devido aos riscos evidentes, quer para o ambiente, quer para a saúde humana. Entre os riscos para a saúde humana incluem-se o perigo para a saúde e a segurança do pessoal operacional no combate aos fogos, assim como para a população em geral, causado pela degradação da qualidade do ar e pela diminuição da visibilidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a exposição ao fumo proveniente de incêndios florestais tem sérios impactos na saúde humana (WHO, 1999), que resultam no aumento de entradas nos serviços de urgência e das admissões hospitalares, devido a doenças do foro respiratório e cardiovascular, e no aumento da mortalidade. Em particular, a exposição à matéria particulada em suspensão tem vindo a ser associada a doenças respiratórias e cardiovasculares, e mesmo ao aumento da mortalidade; estimativas da OMS indicam que anualmente se verificam 100 mil mortes prematuras, associadas à exposição a este poluente.
Em Portugal, à excepção de alguns dados provenientes de ensaios experimentais de queima (Miranda et al., 2005a; Valente et al., 2007), existem poucos registos de concentrações de poluentes provocadas por emissões de fogos florestais. No entanto, no ano de 2003 verificaram-se em várias estações de monitorização da qualidade do ar elevadas concentrações de poluentes, especialmente partículas, associadas a incêndios florestais. Em Lisboa, registou-se o valor máximo de concentração de partículas com um diâmetro equivalente aerodinâmico inferior a 10 μm (PM10), do ano de 2003, no dia 13 de Setembro, às 19 horas, na estação da Avenida da Liberdade, 539 μg.m-3 (média horária). Poluentes como o O3 e o CO atingiram, igualmente, valores de concentração bastante elevados.
O objectivo principal deste trabalho consiste na avaliação do efeitos dos incêndios florestais na qualidade do ar em Portugal, recorrendo: (i) a uma análise estatística de valores de área ardida e número de incêndios florestais e de dados de qualidade do ar, para um mesmo período de tempo; e (ii) à simulação numérica da qualidade do ar em Portugal considerando especificamente as emissões dos incêndios florestais.
Época de incêndios florestais 2003, 2004 e 2005
Em 2003, Portugal enfrentou a pior época de incêndios florestais de sempre, durante a qual a área ardida superou largamente a média registada nas últimas décadas (EC, 2004). O ano de 2003 ficou marcado pela perda de 8,6% (423 949 hectares), da área total de floresta portuguesa, o que representa um valor quatro vezes superior à média anual da década de 90 (DGF, 2003).
Após 2003, um ano avassalador para a floresta portuguesa em termos de área ardida, 2004 foi um ano menos catastrófico, embora o risco em termos de condições meteorológicas tenha sido igualmente elevado, nos dois primeiros meses de Verão, Junho e Julho (EC, 2005). Neste ano, os valores contabilizados foram 15 520 ocorrências (dos quais 4 960 incêndios florestais), e uma área ardida de 150 261 ha (DGRF, 2004). Apesar das condições meteorológicas desfavoráveis, particularmente patentes nos meses de Junho e Julho, a extensão da área ardida foi inferior à de 2003, e inferior também à média dos últimos 10 anos. O número de fogos foi, relativamente a 2003, e à média dos últimos 10 anos, também inferior (EC, 2005).
Portugal sofreu entre o fim de 2004 e no ano de 2005 um período de seca intensa. No fim de Agosto de 2005, 71% do território nacional foi classificado como em condições de seca extrema e 29% como seca severa (EC, 2006). Estas situações agrestes contribuíram para o número mais elevado de ignições desde 1980 (primeiro ano com registo de dados). Registaram-se 35 386 ocorrências, que consumiram 338 259 ha de floresta. Quando comparado com a média dos dez últimos anos, os dados afiguram um aumento de 32% no número dos fogos e um aumento de 77% da área ardida (EC, 2006).
O território nacional não foi atingido uniformemente pelas chamas; em termos de ocorrências e de área ardida, é notória a propensão, não só para a ignição, mas também para a propagação da frente de fogo em determinadas localizações mais vulneráveis. Factores como, a orografia, o clima, o ordenamento do território, a presença humana, a disponibilidade de meios de combate, entre outros, acabam por condicionar os prejuízos em termos de áreas ardidas, e consequentemente em termos dos efeitos associados. A Figura 2 apresenta a distribuição, por distrito, de áreas ardidas nos grandes incêndios (com área superior a 100 ha) e respectivo número de ocorrências para os anos 2003, 2004 e 2005.
Figura 2 - Área ardida (barras) e número de ocorrências (pontos) de grandes incêndios florestais ocorridos em 2003, 2004 e 2005 por distrito
Em 2003 os grandes incêndios florestais representaram 96% da área ardida total, 73% em 2004 e 85% em 2005 (DGRF, 2006). Castelo Branco foi o distrito que registou o maior valor de área ardida acumulada, seguindo-se os distritos de Santarém e Faro. Se o critério de análise se basear no número de ocorrências acumuladas, verifica-se que também é o distrito de Castelo Branco que apresenta o valor mais elevado, seguindo-se o da Guarda e o de Viseu.
Estimativa das emissões dos incêndios florestais de 2003, 2004 e 2005
A determinação de emissões de um incêndio carece de um conhecimento explícito da composição do leito combustível, do tipo de combustão e do comportamento do fogo. A combustão da biomassa é complexa, na medida em que é condicionada por inúmeras variáveis que se alteram a cada instante e que contribuem determinantemente para que a quantidade, a taxa, e a natureza dos poluentes variem largamente. Perante a impossibilidade de contabilizar o contributo de todos os factores, na estimativa das emissões dos principais poluentes, recorreu-se à carga combustível (CC), à eficiência de combustão (EC), aos factores de emissão (FEi) relativos a cada poluente, e ainda à área ardida (A) em cada uma das ocorrências (Wiedinmyera et al., 2006; Miranda et al., 2005b), com base na Equação 1:
(Eq. 1)
Entende-se por CC a quantidade de combustível disponível por unidade de área. Depois de uma revisão bibliográfica (Viegas, 1989; Trabaud et al., 1993; ADAI, 2000; PNAC, 2002; EEA, 2004), seleccionaram-se como valores de CC, relativos à floresta portuguesa, os apresentados no Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) de 2002. A EC pode ser definida como a fracção de biomassa consumida relativamente à total disponível. Perante a diversidade de valores de eficiência existentes na bibliografia (Seiler e Crutzen, 1980; Levine et al., 1989; Simpson et al., 1999; Battye e Battye, 2002; PNAC, 2002; EEA, 2004), e após uma análise cuidada FE, optou-se por utilizar os indicados pelo PNAC e pela Agência Europeia do Ambiente (EEA).
Finalmente, no que se refere ao FE, face à multiplicidade de valores disponíveis na literatura, e pelo facto de se pretender representatividade, seleccionou-se um conjunto de FE relativos à floresta do sul da Europa (Miranda, 2004). Uma vez que não existe informação específica sobre o tipo e evolução dos incêndios florestais em Portugal, não foi possível aplicar FE detalhados, utilizando-se os factores referentes ao fogo na sua globalidade.
O Quadro 1 apresenta os valores, por tipo de combustível, da CC, EC e FE, considerados mais apropriados para a determinação das emissões dos incêndios florestais em Portugal.
Quadro 1 - Valores de CC, EC e FE para Portugal (PNAC, 2002; EEA, 2004; Miranda, 2004)
Tipo de Combustível | CC (kg.m-2) | EC | FE (g.kg-1) | ||||||
CO2 | CO | CH4 | NMHC | PM2,5 | PM10 | NOx | |||
Matos | 1,00 | 0,80 | 1 477 | 82 | 4 | 9 | 9 | 10 | 7 |
Resinosas | 8,60 | 0,25 | 1 627 | 75 | 6 | 5 | 10 | 10 | 4 |
Caducas | 1,75 | 1 393 | 128 | 6 | 6 | 11 | 13 | 3 | |
Eucalipto | 3,90 | 1 414 | 117 | 6 | 7 | 11 | 13 | 4 |
Recorrendo aos valores do Quadro 1, bem como à informação relativa às características dos grandes incêndios florestais, foram estimadas as emissões dos diferentes poluentes para cada um dos grandes incêndios ocorridos em 2003, 2004 e 2005. Para uma melhor compreensão do contributo das emissões dos incêndios florestais para os valores totais de poluentes emitidos a nível nacional, apresenta-se no Quadro 2 a comparação entre os valores estimados e o total das restantes emissões provenientes da actividade humana (IA, 2006), para 2003.
Quadro 2 - Comparação entre as emissões totais dos incêndios florestais de 2003 em Portugal e as restantes emissões antropogénicas
Tipo de emissão | Emissões estimadas para 2003 (ton.ano-1) |
| ||||||
CO2 | CO | CH4 | NMHC | PM2,5 | PM10 | NOx | ||
Incêndios florestais | 22 167 772 | 456 858 | 25 773 | 31 616 | 25 773 | 53 440 | 21 194 |
|
Transportes | 19 472 820 | 315 265 | 35 660 | 62 847 | 9 849 | 9 877 | 130 109 |
|
Indústria e serviços | 30 919 120 | 357 701 | 2 760 | 120 887 | 80 372 | 106 365 | 140 371 |
|
Incêndios florestais / emissões totais (%) | 30,6 | 40,4 | 40,2 | 14,7 | 22,2 | 31,5 | 7,2 |
|
Os valores calculados para as emissões dos incêndios de 2003 demonstram a importância destes, que podem atingir 40% no caso do CO e do CH4. Uma comparação em termos de fluxo emitido para a atmosfera, por hora e área, revela valores duas ordens de grandeza superiores ao total libertado pelas restantes fontes emissoras.
A título de exemplo, e devido à sua relevância como poluente atmosférico em Portugal, apresenta-se na Figura 3 a distribuição das emissões de PM10, para cada um dos grandes incêndios florestais, nos 3 anos em análise.
Figura 3 - Distribuição espacial das emissões de PM10 (ton.ano-1) dos grandes incêndios florestais (área ardida superior a 100 ha), ocorridos em 2003, 2004 e 2005
Os mapas da Figura 3 revelam uma distribuição espacial muito semelhante à dos mapas da distribuição geográfica da área ardida (Figura 1), destacando-se: em 2003, a região da Beira Baixa e do Algarve; em 2004, o sul do país; em 2005, a região centro e norte interior.
Análise estatística entre os incêndios florestais e a concentração de partículas na atmosfera
Face ao forte contributo dos incêndios florestais para as emissões de poluentes atmosféricos a nível nacional, afigurava-se como de importância fundamental um estudo mais aprofundado sobre o impacto destes na qualidade do ar. Em primeira abordagem optou-se por uma análise estatística conjunta dos dados de incêndios e dos dados de qualidade do ar.
A análise estatística baseou-se nos valores de concentração de poluentes atmosféricos medidos nas redes regionais de qualidade do ar, durante o ano de 2003, e na área ardida e número de incêndios registados ao nível distrital. Foram considerados três períodos de análise: anual, Junho a Setembro (JJAS) e apenas o mês de Agosto.
Os valores diários de área ardida distrital foram correlacionados com os valores médios diários de PM10 registados em cada uma das estações de monitorização da qualidade do ar. Foram analisadas unicamente as estações de fundo, cuja eficiência de recolha de dados satisfaz os requisitos legais de 85% para PM10 (EC, 2002).
O programa SAS (Statistical Analysis Software), versão 9.1.3 (SAS, 2004), foi utilizado para a análise das variáveis estudadas e estimativa do coeficiente de correlação de Spearman. Optou-se pela correlação de Spearman como parâmetro estatístico mais adequado, pois a área ardida diária e o número de incêndios diários não têm uma distribuição normal.
Visando a obtenção de correlações estatisticamente significativas, ao nível distrital, analisaram-se seis distritos (Aveiro, Coimbra, Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal), para os quais existiam dados de qualidade do ar disponíveis. Foram consideradas várias estações de qualidade do ar por distrito, excepto em Santarém onde apenas se considerou a estação da Chamusca (por ser a única disponível). Na Figura 4 apresentam-se os valores médios de correlação de Spearman entre a concentração média diária de PM10 e a área ardida e o número de incêndios, para cada um dos distritos, para os períodos de tempo considerados. Todos os resultados apresentados são estatisticamente significativos a um nível de significância de 5%.
Figura 4 - Correlação entre a concentração média diária de PM10 e a área ardida (a) e o número de incêndios (b), em termos médios, por distrito, e para cada período analisado
Relativamente aos resultados para as concentrações médias de PM10, os factores de correlação obtidos variam consoante a estação de monitorização e o período de tempo analisados, aumentando bastante quando a análise passa da base anual e se focaliza no mês de Agosto, sendo mais elevados para o número de incêndios. Ao contrário da variável número de incêndios, a variável área ardida apresenta para algumas estações correlações não significativas (estações do distrito de Lisboa).
A correlação máxima com a concentração média de partículas (0,99) foi obtida na estação da Chamusca (Santarém), que apresenta valores muito elevados para o mês de Agosto de 2003, sendo no entanto de notar que apenas estavam disponíveis 7 dias com dados disponíveis. Com valores de correlação inferiores, mas igualmente satisfatórios para o mês de Agosto, destacam-se os distritos de Coimbra e Porto, quer em termos de área ardida, quer em termos de número de incêndios. Durante o ano 2003, o mês de Agosto representou o pico de ocorrências de incêndios florestais (35,7%) e de área ardida (65,7%) em Portugal, justificando-se assim as melhores correlações obtidas para este período.
Os resultados obtidos permitem concluir que existem correlações estatisticamente significativas entre os níveis de partículas na atmosfera e os incêndios florestais. As correlações para a concentração média diária de PM10 são superiores para o número de incêndios, em detrimento da área ardida.
Modelação da qualidade do ar
Desde a sua formação até ao impacto nos ecossistemas e saúde humana, os poluentes atmosféricos emitidos pelos incêndios florestais intervêm num processo complexo, que começa com a emissão resultante da combustão de biomassa, seguindo-se o seu transporte, dispersão, transformação e deposição, e a subsequente inalação pelos organismos vivos, com consequentes efeitos ao nível da saúde. Devido à sua natureza não reprodutível no tempo, o estudo de processos atmosféricos, tanto físicos como químicos, tem beneficiado da aplicação de modelos numéricos.
O sistema de modelação de qualidade do ar LOTOS-EUROS foi seleccionado, face às suas características, para a simulação do efeito dos incêndios florestais na qualidade do ar nos Verões de 2003, 2004 e 2005.
Descrição do sistema de modelação da qualidade do ar
O sistema de modelação da qualidade do ar LOTOS-EUROS (SCHAAP et al. 2005, 2007) é constituído por dois modelos, que foram desenvolvidos independentemente, o LOTOS e o EUROS. Tal como todos os modelos químicos de transporte, este sistema permite a modelação do transporte e transformação química dos poluentes, simula os campos de concentração e deposição de poluentes, tendo por base a solução Euleriana da equação da continuidade. Trata-se de um sistema de modelos químicos de transporte 3D desenvolvido para simulação da poluição do ar na baixa troposfera.
No sistema Lotos-EUROS a componente química contempla o módulo CBM-IV (Carbon-Bond Mechanism), que inclui 28 espécies químicas, envolvidas em 66 reacções, das quais 12 são reacções de fotólise. O CB99 constitui outro mecanismo químico disponível, envolvendo 42 espécies e 95 reacções, das quais 13 correspondem a reacções de fotólise. Na determinação das PM10 consideraram-se as espécies passíveis de contabilização da fracção particulada com diâmetro inferior a 10 μm (carbono negro (CN), sulfato (SO4), nitrato (NO3), amónia (NH4) e sódio (Na)). O modelo incorpora as partículas primárias: carbono elementar e carbono orgânico, o sal marinho e os aerossóis inorgânicos secundários.
A utilização deste sistema de modelação da qualidade do ar iniciou-se com a sua aplicação, numa primeira fase, à escala europeia, com uma resolução horizontal de 0,50° x 0,25° (aproximadamente 35 x 25 km2 na Europa), tendo como objectivo fornecer as condições fronteira, para posterior nesting, sobre o domínio de Portugal com um factor de 2 (17,5 x 12,5 km2). O domínio de simulação estende-se na direcção vertical até 3,5 km acima do nível do mar, onde são consideradas três camadas dinâmicas e uma camada superficial opcional.
Os dados de entrada do sistema LOTOS-EUROS compreendem dados detalhados (espacial e temporalmente) de emissões antropogénicas e biogénicas, informação meteorológica, calculada independentemente (através da Free University of Berlin - FUB) e a caracterização geomorfológica da região de análise (topografia e uso do solo - base de dados PELINDA). As condições iniciais do modelo podem ser de dois tipos: ou previamente calculadas com base em dados fornecidos; ou recorrendo simplesmente à interpolação das condições fronteira especificadas na primeira hora de simulação. As condições fronteira são definidas com base no EMEP (Visschedijk e Denier van der Gon, 2005).
Para a aplicação a Portugal realizaram-se duas simulações: uma designada por simulação de referência (SR), em que não foram consideradas as emissões provenientes dos incêndios florestais; e a segunda, designada de simulação com incêndios (SI), que integra a contribuição dos incêndios florestais para o período de 1 de Junho a 30 de Setembro. As emissões dos incêndios florestais, estimadas previamente, foram incluídas no sistema de modelação da qualidade do ar, através de um módulo numérico desenvolvido para as adicionar às restantes emissões (antropogénicas e biogénicas), na respectiva célula da malha de simulação e para o período de duração do incêndio florestal.
Resultados
A análise dos resultados compreendeu uma avaliação do desempenho do modelo, com base em indicadores estatísticos de qualidade, e do impacto dos incêndios na qualidade do ar, por comparação entre os resultados obtidos nas simulações SI e SR. Incidiu nos poluentes PM10 e O3, devido aos níveis usualmente elevados destes poluentes no ar ambiente em Portugal, e ao facto dos incêndios florestais constituírem também, uma fonte de partículas e de precursores de ozono para a atmosfera.
Na Figura 5 apresentam-se, para os poluentes PM10 e O3, os valores de concentração observados nas estações de qualidade do ar, bem como os valores simulados com o sistema LOTOS-EUROS (considerando as emissões dos incêndios florestais) para o período de Junho-Setembro de 2005.
Figura 5 - Valores de concentração média diária de PM10 observados e simulados com o sistema LOTOS-EUROS para a SI (a), e valores de concentração média horária de O3 observados e simulados com o sistema LOTOS-EUROS para a SI (b), por distrito, para o período de Junho-Setembro de 2005
A partir da Figura 5 é possível verificar que o sistema de modelos LOTOS-EUROS subestima as concentrações de PM10 em todos os distritos analisados, e tende o sobrestimar as concentrações de O3, à excepção dos distritos de Viana do Castelo, Vila Real e Lisboa. No caso de Vila Real, a estação de Lamas de Olo, registou os valores de O3 mais elevados em todo o ano de 2005. Trata-se de uma estação rural de montanha, localizada a 1 086 m, que sofre a influência de massas de ar poluídas vindas do Norte de Espanha (Evtyugina et al., 2009).
A avaliação do desempenho do sistema LOTOS-EUROS foi realizada para o período de Junho a Setembro através da comparação dos resultados de SR e SI com os valores medidos nas estações de monitorização da qualidade do ar. Foram considerados os seguintes parâmetros estatísticos: erro quadrático médio (EQM), erro sistemático (BIAS) e o factor de correlação (r), calculados com base nas expressões seguintes:
(Eq. 2)
(Eq. 3)
(Eq. 4)
onde N representa o número total de valores, Oi corresponde ao valor observado do poluente i e Mi à respectiva concentração simulada. Este conjunto de três parâmetros fornece informação complementar (não sobreposta), e deve, como tal, ser usado integradamente, permitindo melhor avaliar o desempenho do sistema de modelação.
No Quadro 3 apresentam-se os resultados da comparação estatística entre os valores de concentração média, diária de PM10 e horária de O3, observados e simulados (com base na média das estações de monitorização existentes em cada distrito), para cada uma das simulações (SR e SI) para o período de Junho-Setembro dos anos 2003 a 2005.
Quadro 3 - Parâmetros estatísticos relativos ao desempenho do sistema LOTOS-EUROS para a simulação de referência (SR) e para a simulação com emissões de incêndios florestais (SI), por distrito, para PM10 e O3, para 2003, 2004 e 2005
Distrito | PM10 | O3 | ||||||||||
EQM (µg.m-3) | BIAS (µg.m-3) | R | EQM (µg.m-3) | BIAS (µg.m-3) | r | |||||||
SR | SI | SR | SI | SR | SI | SR | SI | SR | SI | SR | SI | |
2003 | ||||||||||||
Porto | 21,82 | 21,43 | 36,03 | 34,90 | 0,63 | 0,67 | 41,51 | 41,73 | -83,58 | -88,92 | 0,67 | 0,68 |
Aveiro | 20,70 | 20,07 | 33,85 | 31,89 | 0,53 | 0,48 | 43,70 | 43,83 | -116,36 | -129,52 | 0,67 | 0,69 |
Coimbra | 22,30 | 20,67 | 38,54 | 34,12 | 0,48 | 0,65 | 40,87 | 40,59 | -62,23 | -69,27 | 0,65 | 0,68 |
Castelo Branco | - | - | - | - | - | - | 40,31 | 39,99 | 3,29 | 1,11 | 0,51 | 0,53 |
Leiria | 19,89 | 18,45 | 30,33 | 26,82 | 0,48 | 0,63 | - | - | - | - | - | - |
Santarém | - | - | - | - | - | - | 43,68 | 43,99 | 15,30 | 14,60 | 0,44 | 0,44 |
Lisboa | 17,55 | 17,01 | 22,92 | 21,28 | 0,54 | 0,49 | 43,26 | 43,27 | 9,80 | 8,58 | 0,45 | 0,47 |
Setúbal | 18,96 | 18,43 | 28,19 | 26,21 | 0,38 | 0,51 | 40,21 | 40,23 | -27,54 | -31,21 | 0,55 | 0,56 |
Média | 20,20 | 19,34 | 31,65 | 29,21 | 0,53 | 0,55 | 41,93 | 41,95 | -37,33 | -42,09 | 0,56 | 0,58 |
2004 | ||||||||||||
Braga | 18,32 | 18,12 | 25,88 | 25,50 | 0,37 | 0,55 | 44,80 | 44,82 | -19,07 | -19,16 | 0,63 | 0,63 |
Vila Real | 15,15 | 14,62 | 14,02 | 12,96 | 0,20 | 0,45 | 44,51 | 44,64 | 23,07 | 23,06 | 0,40 | 0,40 |
Porto | 18,40 | 18,23 | 24,83 | 24,45 | 0,46 | 0,56 | 44,58 | 44,64 | -21,54 | -21,62 | 0,59 | 0,59 |
Aveiro | - | - | - | - | - | - | 44,94 | 44,99 | -26,54 | -26,66 | 0,62 | 0,62 |
Coimbra | - | - | - | - | - | - | 55,88 | 55,98 | -61,46 | -61,66 | 0,30 | 0,30 |
Castelo Branco | - | - | - | - | - | - | 45,10 | 45,12 | -12,93 | -13,26 | 0,53 | 0,53 |
Leiria | - | - | - | - | - | - | 42,17 | 42,21 | -22,26 | -22,36 | 0,58 | 0,58 |
Santarém | - | - | - | - | - | - | 39,95 | 39,95 | -2,44 | -2,55 | 0,54 | 0,54 |
Lisboa | 16,95 | 16,89 | 19,82 | 19,72 | 0,40 | 0,44 | 42,72 | 42,74 | 1,40 | 1,36 | 0,45 | 0,45 |
Setúbal | - | - | - | - | - | - | 52,16 | 52,18 | -39,14 | -39,21 | 0,61 | 0,61 |
Média | 17,20 | 16,96 | 21,13 | 20,66 | 0,36 | 0,50 | 45,93 | 45,98 | -17,54 | -17,66 | 0,50 | 0,50 |
2005 | ||||||||||||
Viana do Castelo | - | - | - | - | - | - | 43,73 | 43,48 | 14,42 | 14,30 | 0,44 | 0,44 |
Braga | 18,16 | 13,58 | 23,83 | 16,84 | 0,38 | 0,82 | 44,77 | 41,07 | -24,48 | -25,27 | 0,74 | 0,75 |
Vila Real | 22,04 | 17,28 | 34,52 | 26,44 | 0,42 | 0,77 | 40,57 | 40,19 | -13,20 | -14,12 | 0,67 | 0,69 |
Porto | 22,12 | 16,71 | 28,50 | 20,23 | 0,31 | 0,75 | 67,64 | 53,23 | 45,93 | 45,28 | 0,55 | 0,56 |
Aveiro | 18,38 | 13,38 | 23,58 | 15,76 | 0,54 | 0,78 | 39,77 | 42,09 | -25,23 | -26,56 | 0,69 | 0,71 |
Coimbra | 22,51 | 16,74 | 37,07 | 22,25 | 0,37 | 0,76 | 39,25 | 41,73 | -20,77 | -21,18 | 0,66 | 0,65 |
Castelo Branco | 23,64 | 18,67 | 27,20 | 20,36 | 0,12 | 0,58 | 47,93 | 35,78 | 0,33 | -1,51 | 0,63 | 0,67 |
Leiria | 27,84 | 20,50 | 42,31 | 32,79 | 0,42 | 0,85 | 38,11 | 38,57 | -17,47 | -18,09 | 0,67 | 0,66 |
Santarém | 24,45 | 20,27 | 34,00 | 27,00 | 0,24 | 0,77 | - | - | - | - | - | - |
Lisboa | 20,56 | 16,82 | 24,15 | 20,09 | 0,43 | 0,57 | 43,60 | 42,03 | 7,72 | 7,05 | 0,52 | 0,53 |
Setúbal | 20,17 | 17,90 | 31,67 | 29,74 | 0,45 | 0,71 | 58,04 | 42,82 | -13,42 | -14,21 | 0,56 | 0,58 |
Évora | 20,14 | 18,15 | 31,64 | 30,31 | 0,47 | 0,69 | 52,38 | 38,73 | -23,92 | -24,97 | 0,58 | 0,59 |
Faro | 19,61 | 17,83 | 31,57 | 30,89 | 0,51 | 0,59 | 62,21 | 34,84 | -8,34 | -8,83 | 0,62 | 0,62 |
Média | 21,64 | 17,32 | 30,84 | 24,39 | 0,39 | 0,72 | 48,17 | 41,21 | -6,54 | -7,34 | 0,61 | 0,62 |
- Dados medidos não disponíveis
Ao comparar os dois poluentes em análise constata-se que: (i) as PM10 apresentam EQM menores (ii) o BIAS apresenta em média valores positivos para as PM10 e no caso do O3, valores ora negativos ora positivos, em função do distrito. Valores de BIAS negativos denotam sobrestimativa, por oposição os valores positivos denotam subestimativa. De uma forma geral, o desempenho do sistema de modelos é razoável, verificando-se que ao nível distrital a inclusão das emissões dos incêndios florestais se traduziu na diminuição inequívoca, no caso das PM10, do EQM e do BIAS e do aumento do coeficiente de correlação. No que se refere ao O3 esta melhoria não é tão notória, quer na diminuição dos erros, quer no aumento da correlação. Este facto indica que as emissões dos fogos assumem um papel preponderante ao nível do consumo deste oxidante, e não só na sua formação.
Até ao momento não foi realizada a avaliação dos efeitos dos incêndios florestais na qualidade do ar em Portugal, recorrendo a simulação numérica da qualidade do ar com este horizonte temporal. No entanto, o sistema de modelos MM5-CHIMERE foi utilizado para simular os impactos na qualidade do ar associados aos incêndios florestais ocorridos durante o mês de Agosto de 2003 em Portugal (Miranda et al., 2007). O desempenho do referido sistema de modelos é satisfatório, apresentando desvios médio (EQM) para as PM10 e O3 de 20-40 µg.m-3. Há, porém, uma sobrestimativa das concentrações (BIAS > 0) de ambos os poluentes no região do Porto (e Setúbal), ao contrário do restante país.
A título de exemplo, e para uma melhor visualização da melhoria da simulação quando se consideram as emissões dos incêndios florestais, apresenta-se na Figura 6 a análise estatística detalhada, por estação, para as PM10 no ano de 2005.
Figura 6 - Parâmetros estatísticos (EQM, BIAS e r) obtidos na validação do sistema de modelação LOTOS-EUROS, para o ano 2005, para cada estação de monitorização de PM10
Verifica-se que em todas as estações o EQM e o BIAS diminuem consideravelmente quando as emissões dos incêndios são consideradas, o que releva uma expressiva melhoria do desempenho do sistema LOTOS-EUROS. Observa-se também em 2005, tal como nos outros anos, a subestimativa das concentrações de PM10 (BIAS > 0). O coeficiente de correlação aumenta em todas as estações, em média 40%, evidenciando-se as estações de Calendário e Ervedeira que apresentam valores superiores a 0,8 ao incluir as emissões dos incêndios.
A estação da Chamusca (distrito de Santarém), que normalmente regista baixos níveis de poluição, é um exemplo ilustrativo desta influência. Em termos estatísticos apresenta uma correlação entre a área ardida e níveis de PM10, de 0,95. Para além disso, nesta estação, encontrou-se uma melhoria significativa no desempenho do modelo na simulação das PM10 (da ordem de 70%) quando são incluídas as emissões dos incêndios florestais em 2005.
Em suma, face à análise dos parâmetros estatísticos que traduzem o desempenho do sistema LOTOS-EUROS, constata-se que a simulação dos níveis de PM10 apresenta um desempenho melhor do que a simulação dos níveis de O3. Tal poderá dever-se ao próprio efeito do fumo na taxa de fotólise do ozono, que não foi considerado na simulação, mas que poderá ter afectado a produção deste poluente fotoquímico.
Para uma melhor avaliação do impacto dos incêndios florestais na qualidade do ar em Portugal, apresenta-se nas Figuras 7 e 8 a distribuição espacial das concentrações média diária de PM10 e concentração máxima horária de O3, respectivamente, para o período compreendido entre os dias 2 e 4 de Agosto de 2003. Representam-se as diferenças espaciais dos valores de concentração obtidos em SR e SI (a), e os valores absolutos resultante da simulação SI (b) (em que se consideraram todas as emissões).
Figura 7 - (a) Diferenças obtidas entre a simulação com emissões de incêndios florestais e a simulação de referência, e (b) resultados da simulação com emissões de incêndios florestais, para a média diária de PM10 (µg.m-3), para os dias 2 a 4 de Agosto de 2003
Figura 8 - (a) Diferenças obtidas entre a simulação com emissões de incêndios florestais e a simulação de referência, e (b) resultados da simulação com emissões de incêndios florestais, para a máxima horária de O3 (µg.m-3), para os dias 2 a 4 de Agosto de 2003
É particularmente evidente no dia 2 de Agosto a diferença de concentração de PM10, o que denota a influência dos incêndios, que lavraram no distrito de Castelo Branco, quer praticamente em todo o território continental, quer na região Centro (com valores superiores a 10 µg.m-3).
O estudo realizado para os 3 anos permitiu verificar que o impacto dos incêndios florestais na qualidade do ar foi mais evidente no ano em que o número de ocorrências foi mais elevado, e com uma distribuição espacial mais alargada (2005), em detrimento de um ano em que a área ardida foi elevada, mas localizada maioritariamente em duas regiões (2003). No ano de 2004, em que a área ardida e o número de grandes incêndios se pautam por valores médios, considerados normais para Portugal, é ainda notória a influência do contributo das emissões dos incêndios florestais para a degradação da qualidade do ar.
É manifesta a influência dos grandes incêndios que assolaram a região da Beira Baixa nos primeiros dias do mês de Agosto de 2003 (Figura 8), ao nível das concentrações de O3, com diferenças horárias superiores a 30 μg.m-3. No dia 3 de Agosto os efeitos são mais pronunciados a Norte e no dia 4 é a Sul que os efeitos se manifestam com maior expressão.
Conclusões
O principal objectivo do trabalho ficou plenamente demonstrado: os incêndios florestais em Portugal têm uma importância significativa na qualidade do ar, face ao tipo de poluentes emitidos e suas quantidades e, por isso, afectam a saúde humana. As emissões resultantes dos incêndios podem representar (como sucedeu em 2003) cerca de 40% das emissões antropogénicas de CO e CH4.
As duas abordagens adoptadas (análise estatística e simulação numérica) evidenciaram e comprovaram o impacte das emissões dos incêndios florestais nas concentrações de poluentes atmosféricos. A análise estatística estabeleceu correlações estatisticamente significativas entre as concentrações de partículas no ar ambiente e os incêndios florestais, ao nível distrital, demonstrando uma relação directa entre as emissões dos incêndios e consequentes impactes na qualidade do ar. A estimativa das emissões horárias dos incêndios florestais revela valores duas ordens de grandeza superiores ao total emitido pelas restantes fontes emissoras, apontando claramente para a importância destes na degradação da qualidade do ar.
A inclusão das emissões provenientes dos incêndios florestais num sistema numérico de modelação da qualidade do ar melhorou significativamente os resultados obtidos, e permitiu quantificar as elevadas diferenças nas concentrações de poluentes aquando da ocorrência de um incêndio florestal, bem como a influência decisiva do fumo libertado na qualidade do ar em Portugal Continental. A maior diferença entre os resultados das SR e SI, que se traduz num maior impacto dos incêndios na qualidade do ar foi registada no ano 2005, relativamente às PM10 nos distritos de Braga, Porto, Vila Real, Aveiro, Castelo Branco e Santarém; e no caso do O3, no distrito do Porto.
Este estudo permitiu evidenciar a importância da inclusão das emissões dos incêndios florestais nos sistemas de modelação da qualidade do ar para uma melhor avaliação dos seus impactos nos ecossistemas e na saúde humana.
Agradecimentos
Agradece-se à Fundação para a Ciência e a Tecnologia e ao Fundo Social Europeu no âmbito do 3º Quadro Comunitário de Apoio pela atribuição da bolsa de doutoramento de V. Martins (Ref. SFRH/BD/39799/2007), e também ao projecto INTERFACE (POCI/AMB/ 60660/2004) pelo financiamento da bolsa de investigação científica de V. Martins e ao Projecto FUMEXP (PTDC/AMB/66707/ 2006). Os autores agradecem à Direcção Geral dos Recursos Florestais a disponibilização dos dados referentes aos incêndios florestais.
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Entregue para publicação em Junho de 2009
Aceite para publicação em Outubro de 2009
1 1º Autor E-mail: veram@ua.pt